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(© 1993 Hecho Live Thule original erm fronts: Le lets, (© 2002 de raduséo brasil: Furdocto Eeltore de UNESP (FEU) Praga da Sé, 108 1001-900 ~ Seo Paulo - SP Tek: (QeeT1) 3242-7171 Fe (One) 2242-7172 Home pove: wrinkedtra.unesp br E-mail feumediorosnesp.br Dados ntemocioncs de Catalogacso ne PusicasSo (CIP) (Cemora Brasilia do Liv, SP Brest) Alaura Vina ove; rode Brite — S30 Peo: Ti orga: Laer, Alogete sseve5-799-41241 1. ete 2. Thre ie ona indice pore coldiogs sistem. Tost 418.4 5 ewrage, pub dane le code du orograrime cide & lo publicofion, béndfice soutien cu Minse herve dor Afies Eongees Ete lire, publcade no nbs da programa de oo a pubigtes, conto com o epeie de Ministero dor RelogtesEseriooms a Frange Flora afoda: 5 O vivido da leitura A ruigéo do imaginério A consciéncia libertada © que acontece quando se 1é um livro? Quais séo as sensa- ses, as impressées que a leitura suscita em nés? Parece que a relagdo com o texto permite, em primeiro lugar, essa experiéncia Particular que Jauss (1978) chama de “fruigio estética”: “Na atitude de fruicao estética, o sujeito é libertado pelo imagindrio de tudo aquilo que tornaa realidade de sua vida cotidiana constrangedora” (.130)..A consciéncia “imaginante”, como mostrou Sartre, de fato leva auma sensaco dupla de liberdade e de criatividade. Para isso, ela procede em dois tempos: “aniquilacéo” do mundo diante do qual o sujeito se afasta, e criagao, no seu lugar, de um mundo novo 2 partir dos signos do objeto contemplado (cf. Sartre, 1940). A leitura€ portanto, ao mesmo tempo, uma experiéncia de libertacéo (“desengaja-se” da realidade) ¢ de preenchimento (suscita-se imaginariamente, a partir dos signos do texto, um universo marcado por seu proprio imaginario). 107 Vincent Jouve Para retomar os termos de Jauss, a leitura, como experiéncia estética, é, portanto, sempre “tanto libertacdo de alguma coisa quanto libertagao pars alguma coisa”. Por um lado, ela desprende o leitor das dificuldades e imposigbes da vida real; por outro, a implicé-lo no universo do texto, renova sua percepgéo do mun- do. © leitor, emocionado pela paixto de Des Grieux por Manon, impressionado pela metamorfose de Jekyll em Hyde ou divertido pelas aventuras de Lazarillo, esquecera por um momento (0 da Ieitura) os problemas e preocupagées de sua existéncia. Ao mes- mo tempo, o interesse que tem pelo destino das personagens, ao confronté-lo com situag6es inéditas, modificara seu olhar sobre as coisas. Essa impressao de escapar de si proprio, ao mesmo tempo que se abre para a experiéncia do outro, pode ser assimilada a um desdobramento. Tal é, pelo menos, a opinio do lingiiista Thomas Pavel (1988) que, em suas reflexes sobrea natureza e as frontei- ras da ficefn, posnila a existéncia de um eu “artietico”, represen- tante do sujeito no universo do texto: Visitamos as regides ficticias, moramos nelas por um tempo, hos misturamos as personagens. O destino delas nos emociona ‘Mandamos nossos eus ficcionais reconhecerem o territério com a orcem de redigir logo um relatério; eles so sensibilizados, ndo rnés, tém medo de Godzilla e choram com Julieta, enquanto nés apenas Ihes emprestamos 0 corpo e as emogaes, umn pouco como nos ritos xarmanicos nos quais os fiéis emprestam corpo aos esp rites bondosos. E, assim como a presenga dos espiritos torna pos sivel a glossolalia ¢ a predigio do futuro, os cus artisticos ow ficcionais esto prontos para sentir e expressar muito mais emo- 80 do que os verdadeiros eus ressecaclos e endurecidos, As espe- rangas de Schiller na educagdo estéxica da humanidade nao eram. Fundamentadas na crenga de que, depois da volta do reino das artes, 05 eus ficcionais se misturariam sem residuo nos verdadei- +08 eus, fazendo-os aproveitar de sua maturidade? (p.109) toa Aleitura Let, pois, € uma viagem, uma entrada insélita em outra di ‘menséo que, na maioria das vezes, enriquece a experincia:o leitor que, num primeiro tempo, deixa a realidade para 0 universo fictf- cio, num segundo tempo volta ao real, nutrido da ficgao. Avertigem Uma das experiéncias mais emocionantes da leitura con- siste em proferir mentalmente idéias que nao s4o nossas, Sus- citada por todos os textos, ela adquire uma intensidade parti- cular nas narrativas em primeira pessoa. Lendo as Confissoes, assumo 0 “eu” que af se expressa, e a vor de Jean-Jacques se confunde, por um tempo, com minha prépria voz. Mesmo tipo de sensacao com 0 Roquentin de A ndusea ou 0 Abel Tiffauges de 0 ogre. Georges Poulet (1969) descreveu com bastante preciso esse processo no que ele chama, com razdo, de “uma fenome- nologia da leitura” ‘Tudo que penso faz parte de mew mundo mental. E ainda aqui dlesenvolvo idéias que manifestamente pertencem a outro mundo mental, ¢ que si 0 objeto de meus pensamentos exatamente ‘como se eu nao existisse, Isso é inconcebivel, © parece mais ainda se eu pensar no fato de que, na medida em que toda idéia deve ter, um sujeito que pensa, esse pensamento que mio me perience a0 mesmo tempo que se desenvalve em mim deve igualmente ter ‘em mim um sujeito que me é estranho. (p.56) Essa interiorizacdo do outro ~ & facil admiti-lo ~ perturba tanto quanto fascina, Ser quem nfo somos (mesmo para um tempo