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O Movimento Manguebeat.
Rio de Janeiro
Junho de 2010.
Agradecimentos:
À minha Mãe e toda minha família. Aos colegas, professores e a toda
comunidade PUC-RJ.
À Vice-Reitoria Comunitária e o Ministério da Educação pela concessão
da bolsa de estudos PROUNI.
À professora Maria da Graça Salgado e professora Santuza Cambraia
Naves
À Elaine e meu filho Pedro.
E Uther Maia, Natalia Dalier, Heitor Velasco, Carlos Taveira, Eduardo
Gonçalves, Leandro, Elizabeth Aleixo e Anderson Barbosa.
RESUMO:
O grupo Chico Sciense & Nação Zumbi uniu elementos globais e
regionais, juntou tradição com modernidade, misturou côco e embolada com rock,
maracatu com hip hop. Este hibridismo musical foi a síntese do Movimento
Manguebeat, surgido em Recife no início da década de 1990. Os principais temas
desenvolvidos neste trabalho foram a relação do movimento com a globalização,
com a antropofagia cultural e com a obra Homens e Caranguejos de Josué de
Castro. Desta análise é possível compreender as principais motivações do
Manguebeat. O trabalho tem como fonte as músicas de Chico Sciense & Nação
Zumbi, assim como os manifestos publicados para o movimento.
PALAVRAS-CHAVE:
Manguebeat; Antropofagia; Chico Sciense & Nação Zumbi; Globalização
2
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO – “Um passo à frente e você não está mais no mesmo lugar”...... 1
CAPÍTULO 1 – Os anos 90 na Manguetown.......................................................... 6
CAPÍTULO 2 – “Contra todos os importadores de consciência enlatada.”.......... 16
CONCLUSÃO....................................................................................................... 23
REFERÊNCIA BIBLIOGRAFICA....................................................................... 25
DISCOGRAFIA .................................................................................................... 28
ANEXO I – MANIFESTOS.................................................................................. 30
1º Manifesto do Movimento Manguebeat – Caranguejos com cérebro / Fred
Zeroquatro ......................................................................................................... 30
2º Manifesto do Movimento Manguebeat – Quanto Vale uma Vida / Fred
Zeroquatro e Renato Lins. ................................................................................. 32
Manifesto Antropófogo – Oswald de Andrade.................................................. 38
ANEXO II – MÚSICAS........................................................................................ 42
Um Passeio no Mundo Livre – Chico Sciense & Nação Zumbi ....................... 42
Manguebit – Mundo Livre S/A ......................................................................... 42
Concorra a um carro – Mundo Livre S/A.......................................................... 43
Antene-se – Chico Sciense & Nação Zumbi ..................................................... 44
Cidadão do Mundo – Chico Sciense & Nação Zumbi ...................................... 45
Monólogo ao pé do ouvido – Chico Sciense & Nação Zumbi .......................... 47
3
INTRODUÇÃO – “Um passo à frente e você não está mais
no mesmo lugar” 1.
1
Chico Sciense & Nação Zumbi “Um passeio no mundo livre” IN: Afrociberdelia.
2
Mangue, Manguebit ou Manguebeat. A grafia do Movimento é utilizada dessas três formas.
Segundo Roberto Azoubel “a denominação Manguebeat, com o sufixo inglês significando
“batida”, deve-se ao fato de que ele foi iniciado com a música através de seus dois grupos
principais: Chico Sciense & Nação Zumbi e Mundo Livre S/A. Já a grafia Manguebit, de unidade
cibernética bit, faz referência ao uso da tecnologia e da informação.”
3
Mundo Livre S/A “Manguebit” IN: Samba esquema noise.
2
4
Cf. ANEXO I.
5
Lins, R. Manguebit não é fusão. P.1
3
. . .
6
Lins, R. & Zeroquatro, F. Quanto vale uma vida.
4
. . .
7
Cf. Bonetti, M. Manguebeat e Árido-Movie: o som em Baile Perfumado. .
8
Cf. Santos, Milton. Por uma outra globalização. Do pensamento único à consciência universal.
