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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ


INSTITUTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL
CURSO DE MESTRADO EM SERVIÇO SOCIAL

ANA MARIA MACIEL CORREA

PERMANÊNCIAS E MUDANÇAS SOCIAIS NUMA COMUNIDADE


RIBEIRINHA: COLARES

BELÉM-PARÁ
2008
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ


INSTITUTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL
CURSO DE MESTRADO EM SERVIÇO SOCIAL

PERMANÊNCIAS E MUDANÇAS SOCIAIS NUMA COMUNIDADE


RIBEIRINHA: COLARES

ANA MARIA MACIEL CORREA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em Serviço Social da UFPA, como
requisito para obtenção do Título de Mestre em
Serviço Social, orientada pelo Profº. Dr. Ariberto
Venturini.

BELÉM-PARÁ
2008
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ANA MARIA MACIEL CORREA

PERMANÊNCIAS E MUDANÇAS SOCIAIS NUMA COMUNIDADE


RIBEIRINHA: COLARES

Esta dissertação foi aprovada em ___ / ___ / 2008

Comissão Examinadora

_________________________________________
Profº. Dr. Ariberto Venturini - Orientador

_________________________________________
Profª Drª Marize Duarte - Avaliador Externo

_________________________________________
Profª Drª Nadia Socorro Fialho - Avaliador Interno

BELÉM-PARÁ
2008
4

Ao meu pai: Milton Lopes Correa (in memoriam) pela sua


constante presença em meu viver, dando forças e
incentivos como verdadeiro amigo de todas as horas.
5

AGRADECIMENTOS

À minha família pelo apoio e compreensão recebidos ao


longo dessa trajetória e, em especial, às minhas filhas:
Ariany e Alanna que representam o verdadeiro sentido do
meu viver.

À amiga Izabel Coelho pela amizade fortalecida diante de


muitos desafios;

Ao Professor, Dr. Ariberto Venturini pela dedicação,


competência e profissionalismo demonstrados durante
essa caminhada;

À Floripes Raiol pela amizade e apoio recebidos durante


os momentos mais difíceis.

Ao Professor Especialista Heraldo Meirelles pela


colaboração durante a revisão e digitação desse trabalho.
6

“Parece que toda grande ação histórica alimenta-se de


uma referência ao passado; mesmo nas épocas de crise
revolucionária, quando algo de novo está aparecendo [...].
Não é o passado real, mas um passado reconstruído”.
Michêlle Bertrand
7

RESUMO

CORREA, Ana Maria Maciel. Permanências e Mudanças Sociais numa Comunidade


Ribeirinha: Colares, UFPA, 2008.

O estudo discute a temática das permanências e mudanças sociais no contexto das


populações tradicionais da Amazônia, em especial, às populações ribeirinhas,
caboclas. Em linhas gerais, são populações herdeiras de conhecimentos e práticas
mais tradicionais da Região Amazônica vivendo e sobrevivendo do extrativismo das
florestas e rios. Descendentes diretos das populações indígenas, no seu aspecto
etno-cultural. Na organização atual, caracterizam-se como: “destribalizados”,
“desculturados” diante do processo de socialização e reordenação social provocada
pelas mudanças trazidas por fatores modernizantes que vêm afetando e levando a
uma nova adaptabilidade entre o tradicional e o moderno, enquanto marcas do
espaço regional. Nas últimas décadas, a realidade amazônica vem passando por
profundas alterações, momento em que o capitalismo adentra e se expande na
região, promovendo a exploração em larga escala dos recursos naturais, pela
modernização dos transportes, dos meios de comunicação, enquanto condições
indispensáveis à expansão capitalista. O processo de modernização alcança
diferentes frações do espaço regional que de forma direta, ou indireta, com maior ou
menor incursão, todos os espaços são atingidos. São conseqüências desse novo
projeto de reorganização e exploração: a pesca predatória, a exploração dos
recursos florestais, expulsão do homem do campo, devastação do meio ambiente e
ameaça de extinção das atividades tradicionais como a pesca artesanal e atividades
extrativistas. São mudanças que alteram o modo de vida das populações
amazônicas levando a quebra das raízes, dos valores e da identidade cultural,
dando surgimento a um tipo de organização social, num processo de reordenação
que altera as práticas tradicionais e o contexto social em que estão inseridas. O
estudo visa retratar o entrelaçamento das permanências do tradicionalismo e das
mudanças sociais advindas do processo de modernização presente na cidade de
Colares. Na verdade, é perceber a historicidade das populações locais,
oportunizando a visibilidade de como vem ocorrendo à reordenação sócio-
econômica e as formas de enfrentamento de situações postas nesse momento a
essa comunidade, mediante mecanismos próprios de adaptação. O presente estudo
caracteriza a cidade de Colares através de uma análise social, centrada no
reconhecimento que esta comunidade ribeirinha faz de si, diante das mudanças e
conseqüentes alterações para a vida social. Para desvelar essa realidade, pautou-se
nos estudos de: Boaventura de Souza relacionado às continuidades e
descontinuidades presentes na sociedade atual; a quebra dos paradigmas sócio-
culturais e a emergência de novos paradigmas que retratam a transitoriedade da
sociedade com ritmos e tempos sociais diferenciados, que desencadeiam a
fragmentação identitária e a diversidade cultural. Na compreensão dos processos de
construção e afirmação da identidade cultural das comunidades ribeirinhas,
reportou-se a uma reflexão teórica referentes aos conceitos: história, cotidiano e
identidade trazidos pelos autores Giddens (2000), Carvalho e J. P. Neto (1994),
Cuche (1999), Hall (1994) e Robert Darnton (2002). A partir da coleta de dados junto
à população de Colares, essa comunidade expressa de forma clara sua percepção,
a respeito do que representa a história e a vida dessa cidade nas últimas décadas.
Nos últimos vinte anos, essa comunidade vem vivenciando um processo de
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transitoriedade entre as permanências do tradicionalismo e as mudanças que vêm