relativamente circunscrito) tem algo de desestabilizante. leitor, transformado em suporte, em uma tela na qual se rea- liza uma experiéncia outra, vé mudar as marcas de sua identi- dade: “Ler”, observa B, Abraham (1983), "é desterritorializar: deixar passar pelo corpo os fluxos, as tendéncias inconscientes, as palavras de orclem que caracterizam o livro como ordenagio” 109 Vincont Jouve (P-94). Ler as Memories d outre-tombe [Membrias de além-timulo] & de fato, sentir pessoalmente (e durante o tempo da leitura) ag impressoes, as sensagées e as imposigdes que perpassam a prosa de Chateaubriand. Quer se trate do aspecto psiquico da leitura quer de sua dimensio propriamente fisica, “assimilar” outro 6, de certa forma, sair de seus limites, E certamente esse desabamento momentaneo dos funda- mentos da existencia que explica a descrigao corrente da leitura como uma flutuacao, uma vertigem na qual o sujeito, um pou co perturbado, oscila entre preocupacio ¢ cuforia, “A leitura’, escreve Jean-Louis Baudry (1988), “substitui fragmentos de discursos surgidos de toda parte, que tornam cada um de nds seres opostos, divididos, dispersos, um ser sob influéncia—alguém, que nfo é mais nés e que, entretanto, nao é outro” (p,74), Contemplagéio e participacao A implicagdo do leitor no universo textual pode, contudo, adquitir formas muito diferentes, Depende, em grande parte, da distancia histética que o separa da obra lida, Quando 0 leitor 6 contemporaneo da obra, a leitura the per- mite renovar sua percepgao das coisas. Esse fenémeno explica- se pela deformacao que o texto provoca sobre os dados do mun- do. Na leitura de © Processo, por exemplo, o poder ilimitado da ‘maquina estatal, apresentado como mola de uma logica narrati- va, percebidlo pelo olhar aterrorizado de K,, leva a meditar sobrea natureza inquietante das sociedades modernas. Em outro regis- (ro, um romance como A néusea leva logicamente © leitor a se questionar sobre o sentido de sua existéncia. Iser qualifica de “participativa” essa primeira atitude de leitura, Quando o leitor est4 separado da obra por uma grande dis- vincia temporal, cuida primeiramente de reconsticuir a situa- $0 hist6rica do texto. Assim, lendo Noventae trés,o leitor atual procura sobretudo reconstituir o horizonte cultural que permi- no te entender a visto hugoliana da Revolugao. © que sua leitura esclarece é 0 ponto de vista que um intelectual do século XIX pode ter, depois da Comuna de Paris, sobre a violéncia hist6ri- ca. © fenémeno € ainda mais nitido com a leitura de textos pertencentes & Antigitidade ou a [dade Média. O romance de Enéas, por exemplo, texto do século XII inspirado na Fneida, obriga mais 9 leitor do século XX a reconstituir 0 universo cultural que dé um sentido & narrativa do que modificar sua visio de mundo, De fato, o que aparece na leitura éa vontade do narrador de tornar a ctistandade a herdeira da Roma antiga. Para isso, 0 texto de Virgilio nao somente esta reescrito num sentido cris- ‘Ho, como também na éptica da literatura cortesa. O que a leitura reconstréi é, portanto, uma problemtica politica e cultural propria do século XI leitor toma conhecimento dela pelo simples fato de que essa subentende a narrativa, Nesse caso, Ise fala de atitude “contemplativa”, Assim, ha “participagio” quando o leitor transcende a po: cdo limitada que ele tem na vida cotidiana, e “contemplacao’ quando chega a uma visdo de mundo que nao é a de seu univer- so cultural, © prazer do jogo © “playing” e 0 “game” Michel Picard, como se viu, propée pensar a recepc20 dos textos @ partir do modelo dos jogos. A leitura adicionaria assim dois tipos de atividades lidicas muito diferentes: o playing e 0 ‘game. O playing & um termo genérico para todos os jogos de representario ou de simulacro, fundamentados na identifica- <0 com uma figura imaginaria. O game, por sua vez, remete 0s jogos de tipo reflexivo, precisando de saber, inteligencia e sentido estratégico (tais, por exemplo, o go ou 0 xadrez). En- m Vincent Jouve quanto 0 estatuto objetivo do game permite o distanciamento, 0 playing enraiza-se no imaginArio do sujeito. A leitura seria portanto, ao mesmo tempo, jogo de represen- tagdo e jogo de regras. E impossivel ler um romance sem se identificar com tal personage. Mas é igualmente impossivel ndo respeitar um certo nimero de conveng6es, cédigos e con- tratos de leitura ‘Michel Picard analisou por esse angulo o primeiro encontro de Julien Sorel e Madame de Rénal no inicio do capitulo Vi de O vermetho ¢ 0 negro. Se 0 jogo de representacio proposto 20 leitor E evidente, o jogo de regras também o é. Por um lado, de fato, a ‘conotacao edipiana da passagem ¢ particularmente clara: o nas- cimento do sentimento amoroso entre © moso ¢ a figura mater- nna 86 pode favorecer a identificacao do leitor. Entretanto, como observa Picard, essa identificagdo “espontinea” &, ao mesmo tempo, minada, até mesmo atacada, por uma série de cédigos textuais que regulamentam a leitura da passagem: a constante alternancia dos pontos de vista impede que se adote totalmen- te o olhar de uma das duas personagens; a ironia do narrador com respeito a Julien obriga a considerar esse tiltimo com certa distancia; a incapacidade dos protagonistas de se decifrarem