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A MATEMÁTICA NESTE SÉCULO: CIÊNCIA

OU LINGUAGEM?
Prólogo. A forma mais honesta de iniciar esta palestra seria a de declarar, de
antemão, que a questão-título não terá solução neste século (e, provavelmente, nem nos
próximos!). Assim sendo, os membros desta audiência podem muito bem fechar seus
cadernos de anotações e ir tomar um cafezinho na cantina. Infelizmente, para voces, mas
felizmente, para mim, a instrução dos organizadores foi irrecorrível no sentido de eu ter
de falar durante 50 minutos. Então, seja!
A verosimilhança desta palestra com outras congêneres é a pretensão de discutir
um tema difícil empregando um tratamento elementar. Evidentemente, se admitirmos, de
saída, que o tema é vago e assim o mantivermos durante toda esta conversa, então torna-
se fácil (senão banal) usar estes 50 minutos. Contudo, se acreditarmos que é possível
precisar a questão um pouco além da mera especulação etimológico-filosófica,
possivelmente faremos jus ao convite feito pelos organizadores.
Ora, tornar mais preciso o significado da pergunta-título implica numa
análise/varredura da história da ciência, em geral, e da matemática, em particular.
Bolas, isto certamente é impossível em 50 minutos (e nem seria eu o indicado para faze-
lo). Consequentemente, imaginei uma saída honrosa, nomeadamente, a de relatar
brevemente alguns “estudos de casos”, buscando isolar um ou outro paradigma que
caracterize o tema.
Como eu poderei alcançar um quantum de sucesso, não fechem ainda seus
cadernos. Se me permitirem, então, começarei agora a expor algumas idéias nestes
curtos 45 minutos fornecidos pelos organizadores...

EXEMPLOS
1. (Pitágoras/Euclides)

O primeiro caso que tenho em mente está relacionado com (o Teorema de)
Pitágoras. Mais precisamente, com a noção de triplos pitagóricos, cuja introdução é
possivelmente anterior à formulação da famosa igualdade num triângulo retângulo
atribuida a Pitágoras ou à sua escola.
Um triplo pitagórico é simplesmente uma trinca de números inteiros a,b,c
satisfazendo a igualdade b2 + c2 = a2 (se a,b,c são positivos, pode-se pensar sobre esta
igualdade como sendo a relação de Pitágoras num triângulo retângulo). Atribui-se a
Euclides a explicitação das soluções diofantinas da equação pitagórica em termos de dois
parâmetros 1 , na seguinte forma
1
Existe uma justificativa a priori para esperar que o número de parâmetros seja 2
2

⎧b = p 2 − q 2

⎨c = 2 pq (1)
⎪a = p 2 + q 2

onde p,q são números inteiros; além disso, supondo-se que a solução é normalizada num
certo sentido 2 , p,q são primos entre si. Os mais experientes na geometria do círculo aqui
reconhecerão a clássica parametrização do mesmo introduzindo coordenadas homogêneas
ou ainda, de modo menos evidente talvez, a expressão das funções trigonométricas sen
(x) e cos (x) como funções racionais de tg (x/2).
A interpretação desta explicitação é, grosso modo, a de que existe uma bijeção
entre as direções inteiras do plano e as direções inteiras “nulas” do espaço a tres
dimensões (isto é, as geratrizes do cone de equação cartesiana x2 + y2 = z2) 3 .
Por outro lado, é conhecido que uma condição necessária e suficiente para que
inteiros p,q sejam primos entre si é a existência de dois inteiros u,v tais que up+vq=1.
Esta propriedade pode ser interpretada no sentido de que o grupo SL2(Z) das matrizes a
coeficientes inteiros cujo determinante é igual a 1 age transitivamente sobre o conjunto
das direções do plano. Se esta linguagem ainda não é pomposa o bastante para esta
audiência, podemos acrescentar que resulta do esquema de Euclides o seguinte: toda
direção inteira nula no espaço de dimensão 3, munido de uma forma quadrática
simétrica de assinatura (1,2), é o quadrado tensorial de um espinor a valores inteiros.

Ora, a teoria dos espinores e dos twistors 4 foi desenvolvida como parte do grande
esquema do físico ingles Roger Penrose visando unificar a teoria dos campos (ou, mais
simplesmente, a teoria da gravitação e a teoria quântica de campos). Como é conhecido,
este é um dos tres principais esquemas propostos para unificar as duas teorias –
voltaremos a isto mais adiante.

Paradigma: a matemática elementar usada no exemplo acima é apenas uma


linguagem conveniente ou faz parte do próprio modelo “cosmológico”em questão?

Enquanto alguns de voces pensam nesta questão, passemos a outro exemplo, de


natureza mais “interna”, conforme será explicado.

