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Formação dos Estados Africanos

O caso cabo-verdiano

João Octávio da Rocha Nascimento.


Docente do Instituto Superior Educação-Cabo Verde.
Doutorando Sociologia Histórica e Política-Univ. Beira Interior.

1 Introdução
A formação dos novos Estados africanos é o resultado da conjugação de forças internas e externas ao
continente. Estas forças agiram integradas, principalmente a partir do final da II Guerra Mundial, em torno dos
movimentos organizados contra a ordem colonialista e com a bandeira desfraldada do nacionalismo. Parafraseando
Fanon, «era o início da luta dos condenados da terra num processo de dimensões internacionais que não se
reduzia à África» 1. Quase todas as nações afro-asiáticas viveram a partir dos anos cinquenta a conquista das
independências políticas (Anexo I) por meio das mais variadas estratégias, desde a via pacífica da negociação até
à violência da guerra civil.
Era também a revolta dos colonizados que tinham vivido as mudanças dos seus padrões materiais por meio
do trabalho forçado, da proletarização dos seus camponeses e do racismo como prática social. A exploração do
homem pelo homem, por meio da expropriação económica e da destruição da memória colectiva de um passado
que deveria ser negado em função dos paradigmas metropolitanos, começou a ser fortemente combatida pelos
intelectuais colonizados e cristalizados nos movimentos e nos partidos de libertação nacional.
Os movimentos publicitaram as suas propostas já no final da década de cinquenta e início da de sessenta,
em torno de lideranças carismáticas como as de Senghor, N´Krumah, Nyerere, Kenyatta, Boigny, Lumumba,
Mondlane, Amílcar Cabral. Articuladas em torno de movimentos sólidos e progressistas como a Frente de
Libertação Nacional (Argélia) e o Movimento Nacional Congolês (Zaire), de organizações reformistas como a União
Africana do Quénia e a União Africana de Tanganica, ou de partidos organizados como o United Gold Coast
Convetion (fundado em 1947 e liderado por N´Krumah), as reivindicações nacionalistas começaram a tomar fôlego
não só na intelectualidade e pequena-burguesia, mas também na sociedade como um todo.
O apelo nacionalista dos movimentos, perfeitamente compreensível em termos de repulsa ao colonialismo,
foi uma bandeira de dupla face no processo de descolonização. Por um lado, foi o herdeiro legítimo de dois tipos de
movimentos que o antecederam: os de resistência à conquista colonial desde o século XIX, as resistências argelina
e sudanesa, as guerras axantis contra os ingleses, as guerras zulus contra o trabalho forçado na África Austral, etc.;
e os de renovação islâmica, que, com um carácter religioso, procuravam enfrentar os dogmas da colonização do
norte da África.
Por outro lado, ao assimilar temas abrangentes como liberdade, igualdade, fraternidade, soberania popular
e parlamentarismo, o nacionalismo pregado pelos movimentos de libertação ficou prisioneiro do ideário burguês e
ocidentalizante dos seus colonizadores. Foi nesse sentido que, apesar de um movimento de ideias de renovação
política, da radicalização de muitos movimentos de libertação e da própria crise hegemónica das metrópoles
europeias provocada pela II G M, o processo da luta anti-colonial ficou atrelado à intermediação e à tutela da
administração colonial, que tentou, na maioria dos casos, uma transição pacífica do poder a minorias locais,
brancas ou negras, que estivessem dispostas a não alterar estruturalmente as sociedades africanas.
Por isso, a independência das colónias francesas ocorreu sob a égide da «Lei-Quadro» (1957) 2, que
estimulava a introdução de uma descentralização administrativa nas colónias por meio da ampliação do voto pelo
sufrágio universal e da africanização dos administradores coloniais. Essa estratégia contribuiu para a destruição de
associações combativas, como as federações da África Ocidental Francesa e da África Equatorial Francesa, e para
a balcanização dos movimentos dessa região. A consequência natural desse processo foi o surgimento de Estados
sem poderes reais e em permanente competição entre si.

2 Emergência dos novos Estados africanos


Em 1960, com a instauração do princípio da cooperação, liderada por De Gaulle e com o endosso popular
da V República, que em Setembro de 1958 criou a Comunidade Francesa, foi oficialmente proclamada a
independência de uma série de colónias: Camarões, Togo, Senegal, Mali, Costa do Marfim, Daomé, Alto Volta,
Níger, República Centro Africana, Congo-Brazzaville, Gabão, Chade, Madagáscar e Mauritânia. Dois anos antes,
em 1958, havia ocorrido a génese da Guiné-Conakri como Estado independente e chefiado por Sekou Touré. Na
África do Norte, outros dois Estados de colonização francesa antecederam os demais no processo de instauração
da independência. A Tunísia, o mais setentrional dos Estados africanos, proclamou unilateralmente a sua
autonomia em 1954, e dois anos depois a França reconheceu a soberania e a independência do regime. Em
Marrocos, a descolonização foi mais complexa: o sultão Bem Yussef liderou uma oposição nacionalista e popular
contra o colonialismo. Foi levado ao trono em 1953, mas em 1956 foi realmente reconhecida a independência final
do Marrocos.
Ainda na África Ocidental, no âmbito da descolonização de países de expressão francesa, destacaram-se
dois novos Estados, que apresentaram um processo pacífico de transição para a independência: Gana e Nigéria.
Gana ficou livre em 1957, primeiro país da África Subshariana a alcançar formalmente essa nova situação. Liderada
por N´Krumah, a libertação ocorreu no quadro de uma nítida diversidade de características. Fronteiras
absolutamente artificiais, quatro nacionalidades com diferenças culturais e sociais acentuadas, várias burguesias
concorrentes e um sector da sociedade em forte processo de proletarização. Articulado em torno da Partido de
Convenção do Povo, fundado em 1949 e herdeiro do United Gold Coast Convention, N´Krumah conseguiu liderar
um forte movimento nacionalista com significativa relevância popular.
A Nigéria formada por nove grupos nacionais e onde se falam mais de duzentas línguas e dialectos,
enfrentou o mesmo problema, comum a quase todas as independências africanas: as fronteiras reais dos grupos
nacionais e religiosos não correspondiam as fronteiras formais e legais forjadas pelo colonialismo inglês. Ao norte
estavam os Haussa, Fulani e Kamuri; os Ibo a leste e os Ioruba a oeste. O carácter regional das reivindicações
nacionalistas gerou um limite nítido do movimento como um todo e facilitou a liderança da pequena burguesia do
sul. Mas, em 1960, depois de uma relativa unidade conjuntural, a Nigéria alcançou a sua independência política.
Na África Oriental, onde predominou a colonização inglesa, com excepção feita à Tanganica, antigo
território alemão, mas sob a tutela da Inglaterra, três países chamaram a atenção pelas semelhanças observadas
no processo de emancipação. São os Estados que os ingleses pretenderam, num primeiro lugar da descolonização,
integrar sob a forma de uma espécie de federação: Tanganica, hoje Tanzânia, Quénia e Uganda. O projecto
federativo foi malogrado pela própria dinâmica do processo de independência: (i) os fazendeiros brancos do Quénia
não aceitaram a união com a Tanzânia; (ii) a tradição monárquica e tribal de Uganda não suportaria uma estrutura
federativa a que pudesse violar os poderes constituídos; (iii) a tentativa britânica de integrar a Tanzânia a um
sistema económico mais activo na região, por meio da cultura de amendoim e da construção da infra-estrutura
básica para o escoamento rápido dos produtos, fracassou pela concorrência da produção queniana.
Foi por esse quadro que a dissolução passou a ser a opção mais conveniente aos movimentos de
emancipação. A Tanzânia teve a liderança carismática de Nyerere, que soube articular a complicada representação
dos brancos com africanos e hindus na constituição do novo Estado. Ademais, inspirado na tradição de Ghandi e
Nehru, defendeu a forma não violenta de luta pela libertação. Finalmente, procurou construir um Estado com
características novas. Implementou um projecto nacionalista, modernizante e que, ao mesmo tempo, ensaiasse
uma via africana própria ao socialismo. Em 1964 foi assinada a união com Zanzibar, e o nome Tanganica foi
substituído por Tanzânia.
O Quénia apresentava uma situação especial no processo de emancipação da África Oriental: tendo sido
uma espécie de colónia de povoamento, possuía uma elite branca local, aproximadamente sessenta mil em 1950,
que usou todos os artifícios para impedir, num primeiro momento, o processo de independência e, posteriormente,
garantir a sua hegemonia no controle do aparelho estatal. Havia um abismo social muito grande entre esses
fazendeiros do planalto, que possuíam 25% das terras cultiváveis e a população camponesa africana, que vivia
uma realidade de miséria. O processo de independência foi liderado por Kenyatta, um ilustrado de Kikuyu, a mais
poderosa nação do Quénia e que promoveu a Revolta Mau-Mau, de 1950, que, formado em Londres e sem perder
jamais os seus vínculos com a ex-metrópole, levou o país à autonomia política em 1963.
Em Uganda, a relação das grandes companhias coloniais algodoeiras instaladas pelos ingleses com as
autoridades tradicionais e quase monárquicas levou a uma política típica do indirect rule, com uma consequência
evidente para o processo de descolonização. A liderança e o controle do movimento nacionalista estiveram sempre
nas mãos dessa pequena burguesia, de raízes tradicionais africanas, que servia de intermediária à exploração
capitalista. Foi dentro desse conteúdo classista que surgiu o Congresso do Povo de Uganda, sob a liderança de
Milton Obote, que levou o país à independência em 1962. Apesar do seu carácter explicitamente pequeno burguês,
este grupo social que passou a controlar o Estado nascente não teve nenhum pudor em construir um falso discurso
socialista numa realidade material que permaneceu marcada por uma produção nitidamente assalariada, para a
exportação, sem uma mínima alteração das relações sociais, tão desiguais entre os controladores da produção de
café e algodão e os trabalhadores. Milton Obote foi derrubado em 1971 por um general que ficou conhecido
internacionalmente pelos seus dotes autoritários e repressivos: Idi Amin.