mutuamente contribui para despertar a consciéncia critica do leitor. O texto nao autoriza, portanto, um abandono completo; © romance favorece ao mesmo tempo o investimento e o limite regulamentando as modalidades. © jogo de representagao s6 6 possivel dentro de um quadro imposto pela narracao, Poder-se-ia fazer a mesma demonstragao, na escala da nar- rativa inteira, com A vida ndo é agui, romance de Kundera. A identificagao com 0 protagonista parece de fato favorecida por uma série de procedimentos no exato momento em que ela esté desativada por outros. © herdi da narrativa, um jovem poeta tcheco, éa personagem mais conhecida do leitor (que tem acesso a sua infanciae seus sonhos) ¢ seus esforgos para se impor social- mente como artista ¢ individualmente como sujeito apaixonado ne Aleiure 86 podem trazer a simpatia. Entretanto, a ironia constante do rnarrador proibe uma identificagdo total com a personagem: esta ¢ apresentada como um individuo sem muito carter, cuja inocéncia © transforma progressivamente em aliado, até mesmo colaborador de um regime carceratio e policial © texto pode, como se vé, dosar come Ihe convém a impli- eagdo do leitot: as técnicas da narragio permite controlar 0 investimento na fico, Nesse sentido, podemos dizer como Michel Picard, que, na leitura, o game “disciplina” o playing. Implicacéo e observacéo Vimos anteriormente como o leicor, para construir sua re- cepeio, era levado para uma dilética permanente entre antec pagao e retroagfo, © leitr, de fato, se & levado a formar con gurag6es para preencher 0s “vazios” do texto, deve entretanto ce a ceqiléncia da narrativa vier @ contradizé-as. & preciso, portant, distinguit Gots processes. Por um lado, a0 preencher os “vazios” com re- presentag6es que Ihe sfo préprias, oleitor implica-se no texto. Por outro, é levado a se distanciar dessas mesmas representa. GBes quando 0 texto as invalid. Ness dtimo caso, ele proprio pode se observar participando do ato de leitura Vejamos © planeta dos macacos de Pierre Boulle. A narrativa inicia-se com duas personagens, Jina e Phyllis, que, darante tm passeio no espago, descobrem uma garrafa contendo um pergaminho. O rolo de papel conta a histéria de um homem perdido, depois de uma viagem césmica, num planeta governa- do por macacos inteligentes. Como Jinn e Phyllis nfo sao des- critos fisicamente, 6 leitor preenche o “vazio” do texto imagi- nando-os como um casal de ovens, Ora, no final da nareativa flcamos sabendo que essas duas personagens no eram huma- 10s, mas sim macacos! © leitor, assim levado a corrigir sua primeira configuraclo, pode somente meditar sobre o antropo- aceitar movificé-las, até mesmo atacé- a Vincent Jouve morfismo esponténeo que rege sua visio de mundo. Obrigado, ‘num primeiro momento, a se implicar pessoalmente na leitura, é levaco, num segundo momento, a se observar refletindo. E essa volta para si que, como repara Iser (1985), faz.0 valor da leftura As contradigées que o leitor produziu ac formar suas configu: rages adquirem sua prdpria importancia. Elas 0 obrigam a perce- ber a insuliciéncia dessas configuragées que ele prdprio produzia, ode enti se distanciar do texto do qual participa de tal forma que ppossa se observat, ou, pelo menos, se ver engajado. A aptido para se entrever a si proprio num processo do qual participa & um mo= ‘mento central da experiéncia estética. (p.241-2) O autodistanciamento, quaisquer que sejam as modalidades, sempre é uma experiéncia enriquecedora, Alguns textos, como os de Faulkner, levam esse procedi- mento ao extremo. Enquanto agonizo, por exemplo, ao variar os pontos de vista de capitulo em capitulo, probe ao leitor elabo- rar uma perspectiva que explique 0 texto no seu conjunto: ne~ nhuma visao central permite unificar sob uma orientagao nar- rativa clara os pensamentos ¢ mondlogos das personagens que se cruzam ao longo da narragao. © leitor, constantemente em- baragado no seu trabalho de deciframento, se questiona sobre seu modo de conceber o sentido. Sempre levado a voltar para suas primeiras consideragdes, deve ler e, ao mesmo tempo, se observar lendo. E essa oscilagdo constante entre implicagao ¢ observagio que torna a leitura um acontecimenco vivido. Uma viagem no tempo A “regrediéncia” Aleitura permice viajar no tempo. A afirmagao ¢ apenas meta~ férica. Ao ler um romance, aceitamos esquecer por um tempo a 14 Aleitura realidade que nos cerca para nos ligarmos novamente coma vida da infancia na qual histérias e lendas eram to presentes. Ao acordar o eu imagindrio, normalmente adormecico no aclulto acor- dado, a leitura nos leva de volta ao passado. O que permite que essa parte de nés mesmos, herdada da idade tenra, renas¢a to facilmente? A resposta se encontra nas semelhangas entre o estado de leitura e 0 sono. Em termos de energia psiquica, a situagio do sujeito que lé aparenta-se com a do sonhador. A leitura, como 0 sono, fundamenta-se na imobilidade relativa, uma vigilancia restrita (inexistente para aquele que dorme) e uma suspensio do papel de ator em favor do de receptor. O leitor, colocado assim numa situa¢do econdmica parecida com a do sonhador, deixa suas excitades psiquicas se engajarem em um inicio de “regrediéncia” ara entender o conceito de regrediéncia, que