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Atentados contra a liberdade

A preocupação com a liberdade não é de hoje, e, apesar de todas as conquistas


entretanto verificadas, é fácil identificar muitos atropelos a um dos principais pilares da
condição humana.
Entre nós, começam a surgir evidências ou, no mínimo, suspeitas de controlo da
liberdade de imprensa. O que é certo é que as pessoas encolhem-se cada vez mais,
sempre que desejam exprimir os seus pensamentos, com receio de virem a ser objecto
de vários tipos de represálias. Até a própria justiça entra neste fandagar, ao dar razão a
certas queixas, facto que não deixa de nos espantar, porque acabar nas mãos da justiça –
mesmo que sejamos absolvidos - pode ser um tormento capaz de provocar úlceras de
stress e muito mais!
Mas, apesar de tudo, nada se compara com as notícias que vêm lá de fora. Vejam-se
certas proibições tradutoras de verdadeiras formas de terrorismo, impensável no mundo
moderno.
O presidente iraniano deu um beijo na mão, ou melhor, na luva, de uma senhora de
idade, encasacada, e foi logo criticado pelo beijo “indecente”! A senhora tinha sido a sua
professora primária e o acto em si revela respeito e ternura por quem lhe ensinou as
primeiras letras. A crítica chegou ao ponto de ser considerada uma “acção contrária à lei
islâmica (sharia). Os teólogos daquelas bandas, que permitem que um homem possa
casar com várias mulheres, e que chegam a oferecer um batalhão de virgens no paraíso a
quem mostrar pressa em lá chegar, por exemplo, através de suicídios religiosos, são
mentores de formas de terrorismo que cerceiam a liberdade humana.
Mas esta forma de atentado à liberdade, sob a capa de princípios religiosos, não é
apanágio daquelas bandas, porque na Irlanda, a uma jovem de 17 anos, grávida e
portadora de um feto com graves anomalias, anencefalia, malformação cem por cento
fatal nas primeiras 48 horas após o parto, foi-lhe negada a possibilidade de ir ao Reino
Unido para abortar. Como é sabido, na República da Irlanda, é proibido o aborto,
mesmo nestas circunstâncias! De acordo com a notícia, a adolescente está à guarda do
serviço de saúde irlandês!, melhor seria dizer que está “detida” por um serviço que
deveria respeitar a saúde dos cidadãos e não castigá-la de forma a perigar a sua saúde.
Em qualquer pais civilizado (não esquecer que mesmo entre nós, antes da actual
alteração à legislação da lei do aborto, já era permitida a solução deste grave problema)
esta situação já teria sido resolvida.
Afinal, o direito à liberdade e ao respeito pela dignidade humana carecem de muitas
lutas e combates, de modo a eliminar certos “princípios” que se revelam perniciosos,
traduzindo fortes interesses capazes de controlar as leis ou comportando-se como tal.
Parece que o assunto foi parar ao Supremo Tribunal de Dublin. Esperemos que a
decisão de conceder o direito à jovem de viajar livremente para fora do território
irlandês seja dada o mais rapidamente possível.

Sobretudo nas sociedades do norte de áfrica e médio oriente, totalmente


dependentes dos preceitos religiosos fundamentalistas e radicais,
encontram-se atitudes que vistas à luz da cultura social europeia, parecem
completamente desajustadas, sobretudo porque limitam as liberdades e os
direitos humanos.
Caro Prof. Massano Cardoso, sou totalmente cúmplice das opiniões que tão
humanisticamente nos apresenta.
Não vejo porem, modo de este panorama se alterar, menos ainda de um dia
se chegar a aproximar dos padrões europeus. Sabemos perfeitamente que
cada sociedade possui características próprias, muitas delas ancestrais e
inalteráveis. O unico modo que eu imagino pudesse alterar esta realidade,
teria de passar forçosamente pela renovação completa das pessoas e
respectivas mentalidades. Para que essa alteração fosse possível, seria
necessário que toda a gente morresse, fosse reprogramada e renascesse.
Isso seria utopico, absolutamente irreal. Resta-nos, salvo melhor opinião,
entender, aceitar e respeitar a determinação daquelas pessoas que decidem
seguir as leis da sociedade em que nasceram e com que se identificam,
cultural, social e religiosamente.

CNA não reconhece casos de trabalho escravo apontados pelo Ministério do Trabalho
(27/08/2008) Agência CNA

A Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) não reconhece os casos apontados


pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) como de trabalho escravo, bem como não tem
conhecimento de qualquer condenação definitiva da prática desse crime hediondo no País. A
afirmação é do presidente da Comissão Nacional de Relações do Trabalho e Previdência
Social da entidade, Rodolfo Tavares, que discorda da afirmação de que exista trabalho escravo
no Brasil.

Ao se referir à dignidade nas relações de trabalho, Tavares diz que a busca por padrões éticos
elevados deve ser um objetivo permanente de toda a sociedade. Para alcançar essa meta,
sugere a realização de programas de qualificação profissional e capacitação de técnicos,
trabalhadores e empregadores para o cumprimento da legislação trabalhista rural e a
prevenção de acidentes e doenças laborais, “trabalho já intensamente desenvolvido pelo
SENAR (Serviço Nacional de Aprendizagem Rural).

Quanto ao conceito de trabalho escravo, o presidente da Comissão da CNA informa que é


ditado pela Lei 10.803, de 11 de dezembro de 2003, que alterou o artº 149 do Código Penal,
cujo texto estabelece que “reduzir alguém à condição análoga a de escravo, quer submetendo-
o a trabalhos forçados ou jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de
trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída
com o empregador ou preposto”.

Embora recente, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) vem exigindo que na
conduta descrita estejam presentes os seguintes elementos: existência de dolo; violência e
grave ameaça. Estas condutas, segundo Tavares, são exigidas em todo o capítulo do Código
Penal que trata dos Crimes Contra a Organização do Trabalho (Art. 197/207 do C.P.). Assim, se
houver crime, deve ser tratado pelo Estado - polícia e justiça - com respeito ao devido processo
legal e aos demais direitos e deveres constitucionais.

Para Rodolfo Tavares, a falta de informação é uma das principais razões que levam ao
descumprimento da legislação trabalhista no campo. Segundo ele, o empregador rural convive
com relações de trabalho muito mais complexas que as urbanas, pois em muitos casos essas
relações iniciam com a contratação em regiões distantes do local da prestação do serviço,
envolvendo a contratação prévia, transporte, alojamento, alimentação, lazer/convivência,
utilização de máquinas, ferramentas, instalações, insumos, lida com animais de grande porte e
atividades agrícolas sazonais. Tais atividades implicam na contratação por curta duração, que
envolve a mesma burocracia dos contratos de prazo indeterminado.

Ao falar sobre a história da escravidão no Brasil, Tavares diz que é semelhante a de tantos
outros países do Ocidente e do Oriente. Para ele, no entanto, “no Brasil, apesar de tudo, o
negro e o índio irrigaram com seu sangue a raça brasileira criando um só povo, miscigenado e
forte”. Afirma, também, que o País é herdeiro de um patrimônio jurídico, consolidado na
Constituição Federal, que condena a discriminação e o preconceito racial.
Quanto às denúncias montadas contra o setor do agronegócio, o presidente da Comissão
Nacional da CNA diz que faz parte de um movimento ideológico, “que pretende realizar a
distribuição de terras e de renda através de leis encontradas na rua e não nos códigos, bem
como desqualificar o direito de propriedade pelo suposto descumprimento da função social”.
Para ele, as Organizações Não Governamentais (ONG’S) que lutam contra o trabalho escravo
são, na maioria, “chapa branca”, pois recebem dinheiro do próprio Governo. “Outras servem a
interesses econômicos de multinacionais e países competidores do Brasil no mercado
exportador de alimentos”, diz Tavares, que identifica, ainda, organizações ideológicas. “Desta
forma é muito difícil encontrar alguma que tenha legitimidade para tratar do assunto, conclui o
presidente.

Crimes contra a organização do trabalho – A Comissão Nacional de Relações do Trabalho e


Previdência Social da CNA elaborou nota técnica sobre a questão do trabalho escravo ou
análogo a escravo. Segue a íntegra do trabalho:
“É certo que o combate a qualquer exploração da pessoa humana, em qualquer das suas
formas, é um dever de toda a sociedade, principalmente do poder público, tutor do estado
democrático de direito. Deve-se combater o trabalho escravo ou análogo a escravo com todo
rigor que o crime merece, bem como suprimi-lo sob todas as suas formas.

A Organização Internacional do Trabalho (OIT) entende que a existência do trabalho forçado no


Brasil se dá não porque a miríade de exigências trabalhistas não esteja sendo atendida, mas
porque o trabalhador estaria tendo sua mobilidade cerceada, por motivos ilícitos,
principalmente devido à servidão por dívida e à necessidade de pagá-la com o próprio trabalho,
residindo aí a configuração do trabalho forçado ou obrigatório.

Assim, cabe uma reflexão sobre o crime de redução à condição análoga a de escravo, previsto
no Art. 149 do Código Penal (CP) e o crime de atentado contra a liberdade do trabalho, Art.
197, do CP, bem como a forma como as autoridades administrativas esboçam a situação, que
muitas vezes não condiz com a realidade e a tipificação penal adequada.