3 As transições violentas: Zaire, Argélia e África portuguesa.


Uma outra vertente das lutas pela independência na África, a que gerou uma estrutura de Estado
diferenciada dos casos anteriores, foi aquela marcada pela violência e pela guerra civil. Três casos clássicos
ocorreram em África: o Zaire, na África Subshariana, a Argélia, na parte setentrional do continente, e a África de
expressão portuguesa, com um processo tardio de transição.
a) Independência política formal do Zaire
O Zaire, ex-Congo Belga, recebeu apressadamente a sua independência política formal das autoridades
coloniais belgas, em 1960, depois de sangrentos motins em Leopoldville, em Janeiro de 1959. Nem os belgas nem
os nacionalistas congoleses estavam preparados para essa independência, chamada pelos belgas de aposta
congolesa. Foi uma aposta precisamente porque a Bélgica, como país colonial, não havia tido recursos para
transformar-se em uma potência neocolonial.
A debilidade da Bélgica como potência colonial significou a sua nulidade como potência neocolonial.
Enquanto os britânicos e franceses estimulavam a formação de uma pequena burguesia local como classe de apoio
as suas acções desde o período de entre-guerras, a Bélgica descansava no seu trono falacioso de potência
colonial. É por esse motivo que o nacionalismo zairense foi tão atrofiado como o próprio colonialismo belga. Isso,
entretanto, não impediu uma guerra civil violenta, que tomou os primeiros anos da década de sessenta.
Em Maio de 1960, foram realizadas as primeiras eleições, com a vitória da tese unitária sobre os
federalistas que desejavam fortes poderes provinciais sob um poder federal fraco. Foi a vitória do Mouvement
National Congolais (MNC), de Lumumba, que, formado de maneira superficial em 1958 para apresentar um
memorando às autoridades belgas sobre as medidas de descolonização, rapidamente descobriu que não possuía
uma base social nem a capacidade organizativa de quadros competentes para assumir o poder. Foi por isso que as
companhias financeiras, monopólio belgas, como a Union Minérale du Haut-Katanga, a Unilever, a Forminnière e a
Société General de Belgique não tiveram, num primeiro momento, nenhum problema em apoiar Lumumba. O ex-
Congo Belga independente e dirigido por uma classe dominante local, débil e muito dependente do capital
financeiro belga, era uma solução política à crise de poder.
Esse foi o interregno de Lumumba no poder, que, inspirado de certo modo em teorização socialista com
cores africanas, não conseguiu suportar os movimentos separatistas e federatistas, como os de Katanga, liderado
por Tshombe e do Kasai, liderado por Kalondji. Instalaram-se a guerra civil e o caos económico com a paralisação
de toda a produção e a intervenção de tropas belgas e das Nações Unidas. Lumumba foi preso e assassinado em
Katanga. O poder passou a ser exercido por Mobutu e com um forte apoio dos capitais internacionais.
No centro do assassinato de Lumumba, cujo relato já tomou características até pitorescas na literatura de
descolonização, estava a própria incapacidade do Mouvement National Congolais em controlar as lutas de classes
do Congo contra as estratégias do capital financeiro belga, os colonos de Katanga e os seus colaboradores
africanos, as rivalidades entre as potências imperialistas pela repartição do território e os interesses da política dos
Estados Unidos para a África.
A ascensão de Mobutu ao poder esteve intrinsecamente ligada a uma estratégia neocolonial no Zaire.
Diante do fracasso das potências imperialistas em instituir um estado controlado por elites locais civis, o caminho foi
buscar o estrato social organizado capaz de impor pela força o projecto neocolonial: os militares, por meio do
Armée Nacional Congolais. Foi precisamente a partir da sua criação que Mobutu pôde utilizar os instrumentos
coercivos do Estado para impor um regime político personalizado e que se recorria momentaneamente de um
discurso populista demagógico, sem atender, de facto, às pressões das forças sociais populares.
b) A descolonização da Argélia
A Argélia, país do norte da África e de uma longa trajectória de história muçulmana, durante a
descolonização o predomínio da comunidade islâmica era de 80% sobre o total da população, reagiu violentamente
tanto à sua conquista pela França, no século XIX, quanto ao processo de emancipação, que começou em 1954 e
terminou em 1962 com os acordos de Evian.
A luta argelina pela libertação teve raízes profundas nas próprias condições paupérrimas em que viviam os
colonizados da região, sem acesso às melhores terras para o cultivo e condenados a um estado de pobreza que foi
amplamente discutido por Albert Memmi no seu Retrato do colonizado precedido de retrato do colonizador e por
Frantz Fanon no seu livro intitulado Os condenados da terra. Ademais, a tradição muçulmana e a força das ideias
do nacionalismo egípcio penetraram de forma revolucionária entre os intelectuais e líderes tradicionais da região.
Ao mesmo tempo, o processo argelino teve uma repercussão de peso nos destinos da metrópole
colonizadora, a França. A emergência da V República, com o novo governo de De Gaulle, esteve directamente
relacionada ao conflito. A opinião pública francesa ficou dividida, até os últimos momentos da guerra, entre a
continuação do jugo colonial e uma saída digna para a ex -metrópole.
Entretanto, a característica central do processo da luta foi a arregimentação dos sectores subalternos por
parte da elite local tradicional em torno da Frente de Libertação Nacional (FLN). Foi um movimento político e militar
absolutamente eficaz em seu princípio de emancipação e pode, no bojo da luta, criar as bases para o novo Estado.
A rebelião iniciou-se em 1954, com atentados que se alastraram por todo o território. O comunicado da FLN era
claro com relação ao sentido que teria a guerra anticolonial: era, segundo Yazbek uma «luta revolucionária pela
liquidação total do sistema colonial e pela independência nacional para restaurar o Estado argelino (1983, p. 35) 3.
Teve início das mais sangrentas guerras de libertação do século. A repressão francesa esteve sempre