2. (Euclides/Hilbert)
Meu segundo exemplo é o célebre teorema da igualdade (congruência) dos
ângulos da base de um triângulo isósceles. É elementar que este teorema é uma
consequência dos axiomas (definições) da relação de congruência para segmentos e
2
O que, pelo menos, deve incluir a hipótese de que a,b,c são relativamente primos
3
A terminologia direção “nula” vem da cosmologia, tendo a ver com o papel de cones na teoria da
gravitação
4
“Torcedores” ?
3

ângulos e do principal axioma de congruência para triângulos (ângulos côngruos,


compreendidos entre lados respectivamente côngruos implica em triângulos côngruos).
Qualquer aluno ou professor do segundo grau usa este resultado sem pestanejar, certo?
Aliás, não se trata de algo intuitivamente óbvio para todo mundo?
Para ver melhor o que se passa, reportemo-nos às origens.
A idéia de Euclides em esquematizar a geometria plana foi uma das maiores
contribuições ao conhecimento humano de que se tem idéia no período da Antiguidade.
Trata-se da primeira experiência de axiomatização de uma teoria, nos moldes das teorias
matemáticas modernas. Embora Euclides não tivesse a preocupação de estabelecr um
conjunto mínimo de axiomas, que fossem, simultaneamente, mutuamente independentes
e exaustivos e nem houvesse esclarecido quais termos eram primários, ainda assim trata-
se de uma obra monumental da mente humana.
Muitos desta audiência já ouviram, de forma precisa ou informal, o impacto
através dos tempos do famoso axioma das paralelas, segundo o qual, dado uma reta l e
um ponto P não pertencente a l , existe uma (única) 5 reta paralela a l passando por P.
Igualmente popular é o fato de que, no século XIX, matemáticos inventaram modelos
geométricos importantes em que o axioma das paralelas não é satisfeito, dando origem a
teorias matemáticas modernas de enorme impacto na Física e outras ciências naturais
(entre outras, a geometria de Riemann e a geometria hiperbólica de Bolyai e
Lobachevski).
Esta observação histórica já constituiria um paradigma per se. Contudo,
desafiemo-nos a trabalhar mais arduamente.
Apesar do desenvolvimento acima, entre os matemáticos continuou a sensação de
incompletude diante do quadro que se antepunha ao final do século XIX. Certo, ficou
claro que o axioma das paralelas é um verdadeiro axioma no sentido que não é
consequência do grupo anterior dos axiomas de incidência, ordem e congruência. Mas,
uma teoria axiomática é importante quando não se resume a uma discussão estéril e
endogênica das próprias entranhas (isto é, de seus constituintes axiomáticos) e sim à
análise das consequências (teoremas) mais importantes que se depreendem e de sua
interpendência com outras áreas do conhecimento matemático ou científico (perdão pelo
lapso nervoso...).
Guiado por este nervo, D. Hilbert, um dos maiores matemáticos dos séculos XIX
e XX, iniciou sua obra denominada Fundamentos da Geometria, cuja primera edição foi
publicada em fins de XIX ou início de XX.. É interessante notar que, bem ao feitio de
Hilbert, ele enveredava por mais um tema que pretendia esclarecer completamente,
estabelecendo alicerces sólidos da teoria e provando os teoremas mais importantes ab
initio por assim dizer. Lembremos que, neste período de sua prolífica vida matemática,
Hilbert acabara de terminar sua monumental crítica da célebre Teoria dos Invariantes e se
preparava para seu famoso “festschrift” sobre a Teoria dos Números Algébricos e para
seu notável trabalho em espaços de funções, estes últimos vitais para a formulação
precisa dos princípios da Mecânica Quântica.
Ao contrário dos nossos alunos do primeiro e segundo grau (dos daquela época
também), Hilbert resolveu pestanejar algumas vezes ao olhar com lentes a axiomáica
euclidiana. Ele não foi o primeiro a se preocupar com a incompletude do edifício

