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Acredite no seu sonho, invista em você!
mandando os companheiros sujar os panos do coradouro,
chamando-a de “velha cachimbeira”. Quando retiraram do
açude o menino morto, “ na certa estaria deformado,
inchado, sem o sorriso moleque”, a velha sente água nos
olhos. Nunca ouviria mais a provocação: Velha cachimbeira!
Nas onze histórias de Trapiá, a conservar alguns elementos
clássicos do realismo, com observações exatas nas cenas
sobre seres e objetos da realidade imediata, a estrutura
tradicional da narrativa curta fragmenta-se no lugar de ser
desmembrada linearmente. A ação dos personagens que,
em pequenos blocos cruzam e se entrecruzam no DADOS PESSOAIS:
desenvolvimento da trama, retiram qualquer possibilidade
de onisciência narrativa, da qual aflora o drama sem Caio Porfírio de Castro Carneiro nasceu a 1° de julho de
desprezar a ternura. 1928 em Fortaleza, sua amada e versejada cidade de
O estilo enxuto e sintético de Caio Porfírio Carneiro origem. Bacharel em Geografia e História pela Faculdade de
projeta densidade humana forçando o leitor participar da Filosofia de Fortaleza, dedicou-se desde cedo ao Jornalismo.
história, tornar-se cúmplice do destino dos personagens Em 1955 (17 de novembro), transferiu-se para São Paulo,
com sua feição sofrida. A intensidade que emerge do onde vive oficialmente até hoje, entre idas e vindas a sua
discurso feito com observações lúcidas sustenta certa terra natal. Desde 1963, é secretário administrativo da
atmosfera que evolui em seus ângulos críticos na medida União Brasileira de Escritores de São Paulo. É sócio-
em que a história caminha para o desfecho imprevisível. O correspondente da Academia Cearense de Letras. Através
epílogo força qualquer um pensar sobre a complexidade do de ficção e crítica literária, contribui, até hoje, nos
mistério da existência. Em “Macambira”, o velho Firmo com principais suplementos do país. É autor de O Sal da Terra,
o olhar perdido no poente, conversa em silêncio ao obra traduzida para o italiano e para o árabe, ganhando,
perscrutar o tempo, o vento e sua poeira. Vê a criação se inclusive, adaptação de roteiro para cinemas. Muitos dos
esvaindo sem a ração, e ele resistindo à seca, à solidão, seus livros, como Trapiá, alcançaram várias edições devido
não atendendo ao pedido dos filhos em São Paulo para ao sucesso de vendas. Escreve também literatura juvenil.
deixar suas terras, porque um homem não se dobra ao
vazio de tudo, nem quando perde a mulher.
Nestes contos de Trapiá não se vê a intenção do
escritor em fixar tipos, linguagem, valores e costumes de
determinada região, transpondo os elementos para o
literário em seu espaço documental típico. O contista não
experimenta a linguagem, embora se mostre íntimo do
território humano que projeta, pouco a pouco, no texto
enxuto.. Não chega a forçar em algum momento as
emoções do seu fundo a sustentar o drama. A cumplicidade
que emerge do leitor em torno de alguns dos personagens
decorre da capacidade que tem Caio Porfírio Carneiro de
alcançar sentimentos verdadeiros, que são de nós
humanos, com nossas permanentes comoções. A matéria
desses contos não é outra senão a criatura humana nos
incidentes, encontros e desencontros da existência..
Assim, no eixo desses contos bem escritos de
Trapiá vemos a solidariedade inesperada latejar
sentimentos e nervos em “Mata-Pasto”,“Come Gato”; o
absurdo da incompreensão em “O Pato do Lilico”; a astúcia
do coronel em “Milho Empendoado”; a afeição intensa da
Velha Candoca em “Candeias”; a vontade feita dureza na
solidão de velho Firmo em “Ventania” e o ódio revertido em
amor pela ave de rapina em “O Gavião”.
Não é preciso ser crítico arguto para saber que nos
onze contos enfeixados no livro de estréia de Caio Porfírio
Carneiro aconteceu o nascimento de um contista moderno e
dos bons. Possuidor de dicção simples, mensagem forte em
sua grandeza humana. Dono do chão literário que pisa,
exprimindo sentimento do mundo entre o drama e a
ternura. Percebe-se facilmente em qualquer dessas Estudo Crítico e
histórias de Trapiá a união harmoniosa entre o escritor e o Contextualizado da Obra
ficcionista.