presente, e as negociações políticas tinham o limite claro das primeiras declarações de então. Ministro do Interior
François Mitterand, que insistia em dizer: a Argélia é a França não se negoceia (Yazbek, 1983, p. 36) 4. A
estratégia da FLN foi interna, por meio da guerra armada, e internacional, nos foros com as Nações Unidas, em
bases de outros países árabes do norte da África, como o Egipto, e em conferências como a de Bandung.
O desenvolvimento da guerra levou a experiências traumáticas, como nos meses de Janeiro a Setembro de
1957, quando a FLN teve um desfalque significativo na Batalha de Argel, e acelerou o desenvolvimento de
organização para-militares violentíssimas, como a dos para-quedistas franceses que se recusavam a aceitar as
próprias negociações políticas de Paris. Foi nesse quadro que se geraram a crise da IV República e a emergência
da tendência da negociação e da possibilidade de autodeterminação: era o regresso de De Gaulle e dos seus
referenda à população francesa.
A guerra chegou ao fim com mais de um milhão de mortos e o país destruído. Os acordos de Evian foram
assinados a 18 de Março de 1962, e os seis milhões de argelinos declararam-se favoráveis à independência no
plebiscito de 1.º de Julho de 1962. A FLN consolidou-se como partido único, e Bem Bella, líder importantíssimo da
luta, uniu a Boumedienne, outro militante que havia actuado a partir do Marrocos. Assumiu a presidência do país e
transformou-se num símbolo da luta anticolonialista. Em 1965, Boumedienne derrubou Bem Bella e, com um
discurso em torno da revolução socialista no país, consolidou a revolução, dando um forte impulso ao carácter
comunal e regional da produção e da organização política. Com a sua morte, foi sucedido por Chadli, que tem dado
continuidade ao projecto modernizante de Boumedienne e tem sido criticado pela concentração de poderes em
torno de uma burguesia estatizante.
c) A África de colonização portuguesa
Finalmente, um último processo violento de formação de novos Estados no continente foi o da África de
colonização portuguesa: Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe. Os movimentos
de libertação desses países distinguiram-se claramente dos demais por dois aspectos centrais. Por um lado,
obtiveram a emancipação num processo de descolonização posterior à grande leva de independência das décadas
de cinquenta e sessenta. Por outro, foram mais além nas suas demandas por uma revolução que de facto alterasse
as estruturas neocoloniais: o importante não era só expulsar o colonizador, mas reconstruir a sociedade em bases
socialistas.
Tratou-se de um processo de luta bastante sangrento e com um nível de violência que foi consequência
natural dos métodos arcaicos de actuação do regime salazarista. Portugal, que vivera o regime de Salazar desde a
década de trinta e viu a sua continuidade com Marcelo Caetano a partir de 1968, era um país pobre e já se havia
acostumado à recriação permanente do seu império colonial desde o século XVI. Foram os portugueses os
introdutores da prática do indirect rule e da compulsão das sociedades africanas ao trabalho migratório nas minas
da África do Sul e da Rodésia. Tudo isto era feito dentro de um princípio ideológico, quase messiânico, segundo o
qual estavam exercendo uma missão civilizadora na África.
Ao lado dessa mitificação justificadora do projecto colonial, Portugal exercia um nítido papel de
intermediário das grandes companhias capitalistas na região austral da África. A partir da reordenação da economia
mundial do pós -guerra, essas companhias puderam monopolizar matérias-primas e actividades de infra-estrutura,
como transporte e portos. A apropriação das riquezas naturais e a utilização das condições locais favoráveis à
obtenção de altíssimos lucros permitiram também a mais brutal exploração das populações negras. O nível de
exploração mudava, em um leque de variantes, do uso de certos trabalhos especializados de elites locais
tradicionais até à proletarização de parte da força de trabalho.
Foi nesse quadro de relações especiais entre o Estado português e as companhias transnacionais que os
movimentos de libertação nacional começaram a sua acção. Organizado na década de cinquenta e dirigido por
intelectuais que puderam estudar em Lisboa, o processo de crítica ao colonialismo teve como foco inicial o Centro
de Estudos Africanos. Reunia os principais futuros líderes dos movimentos da descolonização: Agostinho Neto,
Mário de Andrade, Amílcar Cabral e outros mais. Funcionando na clandestinidade, as acções do nascente
Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) foram significativas na década de cinquenta, ao impedirem a
expansão da vigilância da Polícia Internacional da Defesa do Estado (PIDE) e ao convocarem o povo angolano à
tarefa de arrastar o imperialismo, o colonialismo português, e à construção de Angola como país independente. O
programa era, desde o início, de inspiração marxista. Em Angola surgiram outros movimentos com projectos
separatistas, de bases tribais e pós -capitalistas: a FNLA, de Holden Roberto, e a UNITA, de Jonas Savimbi.
A revolta armada e os ataques guerrilheiros começaram na década de sessenta. A repressão foi sempre
violenta, e no início da década de setenta, com o aumento da presença de efectivos portugueses nas colónias,
havia 140 mil homens mobilizados contra os movimentos de libertação.
Em Moçambique, a liderança do processo coube à Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO); e na
Guiné-Bissau, ao PAIGC, de Amílcar Cabral. A guerra desenrolou-se em toda a década de sessenta com pressões
de países vizinhos e da OTAN, e com protesto da opinião pública internacional na ONU.
Mas só no Movimento das Forças Armadas, em Abril de 1974, e a evidente crise do sistema político
português foi possível proclamar finalmente a independência desses países colonizados por quase quinhentos
anos. Os anos que se seguiram foram de divisões internas e negociações internacionais, típicos de um período de
reorganização das forças hegemónicas e de problemas de implementação das mudanças pleiteadas em economias
arrasadas pela guerra. Essa é uma das crises que ainda persistem em cada um desses países.