5
Admitindo outros axiomas de incidência, ordem e congruência, basta supor que existe no máximo uma
paralela (isto é, uma reta que não intercepta a reta dada)
4

axiomático, mas o trabalho de reescrever os fundamenos, analisando profundamente suas


inconsistências, este sim foi seu trabalho pioneiro.
Entrementes, retornemos ao teorema dos ângulos da base de um triângulo
isósceles ou, antes, ao axioma de congruência de triângulos. Existe algo de imperfeito no
esquema euclidiano ao desprezar a orientação de um ânulo e, por tabela, a de um
triângulo e, por consequência, de todos os polígonos. A simplicidade dos axiomas
euclidianos e a riqueza da geometria que se deduz adiaram por por quase dois séculos a
consideração do fenômeno da orientabilidade. Na época de Hilbert, isto era totalmente
injustificado. Ilação fatal de um cérebro privilegiado: supor o axioma de congruência de
triângulos apenas no caso em que os dois triângulos têm a mesma orientação –
evidentemente, isto requeria a priori a definição correta de orientação, o que se tratava de
um empreendimento de porte menor.
Incluindo um axioma adicional, de natureza “contínua” – hoje chamado de
propriedade arquimediana – Hilbert mostrou que o axioma de congruência de triângulos,
na sua forma geral (sem orientação) resulta dos axiomas de incidência e de ordem, do
axioma arquimediano e do axioma de congruência de triângulos apenas no caso restrito
(isto é, em que os dois triângulos têm a mesma orientação). Consequentemente, o
teorema dos ângulos da base de um triângulo isósceles vale na hipótese do axioma
restrito, desde que se aceite o axioma arquimediano. A principal contribuição de Hilbert,
neste tópico específico, foi a construção explícita de um modelo de geometria em que
valem todos os axiomas de incidência e de ordem, além do axioma restrito, mas em que
falha o axioma arquimediano. Este modelo é não pitagórico, isto é, não subsiste mais o
teorema de Pitágoras para triângulos retângulos, em geral. Consequentemente, não vale
neste modelo o teorema dos ângulos da base de um triângulo isósceles!
Evidentemente, um tal modelo escapa forçosamente a nossa intuição ordinária do
plano, mas é um modelo tão válido quanto o euclidiano se abdicarmos do axioma geral de
congruência de triângulos (contudo, não aconselho seu uso indiscriminado pelos colegas
engenheiros civis...).

Paradigma: por que modelos não euclidianos (como o riemanniano ou hiperbólico),


tiveram um profundo e longevo impacto na matemática e na física, enquanto outros
modelos (como vários modelos introduzidos por Hilbert, obtidos por omissão de outros
axiomas) não obtiveram o mesmo sucesso? Isto está nos dizendo algo sobre o problema
ontológico na filosofia da ciência (relevância da natureza do objeto em si)? Qual a
dependência da natureza do universo do modelo adotado, desde que satisfatoriamente
consistente?

3. (Hilbert/von Neumann/depois...)
O último exemplo é mais complexo, já que tem a ver com a explicação da natureza do
universo, em nível de partículas elementares. Em particular, meus pés estão tremendo
dada minha quase total ignorância técnica do assunto. Ainda assim, creio ser capaz de
transmitir o último paradigma da série. Afinal, tomando emprestada uma frase de Barry
5

Gross, filósofo norte-americano (The Flight from Science and Reason, Annals of the
New York Academy of Science, Vol.775), se alguém é ignorante em um assunto, a
melhor forma de falar sobre o mesmo é em abstrato (isto é, sem descer ao detalhe interno
do assunto).
Então, lá vamos nós!
Estamos falando dos fundamentos da Mecânica Quântica, do ponto de vista
matemático e de um seu notável impacto à tecnologia computacional do futuro, a
chamada computação quântica. Richard Feynman, um dos grandes teóricos da Mecânica
Quântica, costumava dizer que nem ele, nem ninguem, entendia de fato o que é esta
disciplina. Possivelmente, ele se referia à sua feição extremamente não clássica,
misturando dados observáveis com o próprio observador, passando de partículas que
tinham uma história comum anterior no universo (logo, macro), a um estado puro de
partículas (logo, micro), depois se relacionando com aparatos físicos (macro, mas
também micro!). Seguir sistematicamente um texto explicativo dos princípios desta
disciplina, à moda como os físicos gostam de discutir (e “divulgar”), é uma das grandes
torturas do século que passou.
Para melhorar este estado de coisas, Hilbert e von Neumann iniciaram uma
colaboração para dar bases matemáticas sólidas à Mecânica Quântica. Um modelo
matemático completo da teoria foi obtido pelo último, entre os anos 1927-1929,
resultando num famoso livro (primeira edição em alemão em 1932). A ferramenta
matemática subjacente tem a ver com o que hoje conhecemos como espaços de Hilbert –
que são o análogo da nossa tradicional álgebra de vetores, só que em dimensão infinita. O
sucesso de von Neumann em explicar a teoria do ponto de vista matemático e preparar a
ferramenta de cálculo da mesma não impediu a continuada polêmica sobre a validade dos
princípios físicos (ontológicos e epistemológicos) da mesma.
Uma vergonha para a mente humana, dirão voces: um século após a descoberta de
Max Planck, ainda não existe um acordo total sobre os fundamentos básicos corretos e
perenes da teoria – ou há algo de errado com a própria teoria? Para complicar o cenário,
existe a relatividade geral, de modo que depois de todos se acertarem com a melhor
forma dos princípios da Mecânica Quântica, ainda é preciso decidir se e como juntar a
contribuição da gravitação do universo, etc.
Um dos princípios da Mecânica Quântica, pelo menos segundo a escola chamada
ortodoxa ou Copenhageniana (Niels Bohr), é que a própria partícula não faz parte dos
princípios (como dado inicial ou real), o que se conhece é apenas uma certa “função de
onda” (que não interessa, aqui, agora, explicar exatamente) e, ainda assim, o
conhecimento desta função de onda se dá através de certas medições que revelam apenas
uma das mil facetas (“estados”) da mesma. Mas, o sistema quântico completo conta
também com os vários estados do “aparato” (por exemplo, um obstáculo com quem o
sistema interage – o sistema pode ser um foton, por exemplo, cujo movimento é regido
pela função de onda). Finalmente, a evolução do sistema é de tipo linear (espaços de
Hilbert são objetos de tipo linear!). Medindo estados do sistema antes e depois da sua
interação com os estados do aparato, resulta numa situação em que o estado do sistema
se encontra “embaraçado” (isto é, não se expressa mais simplesmente como produto de
dois estados, do sistema e do aparato).
Este fenômeno chama-se de embaraçamento (“entanglement”) e é um dos grandes
problemas da teoria, já que ao fim e ao cabo, quer se chegar ao “evento”, que é dado por
6