se operando nesse espaço. Essa transitoriedade lhe imprime uma compreensão de
que o tempo mudou, não somente o tempo cronológico, mas o tempo psicológico
que muito revela a maneira de ser e viver dessa comunidade. Existe o cultural que
demarcado pela urbanização e a modernização das práticas tradicionais que vincula
ainda a população de Colares, com um pé na tradição e outro se tentando firmar
pelas novas possibilidades às inovações impostas pela modernidade, momento que
levará a um processo de destradicionalização.

Palavras-chave: permanências, mudanças, identidade, cotidiano, populações


tradicionais, destradicionalização, modernidade.
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ABSTRACT

CORREA, Ana Maciel Maria. Social Permanence and Change in the Marginal
Community: Colares, UFPA, 2008.

The study it argues thematic of the permanencies and the social changes in the
context of the traditional populations of the Amazônia, in special, to the marginal,
native populations. In general lines, they are inheriting populations of more traditional
practical knowledge and of the Amazon region living and surviving of the extrativismo
of the forests and rivers. Descending right-handers of the aboriginal populations, in
its etno-cultural aspect. In the current organization, they are characterized as:
“destribalizados”, “desculturados” ahead of the process of socialization and social
reordenation provoked by the changes brought for modern factors that come
affecting and leading to a new adaptability between traditional and the modern, while
marks of the regional space. In the last few decades, the Amazonian reality comes
passing for deep alterations, moment where the capitalism it enters and if expands
in the region, promoting the exploration on a large scale of the natural resources, for
the modernization of the transports, the medias, while indispensable conditions to the
capitalist expansion. The modernization process reaches different fractions of the
regional space that of form direct, or indirect, with greater or minor incursion, all the
spaces are reached. They are consequences of this new project of reorganization
and exploration: it fishes it predatory, the exploration of the forest resources,
expulsion of the man of the field, devastation of the environment and threat of
extinguishing of the traditional activities it fishes as it artisan and extrativistas
activities. They are changes that modify the way of life of the Amazonian populations
taking the cultural identity and value, root in addition, giving sprouting to a type of
social organization, in a process of reordenation that modifies practical the traditional
ones and the social context where they are inserted. The study it aims at to portray
the interlacement of the permanencies of the traditionalism and the happened social
changes of the process of present modernization in the city of Necklaces. In the truth,
it is to perceive the historicity of the local populations, oportunization the visibility of
as it comes occurring to the partner-economic reordenation and the forms of
confrontation of situations ace of fishes at this moment this community, by means of
proper mechanisms of adaptation. The present study it characterizes the city of
Necklaces through a social analysis, centered in the recognition that this marginal
community makes of itself, ahead of the changes and consequences alterations for
the social life. To disclose this reality, it was established in the studies of: Boaventura
de Souza related to the continuities and discontinuities gifts in the current society; the
partner-cultural paradigm in addition and the emergency of new paradigms that
portray the differentiated transitorieity of the society with rhythms and social times,
that unchain the identitária spalling and the cultural diversity. In the understanding of
the processes of construction and affirmation of the cultural identity of the marginal
communities, it was referred a theoretical reflection referring to the concepts: history,
daily and identity brought by Giddens authors (2000), Oak and J.P. Grandson (1994),
Cuche (1999), Hall (1994) and Robert Darnton (2002). From the collection of data
next to the population of Necklaces, this express community of clear form its
10