P.65
9
Mundo Livre S/A. “Concorra a um carro”. IN Por pouco.
5
10
Chico Sciense & Nação Zumbi. “Antene-se” IN: Da Lama Ao Caos.
11
Cf. Calazans, R. “Mangue. A Lama, a parabólica, a rede”. P. 38
12
Zeroquatro, F. “Caranguejos com Cérebro”.
13
Azoubel, R. “Mangue: uma ilustração da grande narrativa pós-moderna”. P. 54
7
ambiente cultural digno de seus anseios? Este capítulo pretende esclarecer o que
foi dito nas letras das músicas de Chico Sciense & Nação Zumbi e no texto
Caranguejos com cérebro sobre a cidade de Recife. Por que Fred Zeroquatro
sentenciava no manifesto: “Emergência! Um choque rápido ou o Recife morre de
infarto.”?
Se estas questões colocadas acima forem respondidas integralmente nós
teremos uma explicação muito convincente sobre os motivos da criação do
Movimento Manguebeat. Pelo conhecimento que temos das músicas e da
motivação das bandas, além da análise bibliográfica sobre o tema, podemos
afirmar que o Manguebeat surgiu da recusa e da insatisfação com o que era
oferecido para os jovens de Recife naqueles anos, em termos de cultura e de
política. Para compreendermos o contexto histórico de Recife dos anos 90,
ampliemos um pouco nosso raio de ação para uma perspectiva global e façamos
uma menção ao período do neoliberalismo e da globalização, tendências que
marcaram a economia e a política brasileira no período.
A década de 1990 no mundo foi marcada pela ascensão econômica e
ideológica da política neoliberal. Podemos dizer que esta década – após o fim da
União Soviética, da queda do muro de Berlim e da extinção do bloco socialista no
Leste europeu – foi marcada pela derrocada do Estado forte e suas possíveis
políticas de incentivo a programas sociais e culturais. Seguindo a ideologia
neoliberal de enfraquecimento das políticas estatais, em certos campos de atuação,
as organizações não-governamentais, ou do terceiro setor, passaram a assumir um
papel que deveriam ser de responsabilidade do Estado.
“Estas organizações ganharam importância nos anos 90, por serem potenciais
parceiras do poder público, em decorrência de sua estruturação. Esta relação de parceria
passou a ser estimulada, a partir do discurso neoliberal que pressupõe a retirada do Estado
de uma série de atividades” 14.
Com a mudança no foco das políticas estatais, conforme fora determinado
pelas ideologias neoliberais, um número cada vez mais significativo de
organizações não-governamentais se fez atuante nas mais distintas esferas sociais.
O mundo globalizado sugere um Estado mínimo, com responsabilidades sociais
reduzidas, já que estas responsabilidades foram transferidas ao “todo poderoso”
mercado e à iniciativa privada.
14
Vieira, N. A globalização e o papel das ONG’s na sustentação da economia Informal. P.12
8
18
Vargas, H. Hibridismos musicais de Chico Sciense & Nação Zumbi. P. 116.
19
Azoubel, R. p. Cit.. P. 54.
20
Cf. Mattos, A. O encontro do Velho do Pastoril com Mateus na Manguetown ou As tradições
populares revisitadas por Ariano Suassuna e Chico Sciense.
10
21
Suassuna, A. apud. Mattos, A. Op Cit. P. 11.
11
22
Santos, M. Por uma outra globalização. Do pensamento único à consciência universal. P. 143.
23
McGrew, A. A sociedade global. Apud. Hall, S. A identidade cultural na pós-modernidade. P.
67.
12
24
Cf. Renan, Ernest. O que é uma nação
25
Hall, Stuart. Op. Cit. P. 70.
13
26
Referimos-nos à globalização como um fenômeno que afeta o mundo inteiro, todavia nossa
ingenuidade não deixa escapar que, essencialmente, a globalização foi mais marcante no mundo
ocidental.
14
31
Chico Sciense & Nação Zumbi. “Monólogo ao pé do ouvido” IN: Da Lama Ao Caos.