Cabe, portanto, analisarmos os referidos tipos penais e a forma como os crimes estão sendo
classificados. O art. 149 do CP sofreu alterações operadas pela Lei n.º 10.803, de 11 de
dezembro de 2003, que ampliou a descrição típica, incluiu figuras equiparadas e estabeleceu
causas de aumento de pena. A lei penal visa proteger a liberdade no conjunto de suas
manifestações, o que trouxe subjetividade e insegurança jurídica.

Nota-se que o elemento subjetivo do tipo é o dolo, conforme entendimento do Pleno do


Supremo Tribunal Federal (STF), no Inquérito 2.054/2008-DF.
(...)
A conduta descrita no art. 149 do CP consiste em submeter alguém à sujeição
absoluta, reduzindo-o à condição análoga a de escravo. Este delito não é punível a
título de culpa, devendo estar presente o dolo, isto é, a vontade livre e consciente de
submeter a vítima à sujeição de escravo.
(...)
Observa-se que inúmeras são as denúncias de que as práticas empregadas para apuração do
crime capitulado no referido artigo têm atacado frontalmente princípios constitucionais basilares
do nosso ordenamento jurídico, onde autoridades administrativas fiscalizadoras, Ministério
Público do Trabalho e Ministério do Trabalho e Emprego, condenam previamente o fiscalizado,
deturpando o princípio que decorre a obrigação de aplicar fielmente a lei escrita e de interpretá-
la de acordo com o seu significado evidente, sem referência a desejos pessoais ou a
concepções individuais de justiça. Contudo, essa prática encontra guarida na imprecisão e
subjetividade emprestada à definição legal do que seja redução à condição análoga a de
escravo.

Conforme se depreende do Recurso Extraordinário 466.508-5/MA, julgado pela Primeira Turma


do Supremo Tribunal Federal que, com sabedoria, faz distinção entre trabalho escravo e
descumprimento de legislação trabalhista, decidiu-se que, para configuração do trabalho
escravo, deve estar presente o cerceamento à liberdade de ir e vir do trabalhador. Soma-se a
isso o fato de existirem no Código Penal tipificações específicas para delitos contra a
organização do trabalho.
No entanto, percebe-se nitidamente a intenção de classificar qualquer problema trabalhista
como redução à condição análoga a de escravo. A adequação típica da conduta deve se
mostrar suficientemente fundamentada e baseada nas provas e depoimentos.

Organização do Trabalho - Ao analisar os crimes elencados nos artigos 197 e 198 do Código
Penal, observa-se o desuso quando da aplicação dos crimes descritos. Vale dizer que os
crimes de atentado contra a liberdade do trabalho e atentado contra a liberdade de contrato de
trabalho são as adequações típicas mais corretas para a grande maioria dos crimes
classificados como redução à condição análoga a de escravo.

A Constituição Federal estabelece, em seu art. 5º, XIII, que “é livre o exercício de qualquer
trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer”.
Assim, o art. 197, CP, visa à tutela da liberdade da pessoa no que concerne ao trabalho, isto é,
o direito de livremente exercer uma atividade ou profissão, consoante assegurado pela própria
Carta Magna. Ressalta-se que, para configurar esses crimes, também é exigido o dolo,
consubstanciado na vontade livre e consciente de constranger a vítima, mediante o emprego
de violência ou grave ameaça. Portanto, verifica-se que tais crimes não trazem consigo
qualquer subjetividade.

Adequação da Lei - Não se pode perder de vista, ainda, a ratificação pelo Brasil das
Convenções 29 e 105 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que tratam da abolição
do trabalho forçado, terminologia que vem sendo utilizada em substituição ao trabalho escravo.
Tais convenções tratam da mesma matéria de forma diferente, o que levou alguns países,
como os Estados Unidos, a ratificarem apenas a Convenção 105, pois esta não conta com o
mesmo grau de subjetividade da Convenção 29, sendo mais específica e clara no que
concerne à abolição e prevenção do trabalho forçado.

Pelo exposto, faz-se necessária a adequação do Código Penal, tendo em vista a subjetividade
do crime de redução à condição análoga a de escravo, previsto no artigo 149, além das
distorções causadas. Também cabe ressaltar o desuso dos crimes de atentado contra a
liberdade de trabalho e atentado contra a liberdade de contrato de trabalho, previstos nos
artigos 197 e 198.

A Lei está sendo tratada de modo ideológico e não de acordo com os ditames previstos em seu
texto e em sua hermenêutica. Não se pode criminalizar setores da economia brasileira, como o
setor rural. Os auditores fiscais estão aplicando a Lei e julgando previamente, sem que antes
haja uma condenação de um Tribunal Competente, o que leva a uma grande insegurança
jurídica. O Brasil está em um patamar mais aprimorado na economia, merecendo, portanto,
modificar o atual cenário para um desenvolvimento mais seguro do País”.

Art. 201 - Participar de suspensão ou abandono coletivo de trabalho, provocando a


interrupção de obra pública ou serviço de interesse coletivo:
Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.

1. INTRODUÇÃO
A greve pode ser concebida como uma das mais importantes e complexas manifestações
coletivas produzidas pela sociedade contemporânea.
O vocábulo greve foi utilizado pela primeira vez no final do século XVIII, precisamente
numa praça em Paris, chamada de Place de Grève, onde se reuniam tanto
desempregados quanto trabalhadores que, insatisfeitos geralmente com os baixos
salários e com as jornadas excessivas, paralisavam suas atividades laborativas e
reivindicavam melhores condições de trabalho. Na referida praça, acumulavam-se
gravetos trazidos pelas enchentes do rio Sena. Daí o termo grève, originário de graveto.
A história da greve surge a partir do regime de trabalho assalariado, fruto da Revolução
Industrial. Pode-se, assim, atribuir aos movimentos sindicais dos ingleses o marco
inicial da história da greve(23).
Com o evolver das relações entre o Estado e seus funcionários, a greve passou a ser
permitida legalmente em alguns países, como Canadá, Espanha, Finlândia, França,
México e Portugal, cujos ordenamentos jurídicos exigem, no geral, alguns
procedimentos prévios, como consultas, negociações coletivas etc. para que o
movimento possa ser deflagrado.
A Constituição cidadã de 1988 reconhece expressamente a greve como direito
fundamental, tanto para os trabalhadores em geral (art. 9º), quanto para os servidores
públicos civis (art. 37, VI e VII), sendo que estes foram também contemplados com o
direito à livre sindicalização. Ao militar, no entanto, continuam proibidas a
sindicalização e a greve.
Disciplinando a greve para os trabalhadores do setor privado, abrangendo os "servidores
empregados" das sociedades de economia mista e empresas públicas, a Lei n. 7.783/89
(LG):
a)conceitua a greve como "suspensão coletiva, temporária e pacífica, total ou parcial, de
prestação pessoal de serviço a empregador" (art. 2º);
b)arrola os serviços considerados essenciais;
c)fixa os requisitos para o exercício do direito;
d)obriga os sindicatos, os trabalhadores e os empregadores a garantir, durante a greve, a
prestação de serviços indispensáveis ao atendimento das atividades inadiáveis da
comunidade, que são aquelas que, não atendidas, coloquem em risco iminente a
sobrevivência, a saúde ou a segurança da população; caso isso não seja observado, o
Poder Público assegurará a prestação dos serviços indispensáveis;
e)estabelece as sanções para os casos de abuso do direito etc.
Quanto ao servidor público civil da Administração direta, autárquica e fundacional, o
art. 16 da LG dispõe expressamente que:
"Para os fins previstos no art. 37, VII, da Constituição, lei
complementar definirá os termos e os limites em que o direito de greve
poderá ser exercido".
O STF, em diversas oportunidades, considerou que o inciso VII do art. 37 da CF, em sua
redação original, encerraria norma de eficácia limitada, sendo certo que a exigência da
lei complementar para o exercício do direito de greve pelos servidores públicos civis
impediria a aplicação analógica da Lei n. 7783/89, mormente em virtude da expressa
determinação impeditiva nela contida (art. 16).
Além disso, forte na literalidade do art. 37, VII, da Constituição e do art. 16 da LG, o
STF, no julgamento do MI 20-DF, realizado em 1º de maio de 1994, considerou a
existência de lacuna técnica decorrente da mora do Congresso Nacional em
regulamentar o direito de greve do servidor público civil. Lamentavelmente, porém, a
Corte Suprema, ao invés de criar uma norma específica para o caso concreto, o que seria
da própria essência do mandado de injunção, limitou-se simplesmente a comunicar a
decisão ao Congresso para que este tomasse as providências necessárias à edição de lei
complementar indispensável ao exercício do direito de greve pelos servidores públicos
civis. Até hoje, o Congresso Nacional não deu a mínima importância à decisão injuntiva
do STF.
Não obstante, a 4 de junho de 1998, o mesmo Congresso promulgou a Emenda
Constitucional n. 19, que deu nova redação ao art. 37, inciso VII, da CF, não mais
exigindo a edição de uma lei complementar para regular o exercício do direito de greve
pelo servidor público civil, mas, tão-somente, de uma "lei específica".
No presente estudo, portanto, procuraremos enfrentar as seguintes indagações: o que se
entende por lei específica? Existe esta espécie normativa no processo legislativo
previsto na Constituição? O art. 16 da LG foi recepcionado pelo novo texto
constitucional? A decisão do STF proferida no MI 20-DF continua válida?
O objeto específico da pesquisa repousa, portanto, na seguinte problematização: até que
seja editada a "lei específica" constante do novel inciso VII do art. 37 da CF pode o juiz
aplicar, analogicamente, os princípios e as normas da Lei n. 7783/89?