tomamos em- prestado de Christian Metz (1984), 6 preciso partir de uma distin- cao entre as percepgoes do estado de vigilia ¢ as representacées oniricas. No sujeito ativo e acordado, as impulsdes psiquicas vaio do exterior (0 mundo) para o interior (6 aparelho psfquico onde as percepgSes vém se imprimir): tal trajeto ¢ chamado de “pro- grediente”. Em contrapartida, no sonhador, as excitagSes tem sua origem no inconsciente do sujeito (sio, desde o infcio, inte- riores ao aparelho psiquico) e acabam numa ilusdo de exteriorida- de por meio da producao de imagens mentais: portanto estamos diante de um processo “regrediente”, S6 a via regrediente (da interioridade psiquica para a representagao) permite aemergén- cia da alucinacao. ‘A regrediéncia, evidentemente, nio cabe na leitura como no sono. Assim como o fluxo regrediente vem se chocar, no espectador de cinema, contra a materialidade do som e das imagens do filme, a regrediéncia do leitor fica limitada pelo suporte escrito da alucinagao. Pode-se simplesmente notar que, como a tela lingiifstica é menos “compacta” do que a tela cine- Vincent Jouve ‘matogratica, a regrediéncia € mais avangada no leitor do que no ‘espectador: as representacGes imtagindrias do primeiro devern com por com um principio de realidacle muito menos exigente. E o que explica essa intimidade excepcional (a qual tod6 leitor pode experimentar) entre o sujeito que lée a personagem romanesca, © imaginario préprio de cada leitor tem um papel {al na representasdo que quase se poderia falar de uma “presen- «sa" da personagem no interior do leitor. Essa sensaglo de con- substancialidade entre o sujeito que lé ea personagem represen- tada nenhuma imagem éptia jamais poderé dar. Entende-se assim a decepcio tao freqiientemente sentida quando um romance que se leu é flmado. A personagem que, 20 longo de sua leituta, chegava & existéncia pelas representagoes imaginérias do letor, apresenta-se na tela como um outro abso- luto na produsio do qual o espectador nao participa. A ligacéo intima que unia 0 leitor as criaturas ficticias ¢ totalmente rompida, O que se perde na passagem do romance em livto para o filme néo é nada menos do que a poténcia criadora do desejo: © leicor do romance, seguinda as vias préprias e singulares fe seu desejo, de antemiio vestira visualmente as palavras que havia ldo, e quando v8 o fle gostaria de reencontrar esse visual ra verdade, revé-o, em viceude dessa implacivel forsa de repeti- ‘0 que mora no desejo, que leva a crianga a usar sempre 9 mesti0. brinquedo, o adolescente a ouvir sempre o mesmo disco, antes de abandoné-lo para o seguinte que saturart por sua vez um periodo de sua vida, Mas 0 ledor de romance nem sempre encontra seu filme, pois o que tem na sua frente, com 0 vetdadeiro filme, doravante é 0 fantasma de outro, coisa raramente simpatica (a tal pponto que, quando se tora simpatica, provoca 0 amor). (Metz, 1984, p.137) A pritica editorial que consiste em ilustrar os classicos com fotos de atores certamente incita a compra, mas muito pouco a leitura. Quem, fora o diretor, imaginaré Julien Sorel com os tra- 16 08 de Gérard Philipe e Madame de Rénal com os de Danielle Darricux? Qual leicor de Madame Bovmry verd sem decepsio Isabelle Huppert no lugar de Emma dnicae ireepresentavel que haviaima- ginado? Impor um rosto para as figuras romanescas & nos despossuir de uma parte de nés mesmes. "A crianga que lé em nés” portanto a crianga que fomos que permite acreditar nas narrativas romanescas. Havia uma época em que reinava a lenda, tem que o sere o parecer nfo se distinguiam (quem nunca credi- touem Papai Noe). Esse consentimento euférico na ficgéo nunca desaparece totalmente (nossa relacio coma figura de Papai Noel sobrevive a tomada de consciéncia de sua ficcionalidad). Nossas ‘rengas infantis, reativadas em certas condigées (entre clas a situagao de leitura), subentendem nossas crengas de adultos, ‘Assim que abrir um romance, 6a crianga que renasce (pelo menos, em certonivel) ‘A crianca persiste dentro de nds e assina: & ela que, ai, é 0 jngato, © ldo, depreendido das leis do Logos e das categorias do esparo-tempo; & na sua credulidade inocente que, hipocricamen «6, atolerinca do loo, aqui e agora, se janta &ilusio. A crianca setve de suporte e de élibi para a credulidade do adulto: assim reencontramo-la como mediador interno, hers, testemunha ow narrador, em numerosas fcgBes, ¢ em particular no Fantistico, onde freqllentemente Ihe é aribufda uma fungio mista de vitima de fador: em O homem de area ou A volta do parafuso, por exer plo. (Picard, 1986, p.116) Ler, de certa forma, & reencontrar as crengas ¢, portanto, as sensagGes da infaincia, A leitura, que outrora ofereceu para nos- so imaginério um universo sem fir, ressuscita esse passada cada vez que, nostilgicos, lemos uma historia. 