perception, regarding what it in the last few decades represents the history and the
life of this city. In last the twenty years, this community comes living deeply a I
transitprocess enters the permanencies of the traditionalism and the changes that
come if operating in this space. This I transit prints it an understanding of that the
time moved, not only the chronological time, but the psychological time that much
discloses the way to be and to live of this community. The cultural one exists that
demarcated for the practical urbanization and the modernization of the traditional
ones that the population of Necklaces still ties, with a foot in the tradition and another
one if trying to firm for the new possibilities to the innovations imposed for modernity,
moment that will lead to a destradicionalization process.

Word-key: permanencies, changes, identity, daily, traditional populations,


destradicionalization, modernity.
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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO................................................................................................ 13
CAPÍTULO I - PERMANÊNCIAS E MUDANÇAS NUM CONTEXTO DE
MODERNIDADE.................................................................................................. 18
1.1 Tradição e Modernização: Faces da Agenda Mundial.................................... 21
1.2 A Amazônia: Do local ao global..................................................................... 27
1.3 Populações Ribeirinhas: História e Adaptabilidade Sócio-Ambiental............. 35
1.3.1 O Processo de Reordenação Social........................................................... 35
1.3.2 Relação Homem-natureza e Sustentabilidade............................................ 39

CAPÍTULO II - A MANEIRA DE SER TRABALHO DE UMA


COMUNIDADE RIBEIRINHA: COLARES........................................................... 47
2.1 O Trabalho no Cenário de destradicionalização............................................ 49
2.2 Área de Estudo: Região do Salgado - A Cidade de Colares......................... 57
2.2.1 A Agricultura Familiar no Município de Colares......................................... 64
2.2.2 A Pesca Artesanal: atividade referencial do Município de Colares........... 70

CAPITULO III - O COTIDIANO DAS PRÁTICAS TRADICIONAIS NA


PRODUÇÃO DA IDENTIDADE RIBEIRINHA...................................................... 84
3.1 O Cenário Amazônico nas Últimas Décadas................................................. 84
3.2 História, Cotidianidade e Identidade.............................................................. 85
3.3 O Processo Identitário em Colares................................................................ 89
3.3.1 A identidade Ribeirinha: Algumas Perspectivas.......................................... 96

CAPÍTULO IV - POLÍTICA SOCIAL: SEUS REFLEXOS NA MANEIRA DE


VIVER DE UMA COMUNIDADE TRADICIONAL................................................ 100
4.1 Política Social e o Poder Público.................................................................. 100
4.2 Brasil: Assistencialismo e Proteção Social..................................................... 101
4.3 As Políticas Sociais sob os ditames Neoliberais............................................ 103
4.3.1 Política educacional:.................................................................................. 107
4.3.2 Política de Assistência Social..................................................................... 111
4.3.2 Política da Saúde....................................................................................... 114

CAPÍTULO V: O SENTIDO E O SIGNIFICADO DAS PERMANÊNCIAS E


MUDANÇAS SOCIAIS EXPRESSAS PELA COMUNIDADE DE
COLARES............................................................................................................ 120

CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................. 135

REFERÊNCIAS................................................................................................... 145
12

APRESENTAÇÃO

O estudo ora apresentado decorre de um dos requisitos do Programa em pós-


graduação em Serviço Social do Instituto de Ciências Sociais Aplicadas, da
Universidade Federal do Pará, para a obtenção do grau em Mestrado em Serviço
Social.

A finalidade deste estudo consiste em fazer uma abordagem sobre as


populações tradicionais da Amazônia enfatizando o processo de reordenação social
13

presente na manutenção das práticas tradicionais e a adoção de práticas modernas


numa dada comunidade ribeirinha.

As populações tradicionais constituem-se em objeto empírico dessa pesquisa


e referem-se às populações típicas da região amazônica, enquadrando-se como tal,
as populações ribeirinhas, caboclas, pescadores e pequenos agricultores e
herdeiros de saberes e práticas sócio-culturais das primeiras populações da região.

Os problemas sócio-ambientais trazido pelo intenso processo de exploração


dos recursos naturais que se instalou na região, a partir de 1970, traz à tona a
valorização do saber tradicional, como elemento fundamental na reorientação dos
modelos produtivos aqui engendrados e nos processos de preservação ambiental,
pois tem sua base no contexto das práticas tradicionais, no uso da terra, do território
e demais recursos naturais que integram os aspectos econômicos, sociais e
culturais.