meio da medição de um estado novamente; assim, passa-se do embaraçamento a este por


meio de um colapso ou redução, que ninguém sabe explicar bem!
Parece haver uma grande arbitrariedade na escolha destes princípios de modelar a
natureza de ação e interação de uma particula, não? Existem, na verdade, várias outras
escolas que divergem desta forma de apresentar os fundamentos, ao menos em parte dos
mesmos. Admiravelmente, frágil como nos parece a organização dos fundamentos (para
nós, de formação matemática), a teoria funciona razoavelmente do ponto de vista
experimental, daí haver sempre candidatos razoáveis ao prêmio Nobel da Física.
Mais ainda: a noção de embaraçamento (e de “não-localidade”, outro fenômeno
que rasteja nos fundamentos), conduziram especialistas de Computação Teórica a
formular códigos corretores de erros de natureza quântica e algoritmos de computação
quântica (Shor). Trata-se de um notável desenvolvimento teórico, que poderá livrar-nos
do grande problema da complexidade em computação, permitindo, possivelmente,
transpor a fronteira indesejável entre algoritmos de tempo polinomial e tempo
exponencial.
Permanece o problema da factibilidade de fabricar na natureza máquinas onde se
possam implementar tais algoritmos (começa-se a falar em computação biológica, etc.).
Mas, o fato de que facetas (ou fenômenos) da Mecânica Quântica, inspiraram, através de
elaboração matemática, algoritmos que poderão, no futuro, modificar ou critalizar os
fundamentos da prórpia disciplina!
Então, temos o último paradigma.

Paradigma: qual ciência está servindo de linguagem para qual? A matemática


(algoritmo) para a física, ou vice-versa? Há outros modelos desta interação às avessas?
A teoria dos quase-cristais (Penrose) é outra ilustração deste fenômeno?

E, assim, voltamos ao início da conversa, sem ter resolvido o problema-título.


Esperemos que vários de voces vivam o suficiente para abordar a questão de maneira
mais inteligente e sistemática, no século que se abre.
Muito obrigado pela paciência.
7

EXEMPLOS DE INTERAÇÃO ENTRE


A MATEMÁTICA E AS CIÊNCIAS NATURAIS

• Interação ortodoxa

• Relatividade Geometria Riemanniana


• Cosmologia Geometria, instantons, fibrados
• Mecânica quântica Teoria espectral de operadores
• Cristalografia Teoria poliédrica
• Imagem médica (MRI e CAT scan) Geometria Integral

• Interação não ortodoxa

• Processos decisórios Teoria dos Jogos


• Criptografia Códigos Lineares, Geometria Algébrica
• Controle de tráfego Automata Celulares
• Controle Aéreo Teoria do Controle
• Estocagem Nuclear Otimização, Pesquisa Operacional
• Redes Complexas Lógica e Combinatória
• Modelagem climatólogica-oceânica Wavelets
• Desenho e automação industrial Geometria Computa-
cional, (cf. Cox)
• Cosmologia (bis): a forma do universo Teoria de Cordas,
Superficies de Riemann, Super-simetria
• Sismologia (predição) Sistemas Dinâmicos, Turbulência

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