7 Vincent Jouve Por essa razio, as primeiras leicuras so, como nota Grivel (1987), a matriz das leituras ulceriores: Que idade termos quando lemos? ... Respond a primeina ida- det & quando criaga que lemos, do Angulo da primeira vez e obce- cados por ela. Primeizo ponto: minha paisto, Ler é um desejo de Infancia, Doar-se para 0 texto, pelo deciftamento do olbar ou da pena, é sonfar com uma capacidade anterior, com uma frescura desaparecida, com um desatino do imaginario cuja idéia se fxow logo no inieio da vida consciente. (p.143) Alleitura é, antes de mais nada, uma desforra da infincia. A volta do passado afetivo De forma mais precisa, e como mostrou Michel Picard (1989), pode-se dizer que a leitura nos remete 2 nosso pasado segundo duas grandes modalidades. Por um lado, a identificagio com algumas situagées ficcionais nos permite reviver os cendtios fantasméticos da infancia; por outro, certo detalhe do texto desperta em nés imagens intimas: € 0 que se chama de “lem- brangas-telas” Voltaremos mais adiante ao primeiro ponto que trata do impacto da leitura. Por enquamto, tratamos do fendmeno patti- cular das “lembrangas-telas”, Ao ler um texto, o modo pelo qual se representa um objeto, um cenarioou uma personagem per ue ressuscitem imagens enterradas, das quais nem sempre & possivel dizer de onde vém. O boné de Charles Bovary, a pensio Vauquer, a ilha de Robinson, rosto de Fabrice del Dongo sio, além dos detalhes fornecidos pela narracao, imaginados diferentemente — e pessoalmente — pelos leitores. Quando no inicio de puede onagro Balzac escreve: “No fim do més de outubro passado, um rapaz entrou no Palais Royal”, de once vem a imagem ‘que instantaneamente se cria do “rapaz” em questio? Nao é muito 18 facil responder. O tinico ponto certo é que essa imagem surge de uum passado privado, fugaz e, em grande parte, inconsciente, Lembramos que a palavra “Florence” evoca para jean-Paul Sartre (1984), Florence & cidade e flor e mulher, @cidade-lore eidade-mu- Ther © moga-fior tudo a0 mesmo tempo. Bo estranho objeto que assim aparece possui a iquidez do rio, © suave ardor euive do aura «pata tetminat, se abandona com devnca e prolongs indefinida- :mence pelo enfraquecimento contiaua do e mudo seu desabro- chamento cheio de reservas. isso se arescenta oesforgoinsioso da biogralla. Para mim, Florence é também uma certa mulher, uma attiz americana que crabalhava nos filmes muds de minha infancia © da qual esqueci tudo, exceto que era comprida como "uma lova de baile comprida e sempre um pouco cansada e sempre «asta, ¢ sempre casada e incompreendiia, e que eu a amava, que cla se chamava Florence. (p.21) (Uma unica palavra as vezes pode fazer surgir um passado: por meio da leitura, o texto remete cada um a sua histéria {ntima. Textos A leitura como interiorizacée do outro Se & possivel assimilar 0 leitura a um tipo de vertigem, & no medida om que ela se opresenta como umo experiéncia do tiferidade. Ao ler um texto, © sujelo ossume um universo que ndo € sev. Esse processo muito particular esté na origem de ume cexperiéncia de clivagem que Georges Poulet oqui resolve descrever (© que é proprio de um lexlo 6 que ele nos incita néo somente ‘a consiaiar ea destacar de fora suas caraclerisicas cbjetvas, come, também a nos toner por nossa ver © que ele &, a nos confundir ng Vincent euve pela operagéo do espfrito com sua préprie substéncia, O fenéme: 1 essencial que o marca nas suas relagdes conosco é o fenémeno de identificacdo. Ler & vir a ser, isto €, comegar a porlcipar mens tolmente (e mesmo fisicamente pela atividade mimética) da vida particular do préprio texto. A leitura de um texto implica sempre, Porfante, em maior ou menor grav, ume operagae que sé se pode chemar de ontolégica. Pelo tempo am que se efetua, ela provoca ‘uma transformaco 160 radical do pensamente letor que esse néo ode mais, durante esse periode, ser dissociado do texto que 0 cenima e 0 preenche. Torna-se enldo um pensomento néo mais isolado em si préprio ou absorvide nos abjetos que lhe sao particu: fares sua atividade mental, mas sim verdadeiramente 0 sujeito ue se encantra no ceniro do texto e que, de dentro, 0 ardena eo {oz viver; mos é lambem, oo mesmo tempo, enquanto se Ie, persistr fem pecmanecer aquele que I, @ que, ao ler, guorda sua propria personalidade ao mesmo tempo que sente os movimentos @ os rik mos de idios © de polawas que 0 texto Ihe sugere, Consciéncia ddyple da qual uma, despertada, ressuscitada pela oulra, ¢6 conscién- tie latente do autor até entéio adormecida no interior do texto, e da qual @ outra é consciéncia pesticipante, impulso do pensemenio li= bertador pelo quel se associa ao que ela esté lendo, Tal diferenca poderia parecer inufilmente complicoda, mesmo assim permenece lum dos fenmenos mais comuns numa vida t60 pouco contemplative; fenémeno pelo qual o leitor, consciente de receber do texto uma impulsdo que modifica suas afeicées © seu pensamento, percebe-se simultaneamente como consciéneia de sie consciéncia do texto, num ‘movimento em que ume se conforma & oulra, sem, contudo, perder folalmente sua independéncia, Pois néo existe opens relocéo entre © pensomento letor e 0 texto, mas entre © pensamento leitor © 0 Pensamento escondide no texto, que ele reaviva 00 se atvar ele Préprio oo seu contato, (Poulet, 1975, p.66-7) © papel motor das emocées Nessa passagem de Combray, Proust coloca em evidéncia as carasteristicas essenciais da experiéncia de letra. Evoca sucessi- vomente a relagdo intima que une o leifor &s personagens, a rique- 120 Alera za do vivido emocional, e a forca dos representacdes imaginérias que remetem a histéria ofetiva do sujeito. ‘Mas todos 05 