É nesse cenário de persistência do tradicionalismo que as práticas culturais


cumulativas estabelecem e mantêm os vínculos entre o homem e os ecossistemas.
A relação com a natureza torna-se o eixo estruturador da vida social e cultural,
retratando-o, assim, um modo de vida com vinculações que substanciam a vida e a
organização social local. Um cotidiano que se expressa por rituais, costumes,
sonhos e valores presentes nas práticas materiais e imateriais.

Estudos sociológicos têm se voltado para a compreensão do modo de vida das


populações tradicionais, em especial os ribeirinhos, caboclos, pescadores da região
amazônica, enquanto comunidades originárias de grupos indígenas e do processo
de miscigenação com grupos diretamente ligados ao processo de colonização
portuguesa.

A proposta de estudo se constitui em desafio e, ao mesmo tempo, de singular


relevância para a compreensão do modo de vida das populações tradicionais, bem
como fazer uma análise de sua historicidade, ao dar ênfase à resistência e a
permanência dos padrões e valores tradicionais, como valores e padrões externos
que passam a ser considerados como verdadeiros e que por sua influência, passam
a dizimar, quebrar os padrões culturais locais, pois são processos que perpassam
pela dominação e subjugação dos nativos da região.
14

Dessa maneira, o presente trabalho se situa entre as permanências da


tradição e a interferência da modernidade que se faz presente na cidade de Colares,
localizada no Nordeste Paraense, na região do Salgado. Nesse espaço geográfico,
percebe-se o processo de adaptabilidade frente aos recursos naturais, como as
novas atividades implementadas no sentido de dinamizar o processo de criação e
recriação das práticas tradicionais e da vida social, sob a direção e a interferência
dos ideários da modernidade. Assim, identifica-se a conformação de um novo
espaço sócio-econômico que vem sendo construído nas últimas décadas, a partir da
inter-relação entre os padrões tradicionais e as novas circunstâncias apresentadoras
das novas práticas e valores que vêm sendo assimilados por esta comunidade
ribeirinha.

Todo esse processo de reordenação social é analisado em cinco capítulos


assim desenvolvidos:

O primeiro Capítulo trata das Permanências e Mudanças num contexto de


Modernidade. Neste, procura-se retratar o processo de reestruturação econômica
por que passa o capitalismo atual, as repercussões da economia globalizada sobre a
formatação da sociedade atual.

O capítulo enfatiza que neste processo de reorganização dá-se a quebra dos


paradigmas sócio-culturais e o emergir de novos paradigmas, que tem levado ao
colapso da modernidade, como período muito próprio da humanidade.

Assiste-se um período de transição paradigmática, resguardando-se os ritmos


e os tempos sociais das diferentes sociedades.

Está-se diante de uma sociedade fragmentada, múltipla e diversa


culturalmente, em que a homogeneidade cede lugar ao pluralismo e a diversidade, e
que o imediato dirige e conforma todas as relações e produções humanas,
caracterizando-se esse momento como “modernidade reflexiva” pelas rápidas
mudanças e conseqüências sociais.

Um contexto que anuncia e celebra os impactos, as demandas e a


conformação de um novo contexto sócio-cultural ainda que em construção. Daí, se
15

fazer presente permanências e mudanças sociais, determinismos e indeterminismos


como marcas desse fenômeno, a radicalização da modernidade.

Nesse contexto de transição se situa a região amazônica por seus vínculos


históricos com o mercado internacional desde a era colonial. Analisam-se os
impactos dessa inserção internacional sobre as populações tradicionais, em especial
as ribeirinhas, caboclas.

O segundo Capítulo enfatiza a maneira de ser trabalho de uma Comunidade


Ribeirinha: Colares. Este capítulo trata do papel assumido pelo poder público tendo
em vista a dinamização do espaço local e o alcance de uma nova ruralidade que se
centraliza na modernização, mediante a potencialização das atividades tradicionais,
assim como a proposição de novas atividades que possibilitem maior produtividade
e valorização da produção no mercado local / regional. É o empenho para o alcance
do desenvolvimento local.

Em Colares, a agricultura de subsistência e a pesca artesanal, embora


sentidas como bem tradicionais, passam a ser vistas enquanto campo de
investimento e potencialização, por meio de políticas públicas. De uma forma bem
inicial, esses investimentos vêm apontando a tendência para a destradicionalização
dessas atividades primeiras dessa comunidade.