O estilo do contista flui com naturalidade, sua
A coletânea de textos de Caio Porfírio, autor
dicção desenvolve a história com uma capacidade particular
contemporâneo, profundo participante da vida intelecto-
que seduz e flagra a vida num instante que nem sempre se
literária cearense, estréia uma nova fase do conto no
esgota em si mesmo. Continua na mente do leitor. O autor
Ceará, desde 1961. Além de tudo que produziu, os 11
de Trapiá tem também uma capacidade incrível de colocar
contos de Trapiá, mais o texto de abertura, de forte
bem os diálogos no tempo necessário e, quando toca na
conotação histórico-localista, estão intitulados de modo
alma humana sob o peso da vida, nunca extrapola das
estritamente narrativos. Os títulos chegam a antecipar o
notações agudas. Sempre preenche o texto com
conteúdo de alguns dos contos.
sentimentos verdadeiros, penetrantes de luz, a evitar que
Uma espécie de prólogo intitulada “Como nasceu
se percam no anonimato e esquecimento.
Trapiá” revela a origem daquele vilarejo aos arredores de
uma típica árvore do Nordeste brasileiro. Um vocabulário
Cyro de Mattos. tipicamente regionalista já se anuncia nos nomes das
localidades próximas. O misticismo também está presente
no relato da morte de um homem, cuja alma nunca se
desprendeu da oiticica. Menciona-se a seca de 77, um
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anúncio das temáticas nordestinas que permearão toda a Firmo, que pensa, mesmo diante das adversidades, “na
obra. E o leitor se identifica com aquele puro regionalismo alegria e na tristeza”, em sua esposa falecida, sepultada no
exposto nas expressões e nos nomes dos personagens. cemitério de Trapiá. Este conto é dedicado ao contista
Dedicado ao escritor Hélio Pólvora, famoso contista Juarez Barroso Ferreira, incluído em 1965 na Antologia do
baiano autor de Os Galos de Aurora (1950), “Milho Conto Cearense, editada pelas Edições UFC. Leva como
Empendoado” surge como o primeiro conto da coletânea a título a simbólica “Macambira”, planta recorrentemente
anunciar o uso variado dos discursos (o direto e o indireto), usada para alimentar o gado à época da seca. Fatalismo
ambos muito bem dosados. Não faltam aos olhos do leitor está em “O Padrinho”. Neste conto, mais se sugere do que
passagens em discurso indireto livre a unir reflexão à se diz. A pobreza que leva os personagens à miséria
narrativa. Trapiá, segundo o narrador, foi uma vila que justifica a tradição de dar os filhos a batizar por pessoas
nasceu em torno a “uma oiticica” (a saber: árvore típica da ricas.
vegetação brasileira, que pode atingir até 15 metros de O misticismo está em “Candeias”, onde o afogado
altura. Seu tronco, grosso, ramifica-se a pouca distância do Rafael é encontrado emaranhado nas raízes submersas de
solo), e “bem de junto à uma grota, um velho trapiazeiro” uma oiticica. Os olhares dos personagens, sempre
(árvore de tronco frondoso, rica em ramificações que reveladores e anunciadores de verdades, também se
chegam quase ao chão). Atualmente, em Pernambuco, revelam freqüente neste conto. Internamente, o foco
oficialmente há uma localidade com o nome de Trapiá, zona narrativo deste conto centra-se nas lembranças da velha
de grande incidência de turistas. Candoca. Em “O Canoeiro”, a morte de uns traz a felicidade
A expressão “caatinga” (sempre em itálico) de outros. O destino faz de seu Chico, o canoeiro
representa na obra um sentimento de grandeza, em protagonista, um homem de sentimentos mais humanos.
destaque, como se fosse um personagem Simbólicos, os urubus aparecem em “Ventania”,
(antropomorfização) entre aqueles viventes. Não raras representando a seca, climática, denotativa, e a conotativa,
vezes o leitor se depara com os homens daquelas paragens que aparece no orgulho do velho Aristides, que morreu
a olhar infinitamente para “a caatinga”. Já no plano da “assassinado pelo vento”, deixando uma misteriosa mala
linguagem, a retratação fidedigna do discurso regionalista enterrada próxima ao juazeiro.