2. ESCORÇO HISTÓRICO DA GREVE NO BRASIL


O Código Penal (1890), proibia a greve, e até o advento do Decreto n. 1.162, de
12.12.1890, essa orientação foi mantida. A Lei n° 38, de 4-4-1932, que dispunha sobre
segurança nacional, conceituou a greve como delito.
As Constituições brasileiras de 1891 e de 1934 foram omissas a respeito da greve. De
tal arte, esta caracterizou-se, praticamente, como um fato, de natureza social, tolerado
pelo Estado.
A Constituição de 1937 prescrevia a greve e o lockout como recursos anti-sociais,
nocivos ao trabalho e ao capital e incompatíveis com os superiores interesses da
produção nacional (art. 139, 2ª parte).
O Decreto-lei n° 431, de 18-5-1938, que também versava sobre segurança nacional,
tipificou a greve como crime, no que diz respeito a incitamento dos funcionários
públicos à paralisação coletiva dos serviços; induzimento de empregados à cessação ou
suspensão do trabalho e a paralisação coletiva por parte dos funcionários públicos.
O Decreto-lei n° 1.237, de 2-5-1939, que instituiu a Justiça do Trabalho, previa
punições em caso de greve, desde a suspensão e a despedida por justa causa até a pena
de detenção. O Código Penal, de 7.12.1940 (arts. 200 e 201), considerava crime a
paralisação do trabalho, na hipótese de perturbação da ordem pública ou se o
movimento fosse contrário aos interesses públicos.
Em 1943, ao ser promulgada a CLT, lembra Sergio Pinto Martins:
"estabelecia-se pena de suspensão ou dispensa do emprego, perda do
cargo do representante profissional que estivesse em gozo de mandato
sindical, suspensão pelo prazo de dois a cinco anos do direito de ser
eleito como representante sindical, nos casos de suspensão coletiva do
trabalho sem prévia autorização do tribunal trabalhista (art. 723). O
art. 724 da CLT ainda estabelecia multa para o sindicato que ordenasse
a suspensão do serviço, além de cancelamento do registro da associação
ou perda do cargo, se o ato fosse exclusivo dos administradores do
sindicato"(1).
O Decreto-lei n° 9.070, de 15-3-46, passou a tolerar a greve nas atividades acessórias,
não obstante a proibição prevista na Constituição de 1937. Nas atividades fundamentais,
contudo, permanecia a vedação.
Com a Carta de 1946 a greve passa a ser reconhecida como direito dos trabalhadores,
embora condicionando o seu exercício à edição de lei posterior (art. 158). É importante
assinalar, com Sergio Pinto Martins, que
"o STF entendeu que não havia sido revogado o Decreto-lei n° 9.070/46,
pois não era incompatível com a Lei Fundamental de 1946, que
determinava que a greve deveria ser regulada por lei ordinária,
inclusive quanto a suas restrições"(2).
Somente em 1º de junho de 1964, entrou em vigor a Lei de Greve ( Lei n° 4.330), que
prescrevia a ilegalidade da greve:
a) se não fossem observados os prazos e condições estabelecidos na referida lei;
b) que tivesse por objeto reivindicações julgadas improcedentes pela Justiça do
Trabalho, em decisão definitiva, há menos de um ano;
c) por motivos políticos, partidários, religiosos, morais, de solidariedade ou quaisquer
outros que não tivessem relação com a própria categoria diretamente interessada;
d) cujo fim residisse na revisão de norma coletiva, salvo se as condições pactuadas
tivessem sido substancialmente modificadas (rebus sic stantibus).
Adite-se que o art. 20, parágrafo único, da Lei n° 4.330/64, dispunha que a greve lícita
suspendia o contrato de trabalho, sendo certo que o pagamento dos dias de paralisação
ficava a cargo do empregador ou da Justiça do Trabalho, desde que deferidas, total ou
parcialmente, as reivindicações formuladas pela categoria profissional respectiva.
Cumpre sublinhar a correta observação de Francisco Osani de Lavor:
"A Lei 4.330/64 regulamentou, por muito tempo, o exercício do direito
de greve, impondo tantas limitações e criando tantas dificuldades, a
ponto de ter sido denominada por muitos juslaboristas como a Lei do
delito da greve e não a Lei do direito da greve"(3).
A Constituição de 1967, em seu artigo 158, XXI, combinado com o art. 157, § 7º,
assegurou a greve aos trabalhadores do setor privado, proibindo-a, contudo, em relação
aos serviços públicos e às atividades essenciais.
A Emenda Constitucional nº 01, de 17.10.69, manteve a mesma orientação (artigos 165,
XX, e 162).

3. A GREVE NO ORDENAMENTO JURÍDICO DE ALGUNS PAÍSES


a)Alemanha
A Constituição alemã é omissa a respeito da greve, mas assegura o direito de
associação. O Estado mantém-se neutro, porém os próprios sindicatos fixam regras
específicas a respeito, no que tange às atividades essenciais. À Justiça Federal do
Trabalho compete definir as condições de licitude da greve, que somente pode ser
deflagrada após esgotados todos os procedimentos imprescindíveis à autocomposição
do conflito. A greve é exercida com moderação e de forma responsável, sendo raros os
movimentos de paralisação, mesmo porque o sistema trabalhista alemão caracteriza-se
mais pela colaboração do que pelo conflito.
b)Argentina
A Constituição argentina garante apenas o direito de greve aos sindicatos, sendo a
matéria regulada pelo Decreto n° 2.184/90, que limita o exercício do direito de greve
nas chamadas atividades essenciais. Há necessidade de comunicação do início da
paralisação à autoridade do Ministério do Trabalho, com antecedência de cinco dias. As
partes devem estipular em convenção coletiva a respeito da prestação de serviços
mínimos à comunidade.
c) Chile
No Chile, a greve é permitida (art. 19 da Constituição). Todavia, há proibição nos
serviços públicos e nas atividades essenciais.
d) Espanha
Na Espanha, a Constituição (art. 28) define a greve como direito fundamental dos
trabalhadores, nos seguintes termos:
"Se reconece el derecho a la huelga de los trabajadores para la
defensa de sus intereses. La ley que regule el ejercicio de este
derecho estabelecerá las garantías precisas para asegurar el
mantenimiento de los servicio essenciales de la comunidad."
O direito de greve no ordenamento espanhol é assegurado aos funcionários públicos,
mas há proibição em relação aos membros das Forças Armadas e dos corpos de
segurança, por força da Lei n° 2, de 13-3-86. É importante assinalar que a redação da
norma constitucional espanhola é, na essência, idêntica à insculpida no art. 9º da
Constituição brasileira de 1988.
e) Estados Unidos
Nos Estados Unidos, a Constituição não trata de greve, nem de nenhum direito dos
trabalhadores. Os funcionários públicos são proibidos de fazer greve, pois caso
contrário serão dispensados. O Wagner Act e a Lei n. Taft-Hartley (1947) traçam os
contornos gerais da greve, sendo que a última define as responsabilidades dos
sindicatos, inclusive em greve em atividades essenciais. A greve é exercitada pelo
sindicato que congregar o maior número de trabalhadores da empresa ou de sua
atividade. Foram criadas as injunctions, que são ordens proibitivas de greves, por meio
de pronunciamentos judiciais.
f) França
O preâmbulo da Constituição francesa de 1946 faz menção ao direito de greve, cujo
exercício é regulado nos termos das leis e seus regulamentos. Cabe à jurisprudência
fixar os seus contornos. É assegurado o direito de greve ao servidor público civil, ao
pessoal das empresas públicas e das empresas encarregadas do serviço público. Exige-se
aviso prévio de cinco dias. O governo pode requisitar trabalhadores para prestar
serviços durante a greve, inclusive designando-os nominalmente. É proibida a greve nas
Forças Armadas, na magistratura e na polícia.
g) Itália
Na Itália, a Constituição de 1948 estabelece o direito de greve, nos termos da legislação
ordinária, permitindo-a, com moderação, no serviço público.
A Lei n° 146, de 14-6-90, trata da greve nos serviços públicos essenciais, cujo rol é
considerado por alguns contrários à deliberações do Comitê de Liberdade Sindical da
OIT. O aviso prévio é, de no mínimo, 10 dias.
h) México
O art. 123 da Constituição de Querétaro, de 1917, assegura tanto o direito de greve e
como o lockout, embora o exercício deste último dependa de autorização prévia do
Estado.
É assegurado o exercício do direito de greve no serviço público, desde que haja aviso
prévio de 10 dias à Junta de Conciliação e Arbitragem.
i) Portugal
O art. 58 da Constituição portuguesa reconhece o direito de greve, competindo aos
trabalhadores definir os interesses que serão defendidos e seu âmbito.
Não é permitido o lockout.
A Lei n. 65, de 26-8-77, não define a greve, nem a restringe, com o que não se
vislumbra ilegalidade nas chamadas greves políticas ou de solidariedade. É assegurado
o direito de greve aos exercentes de funções públicas (art. 12), com ressalva quanto aos
integrantes "de forças militares e militarizadas" (art. 13).
Nas atividades essenciais, o art. 8º da Lei n. 65 determina o funcionamento dos serviços
mínimos, sendo possível, caso não haja voluntariedade dos grevistas para assegurar o
atendimento mínimo à população, a requisição civil de trabalhadores, mediante Portaria,
editada pelo Conselho de Ministros, na qual é indicada a duração do movimento, a
autoridade responsável pela sua execução e o regime de trabalho.
j) Uruguai
No ordenamento jurídico uruguaio a greve é entendida como direito sindical, sendo que
a Lei n. 13.720 delega ao Ministério do Trabalho a competência para disciplinar os
serviços essenciais que deverão ser assegurados durante a greve.