sentimentos que nos fazem sentir o alegria ou 0 inforténio de ume personagem real s6 se produzem em nés por meio de uma imagem dessa olegria ou deste infortunio; © habil dode do primeiro romancista consisiu em compreender que no ‘parelho de nossas emocées, como a imagem & 0 Unico elemento essencial, « simplificagéo que consislisse em suprimir openas ¢ simplesmente os personagens reais seria um aperfeigoamento de- «isivo, Um ser real, por mais que simpatizemos com ele, perceberno- lo.em grande parte pelos nosso’ senfidos, isto &, permanece opaco Para nés, oferece um peso morte que nossa sensibilidade noo pode levantar. Se the acontoce uma desgraca, € openas uma pequeno parte do nogae total que temos dele que permite nos emocionar; mais ainda, € apenas uma pequena parle da nocée fetal que ele préprio tem de si que the permitiré se emacionar. © achado do Fomancista foi ter « idléia de substiuir essas partes impenetréveis & ‘alma por uma quantidade igual de partes imatericis, sto é, que nossa alma pode assimilor. O que importa, enlao, se as agbes, os cemogdes desses seres de um novo lipo nos aparegam como verda: deiras, {6 que as fornamos nossos, 6 que é em nés que elas se produzem, € que, enquanio viramos febrilmente os paginas do livro, © tapidez de nosso respiracéo e a intensidade de nosso olhar ermanecem sob seu dominio? E umo ver que o remoncista nos colocou nesse estado, no qual, como em todos os estades pura- mente interiores, loda emocae & duplicada, estado no qual seu livro vai nos perturbar como um sonho, mas um senha mais claro do que oqueles que sonhamos quande dormimos e cuja lembran 62 ficaré aindo mois, eis que entéo ele desencadeia em nés, em ‘pena uma hora, todas os felicidades e todas as desgracas possi- vyeis que, na vida real, demororiamos anos para conhecer ~ ope- ras elgumas delos ~e das quais as mais infensas nunca nos seria reveladas, pois o lentidéo com que se produzem nos priva de sua ercepcao (assim nosso coragéo muda, na vida, © é @ pior dor: mas é una dor que openas conhecomos ne leitura, ne imagine 580; na realidade ele mude, como cerlos fenémenos da natureze 12 Vincent Jou se produzem, isto 6, produzindo-s0 160 lentemente que se, por ui lode, consoguimos captar sucessivamente cada um de seus eslor dos diferentes, por outro, nos foge a sensaGo em si da mudanea Em seguida, menos interior a meu corpo do que essa vido ds personagens, vinha, vagamente projetada na minha frente, 0 pai sogem onde se desenrolava a acéo @ que exercia sobre meus pen | samentos uma inluéncia muito maior do que a outa, do que aquela para 2 qualeu olhava quendo porava de ler. Foi assim que duran te dois vor8es, ne calor do jarcim de Combroy, tiv, por couse do lio que estava lendo, « nostalgia de um pais montanhoso e fluvial, onde veria muites serrarios ¢ onde, no funde da égue tramsparen te, pedacos de madeira apodreciam sob ufos de agro; endo muito longe dali, subiam, ao longo de muros boixos, cachos de flores viléceas ¢ avermelhadas. E como o sonho de uma mulher {que me amoria estova sempre presente na minha mente, nequeles ‘er6e5, e850 sono foi impregnado do frescor dos fguas correnies; © qualquer que fosse @ mulher por mim evocoda, cachos de flores cevermelhadas © violdcoas logo se erguiam de ambos os lados, come cores complementares. (Prausl, 1954, p.105-6) 122 6 © impacto da leitura Os desafios Influenciar e divertir Sea leitura é uma experiencia, € porque, de umn modo ou de outro, 0 texto age sobre 0 leitor. Globalmente, podem-se dis- Linguir as leituras que exercem uma influéncia concreta (con firmando ou modificando as atitudes e priticas imediatas do Ieitor) o as que se contentam em recrear e divertt. Pata isso, nfo se deve negligenciar a dimensio estratégica de numerosos textos que, por tris dos desafios de prazer explicitos (emocionar e distrair), esconclem verdadeiros desafios performativos(infor- ‘mare convencer). CConsideramos caso de A peste dos animais. Sem dlivida, a intengfo de prazer existe. La Fontaine, incontestavelmente, procurou seduziratendendo as tradicionais expectativa do piblico das fabulas: micronarrativa apresentando animais humanizados, referencias a literatura greco-latina, recurso da retrica classic, versticagao apropriada. O préprio tema da fibula (a peste) remete 123 Vincent Jouve implicitamente as célebtes descrigdes de Homero, Lucrécio e Virgilio, Alguns versos sao retomados quase literalmente, Assim © verso 5, que apresenta a Peste como “Capaz de enriquecer em lum dia © Aqueronte”, inspira-se em uma formula que jé se ‘encontrava no Flipo rei de Séfocles: “Gades enriquece com n0ss0s gemidos e nossos choros”. No plano estilistico, a fabula é percorrida por uma série de formas mais ou menos fixas, vindas de uma tradicéo, € reconhecidas como tais pelo piiblico. Notaremos, por exemplo, a rima tigica “terror"/“furor”, a solenidade das metéforas ("os crimes da terra”), e as repetigbes, com amplificacio (“Um mau que espalhe 0 terror/Mau que 0 (Céu no seu furor..”). La Fontaine, portanto, procurou claramente divertir, explorando todos os recursos do género. Mas, por tris dda preocupacao em agradar, desenha-se rapidamente o desejo de agit no piblico, de tomara palavra num debate que néo apenas literdrio, Assim é