16
32
Andrade, O. Manifesto Antropófago. P.1
33
Chico Sciense & Nação Zumbi. “Da lama ao Caos” IN: Da Lama Ao Caos.
17
34
Cf. Vargas, H. Hibridismos Musicais de Chico Sciense & Nação Zumbi.
18
de suas vísceras pegajosas. Por outro lado, o povo vive de pegar caranguejo, chupar-lhe
as patas, comer e lamber os seus cascos até que fiquem limpos e com sua carne feita de
lama fazer a carne do seu corpo e a do corpo de seus filhos. São duzentos mil indivíduos,
duzentos mil cidadãos feitos de carne de caranguejo.” 35
Este fenômeno observado pelo autor às margens do Rio Capibaribe, nos
bairros miseráveis da região metropolitana de Recife é o mesmo cenário em que
Chico Sciense fundamentou sua personalidade poética, observando a precariedade
de vida dos habitantes e a sua relação com os manguezais. Os olhos do cantor
foram guiados pelo pensamento arguto de Josué de Castro e daí a presença
constante da metáfora do mangue e dos caranguejos nas canções do grupo Chico
Sciense & Nação Zumbi.
Por vários aspectos, a obra de Josué de Castro será referência para o
Movimento Manguebeat. A idéia da lama como espaço sujo, porém regenerador
que encontramos na obra Homens e caranguejos será aproveitada por Fred
Zeroquatro36 na composição do primeiro Manifesto do Movimento Manguebeat.
“Não é por acaso que os mangues são considerados um elo básico da cadeia
alimentar marinha. Apesar das muriçocas, mosquitos e mutucas, inimigos das donas-de-
casa, para os cientistas são tidos como símbolos de fertilidade, diversidade e riqueza (...)
Não é preciso ser médico para saber que a maneira mais simples de parar o coração de um
sujeito é obstruindo as suas veias. O modo mais rápido, também, de infartar e esvaziar a
alma de uma cidade como o Recife é matar os seus rios e aterrar os seus estuários. O que
fazer para não afundar na depressão crônica que paralisa os cidadãos? Como devolver o
ânimo, deslobotomizar e recarregar as baterias da cidade? Simples! Basta injetar um
pouco de energia na lama e estimular o que ainda resta de fertilidade nas veias do Recife.
(...) Em meados de 91, começou a ser gerado e articulado em vários pontos da cidade um
núcleo de pesquisa e produção de idéias pop. O objetivo era engendrar um “circuito
energético”, capaz de conectar as boas vibrações dos mangues com a rede mundial de
circulação de conceitos pop. Imagem símbolo: uma antena parabólica enfiada na lama.” 37
De acordo com o Manifesto, conectar idéias através de redes mundiais é
um fenômeno típico que se iniciou com a globalização e com a internet. Este
raciocínio traz à tona uma discussão levantada no capítulo anterior.Ou seja,
naquele momento a idéia de globalização, fundamentada em discursos teóricos de
Stuart Hall e Milton Santos, não era vista como fator positivo e fora até mesmo
combatida pelos artistas do Manguebeat. Desse modo, a idéia de globalização
com que trabalhamos no capítulo anterior estava vinculada à noção de
35
Castro, J. Homens e Caranguejos. P. 26 et. seq.
36
Importante ressaltar que neste trabalho chamamos o texto de Fred Zeroquatro de Manifesto, pois
como ele, acreditamos que o Manguebeat seja realmente um Movimento cultural. Por isto, o texto
que inaugura o Movimento pode ser visto como um Manifesto, isto é, um texto que explicita as
principais idéias e propostas do Manguebeat.
37
Zeroquatro, Fred. “Caranguejos com Cérebro”.
19
38
Idem.
39
Cf. Ribeiro, G.Do tédio ao caos. Do caos à lama.
40
Calazans, R. Mangue. A Lama, a parabólica, a rede. P. 283.
20
pelo Manguebeat. Eles souberam fazer uma articulação do global com o local e
produziram novos sons.