4. A GREVE NA TEORIA DOS DIREITOS HUMANOS


Situar a greve na dimensão dos direitos humanos requer uma investigação de fôlego, o
que não é a nossa pretensão neste singelo ensaio.
Mas é possível afirmar que a greve, a partir do momento em que passa a ter sede nas
Constituições dos países ocidentais, tal como ocorre nos ordenamentos brasileiro,
espanhol e português, passa a ser considerada um direito fundamental dos trabalhadores.
Trata-se, pois, de um direito fundamental da pessoa humana que se insere na moldura
das chamadas dimensões dos direitos humanos.
Nesse sentido é o magistério de Julio Cesar do Prado Leite, para quem
"A greve é um direito fundamental que se arrima na Declaração dos
Direitos do Homem (...) Com efeito, o ato internacional em causa, de
modo explícito, cuida de assegurar condições justas e favoráveis de
trabalho. Para obtê-las ou confirmá-las todo trabalhador tem direito a
organizar sindicatos e neles ingressar para a proteção de seus
interesses. Não há greve sem sindicato. O sindicato tornar-se-ia uma
mera associação corporativa assistencial se não dispuser do direito de
fazer greve".(4)
Vale dizer, a greve constitui, a um só tempo, direito de primeira, de segunda e de
terceira dimensão, na medida em que enquadra-se simultaneamente como:
a) direito de liberdade ou de primeira dimensão, pois implica um non facere por parte
do Estado, ou seja, um status negativus estatal que reconhece as liberdades públicas e o
direito subjetivo de reunião entre pessoas para fins pacíficos;
b) direito de igualdade, ou de segunda dimensão, porque é pelo exercício do direito de
greve que os trabalhadores pressionam os respectivos tomadores de seus serviços,
visando à melhoria de suas condições sociais e corrigindo, dessa forma, a desigualdade
econômica produzida pela concentração de riquezas inerente ao regime capitalista,
mormente numa economia globalizada. Tanto é assim que a Constituição brasileira de
1988 (art. 9º) considera a greve um direito social fundamental dos trabalhadores;
c) direito de fraternidade ou de terceira dimensão, na medida em que a greve representa
inequivocamente uma manifestação de solidariedade entre pessoas, o que reflete, em
última análise, a ideologia da paz, do progresso, do desenvolvimento sustentado, da
comunicação e da própria preservação da família humana. Além disso, a greve, por ser
um direito coletivo social dos trabalhadores, pode ser tipificada como uma espécie de
direito ou interesse metaindividual ou, na linguagem do Código de Defesa do
Consumidor (art. 81, par. único, II), um direito ou interesse coletivo.
Ora, se a greve tem por escopo básico a melhoria das condições sociais do homem
trabalhador, implica a inferência de que ela constitui um direito fundamental do
trabalhador enquanto pessoa humana.
Nesse sentido, parece-nos adequado afirmar que a greve constitui um instrumento
democrático a serviço da cidadania, na medida em que seu objetivo maior consiste na
reação pacífica e ordenada dos trabalhadores contra os atos que impliquem direta ou
indiretamente desrespeito à dignidade da pessoa humana.
E como se trata de direito humano fundamental, não pode haver distinção entre o
trabalhador do setor privado e o do setor público, salvo quando o próprio ordenamento
jurídico dispuser em contrário, tal como ocorre, no nosso sistema, com o servidor
público militar (CF, art. 142, § 3º, IV).

Frustração de Direito Assegurado por Lei Trabalhista


Frustrar tem a significação de iludir, lograr, privar. Os meios executivos de tal
ação são indicados: "mediante fraude ou violência". Fraude é o ardil, engodo,
artifício que leva o enganado à aparência falsa da realidade. A violência a que
a lei se refere é apenas a física, exercida contra pessoa; a ameaça, ainda que
grave, não se inclui no tipo, Assim, é essencial à caracterização do delito o
emprego de fraude ou de violência contra pessoa. O que o agente frustra,
mediante fraude ou violência, é direito assegurado pela legislação do
trabalho. Trata-se, pois, de norma penal em branco, porquanto os direitos que
ela protege devem ser encontrados nas leis do trabalho (CLT e leis trabalhistas
complementares). A propósito, assevera HUNGRIA: "A fraude tanto pode ser
empregada pelo patrão contra operário e vice-versa, quanto por ambos,
conluiados, para iludir o texto legal, devendo notar-se que o titular do direito
assegurado por lei trabalhista não pode renunciá-lo quando correspondente a
um dever imperativamente determinado pela mesma lei que é de ordem
pública" (Comentários ao Código Penal, 1959, vol. VIII, pág. 49).
Crime que se apura mediante ação penal pública incondicionada
Caro Hetan,

Preliminarmente, é uma pena que você, que me pareceu sempre tão


afeito à dialética jurídica, já firme, aprioristicamente, entendimento
de não mudar jamais de posicionamento...

De qualquer forma, a sua conclusão, "data maxima venia", não é


seguida pelos doutrinadores, sejam os tradicionais ou modernos. A
propósito disso, você leu as obras que citei?

Ademais, é de se ver, caro Hetan, que os verbetes, em seu sentido


léxico, às vezes (como é exatamente a hipótese que me vem à baila),
dizem muito mais do que quer a razão teleológica das normas penais.

Acresça-se que, ainda que você tivesse razão quanto ao sentido das
palavras, pergunto: Onde ficaria o primado do princípio da
especialidade?

Essas são, humildemente, as minhas conclusões, que, entretanto,


parece não poderem surtir qualquer efeito sobre seu pensar, haja
vista que você, a priori, já descartou a mínima possibilidade que fosse
de mudar de opinião, não é mesmo? De qualquer forma, como já digo
aos meus alunos, "o conhecimento aprofundado do Direito Penal pode
operar verdadeiras 'devassas' no modo de pensar de cada um de
nós", donde porque tenho esperança de que meu tão respeitável
colega possa (quem sabe um dia?) refletir melhormente sobre seu
posicionamento...

Aguardo seus relevantes apontamentos.

Um grande abraço, e que a paz esteja com você!


Guilherme
Seus ensinamentos sobre a interpretação do art. 209 do CP são
crisólitos, parabéns.
Vamos agora nos escorar no artigo 210 do CP.
Segundo o Dicionário Jurídico da Academia Brasileira de Letras
Jurídicas
Urna - "recipiente é destinado a encerrar alguma coisa".
Urna Funerária é o mesmo que caixão, Segundo o Aurélio : "
Verbete: caixão
Caixa comprida, geralmente de tampa abaulada, para depositar o
corpo dos mortos e conduzi-los à sepultura; caixão de defunto,
féretro, ataúde, esquife, urna funerária".
O art. 210 do CP não prevê em seu tipo a necessidade de cerimônia
fala tão somente em violar
Violar significa segundo o bom Aurélio:
"Verbete: violar
1. Ofender com violência.
2. Infringir, transgredir:
3. Estuprar, violentar.
4. Profanar, poluir:
5. Devassar ou divulgar abusivamente; revelar:"

Deseja que eu conclua que o agente disparando sua arma sobre o


corpo, que naturalmente no velório está num caixão, com sua
conduta tomada de dolo diretíssimo, está ação nefanda não consiste
numa violação da urna funerária, supondo está somente quando em
curso cerimônia columbária, onde nem de longe o tipo da art. 210
prevê tal condicionante, ou melhor, não impõe qualquer outra
condicionante?
Desculpe caro colega, mas acho que nem Sólon, soerguido de seu
cafofo, faria mudar o meu a entendimento.
Tenho que o enquadramento se dá no art. 210 do CP.
Cordialmente
Nobre Colega Hetan,

Fico deveras lisonjeado com a sua associação ideológica à minha


opinião!

Creio, no entanto, que, na hipótese por você ventilada, não cabe a


incidência do art. 210 do Código Penal ("violação de sepultura"), mas
a do art. 209 do mesmo estatuto, senão vejamos, meu caro colega.

O art. 210 do CP prevê, in litteris, o seguinte:

"Art. 210. Violar ou profanar sepultura ou urna funerária:


Pena -- reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa."

Tem-se, pois, como elementar, a existência de sepultura ou de urna


funerária, conforme o caso concreto. Acho que, quanto a isso, não
restam dúvidas.

"Sepultura" é o local onde se acha imunado o cadáver (ou partes


suas), incluindo-se nesse conceito os sepulcros, mausoléus, tumbas,
túmulos, covas e lápides. "Urna funerária", em seu turno, são os
ossários, caixas, cofres e vasos com os restos mortais, e o
columbário.