possivel ver na condenacao final e undnime do burro (Comer a grama de outro! que crime aborninével!”) uma dentincia contra a maquina absolutista da Corte. Sob o aparato de uma narrativa agradavel, perfila-se um discurso em dlefesa da vida individual ¢ uma critica, nfo ao sistema monérquico (0 rei esté no seu lugar), mas as suas manifestacbes desviadoras, De fato, a figura do monatca é percebida como positiva. Notaremos 0 carter afetivo da ligagao entre oreie seus siditos (“Meus queridos amigos") eo reconhecimento de seu papel protetor ("Senhor, diz @ raposa, Vossa Majestade & boa demais"). Eis 0 discurso dos cortesaos que, ao fingir retomar as palavras do monarca, desvia seu sentido ¢ permite, Finalmente, a acusagéo do butto. O “se” anonimo e coletivo que, no final da fabula, substitu o rei ("fez-se que ele visse”) &, nesse ponto, muito revelador: a maiquina impiedosa que esmaga o individuo nao € a monar- quia, mas a Corte, desvio condendvel de um sistema hierér~ quico em si respeitavel 124 A leitura, portanto, no que concerne aos desafios performa- tivos do texto, nunca é uma atividade neutra, © coletivo e 0 individual Existem duas maneiras de aprender os efeitos concretos de uma obra: pode-se estudar a leiture seja em suas conseqtién- cias globais na sociedace seja no efeito particular que produz no individuo, No primeiro caso, consideramo-la em relagio a um. piiblico; no segundo, em relacdo a um sujeito, © estudo do impacto global permite devolver ao texto sua dimensio cultural. O principio ¢ o seguinte: 0 leitor nao é um individuo isolado no espago social; a experiéncia transmitida pela leitura desenvolve um papel na evolugio global da socie- dacle, Segundo Jauss, 0 impacto cultural da leitura pode assu- mir és formas distintas: transmissio da norma, criagio da norma, ruptura da norma. A obra pode transmitir os valores dominantes de uma sociedade (literatura oficial ou estereotipa- da) ou legitimar novos valores (liveratura diciitica e militante) ou ainda romper com os valores tradicionais renovando o hori- zonte de expectativas do piblico, Fora caso das obras oficiais e das narrativas estereotipadas, basta que um texto seja portador, consciencemente ou no, dos valores dominances de uma época para desenvolver um papel social de transmissio ~e portanto de consolidago - da norma. A cana de Rolando, por exemplo, a0 glorificar a submissaoao soberano, a fidelidade a linhagem, © amor pela “querida Franca” ea piedade, ttansmitea seu piblico os valores fundadores da sociedade feudal. Nesse sentido, sua importancia na Franga do século xil ulerapassa amplamente o dominio literario. A obra, contuclo, em vez de aflangar os valores dominantes, pode, por meio da leitura, legitimar novos valores. Nao se trata mais entdo de transmitir a norma, mas sim de eriar referéncias 125 Vincent owe nnovas. & a aposta que Rousseau fez em jl ou a nova Helos. O esfecho do romance que mostra Jia, seu marido e seu antigo amante tendo uma vida feliz, baseada na virtude, no ambiente natural e encantador de Clarens, opGe-se ao ideal de vida dos nobres, marcado pelo esbanjamento, pelo luxo ¢ pelo gosto do prazer, um ideal burgués de simplicidade rastica, familial e ecénomico. O sucesso do romance teve, como se sibe, um pa- pel importante na evolugio das mentalidades que, no fim do século XVUl, permitiu a burguesia impor seus valores, Aruptura da norma manifesta-sc, enfim, em primeiro lugar, ‘no campo estético, Ao renovar ohorizonte de expectativa litera, 'uma obra vai afirmar seu cardter inovador. Assim Madame Bovary, quando publicada em 1857, contribuiu para transformar o gosto do piiblico, Enquanto os leitores dos romances de costumes, até entao, eram sobretucl sensiveis aos clichés erSticos e ao lrismo sentimental, Flaubert impoe um estilo mais s6bro, sem efeitos ‘muito visiveis, mas que, por tas da discrigao da narracio impos. soal, deixa fltrar uma ironia muito mais incisiva. Tal question mento, inicialmente limitado ao dominio literario, s6 pode se ampliar parao campo social inteir. ‘Assim é possivel concluir com Jauss que, gragas&leitura, as obras literdrias tém uma importancia muito grande na evolugéo das mentalidades: podem, em certos casos, pré-formar os comportamentos, motivar uma nova atitude, ou transformar as expectativas tradicionais. Esse estudo do impacto global esta no centro de Pour une esthétique de laréception [Por uma estétca de seceped0] (ass, 1978). A anélise do impacto local tem um objetivo diferente: des- tacara aco do texto no letor particular. Assim, ela se interessa menos pela dimensio cultural da obra do que pela sua forca pragmética, E, como se viu, a perspectiva de Iser. Na medida em que 0 efeito da leitura no sujeito precede e condiciona seu efeito sobre a sociedade, vamos consagrar o final deste estudo a recepcio individual 126 Alena Do texto ao real “Efeito” e “recepséo” Para aprender o impacto da leitura no sujeito € preciso se lembrar da distingao estabelecida por Jauss entre o “efeito” ~ que é determinado pela obra ~e a “recepc20” ~ que depende do destinatério ativo e livre. Significativamente, encontra-se uma ‘oposicio parecida em Iser (1985); "Pode-se dizer que a obraliterdria tem dois pélos: 0 pélo artisticoe o pélo estético. O pélo