dos personagens vive harmonicamente com a norma Este ano, a lista de obras indicadas ganha muito
padrão adotada pelo narrador. Personagens como o velho com a inclusão de Caio Porfírio que, com estilo próprio,
Camilo representam o massacre (sem violência) dos depois de dedicar anos a uma boa literatura, através de seu
menores, como Chico, que rouba por necessidade, de Trapiá ganha ainda mais destaque nas letras locais. OS
consciência pesada, validando sua honestidade, mesmo vestibulandos agradecem tal indicação.
diante das situações adversas. A extrema concisão, não só
deste, mas de todos os outros contos da coletânea,
surpreendem o leitor com a mudança brusca de cenário, de
uma página a outra. O leitor ganha, com a leitura de Trapiá,
momentos gostosos de retratação do sotaque, do
vocabulário e da variação lingüística típica do falar
nordestino.
Ao passar para o conto seguinte, “O Pato do Lilico”
(título extremamente humano pela anteposição do artigo
diante do substantivo próprio – “do Lilico”), dedicado ao
contista Ricardo Ramos, o leitor percebe que os
personagens são outros, mas o ambiente e o costumbrismo
Exercícios
retratado são os mesmos. Linhas à frente, a constatação:
os personagens também se cruzam, mesmo em ambientes
diferentes. Há devoção, religiosidade e tradição entre os 01. Sobre Caio Porfírio e sua obra, pode-se afirmar
moradores de Trapiá. A plasticidade com que o narrador corretamente que:
apresenta esses valores faz com que o leitor se transporte a) Trapiá trata-se de uma coletânea de contos de
para aquelas cenas. Fragmentos como quando Lilico, terror e mistério.
amparado pelo pai, preocupa-se com a distância até Coité b) as novelas produzidas pelo autor evitam as
nos remetem a cenas de Vidas Secas, de Graciliano Ramos, temáticas policiais.
onde o caboclo Fabiano leva o pequeno filho nos braços, c) os temas ligados ao misticismo desaparecem em
morto de cansaço e fadiga. Além do narrador “oficial”, Trapiá.
outros narradores surgem, como os próprios personagens, d) seus escritos reúnem, além de contos, romances,
sem qualquer onisciência. Os contos, eivados de tensão, poesias e teatro.
revelam finais surpreendentes das narrativas, o que reforça e) a história literária situa o escritor como neo-
a técnica boa de Caio enquanto contista. realista ou contemporâneo.
Em “O Gavião”, um anúncio de um tema freqüente
em Trapiá: o universo infantil retratado em meio ao
02. O autor de Trapiá é um ficcionista conciso, uma
patriarcalismo predominante da célula de família (pai – mãe
vez que seus contos:
- filho), que ganha destaque a cada conto. Relatado “aos
a) revertem-se de uma inquietante atmosfera
pedaços” e em uma sintaxe em que prevalece o ritmo típico
sobrenatural.
da fala do nordestino, este conto é dedicado a Jorge
b) apresentam grande preocupação com o sentido
Medauar, contista e poeta, autor de Morada de Paz. As
figurado dos termos.
cenas vão se encaixando para explorar o humano final que
c) trabalham apenas com o fato não-sugerido.
aguarda o leitor. “A Dívida” (título sugestivo) comprova o
d) delimitam-se ao essencial narrativo em tempo,
costumbrismo ali predominante. O social é trabalhado, mas
espaço e enredo.
sem o tom de denúncia, pois essa não era a intenção de
e) tendem para o surrealismo e o fantástico.
Caio Porfírio. Em “Come Gato”, um quase personagem-tipo,
o suspense e a jocosidade são os temas. O destino também
tem espaço em contos como “Mata-Pasto”.
A seca não poderia faltar a esta obra. Em
“Macambira”, a estiagem a devastar as esperanças dos
agricultores é o tema. Algumas inferências como os réis
situam a narrativa na época do ciclo das secas no Nordeste.
Mas enfim a chuva vem e lava a alma e o orgulho de seu
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