Acredito que, como o agente atirou em sua vítima durante um velório,


não sendo caso de violação ou profanação de sepultura ou de urna
funerária, o caso deve ser enquadrado no art. 209 do CP, que assim
dispõe, ad litteram:

"Art. 209. Impedir ou perturbar enterro ou cerimônia funerária:


Pena -- detenção, de 1 (um) mês a 1 (um) ano, ou multa.

Parágrafo único. Se há emprego de violência, a pena é aumentada de


um terço, sem prejuízo da correpondente à violência."

Elementar "sine qua non" à existência do crime é, alternativamente, o


enterro ou a cerimônia funerária, sobre os quais deve recair a conduta
delituosa. "Enterro", bem como o ato em si (ação de colocar um corpo
em seu túmulo ou cova), é a trasladação do corpo, sua remoção ou
transporte ao lugar onde deve ser enterrado, havendo ou não
acompanhamento ou cotejo. Já "cerimônia funerária" é o ato pelo qual
se presta homenagem ao falecido, como o velório, o
amortalhamento, a câmara ardente e a cremação. Ao contrário do
que se exije presente nos arts. 211 e 212 do CP, não é preciso que
haja, na hipótese, um cadáver, mas apenas um enterro ou uma
cerimônia fúnebre.

Donde porque, meu digno Hetan, como o agente, na hipótese de que


falei em meu primeiro comentário, invadiu um velório (e não, como
deixei bem evidenciado, dirigiu-se a uma sepultura ou urna
funerária), o delito é o do art. 209 do CP, e não 210. Como houve
emprego de violência, aparece inconteste a figura do parágrafo único
do art. 209 (repare-se que, ao contrário do que pleiteam outros tipos
penais, a violência aqui tratada não precisa ser dirigida
necessariamente contra pessoa, pois quanto a isso o artigo silencia).

Ora, a conduta do agente deu-se durante um velório, e este é espécie


do gênero "cerimônia funerária", não se confundindo, nem de longe,
com a urna funerária ou com a sepultura. Se o corpo estivesse sendo
levado, transportado, ao túmulo/à cova, haveria enterro, e não
cerimônia funerária, mas não se libertaria, ainda assim, a conduta do
agente da abrangência do art. 209 do CP. Ao que me parece, amigo
Hetan, apenas a partir do momento em que o corpo se encontrasse
em um sepulcro, mausoléu, tumba, túmulo, cova, columbário, ossário,
caixa, cofre ou vaso com os seus restos mortais, e nunca antes
(velório, simplesmente), é que, então sim, apareceria a figura do art.
210 do CP.

A propósito dos meus argumentos, leia as obras de Damásio de Jesus


(vol. 3), Mirabete (vol. 2), Magalhães Noronha (vol. 3), Nelson Hungria
(vol. VII), Manzini e Maggiore.

O que acham, meu respeitável colega Hetan e demais debatedores?

Guilherme
Tecnicamente é perfeita a sua colocação. A boa lógica jurídica
ensina que todos os elementos do tipo devem estar presentes no
ilícito penal, não podendo esquecer do resultado alcançado, a
sombra da teoria finalista aplicável ao nosso CP, Art. 14, I.
Vilipendiar Cadáver, Cadáver é pessoa sem vida, e portanto, caso a
pessoa encontra-se viva, a ação é atípica, . Matar, mas devido as
circunstâncias, que é o caso, não se poderia supor que a pessoa
estivesse viva, não é homicídio, erro de tipo invencível.
É complicado para um operador do Direito deixar uma ação
execrável como está sair impune, mesmo porque houve um bem
juridicamente tutelado pelo direito penal maculado, como foi
esclarecido.
O quê vc acha, juntamente com os demais listeiros, que, à
propósito, "venia permissa", muito nos alegraria
suscitar suas opiniões nesta sede, enquadrar a conduta do agente
no art. 210 - "vilipêndio de urna funerária", que não se diferencia
quanto a punibilidade do 212?
Cordialmente
Caro Colega Hetan,

É simplesmente impossível que se firme entendimento no sentido de


que houve crime de vilipêndio a cadáver "mesmo que não haja
cadáver" (palavras suas). Tudo é uma questão de tipicidade, e
para haver tipicidade é necessário que o fato sub examen
mostre-se com todas as suas elementares, sem qualquer
exceção, perfectibilizadas, para, então sim, incidir o tipo
penal incriminador correspondente. Assim, quando no art. 121 do
CP diz-se "alguém", significa isso dizer que a vítima tem de ser um
ser humano de vida extra-uterina.

Como "cadáver" é elementar do tipo penal do art. 212 do CP (e,


repare-se, elementar objetiva, não havendo, portanto, o que se
discutir a respeito da existência de algo tão fático), em não havendo
cadáver, e sim pessoa viva, como foi exatamente esta hipótese de
que tratei, não se pode falar em vilipêndio a algo que não
existe, não é mesmo?

Vilipendiar cadáver é, sim, crime vago, e nem sequer ousei dizer o


contrário, ou mesmo afirmar que o cadáver é o sujeito passivo dos
crimes contra o sentimento religioso e o respeito aos mortos. No
entanto, para se vilipendiar um cadáver faz-se prementemente
mister, como me parece cristalino e insofismável, que haja um
cadáver, i. e., um corpo humano desprovido de vida.

Não é preciso você ir muito longe, atrás de jurisprudência, para


encontrar o respaldo de meus argumentos, nobre colega. Basta, tão-
somente, você atentar que a unanimidade dos doutrinadores
(inclusive Mirabete, quem você citou) afirma categoricamente
que uma das elementares do tipo do art. 212 do CP é a
existência de um "cadáver". E, veja-se bem: nenhum deles (pode
conferir!) assevera uma só e única hipótese de crime de vilipêndio a
cadáver sem que haja um cadáver...
No mais, fico muito grato com a sua atenção ao problema que
suscitei, e aguardo singelamente comentários seus e dos demais
debatedores.

Um abraço cordial a todos,


Caro Guilerme
Não há reparo a fazer, sendo perfeita e pacífica a dedução dos fatos
quando da conclusão de
Erro de tipo, afastando a hipótese de homicídio.
Contudo, entendo que, segundo ensinamento de Mirabette o Crime
de Vilipêndio de Cadáver é crime vago. Busca defender uma
comunidade sem personalidade jurídica, parentes e amigos do
finado, estes são os sujeitos passivos, não ao cadáver.

Assim sendo, como o bem penal protegido foi maculdo, entendo que
houve vilipêndio, mesmo não havendo cadáver.
Não encontrei jurisprudências que firmassem este entendimento, sob
censura.

Necessário portanto o enquadramento por crime de vilipêndio


- art.212 CP.
Cordialmente
Nobres Colegas,

Gostaria de que observassem com atenção esse problema


que, cesta vez, veio-me a questionamento:

"O agente, com dolo de vilipendiar cadaver, encaminha-se ao


velório e desfere três tiros no corpo. Ocorre que, sem o autor
dos disparos ter ciência, o suposto corpo não estava morto,
pois a vítima sofria de catalepsia, e, no momento dos
disparos, estava viva, vindo a falecer em decorrência dos
tiros.
Como enquadrar este ilícito cometido pelo agente?"

Opinei a respeito, dando a seguinte resposta:

No crime de vilipêndio a cadáver, não basta o dolo de


vilipendiar cadáver ou suas cinzas (elemento subjetivo
implícito do tipo), pois mister se fará que, objetivamente,
tenha havido um cadáver ou suas cinzas. "Cadáver" é "pessoa
morta", sem vida, e, como elementar objetiva que é, não
deixa de ser cadáver mesmo quando o agente pensa se tratar
de pessoa viva e, vice-versa, não deixa de ser pessoa humana
viva aquela que o agente pensa estar morta.
As elementares objetivas independem, pois, para subsistirem,
do elemento subjetivo encontrado no agente. Veja-se bem:
estou afirmando que as elementares objetivas não deixam de
subsistir, e não que deixa de subsistir um crime, repare-se
bem.
Ora, como se trata, portanto, de pessoa humana viva,
afastada, de plano, fica a hipótese de crime definido
no art. 212 do Código Penal (CP). Não houve delito de
vilipêndio a cadáver, pois.
Como o agente pensou tratar-se de cadáver, agiu incidindo
em erro. Este erro é de tipo, e não de proibição, pois diz
respeito não à falsa suposição de ilicitude, mas de errônea
percepção quanto à realidade de fato.
O erro de tipo é, ademais, essencial, visto que o agente não
errou quanto a um dado acidental do fato, mas mesmo sobre
a presença de uma elementar objetiva do delito de homicídio:
"alguém" (pessoa humana viva).
Vimos que o caso é de erro de tipo essencial. Basta, agora,
fazer a seguinte indagação: esse erro é vencível ou
invencível? Se vencível ou inescusável, exclui-se o dolo da
conduta do agente, respondendo ele a título de homicídio
culposo. Se invencível ou escusável, excluem-se dolo e culpa,
não passando o agente a responder por qualquer crime, até
porque um delito ou é doloso, ou é culposo, ou preterdoloso.
A vítima sofria de catalepsia. Em geral (repiso: em geral, mas
não necessariamente e sempre), a pessoa que sofre de
catalepsia é dada como morta até mesmo pelo "homo
medius", tendo em mira que tal anormalidade dos sistemas
vitais da pessoa tornam-na, mesmo frente a médicos
especialistas, morta (salvo, é claro, quando se conclui pelo
estabelecimento da atividade cerebral, mas, anátomo-
patognomonicamente, a "morte" é inegável). Não bastasse
isso, o corpo se encontrava em seu próprio velório, o que
mais reforça a tese de que o "homo medius" também teria, no
lugar do agente, incidido no mesmo erro.
Em sendo assim, pugno pelo erro de tipo essencial escusável
(inevitável, invencível, inculpável) do agente, afastando-se,
mutatis mutandis, o delito de homicídio, aplicando-se a
regra insculpida no art. 20, caput, do CP.
Assim é que, parece-me, em princípio, que o caso ora
ventilado levará a crer pela impunidade do agente, por
ausência absoluta de tipicidade.
Qual a opinião dos colegas deste fórum?
Comércio da morte

Morrer faz parte de viver. A última parte. Biologicamente, nada há após a


morte. Ou não deveria haver.