4 Relações entre diversidade e unidade dos Estados africanos contemporâneos.


A heterogeneidade dos novos Estados africanos é um facto bem visível, pois, pela simples observação do
mapa político podemos constatar o mosaico complexo das formas territoriais e certas unidades regionais e culturais
com características particulares, como a África Ocidental que tem o francês por língua oficial, a África Oriental de
expressão inglesa, a África Muçulmana, a África Austral e outras mais. Entretanto, atrás dessa constelação existe
um quadro de semelhanças estruturais que tem origem histórica no colonialismo e ponto de chegada na
constituição dos aparelhos estatais e no seu conteúdo de classe.
Não se pode questionar que o Estado colonial implantado no continente africano teve uma função
eminentemente económica. Era indispensável a criação de relações capitalistas, desenvolvendo classes sociais
locais que servissem de intermediárias à penetração imperialista. Por motivos imperativos, o Estado colonial foi
autoritário e repressivo. Os novos Estados africanos, na quase totalidade, herdaram tais características. São o
resultado de uma luta de libertação nacional, mas todo o processo de transição foi tutelado pela própria estratégia
metropolitana de reprodução da ordem capitalista, sem o controlo político directo.
Um excelente trabalho encomendado por British Colonial Office (Hailey, 1975) evidencia a estratégia de
descolonização pelas ex-metrópoles. A finalidade do estudo era proporcionar sugestões à administração sobre o
que fazer perante a inevitabilidade das independências políticas. Hailey argumentou que as leis coloniais, pelo seu
carácter coercivo, eram obstáculos ao desenvolvimento interno das sociedades africanas. Com o fito de produzir
mais para o mercado, os africanos deveriam ter mais liberdade para melhor produzir e comercializar os produtos.
Era nesse sentido que ele sugeria a liberdade sindical e política para todos os africanos. Por outras palavras, o
novo desenvolvimento capitalista do pós-guerra necessitava de outro tipo de Estado. Os Estados Unidos da
América (E U A), potência mundial e reconstrutora da própria ordem económica europeia, soube extrair proveito do
estudo de Hailey. A medida que os movimentos nacionalistas africanos começaram a exigir liberdade e
autodeterminação, houve uma forte tomada de consciência dos E U A, líder da Organização do Tratado do Atlântico
Norte (NATO) de que esses movimentos deveriam ser afastados da esfera da influência do sistema socialista
mundial.
O Estado africano contemporâneo nascia, portanto, viciado pelas regras do período anterior. Na sua
relação com o contexto social interno, os novos Estados deveriam possibilitar o desenvolvimento e a expansão de
uma classe média apta a exercer o comércio, a produção e o sector público conforme os interesses das potências.
No contexto externo, esses novos Estados teriam de estar apetrechados para o desenvolvimento de economias
orientadas a exportação e a uma articulada relação com a divisão internacional do trabalho. No caso da colonização
inglesa, o Quénia ofereceu o melhor exemplo desse género de articulação, enquanto a Costa do Marfim
representou bem o caso da estratégia francesa. Além disso, os planos de desenvolvimento implementados depois
da II G M nas colónias visavam exactamente à incorporação desses novos sectores sociais médios ao projecto de
transição neocolonial. No caso da Inglaterra, foram usados os Colonial Development Plans. A França criou o Fundo
Especial de Inversões para o Desenvolvimento Económico e Social (FIDES) e, por meio das Sociétés de
Prévoyance (Sociedades de Previsão), outorgara créditos aos camponeses africanos para a modernização das
suas técnicas de produção e para o incremento do volume dos bens produzidos.
As consequências dessas políticas foram que, no início da década de cinquenta, a base dos movimentos de
independência já estava bem desenvolvida em torno desses sectores médios em quase toda a África. De qualquer
maneira, discute-se até hoje se essa classe social pode construir de facto uma democracia liberal em África, depois
da extinção formal do colonialismo. Ora, é precisamente por essa criação um tanto ou quanto atabalhoada de
sectores médios que se constata uma nítida debilidade e uma evidente desordem desses grupos para administrar
com estabilidade política os novos Estados. A base do poder social dos movimentos nacionalistas era tão frágil que
estes, ao controlarem os aparelhos de Estado, quase nunca conseguiram superar constantes golpes políticos,
militares e palacianos.
É nesse sentido que a designação «Estado neocolonial», em vez de «Estado pós-colonial», aparece a mais
adequada para a identificação dessa constelação de Estados em África. Mas vale a pena lembrar que as funções
do Estado africano contemporâneo, nas condições do capitalismo dependente vigente, não são qualitativamente
diferentes das funções do Estado no capitalismo central. O que é distinto é o conteúdo de classe.
Na sequência dessa generalização apresentada, vale a pena chamar a atenção para a diversidade
verificada entre esses Estados. Ocorreram variações no conteúdo de classe, ao longo do processo de
descolonização, que permitiriam imaginar os seguintes tipos de Estado:
a) Os Estados que ascenderam a independência no final da década de cinquenta e início da de sessenta,
simplesmente substituíram o aparelho de dominação colonial pelas elites locais;
b) Os Estados que, ao forjarem uma luta de libertação nacional, que só terminou nos meados da década de
setenta, visaram a construção de uma nova ordem social que alterasse estruturalmente os aparelhos do Estado
colonial em função de projectos socialistas com fortes bases populares. É o caso das antigas colónias africanas de
expressão portuguesa.
c) Os Estados que, apesar de terem uma forte base social nos seus movimentos de libertação nacional, tais
como a Namíbia, na África Austral e a República Árabe Saharaui Democrática, na África do Norte, só depois de
terem alcançado a real independência, deixaram de viver em estado de guerra permanente com forças
conservadoras, tanto interna como externa.
d) O Estado de África do Sul vivia um clima de guerra civil e insistia em manter as regras colonialistas e
segregacionistas sobre uma maioria negra que vivia em regime de exploração absoluta do seu trabalho e sob as
rédeas do sistema do apartheid.
Uma outra possibilidade de identificação da diversidade de organização dos Estados africanos
contemporâneos circunscreve-se à questão espacial. Existem algumas unidades regionais que têm uma história
comum, com profundas afinidades em termos de organização dos Estados actuais que passamos a apresentar em
linhas gerais.
4.1 Os Estados da África do Norte
Os onze Estados que constituem a África do Norte – Marrocos, República Árabe Saharaui, Argélia, Tunísia,
Líbia, Egipto, Sudão, Chade, Níger Mali e Mauritânia – localizam-se entre o mar Mediterrâneo e o deserto do
Sahara e entre o oceano Atlântico e o mar Vermelho. Há um nítido traço de união entre esses Estados, cuja raiz
não se limita apenas à geografia compacta da região: é a solidariedade política e o sentido de fazer parte do mundo
árabe. O Islão forneceu elementos para a resistência colonial e serve até hoje para um certo diálogo entre esses
Estados. Há também uma diferença interna entre três áreas que se distinguem pela experiência colonial e pelo tipo
de Estado formado: a área do Maghred, a área do nordeste africano e a área de transição do Sahara ao Sahel.
A primeira, a área do Maghred, engloba a Argélia, a Tunísia e o Marrocos, que, apesar de evoluções
internas próprias, vivem até hoje a possibilidade de unificação. Fundada sobre a unidade de fé, apresentando
semelhanças culturais e buscando em comum uma maior eficácia económica, políticos e intelectuais continuam
imaginando tal projecto;
A segunda, área do nordeste africano, sempre foi uma encruzilhada de civilizações, uma verdadeira zona
de transição e lugar de passagem da África para a Ásia. Englobando a Líbia e o Sudão, essa região esteve muito
tempo sob a influência da Turquia, que a integrou ao seu império durante o estabelecimento das dominações
coloniais. O Egipto, o primeiro a ser colonizado e emancipado, sempre serviu, para seus dois vizinhos, como uma
referência e um modelo desde o início do século XX até a morte de Nasser, em 1970.
A terceira área caracteriza-se pela clara fragilidade dos seus Estados: Mauritânia, Mali, Níger, Chade e
República Saharaui (antigo Sahara Espanhol). A unidade nacional ainda não foi alcançada nesses Estados, que
sempre foram, mesmo antes da colonização, a área de contacto do Mediterrâneo com a África Negra, ao sul do
Sahara. A questão política mais grave da região é a do antigo Sahara Espanhol, que vive uma guerra contra o
Marrocos, liderado pela Frente Polisário. O Chade é absolutamente problemático desde as suas origens e continua
com indefinições políticas significativas entre grupos nacionalistas e grupos conectados com a ex-metrópole, a
França.
4.2 Os Estados da África Ocidental
A África Ocidental foi sempre uma região privilegiada na evoluç ão política do continente negro, pois, é
vulgarmente conhecida por campo de experiência das relações dos reinos pré-capitalistas com a dominação