A idéia proposta pelo Manguebeat era juntar as riquezas culturais de
Recife e de Pernambuco com as referências globalizadas, principalmente as
musicais, que perpassavam os canais de comunicação de massa. A imagem de
uma antena parabólica enterrada na lama, sugerida pelo manifesto, ilustra esta
idéia de troca e criação de novas informações. Todas as definições da cultura pop
são captadas pela antena parabólica e na lama do manguezal as informações são
reprocessadas gerando novas idéias e novos conceitos.
Um dos momentos, anterior a este a que nosso trabalho se refere, em que
“a relação do Brasil com o mundo foi acionada”, conforme destaca o fragmento
transcrito acima de Rejane Calazans, foi o do modernismo brasileiro –
principalmente quando um dos seus protagonistas, Oswald de Andrade, elaborou
o conceito de antropofagia no Manifesto Antropófago de 1928.
Na década de 1920, a questão da valorização da brasilidade passou a ser
um tema importante na literatura brasileira, sobretudo no tocante à necessidade de
se adequar á modernidade urbana que o Brasil começava a experimentar naqueles
anos. Para alguns pensadores daquele período, o ingresso na modernidade deveria
41
ser mediado pelo caráter nacional. É neste contexto que Oswald de Andrade
publica, em 1924, o Manifesto da Poesia Pau-Brasil, onde, além de combater os
cânones da poesia parnasiana e bem acabada, sugeria a liberdade (“ver com olhos
livres”) e o incentivo à originalidade nativa da cultura brasileira.
Foi numa viagem à Paris, num jantar com a artista plástica Tarsila do
Amaral, cujo prato principal era carne de rã, que Oswald de Andrade desenvolveu
42
sua principal tese sobre a cultura brasileira. Ele cria o conceito de antropofagia
cultural, no qual nossa cultura devora as referências da cultura estrangeira – e, a
partir dessa incorporação (um corpo que devora o outro / uma cultura devora e
digere a outra), há uma constituição artística autêntica e original.
Oswald de Andrade incentivou abertamente o livre câmbio entre as
culturas, sem a preocupação de estabelecer marcos divisórios entre cultura local e
cultura estrangeira. Nos termos de Oswald, a “originalidade nativa” enquanto
matéria-prima deveria impregnar de forma espontânea e harmônica os produtos
41
Cf. Velloso, M. A brasilidade verde-amarela: nacionalismo e regionalismo paulista
42
Cf. Andrade, Joaquim Pedro de. “O homem do Pau-Brasil”. São Paulo: Embrafilme, 1981.
21
43
exportados pela civilização técnico-industrial e assimilá-los através de um
processo de adaptação ao contexto local.
Em seu Manifesto Antropófago, Oswald propôs que os elementos da
cultura estrangeira fossem deglutidos e reprocessados pelo primitivismo nativo na
forma de um elemento novo. É assim que o autor encontra, nos preceitos estéticos
da antropofagia, possibilidades frutíferas de diálogos interculturais. Seu interesse
estava centrado na produção de uma arte nacional que fosse autônoma e que
tivesse, ao mesmo tempo, potencial de exportação. Para tanto seria necessário,
primeiramente, absorver o elemento estrangeiro, o que se realizaria de forma
crítica e seletiva. O canibalismo (antropofagia) seria uma solução já que este ato,
realizado por algumas tribos indígenas, era feito com o intuito de captar e
absorver as virtudes do inimigo.
A imagem da antena parabólica enterrada na lama, do Manifesto
Manguebeat, mostra que a proposta de Oswald de Andrade ainda se mantém atual
quando o tema discutido é a relação da cultura local com as manifestações da
cultura globalizada. É importante frisar que o debate modernista não ficou restrito
à cidade de São Paulo ou à década de 1920. As idéias não são estáticas e são
disseminadas tanto no espaço quanto no tempo.
As questões sobre a essência cultural brasileira, presentes no Movimento
Manguebeat dos anos 1990 – no tocante ao conceito de antropofagia cultural –,
têm uma relação direta e importantíssima com o Movimento Modernista dos anos
20, ao reatualizarem os debates sobre a relação da cultura local com a cultura
global. Além da imagem, o Manguebeat criou uma sonoridade ímpar a partir de
ritmos proveniente de diversas partes do mundo e do Brasil e, por isso, se fez
original e criativo, assim como o pensamento original de Oswald de Andrade nos
anos 20.