Infelizmente, não é o que se descobriu estar ocorrendo em Porto Alegre.

O descanso eterno está sendo negado aos sepultados no Campo Santo da


Santa Casa de Misericórdia, na Capital. Ossos e dentes humanos de quem,
em seu último momento, só teve direito a um palmo de terra do local são
negociados à luz do dia.

Por R$ 80, dois coveiros do cemitério se propõem a desrespeitar a última


etapa da vida. A reportagem do Diário Gaúcho foi ao local e flagrou a prática
ilegal, comprando parte de uma ossada. Foi a prova de que, no mundo dos
vivos, até a consideração pelos mortos parece estar acabando.

Conhecido por enterrar corpos de indigentes e pessoas sem condições de


pagar por sepultamento, o Campo Santo, no Bairro Medianeira, na Capital,
está localizado nos fundos do cemitério da Santa Casa e oferece as
sepulturas por três anos. Depois deste período, os túmulos são abertos e os
restos mortais vão para uma vala comum.

É no momento desta troca que os dois funcionários retiram os fragmentos.


Mais tarde, os restos são repassados, conforme disseram os coveiros, a
estudantes universitários, principalmente dos cursos de Medicina e de
Odontologia - um esqueleto sintético custa cerca de R$ 1,6 mil.

Os dois coveiros confirmam a prática, bastando uma rápida negociação


antes da entrega das ossadas.

Investigando uma denúncia, dois repórteres do Diário Gaúcho, passando-se


por estudantes, negociaram a compra dos ossos com um funcionário -
identificado como Sandro - , na tarde de quinta-feira passada.

Venda aparenta ser comum

O coveiro, apesar de demonstrar temor pela situação, afirmou que é comum


vender dentes ou mandíbulas completas por até R$ 30.

- A gente costuma conseguir dentes, porque é mais fácil de tirar - explicou.


Em conversa rápida, falando baixo, Sandro se comprometeu a conseguir o
material no próximo dia útil: segunda-feira.

No dia 10, à tarde, a dupla de repórteres retornou ao Campo Santo.

Depois de esperarem cerca de dez minutos - observados pelos coveiros, um


deles encostado em um muro e o outro dentro da casa da administração do
Campo Santo - , a compra foi concluída. Não sem que outra visita fosse
marcada, dando a entender que o comércio estava aberto:

"Qualquer dia da semana"

- Qual é o melhor dia se quisermos voltar - questionou um dos repórteres?

- Qualquer dia da semana - respondeu o coveiro.

- E o teu colega? A gente acabou não perguntando o nome.

- É Isaac. Falei pra ele - concluiu Sandro.

**Santa Casa promete investigar o caso


Informado sobre a venda de ossos no Campo Santo, o administrador do
Cemitério da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre, Roque Inhaquites,
ficou surpreso. Não deu os nomes completos dos funcionários, mas disse
que Sandro trabalha no local há cinco anos e Isaac, há três.

A administração da Santa Casa informou que abrirá sindicância


administrativa para apurar eventuais responsabilidades sobre as denúncias
e, após apurar os fatos, divulgará que medidas legais tomará.

**Ossada entregue à polícia


No final da tarde de ontem, orientado pelo subprocurador-geral de Justiça,
Eduardo Veiga, o editor-chefe do jornal, Alexandre Bach, procurou a titular
da 2ª Delegacia da Polícia Civil, Adriana Regina da Costa. A delegacia é a
responsável pela área do cemitério.

Foi feito um registro de ocorrência e um laudo de apreensão dos ossos, que


ficam, agora, sob responsabilidade da Polícia Civil.

A delegada considerou que houve violação de sepultura e abriu inquérito


policial para investigar o fato. Os dois coveiros da Santa Casa serão
chamados para depor ainda hoje.

O crime
O que é violação de sepultura
- É crime contra o respeito aos mortos (artigo 210 do Código Penal).
- Pena prevista em lei: prisão, de um a três anos, além de multa.
Fonte: Código Penal Brasileiro
A negociação - Quinta-feira, dia 6, 15h30min
REPÓRTER 1 - Viemos por recomendação.
SANDRO - Mas no que estão pensando?
REPÓRTER 1 - Um crânio, basicamente. Queria um crânio completo. Mas se
tiveres só a mandíbula, já me serve.
SANDRO - Posso arrumar, mas só segunda.
REPÓRTER 2 - Mas na segunda tem mesmo, se a gente vier? É tranqüilo?
SANDRO - Tranqüilo não é, né? (ele ri).
REPÓRTER 1 - Recomenda alguma coisa para quando a gente voltar? Saco
plástico?
SANDRO - (...) Uma mochila seria o ideal. E no caso, entraria por aqui e
subiria esta rua (aponta a entrada dos fundos do cemitério).
SANDRO - Semana passada, veio um pessoal. Só que vieram de branco e
quase não deu. Bah! Já deu muito furo. Então, um crânio?
REPÓRTER 2 - Dentes e, se tiver, um fêmur.
SANDRO - Este tipo de coisa não é o normal. A gente costuma conseguir
dentes, é mais fácil de tirar (...), podia fazer por R$ 20, R$ 10 (...).
REPÓRTER 1 - Mais de R$ 100 tu achas que não, né?
SANDRO - Faço por R$ 80. Tem que cuidar porque qualquer coisa que dá, vai
me prejudicar... E vou ter que catar latinha.
A compra - Segunda-feira, 15h30min
ISAAC - Vamos fazer um enterro agora. Se quiserem esperar perto das
taquareiras, é melhor (desconfiado, fala com a cabeça baixa).
REPÓRTER 1 - Sandro te falou o que conseguiu?
ISAAC - Tá ali. Separou tudo.
REPÓRTER 1 - Chegou a ver o material?
ISAAC - É, abrimos hoje.
REPÓRTER 1 - Se precisar mais (...) como faz? Abrem (as covas) todos os
dias?
ISAAC - Todos os dias.
Isaac se afasta. Minutos depois, Sandro se aproxima, com sorriso discreto.
SANDRO - (...) Deixei ali em cima (treme, apontando para onde estão os
ossos). Podem olhar para ver se é o que vocês querem.
REPÓRTER 1 - O que tu conseguiu?
SANDRO - (Pensativo) Vocês olham lá e vê se interessa.
REPÓRTER 2 - Se a gente precisasse de outras peças, tipo pélvis (...).
SANDRO - (Põe a mão no rosto) A gente vê. É que este negócio de ossos,
assim, é complicado.
REPÓRTER 1 - Ficamos com medo de tu achares que é para algum trabalho
(macumba).
SANDRO - Não. Problema é se vem algum repórter (...), pode chamar
atenção, né?
REPÓRTER 2 - (...) Quanto vai dar tudo? R$ 70, né?
SANDRO - R$ 80. Se quiser, deixa embaixo dos tijolos (o dinheiro).
Repórter 1 volta e pergunta por quanto tempo os ossos permanecem
enterrados.
SANDRO - (...) Ficam no chão e têm três anos.

Comércio da morte

Morrer faz parte de viver. A última parte. Biologicamente, nada há após a morte. Ou não
deveria haver.

Infelizmente, não é o que se descobriu estar ocorrendo em Porto Alegre.

O descanso eterno está sendo negado aos sepultados no Campo Santo da Santa Casa de
Misericórdia, na Capital. Ossos e dentes humanos de quem, em seu último momento, só
teve direito a um palmo de terra do local são negociados à luz do dia.

Por R$ 80, dois coveiros do cemitério se propõem a desrespeitar a última etapa da vida.
A reportagem do Diário Gaúcho foi ao local e flagrou a prática ilegal, comprando parte
de uma ossada. Foi a prova de que, no mundo dos vivos, até a consideração pelos
mortos parece estar acabando.

Conhecido por enterrar corpos de indigentes e pessoas sem condições de pagar por
sepultamento, o Campo Santo, no Bairro Medianeira, na Capital, está localizado nos
fundos do cemitério da Santa Casa e oferece as sepulturas por três anos. Depois deste
período, os túmulos são abertos e os restos mortais vão para uma vala comum.

É no momento desta troca que os dois funcionários retiram os fragmentos. Mais tarde,
os restos são repassados, conforme disseram os coveiros, a estudantes universitários,
principalmente dos cursos de Medicina e de Odontologia - um esqueleto sintético custa
cerca de R$ 1,6 mil.

Os dois coveiros confirmam a prática, bastando uma rápida negociação antes da entrega
das ossadas.

Investigando uma denúncia, dois repórteres do Diário Gaúcho, passando-se por


estudantes, negociaram a compra dos ossos com um funcionário - identificado como
Sandro - , na tarde de quinta-feira passada.