artistico refere-se ao texto produzido pelo autor, enquanto o pélo estético dz respeito & concretizagao realizada pelo leitor” (p.48). Existem sempre, portant, duas dimensses na leitura: uma, comum a todo leitor porque determinada pelo texto; a outra, infinitamente variével porque dependente daquilo que cada um projeta de si préprio, ‘Quando leio La vie de Marianne [A vida de Marianne], 0 ponto de vista que tenho sobre a intriga nfo depende de mim: na medida fem que a histéria 6 contada na primeira pessoa pela propria hheroina,s6 posso tomar conhecimento dos eventos por seu préprio olhar. A perspectiva que me é imposta é, pois, um “efeito” da cobra que depende de seu pélo“artistco”. somente um segundo ‘momento que poderei concretizar 0 pélo “estético” da narrativa reagindo pessoalmente a esse olhar que me é imposto sobre as coisas: posso ou nao aché-lo legitimo, me deixar convencer por le ou, a0 contrétio, desconfiar dele. Seja como for, nfo se trata mais entéo do “efeito” produzido pelo texto, mas de minha “recepgdo” desse diltimo. Essa distingio permite entender por que a relago do leitor com o texto é sempre receptiva ¢ ativa ao mesmo tempo. O leitor 86 pode extrair uma experiencia de sua leitura confron- tando sua visio de mundo com a que a obra implica. A recep- «0 subjetiva do leitor é condicionada pelo efeito objetivo do texto. E porque, objetivamente, Crime e castigo me coloca na 127 perspectiva de um assassino atormentado pelo remorso que ett posso subjetivamente modificar meu olhar em relacio a0 crimee 0s criminosos. “Sentido” e "significagao” A Teitura, ao levar 0 leitor a integrar a visio do texto A sua propria visto, ndo é em nada, portanto, uma atitude passiva. leior vai tirar de sua relagao com o texto niio somente um “sentido”, mas também uma “significagao”. Esses dois nt- veis de compreensio sfo definidos da seguinte forma por Paul Ricoeur (1969): 0 sentido remete ao deciframento operado du- ante a leitura, enquanto a significagio é 0 que vai mudar, gragas aesse sentido, na existéncia do sujeito. Em outros termos, exis- te, de um lado, a simples compreensio do texto e, de outro, 0 ‘modo como cada leitor reage pessoalmente a essa compreensio. A significaglo 6 0 “momento da rotomada do sentido pelo leitos, de sua efetuacao na existéncia” (p.389). ssa idéia de um prolongamento concreto da leitura encon- tra-se também em Roland Barthes (1971), quando ele evoca a “transmigragao” do texto para a vida do sujeito: As vezes, o prazer do Texto cumpre-se de forma mais profsn- a (e € nesse momento que se pode dizer realmente que hi Tex o): quando 0 texto “literério" (o livro) transmigra para nossa Vida, quando uma outra escrta (a eserita da Outro) consegue escreverfraymentos de nossa prépriacotidianidade, enim, quando se produz uma coxistencia,(p.12) Viver um texto, evidentemente, nfo consiste em conformar seus atos ao que se pode ler nele (viver com Sade nao é se tomar sidico), mas em transpor para sua vida férmulas em= prestadas da obra lida. © sujeito gosta de pensar: “Se tal perso- nnagem, tal narrador, estivesse na situagio em que me encontro atualmente, com certeza dria...” Barthes faz esse jogo em Sade, 128 Aleie Fourier, Loyola (1971). Convidado para comer um cuscuz com mmanteiga rangosa enquanto no suporta o rangoso, ele conta como espontaneamente pensou em Fourier: Fourier tera imediatamente acabado com meu mal-estar (e5- tar dividido encte minha boa eucagio e meu pouco gosto pelo rangoso) tirando-me de minha refeiio (na qual, além do mais, Petimanecia preso horas, coisa pouco toleravel, contra oque Fourier protestou) € mandande-me de volta ap grupo dos anti-racistas, ‘onde podria ter comido com gosto cuscus fresco sem magoar ninguém. (p.84) 0 impacto da leitura na existéncia do sujeito é, pois, mais teal do que se imagine, Pode assumir formas menores (alembranga, da leitura nos dé a coragem de quebrar alguns cédigos), mas também formas extremas. Sabe-se que Tse Isolda madificou o ‘equilibro amoroso de varias geragBes, que certas almas atormen- tadas do romantismo foram se suicidar no vimulo de Rousseau, ‘que 0 Werther de Geethe levou adolescentes a se dar a morte, € ‘que ui jovem russo realmente cometeu os dois crimes ficticios de Raskolnikov. Ede fatoa “significagéo” da obra~definida como a passagem do texto para a realidade ~ que faz da leitura uma experiéncia concreta. A confirmacéo de si (© que a maioria dos leitores busca nfo & uma experiencia desestabilizante, mas, ao contrério, uma confirmagio daquilo tem que eles acreditam, daquilo que sabem e esperam. A habilidade toda dos best-sellers 6 responder a essa deman- da, O leitor, dividindo de antemao of valores do heréi, nao se transforma ao seu contato. © outro no the serve para se redefinir, mas para consolidar a imagem {muitas vezes ilusé- ria) que ele tem de si proprio. Ver uma personagem dividir nos- 08 valores tem algo de fundamentalmente trangilizante. O.que 129 Vincent owe é verdade para as relagdes interpessoais no mundo real também 0 paraarelasdo leitor personagem que se estabelece na leitura Se a identificagao & mais cil encre pessoas que tém um mes- imo sistema de valores, & em primero lugat, porque a analogia

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