O título deste capítulo, como já foi dito, é a transcrição de uma parte do
Manifesto Antropófago de Oswald de Andrade. O poeta sugere um
posicionamento crítico na absorção de influências estrangeiras e originalidade na
43
O Brasil dos anos 20, vividos por Oswald de Andrade, era sustentado pela economia cafeeira de
exportação. O próprio Oswald de Andrade era descendente de uma família de cafeicultores do
Oeste paulista. A civilização técnico-industrial referida no texto diz respeito aos grandes centros
urbanos da Europa. Paris, para os intelectuais brasileiros deste momento, era a principal referência
de civilização e de cultura.
22
criação de uma arte nacional. Este ensinamento foi incorporado de forma louvável
por Chico Sciense e a turma do Manguebeat.
23
CONCLUSÃO
44
Mattos, A. O encontro do Velho do Pastoril com Mateus na Manguetown ou As tradições
populares revisitadas por Ariano Suassuna e Chico Sciense. P. 12.
25
REFERÊNCIA BIBLIOGRAFICA
Kehl, Maria Rita. “Da lama ao caos: a invasão da privacidade na música da Nação
Zumbi”. In: Cavalcante, Berenice; Starling, Heloísa; Eisenberg, José.
(org.) Decantando a República: inventário político da canção brasileira.
Rio de Janeiro: Nova Fronteira; São Paulo: Fundação Perseu Abramo,
2004.
Lins, Renato & Zeroquatro, Fred. “Quanto vale uma vida”. IN: Vargas, Herom.
Hibridismos musicais de Chico Sciense & Nação Zumbi. São Paulo: Ateilê
Editorial, 2007.
26
Vargas, Herom. Hibridismos musicais de Chico Sciense & Nação Zumbi. São
Paulo: Ateilê Editorial, 2007.
27
Zeroquatro, Fred. “Caranguejos com Cérebro”. IN: Chico Science & Nação
Zumbi. Da lama ao caos. Chãos/Sony Music, 1994.
28
DISCOGRAFIA
Chico Sciense & Nação Zumbi. Da Lama ao Caos. Chãos/Sony Music, 1994.
ANEXO I – MANIFESTOS
Mangue – O conceito
Estuário. Parte terminal de um rio ou lagoa. Porção de rio com água salobra. Em
suas margens se encontram os manguezais, comunidades de plantas tropicais ou
subtropicais inundadas pelos movimentos dos mares. Pela troca de matéria
orgânica entre a água doce e a água salgada, os mangues estão entre os
ecossistemas mais produtivos do mundo.
Não é por acaso que os mangues são considerados um elo básico da cadeia
alimentar marinha. Apesar das muriçocas, mosquitos e mutucas, inimigos das
donas-de-casa, para os cientistas os mangues são tidos como os símbolos de
fertilidade, diversidade e riqueza.
Manguetown - A cidade
A planície costeira onde a cidade do Recife foi fundada, é cortada por seis rios.
Após a expulsão dos holandeses, no século XVII, a (ex) cidade "maurícia" passou
a crescer desordenadamente as custas do aterramento indiscriminado e da
destruição dos seus manguezais.
fragilidade.
Mangue - A cena
alguns dos melhores dançarinos e djs que o Recife já conheceu ( alguém aí já viu
Jorge Du Peixe dançando "street"? A galera que hoje em dia ensina funk nas
academias de dança não daria nem pro caldo...).
Jorge sempre foi um pouco mais tímido, mas não menos engraçado, e os dois se
completavam em termos de gosto, idéias, visão e criatividade. Chico sempre teve
mais iniciativa e era, como todos sabemos, um letrista formidável. Mas alguém aí
se lembra quem é o autor da letra do clássico "Maracatu de Tiro Certeiro"? Isso
mesmo, Jorge Du Peixe...