Venda aparenta ser comum

O coveiro, apesar de demonstrar temor pela situação, afirmou que é comum vender
dentes ou mandíbulas completas por até R$ 30.

- A gente costuma conseguir dentes, porque é mais fácil de tirar - explicou.

Em conversa rápida, falando baixo, Sandro se comprometeu a conseguir o material no


próximo dia útil: segunda-feira.

No dia 10, à tarde, a dupla de repórteres retornou ao Campo Santo.

Depois de esperarem cerca de dez minutos - observados pelos coveiros, um deles


encostado em um muro e o outro dentro da casa da administração do Campo Santo - , a
compra foi concluída. Não sem que outra visita fosse marcada, dando a entender que o
comércio estava aberto:

"Qualquer dia da semana"

- Qual é o melhor dia se quisermos voltar - questionou um dos repórteres?

- Qualquer dia da semana - respondeu o coveiro.

- E o teu colega? A gente acabou não perguntando o nome.

- É Isaac. Falei pra ele - concluiu Sandro.

**Santa Casa promete investigar o caso


Informado sobre a venda de ossos no Campo Santo, o administrador do Cemitério da
Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre, Roque Inhaquites, ficou surpreso. Não deu
os nomes completos dos funcionários, mas disse que Sandro trabalha no local há cinco
anos e Isaac, há três.

A administração da Santa Casa informou que abrirá sindicância administrativa para


apurar eventuais responsabilidades sobre as denúncias e, após apurar os fatos, divulgará
que medidas legais tomará.

**Ossada entregue à polícia


No final da tarde de ontem, orientado pelo subprocurador-geral de Justiça, Eduardo
Veiga, o editor-chefe do jornal, Alexandre Bach, procurou a titular da 2ª Delegacia da
Polícia Civil, Adriana Regina da Costa. A delegacia é a responsável pela área do
cemitério.

Foi feito um registro de ocorrência e um laudo de apreensão dos ossos, que ficam,
agora, sob responsabilidade da Polícia Civil.

A delegada considerou que houve violação de sepultura e abriu inquérito policial para
investigar o fato. Os dois coveiros da Santa Casa serão chamados para depor ainda hoje.

destruição

1. INTRODUÇÃO
Tem por meta o presente artigo a análise dos aspectos gerais do delito de Destruição,
subtração ou ocultação de cadáver, previsto no Art. 211 do Código Penal, bem como
dos dispositivos da Lei nº 9.434, de 4 de fevereiro de 1997, que dispõe sobre a remoção
de órgãos, tecidos e partes do corpo humano para fins de transplante e tratamento e dá
outras providências; realizando, afinal, uma comparação entre os referidos diplomas,
tendo em vista respostas à pergunta inicialmente formulada (e que constitui o título
deste texto) e nossa opinião sobre ela, sempre baseando-se na mais abalizada doutrina.
Pelo exposto, vê-se logo que não é tema de exposição a questão da constitucionalidade
ou não de referida lei quanto à liberdade de disposição de seu próprio corpo. Discute a
doutrina nacional – discussão que perdeu a atualidade com as modificações introduzidas
pela Lei nº 10.211/2001 – quanto à legitimidade da presunção de autorização para
retirada de órgãos e tecidos, afirmando uma corrente que esta afrontaria a liberdade do
ser humano, constitucionalmente consagrada e outros, de opinião contrária, que a livre
disposição do próprio corpo é devidamente abarcada pelo texto legislativo, já que as
pessoas não desejosas de doarem seus restos mortais poderão isto expressamente
consignar em seus documentos de identificação.
Com o devido respeito aos Doutores que tratam do tema, tal discussão, hoje, não traz
qualquer utilidade prática, pois as novas redações determinadas pela Lei nº 10.211/2001
acabaram com tal presunção, o que pode ser conferido com a análise do "novo" Art. 4º,
da lei nº 9.434/97:
Art. 4º. A retirada de tecidos, órgãos e partes do corpo de pessoas
falecidas para transplantes ou outra finalidade terapêutica dependerá
de autorização do cônjuge, ou parente, maior de idade, obedecida a
linha sucessória, reta ou colateral, até o segundo grau inclusive,
firmada em documento subscrito por duas testemunhas presentes à
verificação da morte.
Pois bem, após esse breve apanhado, passemos à discussão do real tema de estudo.

2. ASPECTOS GERAIS SOBRE O ART. 211 DO CÓDIGO PENAL


Proíbe o Art. 211, CP, a destruição, subtração ou ocultação de cadáver ou parte dele,
cominando a esta conduta típica a pena privativa de liberdade na modalidade de
reclusão, de 1 (um) a 3 (anos), cumulada com a multa.
O bem jurídico aqui tutelado é o sentimento de respeito aos mortos, principalmente por
parte de seus familiares e amigos. Concorda-se com o que diz Bitencourt (2003, p. 514):
Na verdade, a definição de quem pode ser sujeito passivo desse crime deve estar
intimamente vinculada ao bem jurídico tutelado, e, na medida em que se admite que
esse bem jurídico é o sentimento dos parentes e amigos do morto e não o próprio de
cujus, sujeitos passivos diretos só podem ser os parentes e amigos.
Sujeito ativo poderá ser qualquer pessoa, tratando-se, portanto, de crime comum, por
não exigir qualquer qualidade especial do agente.
As condutas incriminadas consistem em destruir (destroçar, fazer desaparecer, isto é,
levá-lo a deixar de ser considerado como tal); subtrair (retirar do local em que se
encontra sob vigilância de alguém) ou ocultar (esconder temporariamente, somente
podendo ocorrer antes do sepultamento) cadáver ou parte dele.
Cadáver, elemento normativo do tipo, é o corpo do ser humano sem vida, conquanto
preserve tal aparência. São considerados cadáveres o natimorto e o feto após 6 (seis)
meses de gestação; não o sendo, porém, o esqueleto, a múmia, nem as cinzas do de
cujus. Já ao falar em "parte dele", refere-se a lei, obrigatoriamente, à parte destacada do
corpo humano sem vida, não caracterizando o delito a prática de qualquer das figuras
típicas em relação a partes do corpo – com vida – amputadas.
Quanto ao elemento subjetivo, é constituído pelo dolo, ou seja, a vontade livre e
consciente de destruir, subtrair ou ocultar cadáver ou parte dele, não sendo exigido o
elemento subjetivo especial do tipo. Adiante, quando da comparação dos dois diplomas,
falaremos mais sobre este elemento, bem como do dolo nos crimes tipificados na Lei nº
9.434/97.