imperialista, principalmente a França. É também região chave da descolonização, pois, produziu liders de peso,
como Senghor, N´Krumah e Amílcar Cabral. Os Estados Unidos tiveram, também, aí a sua colónia de ex-escravos:
a Libéria. A região produziu a primeira independência da África Negra: Gana, em 1957. Os países que fazem parte
da África Ocidental são: Senegal, Gambia, Guiné-Bissau, Guiné Conakri, Serra Leoa, Libéria, Costa de Marfim,
Gana, Alto Volta, Togo, Benin, Nigéria e Cabo Verde.
A sua evolução, no período posterior às independências, tem sido bastante diversificada: à busca de
implantação de uma via socialista para Gana por N´Krumah, enquanto a Nigéria, permanentemente dividida pelas
suas nacionalidades, busca transformar-se em modelo de democracia burguesa moderna, mesmo com o custo de
uma guerra como a Biafra. A experiência nos Estados de expressão francesa também levou a perspectivas distintas
de organização política: surgiram modelos socialistas, como o da Guiné Conakri e de Sekou Touré, até bastiões
liberais como a Costa do Marfim. Além disso, essa região viveu a experiência de descolonização tardia: Guiné-
Bissau e de Cabo Verde.
4.3 Os Estados da África Oriental
Esta região apresenta-se absolutamente singular no conjunto africano. É constituída por uma parte
continental e uma parte insular. A figura a seguir apresentada é bastante elucidativa. É, sem dúvida, a porta para o
Oceano Índico. Viveu, historicamente, uma confluência de nações e culturas. Essa característica trouxe sérias
dificuldades políticas na época da construção dos novos Estados, pois, eram muitos os grupos sociais interessados
na participação directa no aparelho estatal. Os comerciantes de origem asiática e os árabes de Zanzibar
constituíram um exemplo.
Houve também na região uma presença efectiva do colonizador inglês, por meio de companhias
concessionárias e de grandes plantações controladas directamente por colonos europeus, o que foi visível
claramente no Quénia. Apesar do forte vínculo das nacionalidades regionais, principalmente da verdadeira
civilização swahili, foi possível um projecto de criação de novos Estados sem muitos conflitos. Os três Estados
produziram três vias distintas para o socialismo, cabendo a Nyerere, da Tanzânia, uma posição mais progressista
no contexto.
Há também uma área que, apesar da sua especificidade, faz parte desse conjunto oriental: é o corno da
África, com a Etiópia, Somália, Djibouti e Eritréia. Área de muitas tensões possui um dos Estados mais antigos da
África e da história mundial: a Etiópia. Estado centralizado, teocrático e pluriétnico, a Etiópia enfrentou uma
revolução em 1974 liderada por forças sociais progressistas. É uma área de tensão violenta entre nacionalismos
locais, como o de Eritreia, com significativas intervenções estrangeiras.
4.4 Os Estados da África Central
Marcadas por evoluções políticas diferenciadas e por uma forte operação das potências europeias, a África
Central é composta por Camarões, República Centro Africana, Gabão, Guiné Equatorial, Congo e Zaire. O actual
Zaire viveu a única dominação belga e um nítido domínio francês. A evolução do Zaire e a sua transição violenta
para a independência serão posteriormente abordadas. Os demais países, como os Camarões e Gabão,
apresentam até hoje uma sensível debilidade na organização económica e política do Estado.
4.5 Os Estados da África Austral
Expressão geográfica para designar a proximidade com o hemisfério sul, a África Austral é cada vez mais
uma realidade política e económica. Apesar de historicamente os Estados da região terem sido constituídos por
processos e ritmos bem diferentes, havia um ponto de polarização que se acelerou nas últimas décadas em
importância e era citado constantemente nos noticiários internacionais: o apartheid. Os países que fazem parte do
conjunto são: Angola, Zâmbia, Malauí, Moçambique, Namíbia, Botsuana, Zimbábue, África do Sul, Lesoto e
Suazilândia.
Graças as suas minas de diamantes e ouro, a África do Sul logo cedo começou a importar força de trabalho
dos países vizinhos, dominou territorialmente a Namíbia, criou reservas de trabalho humano e passou a exercer
uma hegemonia regional que foi garantida pelo surgimento da União Sul-Africana, em 1910, e que continuou com a
República da África do Sul, a partir da década de sessenta.
O ano de 1975 foi um momento importante de ruptura na região, com a independência, por um processo
popular de luta de libertação de Angola e Moçambique. O estabelecimento de Estados socialistas na região
acelerou a crítica interna ao apartheid e possibilitou a construção de uma frente comum dos países da região contra
o domínio sul-africano: a chamada Linha de Frente.
A região viveu um momento crucial, com as reformas internas no sistema do apartheid, com os conflitos e
invasões das tropas da África do Sul na Namíbia, Angola e Moçambique, com a presença de tropas estrangeiras na
região, com a tentativa de sobrevivência económica, de forma menos dependente, dos Estados da Linha de Frente
e com a morte de líderes importantes na implantação do socialismo na região, como Samora Machel.
5 Governo de transição do Estado de Cabo Verde
Usando da faculdade conferida pela «Lei Constitucional n.º 3/74, de 14 de Maio» (5) e nos termos de
«decreto n.º 726/74 de 18 de Dezembro», o Presidente da República Portuguesa nomeou o «Alto-Comissário de
Cabo Verde, o Comodoro Vicente Manuel de Moura Coutinho Almeida d´Eça» (6). Em 31 de Dezembro de 1974, na
Cidade da Praia, na presença do delegado do MFA, Major Hugo Santos, e do Vice-Secretário Geral da ONU, Abu
Farah, foi empossado o Governo de Transição, que nos próximos seis meses iria conduzir Cabo Verde à
independência. Para além do alto-comissário, a parte portuguesa no referido governo foi ainda representada, «em
conformidade com o decreto n.º 754/74, de 28 de Dezembro por dois ministros; e a cabo-verdiana por três
ministros» (7). Dos portugueses, apenas o alto-comissário estava ligado a Cabo Verde, pois a mãe era cabo-
verdiana e o próprio nasceu no arquipélago, ilha do Porto Grande, onde passou a infância e a adolescência. A fim
de adaptar o regime do Governo de Cabo Verde à fase do processo de descolonização, o Conselho de Estado
Português promulgou, nos termos da lei n.º 13/74, de 17 de Dezembro, «o Estatuto Orgânico do Estado de Cabo
Verde» (8) que constituía pessoa colectiva de direito público interno, dotada de autonomia política, administrativa e
financeira.
Por motivos de natureza ideológica e política, face ao regime então em vigor, muitos cabo-verdianos
ausentaram-se de Cabo Verde, incluindo os mancebos, deixando de cumprir as suas obrigações militares.
Posteriormente, manifestaram o desejo de se integrarem na comunidade, com vista à participação no processo de
reconstrução nacional. Assim sendo, foram amnistiados pelo crime de deserção. Um dos princípios básicos dos
movimentos de libertação nacional era o de garantir a liberdade de expressão e pensamento pelo que a extinção da
censura constituía um imperativo para a devolução da opinião pública à sua livre condição.
O Governo de Transição do Estado, de acordo com as instruções dos órgãos de soberania da República
Portuguesa, tinha por objectivo à condução da eleição por sufrágio directo e universal. Pretendia-se assegurar o
livre jogo democrático das diferentes correntes de opinião existentes na comunidade cabo-verdiana, numa base de
absoluta igualdade de oportunidades e de tratamento, no respeito pela vontade da maioria das populações
interessadas, emanação da ideia matriz do processo de descolonização. Em atenção ao limitado nível cultural e
político do eleitor médio em Cabo Verde, preferiu-se o princípio linear da solidariedade da lista, ou seja o da
votação por listas com eleição da mais votada.
Consagrou-se o direito de voto dos emigrantes cabo-verdianos, em homenagem ao seu sacrifício e
contributo para a subsistência do arquipélago, mas houve a preocupação de não estender o direito aos emigrantes
desvinculados da terra natal. Tratava-se de eleger o órgão que havia de definir o futuro de Cabo Verde pelo que
requeria algumas precauções. Houve que enfrentar, com alguma imaginação e originalidade, a forma do exercício
do direito de voto pelos cabo-verdianos não residentes no território. A fim de não dificultar esse exercício, adoptou-
se não sem algum risco, o voto postal.
Os descendentes cabo-verdianos nascidos no estrangeiro, radicados no arquipélago, solicitaram a sua
participação activa no processo eleitoral conducente a constituição da Assembleia Nacional de Cabo Verde, tendo
em conta que acompanharam e viveram intensamente o processo de descolonização do território em identidade de
sentimentos e aspirações com os que dele são naturais. Com o fito de evitar consequências negativas decorrentes
da sua marginalização política, foram equiparados aos naturais os descendentes de cabo-verdianos residentes
havia mais de um ano no respectivo território. Os cidadãos emigrantes haviam mais de cinco anos e os que tinham
adquirido outra nacionalidade não podiam votar. Também não podiam fazê-lo aqueles que estivessem de outra
forma feridos de «indignidade eleitoral», o que incluía os saneados da administração pública ou os indivíduos que
estivessem exercido funções de dirigentes da antiga Acção Nacional Popular.