Quanto a Lúcio Maia, qualquer um que acompanhe a Guitar Player, sabe que é
cada vez maior o número de pessoas que o consideram um dos mais talentosos e
ecléticos guitarristas brasileiros, uma verdadeira revelação dos últimos tempos.
Dengue, então, é aquele baixista contido, discreto, mas super-eficiente. Desde os
tempos do Loustal, ele sempre conseguiu encaixar a levada perfeita para o estilo
fragmentado dos versos de Chico. E quanto aos tambores e à bateria, nem é
preciso comentar. Não se via, no rock and roll, uma engrenagem tão potente e
envenenada desde a morte de John Bonham.
Quando toda a crítica brasileira caiu de quatro sob o impacto avassalador do "Da
Lama ao Caos", houve no Recife quem apostasse que Chico despontaria em
carreira solo já no segundo disco. Argumentavam que, por um lado Chico tinha
luz própria de sobra e por outro a fórmula do Nação Zumbi não renderia mais
nada interessante, pois já teria se esgotado. Eu e Renato torcemos para que
acontecesse o contrário, para que Chico não se rendesse à vaidade pessoal e
injetasse todo gás possível no fortalecimento da banda. Ele não decepcionou,
mostrou que não era nem um pouco ingênuo ou deslumbrado e que sabia muito
bem do que precisava para se manter no topo. O resultado foi o brilhante
"Afrociberdelia", um trabalho coletivo - com Lúcio mais ativo do que nunca do
que nunca na produção.
Portanto, se existe uma banda que tem total autoridade e potencial para ocupar
condignamente o lugar que o inesquecível Chico Science deixou vago no topo,
essa banda é sem dúvida a Nação Zumbi. Por sinal, o próprio Chico nem cogitava
em dar por esgotado o formato da banda, tanto que já planejava entrar com os
brothers no estúdio ainda este ano para gravar o terceiro disco. LONGA VIDA
34
AO GROOVE!!!
"Something is happening here, but you don´t know what it is. Do you, Mr Jones?"
Essa frase de Bob Dylan me vem à mente sempre que eu penso no tom de alguns
comentários publicados nos maiores jornais do país a respeito da morte de Chico.
Talvez com intenção de pintar o fato com as cores mais chocantes, expurgando,
assim, a dor e a revolta da perda, as matérias acabavam invariavelmente emitindo
um tom derrotista ou até desolador.
Se o caso é especular sobre o que pode acontecer daqui em diante, o mais
oportuno seria tentar identificar na história do Pop, fatos ou situações semelhantes
que possam servir de exemplos. Em se tratando de movimentos de cultura Pop;
gerados em focos isolados; situados na periferia do mercado; e com
reconhecimento mundial, os fenômenos mais correlatos ao Mangue Beat que se
tem notícia - ainda que os estágios de desenvolvimentos sejam distintos - são a
Jamaica pós-Bob Marley e Salvador pós-Tropicalismo.
Sobre Salvador, minha experiência como mangueboy me diz que o Tropicalismo
não surgiu lá por acaso. Nada no mundo poderia ter impedido o caldo cultural da
cidade de gerar posteriormente ( e na sequencia ) os Novos Baianos, A Cor do
Som, os trios elétricos, a Axé Music, o Samba - Reggae, a Timbalada, etc.
Também não foi por milagre que a Jamaica se tornou berço do Calipso, do Ska,
do Reggae, do Dub, do Raggamuffin e de todas as variantes do Dancehall que
hoje, quase 20 anos depois da morte de Marley, contaminam as paradas de
sucesso de todo o mundo.
Esses dois fenômenos foram condicionados por combinações específicas de
fatores geográficos, econômicos, políticos, sociológicos, antropológicos, enfim,
culturais, cuja história eu não seria capaz de analisar. Mas em se tratando de focos
isolados que a partir de um determinado estímulo geram uma reação em cadeia
capaz de contaminar toda a história futura de uma comunidade, meu depoimento
talvez possa ser útil.
foram improvisados em todos os bares; fitas demo e clipes novos eram lançados
toda semana, e assim por diante, gerando uma verdadeira cooperativa multimídia
autônoma e explosiva, que não parava de crescer e mobilizar toda a cidade. De
headbangers a mauricinhos, de punks a líderes comunitários, de surfistas a
professores acadêmicos, ninguém ficou de fora. Para se ter uma idéia, a frase "
computadores fazem arte, artistas fazem dinheiro" ( Mundo Livre SA ) virou tema
de redação de vestibular de uma faculdade local.