3. ASPECTOS GERAIS SOBRE A LEI Nº 9.434/97


Diz a Constituição Federal de 1988, em seu Art. 199, § 4º:
A lei disporá sobre as condições e os requisitos que facilitem a
remoção de órgãos, tecidos e substâncias humanas para fins de
transplante, pesquisa e tratamento, bem como a coleta, processamento e
transfusão de sangue e seus derivados, sendo vedado todo tipo de
comercialização.
Portanto, percebe-se que já era anseio do povo a edição de diploma legislativo que
viesse a dispor sobre remoção e transplante de órgãos, de forma a tentar diminuir ou até
mesmo cessar o sofrimento de pessoas em estágio de frágil saúde, que apenas poderiam
recuperar-se com a "implantação" de novo órgão sadio em lugar do originário, em
detrimento de "pessoas" que serviriam, apenas, de alimento para os vermes
subterrâneos. Aplicação clara, de conseguinte, do Princípio da Ponderação de Interesses,
sobrelevando-se o interesse público na saúde e manutenção de várias vidas humanas,
em detrimento do sentimento privado dos próximos ao falecido.
Obedecendo à disposição constitucional, foram editadas leis várias tratando do assunto,
sendo que hodiernamente vigora a Lei º 9.434/97, com as alterações introduzidas pela
de número 10.211/2001.
Dispõe este diploma legislativo, em seu Art. 2º, que os procedimentos tendentes à
remoção de órgãos para transplantes só poderão ser realizados por estabelecimentos de
saúde, públicos ou privados, e por equipes médico-cirurgicas de remoção e transplante
autorizadas pelo órgão de gestão nacional do SUS, devendo antecedê-los os devidos
testes para diagnóstico de infecções ou infestações.
Questão importante e que não deve ser esquecida é a de que estas retiradas só serão
possíveis após a regular declaração de morte encefálica do doador, sendo admitida a
presença do médico de confiança da família deste no ato da comprovação do
falecimento. E o anteriormente mencionado, de que o procedimento referido depende de
expressa autorização dos parentes próximos, acabando-se com a atualidade da discussão
doutrinária supra comentada.
Caso o doador seja incapaz, é possível a remoção post mortem do material a ser doado,
com a ressalva de que deverá ser expressamente permitida por ambos os pais ou
responsáveis, sendo terminantemente proibida caso se trate de pessoas não identificadas.
Mas não é só sobre o doador que dispõe a lei sob análise, consignando esta em seu texto
várias normas a respeito do receptor do material orgânico objeto de transplante. Diz o
Art. 10 da Lei nº 9.434/97 que este só se fará com o consentimento expresso do receptor
e, sendo este incapaz ou com condições de saúde que impeçam ou comprometam sua
manifestação válida de vontade, o consentimento referido neste artigo será dado por
um de seus pais ou responsáveis (Art. 10, § 1º).
3.1 CONDUTAS INCRIMINADAS PELA LEI Nº 9.434/97
Após a análise dos aspectos gerais ditados pela Lei de Transplante de Órgãos, deve-se
dar uma atenção aos delitos previstos nessa norma. Porém, tendo em vista a finalidade
deste trabalho, só serão comentados os crimes que possam ter alguma correlação com o
Art. 211, CP.
Comece-se por dizer que, tendo em vista o Princípio da Intervenção Mínima, "o Direito
Penal só deve atuar na defesa de bens jurídicos imprescindíveis à coexistência pacífica
dos homens e que não podem ser eficazmente protegidos de forma menos gravosa"
(PRADO, 2001, p. 84). Já o Princípio da Fragmentariedade tem como significado a não
absolutização da proteção atribuída à lei penal, ou seja, "apenas as ações ou omissões
mais graves endereçadas contra bens valiosos podem ser objeto de criminalização"
(PRADO, 2001, p. 84).
Traz-se estas explicações sobre os princípios gerais do Direito Penal para defesa do
ponto de vista da proporcionalidade das sanções consignadas. Explica-se: não se quer
dizer com isto que se tratam de reprimendas pouco severas; muito pelo contrário. A
maioria das penas consignadas é privativa de liberdade na modalidade de reclusão,
contendo limites máximo e mínimo abstratamente definidos em margens elevadas.
Porém, tendo em vista os bens jurídicos objeto de proteção, que são, sem sombra de
dúvida, de elevado valor, e observando-se os princípios da moderna ciência criminal,
conclui-se que as penas instituídas são absolutamente proporcionais à gravidade das
lesões praticadas, que têm como objeto mediato a vida e saúde humanas.
Pois bem, passemos a comentar as figuras típicas.
Reza o Art. 14: Remover tecidos, órgãos ou partes do corpo de pessoa ou cadáver, em
desacordo com as disposições desta lei: Pena – reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e
multa, de 100 (cem) a 300 (trezentos) dias-multa. Tratando tal norma do ponto central
deste texto, deixaremos para analisá-la apenas no item seguinte, que trata da
comparação entre os respectivos diplomas legais.
Art. 14, § 1º: Se o crime é cometido mediante paga ou promessa de recompensa ou por
outro motivo torpe: Pena – reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa, de 100 (cem) a
150 (cento e cinqüenta) dias-multa. Tem-se, aqui, uma qualificadora para o crime
previsto no Caput do Art. 14, que leva em conta um maior desvalor da ação, atuando na
medida da culpabilidade.
Art. 15: Comprar ou vender tecidos, órgãos ou partes do corpo humano: Pena –
reclusão de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa, de 200 (duzentos) a 360 (trezentos e
sessenta) dias multa. Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem promove,
intermedeia, facilita ou aufere qualquer vantagem com a transação. A finalidade é
coibir o tráfico, seja nacional ou internacional, de órgãos, atividade bastante lucrativa e
que possui infra-estrutura de elevada sofisticação, contando com representantes de
localidades várias e que incluem até mesmo médicos. Quanto à compra efetuada por
parentes de pessoas em estado terminal e que só poderão salvar-se com o devido
transplante, apesar de continuar a ser uma conduta reprovável, não se pode deixar de
levar em conta os motivos que determinaram tal ação quando da fixação da pena base
pelos critérios do Art. 59, CP. Esta previsão legal é aplicada em relação ao presente
diploma não codificado por expressa disposição do Art. 12, CP: As regras gerais deste
Código aplicam-se aos fatos incriminados por lei especial, se esta não dispuser de
modo diverso.
Art. 19: Deixar de recompor cadáver, devolvendo-lhe aspecto condigno, para
sepultamento ou deixar de entregar ou retardar sua entrega aos familiares ou
interessados: Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos. O objeto jurídico do
presente dispositivo é o sentimento de respeito aos mortos, seja través de seu aspecto
físico, pois em virtude dos procedimentos cirúrgicos sua aparência pode vir a ficar
extremamente chocante; seja por seus familiares, que objetivam ter o cadáver de entes
queridos próximos de si para as últimas despedidas e realização das cerimônias
religiosas competentes, o que revela a proximidade entre a tipicidade objetiva aqui
enfocada e a dos crimes previstos no Capítulo II, do Título V, da Parte Especial do
Código Penal.

4. POSSÍVEIS CORRELAÇÕES ENTRE O ART. 211 DO CÓDIGO PENAL E O


CAPUT DO ART. 14 DA LEI Nº 9.434/97. COMPARAÇÕES
Chega-se, afinal, ao ponto culminante do texto, onde, após todas as observações e
comentários tecidos, tentar-se-á correlacionar os elementos objetivos e subjetivos tanto
da figura típica prevista no Art. 211, CP, quanto do Caput do Art. 14 da Lei supra
mencionada, com vistas à resposta inicialmente formulada sobre a possibilidade de
configuração do crime previsto na Parte Especial do Estatuto Criminal através da
desobediência aos preceitos da lei especial sob análise.
Não será preciso, neste ponto, comentar-se sobre os aspectos do Art. 211, CP, pois tal já
fora realizado no item 2 supra, ao qual se remete o leitor.
Passa-se, portanto, ao estudo detalhado do Art. 14, Caput, que prescreve: Remover
tecidos, órgãos ou partes do corpo de pessoa ou cadáver, em desacordo com as
disposições desta lei: Pena – reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa, de 100 (cem)
a 300 (trezentos) dias-multa. Sob o ponto de vista objetivo, pode-se facilmente verificar
que são idênticas as condutas previstas nos dois dispositivos.
Se, por exemplo, João vai até o local onde está sendo "guardado" o corpo de José e, aí
chegando, retira todos os órgãos internos deste cadáver, a simples análise do que fora
narrado não é suficiente para a definição concreta de qual delito foi cometido.
Assim, deve-se ir em direção ao animus do agente, seu elemento subjetivo, a força de
vontade que o impulsiona à prática desta ação. Pois bem. Caso a vontade livre e
consciente de João (atendidos todos os elementos da culpabilidade: imputabilidade,
potencial consciência da ilicitude e exigibilidade de conduta diversa) seja dirigida ao
fim de vingança contra a família do morto, sendo sua ação direcionada à destruição do
cadáver - sua desconfiguração humana - como forma de chocar seus próximos, então
teremos por configurado o delito do Art. 211, CP. Porém, se com a mesma conduta
comissiva tal criminoso visa comercializar os órgãos ou dar qualquer outra destinação
correlacionada com o tema regulado por esta lei especial, como, por exemplo,
transplante para favorecer um parente próximo, sua atitude exteriorizada estará
subsumida à norma do Art. 14 da lei nº 9.434/97.
Quando fala em desacordo com as disposições desta Lei, quer referir-se ao fim
comercial, à falta de autorização dos familiares do de cujus, ao consentimento do
receptor ou à não identificação do cadáver. É o desrespeito às referidas exigências que
tem o condão de configurar este crime, podendo-se considerar a finalidade comercial
(intuito de lucro) como elemento subjetivo especial do tipo.
Não se queira aqui dizer que as prescrições ditadas pela lei não codificada, ao serem
violadas, por si só fazem a ação exterior configurar-se diversa daquela do crime de
Destruição, subtração ou ocultação de cadáver; longe disso. Apesar de tais mandados
terem cunho objetivo, a ação continua a ser idêntica em ambas as hipóteses. O que vem
a diferenciá-las , como dito anteriormente, vem a ser o dolo, que no caso do Art. 14 da
Lei de Transplante de Órgãos abarca o necessário conhecimento do agente acerca da
existência destes mandados e a vontade livre de não acatá-los.

CONCLUSÃO
Diante de tudo o que fora exposto, tem-se por plenamente impossível a configuração do
crime inscrito no tipo do Art. 211, CP, através da não observância dos requisitos
exigidos pela Lei nº 9.434/97 para a realização dos procedimentos cirúrgicos tendentes à
remoção de órgãos.
Apesar de ter este artigo a finalidade de responder à pergunta inicialmente feita, para os
que possuem conhecimento suficiente sobre a Teoria Geral do Delito, a conclusão é
lógica e de fácil constatação, o que, de per se, não retira o seu valor.
Como dito, tal impossibilidade absoluta tem por base o elemento subjetivo do tipo
(dolo), onde condutas fisicamente iguais configuram delitos diferentes tendo em vista
unicamente o fim visado pelo agente (1). Querer afirmar o contrário é pôr abaixo toda a
evolução do Direito Penal no que tange ao elemento volitivo integrante da descrição
típica.

NOTAS
(1) Para maiores elucidações, pode-se tecer o seguinte exemplo: A, armado com um
revólver calibre 38, efetua um disparo em direção a B, causando-lhe a morte. Só se
saberá qual o delito perpetrado, com a análise do dolo de A: se ele tem a intenção de
matar, configurado estará o delito do Art. 121, CP; se ele apenas tem a intenção de ferir,
poderá subsistir o delito de Lesões Corporais seguidas de Morte; se há intenção de
assegurar a consumação do delito de Roubo, poderá ser configurado o Latrocínio (Art.
157, § 3º, segunda parte, CP). Podendo esta conduta, ainda, não ser criminosa, caso se
trate de alguma causa justificante (ex.: Legítima Defesa - Art. 25, CP).

Contra os costumes

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