6 Independência de Cabo Verde


Em conformidade com o previsto pelo protocolo de Lisboa e feito o recenseamento eleitoral, no dia 30 de
Junho de 1975, elegeu-se uma assembleia representativa do povo de Cabo Verde, constituída por 56 deputados.
De acordo com os dados oficiais, 83,3% dos cidadãos recenseados (114 683) participaram no acto, 92% dos quais
votaram favoravelmente nas listas apresentadas, o que representava uma grande vitória para o PAIGC. Aos olhos
do mundo, o score verificado demonstrava em si o sentimento da população quanto à independência. Este facto
fazia, segundo Almeida Santos, do processo cabo-verdiano «um êxito diplomático». A Assembleia Nacional Popular
(ANP) era dotada de poderes soberanos e constitucionais que tinha por função declarar a independência e elaborar
a futura Constituição Política do Estado. O acto de declaração oficial da independência coincidiu com o da
investidura dos representantes eleitos do povo e teve lugar na Cidade da Praia, em 5 de Julho de 1975, com a
presença do representante do Presidente da República Portuguesa para efeito de assinatura do instrumento solene
da transferência total e definitiva da soberania. O instrumento foi também assinado pelo Presidente da Assembleia
Constituinte Portuguesa.
A conquista da independência e a criação do Estado soberano de Cabo Verde estavam consagradas no
programa do Partido e representou um acontecimento de transcendência importância para a história da nação
cabo-verdiana. A partir de 5 de Julho de 1975, Cabo Verde emergiu-se como nação soberana, pois a
independência permitiu que passasse a membro de pleno direito da comunidade internacional. Iniciou-se uma nova
fase da construção da nação e edificação do Estado pós-colonial, guiado pelo pensamento de Amílcar Cabral,
fundador do partido da independência. O Estado assumiu o compromisso de promover a organização económica do
país recentemente independente e de criar as bases materiais para a participação no progresso da ciência e da
técnica, assim como defender a soberania nacional e a integridade do território. A independência foi uma conquista
não só para as populações confinadas ao exíguo espaço da insularidade, mas também para toda a diáspora cabo-
verdiana.
Nos termos do decreto-lei n.º 203-A 775, publicado no B.O. de 15 de Abril de 1975, relativamente as
normas que deviam obedecer a eleição por sufrágio directo e universal de uma assembleia representativa do povo
de Cabo Verde, dotada de poderes soberanos e constituintes, define o seu artigo 48 que «candidaturas serão
apresentadas, em cada círculo eleitoral, por grupos de 300 cidadãos eleitores recenseados pelo respectivo círculo»
(9). Também, Aristides Lima assinala que «grupos de cidadãos tinham capacidade jurídico-política para apresentar
candidaturas. Todavia, a única organização política que, então, utilizou a faculdade para promover a apresentação
de candidaturas foi o PAIGC, que de facto viria a ganhar confortavelmente as eleições» (10). Com a independência,
a Assembleia Nacional de Cabo Verde considerou que se tornaria necessário instituir órgãos do poder do Estado e
uma orgânica jurídico-política, indispensáveis à governação e administração do país. Até que fosse adoptada a
Constituição da República, aprovou uma Lei Sobre a Organização Política do Estado (LOPE) no dia 5 de Julho, na
Cidade da Praia que no seu artigo n.º 1 conferia ao partido da independência uma posição hegemónica, pois
passou a ser «força política e dirigente da sociedade» (11).
Logo, a afirmação do Estado independente não coincidiu com a instauração do regime de democracia
pluralista, tendo antes a organização do poder político obedecido à filosofia e princípios caracterizadores dos
regimes de partido único. A hegemonia foi exercida nos órgãos do poder, nomeadamente no Governo. Assim
sendo, as posições e as decisões dos órgãos partidários tinham ascendência sobre as do poder do Estado pelo que
travou uma luta no campo político cabo-verdiano em construção que se devia, em grande parte, a diferentes visões
de como edificar o Estado pós-colonial.
A legalidade e a legitimidade da ANP, investida para funções constituintes, nos termos do artigo 2.º da
LOPE, vinham sendo questionadas, pois a comissão à qual foi confiada a missão de elaborar e submeter à
Assembleia no período de 90 dias, um projecto de Constituição da República não cumpriu o prazo. Por si bastante
limitativa e vaga, a LOPE não conseguia responder de forma cabal aos naturais conflitos que a sociedade cabo-
verdiana ia gerando dia pós dia. Era preciso ver o que dizia o programa do PAIGC porque o 22.º artigo da LOPE
ordenava que nada podia ir contra aos princípios e objectivos do PAIGC. A ANP aprovou na sua IV sessão, que
teve lugar em Fevereiro de 1977, uma nova versão do artigo 2.º da LOPE, na qual era retirada qualquer menção
relativamente ao prazo para a comissão encarregue de apresentar uma proposta de lei constitucional. Segundo o
Jornal Voz de Povo, a solução significava a assunção da «inconveniência da elaboração imediata de uma
Constituição, quando o país gozava de pouca experiência» (12). O PAIGC pretendia dar tempo ao tempo de forma
a clarificar o que pretendia em matéria constitucional. A preocupação dos dirigentes cabo-verdianos era evitar um
regime em que o Estado e o Partido se confundissem numa única entidade.
A visão diferenciada dos caminhos que o processo político deveria tomar em Cabo Verde estava na origem
da luta no seio do PAIGC-ramo de Cabo Verde que atingiu o seu ponto culminante em 1979, com a saída de alguns
membros. Tratava-se de uma oposição entre o pragmatismo que caracterizava os militantes que estiveram na luta
armada, quanto ao processo de edificação do Estado pós-colonial e o idealismo dos quadros que militavam
clandestinamente no PAIGC em Portugal, enquanto estudantes e que regressaram a Cabo Verde, após o 25 de
Abril. Muitos destes militantes deixaram o PAIGC. Alguns dedicaram-se as suas actividades profissionais em Cabo
Verde e outros tiveram que viver no exterior.
Todo o ordenamento estatal requer um conjunto peculiar de princípios orgânicos característicos que os
distingue dos demais, reunidos num documento formal definido por Constituição que se insere no quadro de um
processo de limitação e fragmentação do poder. O conceito de Constituição é frequentemente considerado como
coincidente com o de poder político repartido entre diversos órgãos constitucionais, sendo reconhecidas aos
cidadãos, além de uma série de direitos fundamentais, adequadas garantias contra abusos cometidos pelos
titulares dos órgãos do poder político.
A Constituição atesta dentro da comunidade internacional, o surgir de um novo componente, que se afirma
como um dos seus membros de pleno direito. Assim, depois da independência todos os novos Estados devem
apresentar-se na cena internacional dotados de uma constituição própria. Intimamente vinculada à função
constitutiva, encontra-se a da estabilidade e racionalização de um determinado sistema do poder. A Constituição é
um ponto firme, uma base coerente e racional para os titulares do poder político, que visam, mediante ela, dar
estabilidade e continuidade à sua concepção da vida associada.
Com a lei eleitoral publicada no B.O. n.º 36, Suplemento, de 9 de Setembro de 1980, a primazia de
apresentar candidaturas em cada círculo eleitoral, por grupos de 300 cidadãos eleitores recenseados pelo
respectivo círculo, passa a pertencer integralmente ao PAIGC, pois, de acordo com o artigo 4.º «não era permitida
mais de uma lista de candidatos no mesmo círculo eleitoral» (13). Cabia ainda ao mesmo partido a promoção e a
organização do processo eleitoral, inclusive a condução da campanha eleitoral.
A primeira Constituição Política da República de Cabo Verde foi aprovada a 15 de Setembro de 1980, sem
nenhum voto contra. Promulgada a 7 de Outubro do mesmo ano, entrou em vigor na 1.ª sessão da segunda
legislatura da ANP, eleita a 7 de Dezembro de 1980. Foi publicada no B.O. n.º 41, de 13 de Outubro de 1980 e
apresentava elevado conteúdo ideológico, à semelhança das constituições das restantes ex-colónias portuguesas
em África, cujos textos continham não só normas organizativas, mas sobretudo princípios de orientação e estímulos
de activação das massas.
De acordo com a natureza e os fundamentos do Estado, Cabo Verde definia-se no seu artigo 1.º como uma
«uma república soberana, democrática, laica, unitária, anticolonialista e anti-imperialista» (14) no seu artigo 3.º
como um «Estado de democracia nacional revolucionária»; no artigo 4.º o PAIGC e, posteriormente PAICV, «como
força política dirigente da sociedade e do estado», cabendo-lhe designadamente «estabelecer as bases gerais do
programa político, económico, social, cultural, de defesa e segurança a realizar pelo Estado», e, ainda, «definir as
etapas da reconstrução nacional». O Estado, regendo-se pelo princípio de direcção e planificação estatais,
monopolizava o solo e as suas riquezas, os meios básicos da produção industrial, os meios de informação e
comunicação, os bancos, os seguros, as infra-estruturas e os meios fundamentais de transporte. Segundo o artigo
12.º, o Estado controlava o comércio externo e detém o monopólio das operações sobre o ouro e as dívidas. Ainda,
podia autorizar o investimento de capitais estrangeiros, desde que se demonstrasse útil ao desenvolvimento do
país.
Relativamente aos direitos, liberdades, garantias e deveres fundamentais, em conformidade com o artigo
26.º, «os cidadãos eram considerados iguais perante a lei». A Constituição estipulava que nenhum dos direitos e
liberdades garantidos aos cidadãos podiam ser exercidos contra a independência da Nação, a integridade do
território, a unidade nacional, as instituições da República e os princípios e objectivos consagrados na carta. A
referida carta constitucional estabelece no seu artigo 34.º que todos têm direito à vida e à integridade física e moral,
e que ninguém podia ser submetido a tortura nem a penas de tratamento cruéis, desumanas e degradantes,
estando excluída no país a pena da morte, a prisão perpétua, os trabalhos forçados ou ainda as medidas de
segurança privativas de liberdade e duração limitada ou indefinida, não sendo igualmente, segundo o artigo 37.º,
em caso algum admitida a extradição ou expulsão do país do cidadão nacional.
A nível dos órgãos do poder dos Estado, o parlamento era tido como «o órgão supremo do poder»,
cabendo-lhe decidir sobre questões fundamentais da política interna e externa, definidas pelo PAIGC, eleger o
Presidente da República e o primeiro-ministro, sob proposta do chefe de Estado, fiscalizar e decidir sobre a
constitucionalidade das leis. O Presidente da República, enquanto Chefe de Estado e Comandante Supremo das
Forças Armadas, representa a República de Cabo Verde. Ser deputado de nacionalidade cabo-verdiana de origem
e maior de 35 anos, constituía requisitos que teriam que ser preenchidos pelo candidato. O Governo é o órgão
executivo e administrativo supremo da república e determina e conduz a política da Nação, de harmonia com as
linhas gerais estabelecidas pela Assembleia. O governo é politicamente responsável pela ANP e perante o
Presidente da República. Relativamente aos Tribunais, o juiz exerce a sua função com total fidelidade à
Constituição, sendo independente e irresponsável pelos julgamentos e decisões. A Constituição de Cabo Verde era
bastante influenciada pelos modelos dos ordenamentos políticos dos Estados socialistas, nomeadamente da ex-
RDA. Com o despontar das duas últimas décadas do século XX, o modelo socialista que vinha sendo aplicado, foi
contestado e superado pelo do Estado liberal.