OSWALD DE ANDRADE
Em Piratininga
Ano 374 da Deglutição do Bispo Sardinha
(Revista de Antropofagia, Ano 1, No. 1, maio de 1928.)
42
ANEXO II – MÚSICAS
Sou eu transistor
Recife é um circuito
O país é um chip
43
Se a terra é um radio
Qual é a música?
Manguebit
Um vírus contamina pelos olhos, ouvido
Línguas narizes fios elétricos
Ondas sonoras, vírus conduzidos a cabo
UHF, antenas agulhas
Antenas agulhas
Mangue manguebit
Eletricidade alimenta
Tanto quanto oxigênio
Meus pulmões ligados
Informações entram pelas narinas
E a cultura sai mal hálito
Ideologia
Mangue manguebit
Meus pulmões ligado
Se aterra é um radio
Qual é a musica
Manguebit
Manguebit
Não adianta
Não há como escapar
Ao mundo livre
Entramos na disputa pra lhe capturar
Porque
O mercado vive em guerra
Lidere ou suma, vença ou morra
No submundo do consumo
Não há lugar para escrúpulos
44
A estrovenga girou
Passou perto do meu pescoço
Corcoviei, corcoviei
Não sou nenhum besta seu moço
A coisa parecia fria
Antes da luta começar
Mas logo a estrovenga surgia
Girando veloz pelo ar
Eu pulei, eu pulei
E corri no coice macio
Só queria matar a fome
No canavial da beira do rio
Eu pulei, eu pulei
E corri no coice macio
Só queria matar a fome
No canavial da beira do rio
Jurei, jurei
Vou pegar aquele capitão
Vou juntar a minha nação
46
Na terra do maracatu
Dona Ginga, Zumbi, veludinho
E segura o baque do mestre salu
Eu vi, eu vi
A minha boneca vodu
Subir e descer no espaço
Na hora da coroação
Me desculpe, senhor me desculpe
Mas esta aqui é a minha nação
Daruê malungo, Nação Numbi
É o zum zum zum da capital
Só tem caranguejo esperto
Saindo deste manguezal
Daruê malungo, Nação Zumbi
É o zum zum zum da capital
Só tem caranguejo esperto
Saindo deste manguezal
Eu pulei, eu pulei
E corria no coice macio
Encontrei o cidadão do mundo
No manguezal da beira do rio
Eu pulei, eu pulei
E corria no coice macio
Encontrei o cidadão do mundo
No manguezal da beira do rio
Josué!
Eu corri, saí no tombo
Se não ia me lascá
Desci a beira do rio
Fui parar na capitá
Quando vi numa parede
Um penico anunciá
47
É liquidação total
O falante anunciou: Ih!
Tô liquidado
O pivente pensou
Conheceu uns amiguinhos
E com eles se mandou, é!
Aí meu velho
Abotoa o paletó
Não deixe o queixo cair
E segura o rojão
Vinha cinco maloqueiro
Em cima do caminhão
Pararam lá na igreja
Conheceram uns irmãos
Pediram pão pra comer
Com um copo de café
Um ficou robando a missa
E quatro deram no pé
Chila, relê, domilindró...
Modernizar o passado
É uma evolução musical
Cadê as notas que estavam aqui?
Não preciso delas!
Basta deixar tudo soando bem aos ouvidos
O medo dá origem ao mal
O homem coletivo sente a necessidade de lutar
O orgulho, a arrôgancia, a glória
Enche a imaginação de domínio
São demônios os que destroem o poder
Bravio da humanidade
48
Viva Zapata!
Viva Sandino!
Viva Zumbi
Antônio conselheiro!
Todos os panteras negras
Lampião sua imagem e semelhança
Eu tenho certeza eles também cantaram um dia