7 Transição política em Cabo Verde


A transição política em Cabo Verde, no verdadeiro sentido da palavra, recua aos meados da década de
oitenta, aquando do balanço de dez anos da reconstrução nacional e da edificação do Estado pós-colonial, a que
no momento do acesso a independência os mais pessimistas reconheciam fracas possibilidades de sobrevivência.
A necessidade da reforma económica emergiu progressivamente, não obstante as verdadeiras fissuras no sistema
se ter registado primeiro no domínio político. A dinâmica imprimida a esfera política reflectiu, sobremaneira, nas
mudanças económicas. No contexto sociológico, o regime do partido único instalado na sequência da
independência, logo à partida começou a dar sinais de crises. Esses sinais tornaram-se mais visíveis a partir de
1979, como já tivemos oportunidade de referir.
O golpe de Estado de 14 de Novembro na Guiné-Bissau foi, também, uma crise que teve repercussões
directas no contexto político cabo-verdiano, pois representou o fim do projecto de Estado binacional e determinou a
criação do Partido Africano para a Independência de Cabo Verde (PAICV) que permaneceu como partido único,
força política dirigente da sociedade e do Estado nos termos do artigo 4.º da Constituição da república. Como
demonstram os movimentos sociais que tiveram lugar nos anos subsequentes, as bases sociais são cada vez mais
frágeis. Podemos destacar as resistências à reforma agrária em Agosto de 1981 e a revolta estudantil de 1987, em
Mindelo.
O exercício do poder no quadro do modelo do partido único demonstrou à escala universal a necessidade
de introduzir profundas alterações na organização da vida política e social dos Estados. Novas ideias assolaram o
mundo, fazendo ruir estruturas e concepções que pareciam solidamente implantadas, mudando completamente o
curso dos acontecimentos políticos internacionais. Em Cabo Verde, a abertura política foi anunciada em 1990,
levando a criação das condições institucionais necessárias às primeiras eleições legislativas e presidenciais num
quadro de concorrência política.
Com o processo de abertura em Cabo Verde, a 17 de Fevereiro de 1990, regressaram à política activa
muitos dos antigos militantes que deixaram o país e que se fixaram, em especial, em Portugal. Influenciaram o
processo político cabo-verdiano, tendo uma actuação especial junto dos estudantes universitários e participaram na
fundação do Moviment o para a Democracia (MPD). A 28 de Setembro, a Assembleia Nacional Popular aprovou «a
Lei Constitucional número 27/III/90» (15) que após a revogação do artigo 4 da Constituição e institucionalização do
princípio do pluralismo, consubstanciou um novo tipo de regime político. A referida Lei Constitucional, concebida
como instrumento de viabilização das eleições democráticas e de transição para um novo modelo de organização
da vida política e social de Cabo Verde, não deixou contudo de instituir um diferente sistema de governo e uma
outra forma de sufrágio, em vésperas de eleições para uma nova assembleia legislativa.
No processo de democratização, a transição política em Cabo Verde foi interpretada por Patrich Chabal
«como uma indicação de êxito da democracia em África (16). O MPD que surgiu três meses antes como primeiro
partido de oposição legalizado no país, era a única formação política a fazer face ao PAICV. Alcançou uma vitória
esmagadora dos 61,6% dos sufrágios. O PAICV obteve apenas 32,3%. A expressiva participação das populações
nessas eleições demonstrou claramente a opção do país no sentido da mudança do regime do partido único. A
revisão parcial da Constituição, que reconheceu os partidos como principais instrumentos de formação da vontade
política para a governação, conduziu a que a democracia pluralista continuasse a conviver com regras e princípios
típicos do regime do partido único. O MpD dispunha de uma maioria qualificada que lhe permitiu elaborar uma nova
Constituição da república e implementar as reformas de molde a levar avante o processo da mudança que afectou
profundamente os sectores chaves, tanto à escala nacional como local. Abriu-se um novo ciclo, cujos
desenvolvimentos continuam durante vários anos.
A seguir às eleições legislativas em que a oposição saiu vencedora em Janeiro de 1991, no mês seguinte
as primeiras eleições presidenciais por sufrágio universal opunham Aristides Pereira, o primeiro presidente da
República de Cabo Verde, no poder com o PAICV havia quinze anos, a António Mascarenhas Monteiro, um
candidato independente apoiado pelo MpD. O candidato apoiado pelo antigo partido único saiu derrotado. Foram
realizadas eleições autárquicas em Dezembro do ano em curso. O MpD e grupos de cidadãos apoiados pelo
partido no poder ganharam a esmagadora das Câmaras. Encerra-se, assim, o ciclo de transferência do poder entre
o PAICV e o MpD.
A liberalização política sobrepõe-se à liberalização económica iniciada pelo PAICV e continuada
aceleradamente pelo MpD. A segunda República efectua a alternância e imprime-se uma outra dinâmica ao
desenvolvimento do país. Sem uma carta constitucional democrática e um sistema jurídico independente não pode
haver democracia pelo que a concepção da nova Constituição (17), aprovada em Setembro de 1992 como garantia
das liberdades fundamentais, tinha razão de ser. É muito mais variada do que a anterior, na medida em que a
concepção que serviu de base ao actual regime político acabou por influenciar de modo determinante o texto
constitucional vigente. Apresenta as disposições em matéria económica e social ampliada, transcendendo assim as
simples disposições organizativas respeitantes à distribuição e uso do poder político.
A Constituição em questão, que assumiu plenamente o princípio de soberania popular, consagrou um
Estado de Direito Democrático assente nos princípios da soberania popular, no pluralismo de expressão e de
organização política democrática e no respeito pelos direitos e liberdades fundamentais. Cabo Verde reconhece e
respeita, na organização do poder político, a natureza unitária do Estado, a forma republicana de governo, a
democracia pluralista, a separação e a interdependência dos poderes, a separação entre a Igreja e o Estado, a
independência dos Tribunais, a existência e a autonomia do poder local e a descentralização democrática da
Administração pública.
Para concluir, por razões históricas, o PAIGC foi a organização nacionalista que soube congregar as forças
do povo cabo-verdiano para iniciar e levar avante a luta libertadora das amplas massas. A capacidade mobilizadora,
após o golpe de Estado do 25 de Abril, consagrou o PAIGC como a única força política capaz de levar avante o
programa de transformação para a edificação do Estado pós-colonial em Cabo Verde.
Os anos da emancipação política em África e os que se seguiram à queda do domínio colonial constituíram
um período de rápidas mudanças e grande instabilidade. Muitos governos civis foram postos de lado por regimes
militares. Alguns países, dos quais Nigéria e Cabo Verde são exemplos notáveis, pois fizeram grandes progressos
a nível económico, mas muitos outros continuaram pobres. Vários conflitos militares graves foram resolvidos, outros
continuaram.
As experiências da maior parte dos Estados independentes em África, na segunda metade do século XX,
estavam marcadas pelos regimes do partido único: as numerosíssimas constituições adoptadas eram inspiradas na
ideologia liberal ou socialista. O poder concentrava-se num líder nacional que era ao mesmo tempo chefe do
Estado e do Governo e chefe do partido único, imposto quase por toda a parte.

Anexo I
Com este anexo pretende-se indicar as datas formais do nascimento dos Estados africanos
contemporâneos. Excluiu-se os Estados constituídos anteriormente à descolonização, no caso da Etiópia, que teve
a sua origem na Antiguidade, a Libéria, que surgiu no século XIX, e o Egipto, que teve o seu renascimento em
1922.
País Dia Mês Ano
1 Líbia. Em 1969 rei Idris deposto por junta militar. Coronel Kadhafi chefe de 24 12 195
Estado; 1986, EUA bombardearam a Líbia face ao apoio de Kadhafi ao 1
terrorismo internacional; intervenção esporádica no Chade desde 1973; faixa
de Aozou ocupada, 1973, guerra fronteiriço com Chade desde 1984.

2 Sudão. 1956-85, General Numeiry no poder, seguindo-se uma sucessão de 01 01


governos civis e militares. Guerra civil intermitente no Sul desde a 195
independência. 6
02 03
3 Marrocos. 1961 Mohamemed V substituído por seu filho, rei Hassan II.
Guerra com a Frente Polísário desde a partilha do Sara espanhol, 1976-1981, 195
84 revoltas generalizadas contra a política económica. 6
20 03
4 Tunísia. 1952-54 insurreições contra regime francês; 1984 grandes
manifestações; Novembro de 1987, deposição do presidente Burguiba por Zine
Ben Ali; Abril de 1989 Bem Ali eleito presidente da República. Empreende uma 195
democratização do regime ao revogar a presidência vitalícia e instaurar o 6
pluralismo partidário; Março de 1994 reeleito presidente da República.
06 03
5 Gana. N´Krumah obteve uma grande vitória em 1957, quando o Gana se
tornou o primeiro país da África negra a alcançar a independência. Em 1958
N´Krumah organizou a conferência de Acra que reclamou a independência
imediata de todos os Estados africanos. Em Fevereiro de 1966 N´Krumah é 195
derrubado e a autoridade dos militares prolongou-se até1978. Em Dezembro 7
de 1981 o capitão Jerry Rawlings interrompe o poder dos civis. Em Novembro
de1992 realizaram-se as eleições presidenciais livres.

6 Guiné-Conakry.

Notas bibliográficas
1 FANON, Franz. Os Condenados da Terra. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1968.
2 Lei-Quadro de 23 de Julho de 1957.
3YAZBEK, Mustafa. Argélia: a guerra e a independência. São Paulo, Brasiliense, 1983.
4 Ibidem, p. 36
5 Lei Constitucional n.º 3/74, de 14 de Maio: define a estrutura constitucional transitória que regerá a
organização política do país, até a entrada em vigor da nova Constituição da República Portuguesa.
6 Decreto n.º 726/74, de 18 de Dezembro: nomeia o Alto-Comissário em Cabo Verde.
7 Decreto n.º 754/74, de 28 de Dezembro: para além do alto-comissário Vicente Almeida D´Eça, a parte
portuguesa no governo de transição foi ainda representada pelo major Manuel Vaz Barroso (administração Interna)
e tenente-coronel V asco Wilton Pereira (Equipamento Social e Ambiente, empossado mais tarde); e a cabo-
verdiana por Carlos Reis (Justiça e Assuntos Sociais), Amaro da Luz (Coordenação Económica e Trabalho) e
Manuel Faustino (Educação e Cultura).
8 Lei n.º 13/74, de 17 de Dezembro: aprova o Estatuto Orgânico do Estado de Cabo Verde.
9 Decreto-Lei n.º 203-A/75, B.O n.º 15, de 15 de Abril: define normas a que deve obedecer a eleição, por
sufrágio directo e universal, de uma assembleia representativa do povo de Cabo Verde.
10 LIMA, Aristides. Reforma Política em Cabo Verde. Do pluralismo à Modernidade do Estado. Praia,
Edição do Autor, s/d.
11 Lei Sobre a Organização Política do Estado, publicado no n.º 1 do B.O. da República de Cabo Verde, de
5 de Julho de 1975.
12 Voz di Povo, 26-03-77.
13 Lei eleitoral, B.O. n.º 15, de 15 de Abril: define normas a que deve obedecer a eleição, por sufrágio
directo e universal, de uma assembleia representativa do povo de Cabo Verde.
14 Constituição da República de Cabo Verde, promulgada em 7 de Outubro de 1980, publicada no B. O n.º
41.º, de 13 do mesmo mês.
15 Lei Constitucional n.º 2/III/90: institui o princípio do pluralismo político.
16 CHABAL, Patrich. Transição Democrática em África: Problemas e perspectivas.
17 Constituição da República de Cabo Verde, publicada no B.O., de25 de Setembro de 1992.

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