A Agricultura de subsistência e a pesca artesanal são atividades que remontam


a era colonial e imprimem força e direção à maneira de ser e viver dessa população.

Neste capítulo, apresenta-se a trajetória histórica da agricultura e da pesca no


Nordeste Paraense, e ao mesmo, tenta sinalizar as tentativas do governo local em
sua dinamização mediante projetos e atividades, no sentido de potencializar a
produção local.

O terceiro Capítulo, referente ao Cotidiano das Práticas Tradicionais na


Produção da Identidade Ribeirinha apresenta o objetivo de focalizar o processo de
reordenação social na cidade de Colares, diante das práticas sócio-econômicas
tradicionais e das práticas e padrões, baseados no estilo de vida moderna. Procura-
se enfatizar as resistências e as persistências das atividades tradicionais como
elemento significativo na afirmação da identidade. Nesse âmbito, perpassar pela
16

questão da história local, da cotidianidade e do processo identitário nessa


comunidade ribeirinha e, ao mesmo tempo, focalizamos as alterações e o processo
de fragmentação e descentramento identitário, e assim, dar conta do processo de
adaptabilidade entre o mundo antigo e o mundo moderno.

O quarto Capítulo trata da Política Social e seus reflexos na maneira de viver


de uma comunidade ribeirinha: Colares.

Neste, retrata-se a atuação do Estado junto a sociedade, mediante políticas


sociais que garantem a legitimação do Estado frente a movimentos e pressões
sociais, ao mesmo tempo em que se reforça seu domínio e poder como unidade de
força e hegemonia.

É no contexto da desigualdade social e dos processos de miserabilização da


população que surgem estratégias oficiais para dar respostas às necessidades
reconhecidas enquanto direitos sociais.

Nesse campo de atuação do Poder Público, identifica-se a interferência das


políticas sociais na área da educação, saúde, assistências social e na área
econômica, enquanto políticas implementadas pelo município como estratégias de
acesso, ampliação de direitos e propulsores do desenvolvimento local, bem como
seus impactos na maneira de ser e viver dessa comunidade cabocla e tradicional.

No quinto Capítulo, abordam-se o sentido e o significado das permanências e


mudanças sociais expressas pela Comunidade de Colares.

Este está pautado na coleta de informações junto a cinco (05) famílias


consideradas tradicionais, antigas e junto a dezesseis (16) jovens, mediante
aplicação de entrevistas, formulários e observação. A partir da coleta de dados,
percebem-se o sentido, a direção e os significados apontados por esses segmentos
para a compreensão e expressão da vida cotidiana. O grande objetivo da pesquisa
foi captar como essa comunidade se vê e se percebe diante das permanências e
mudanças sociais.

São posicionamentos, diante de questões, fatos ou aspectos da vida social,


considerados tradicionais de comportamentos em contato com os padrões
modernos, a partir de mudanças implementadas nas últimas décadas.
17

Faz-se uma trajetória do passado / presente para se buscar a compreensão da


vida cotidiana, mesclada de sentidos e significações, dando conta de como a vida do
dia-a-dia se objetiva, se expressa e também como vem sendo subjetivada pela
coletividade, considerando-se seus valores e padrões culturais.

CAPÍTULO I - PERMANÊNCIAS E MUDANÇAS NUM CONTEXTO DE


MODERNIDADE

A sociedade envolta na reestruturação econômica por que passa o capitalismo


atual vem experimentando um novo processo de transitoriedade, que expressa
permanências ou vestígios de uma estruturação sedimentada, a partir da era
moderna e pela emergência de uma nova conformação social pautada na
racionalidade da economia globalizada.

Essa transição engendrada por via da nova ordem social é vista ainda como
algo em construção, quase que indecifrável, sem uma perspectiva de definição final.
18

No entanto, uma realidade que é a expressão da inquietude e do desassossego que


se potencializa pelas contínuas mudanças advindas das rupturas e
descontinuidades inerentes a esse processo de reordenação sócio-econômica
mundial que faz emergir, nas últimas décadas, uma sociedade que vem se
reestruturando sob o enfoque de novos paradigmas, novos ideários e novos aportes
de sustentação.

Esse contexto híbrido, de transição entre as permanências da tradição e das


mudanças advindas do processo de modernização, aponta para o desaparecimento
de antigos paradigmas sócio-culturais e faz emergir novos paradigmas. Santos
(2005, p.115) afirma que esses paradigmas demarcam temporalidade, pois nascem,
desenvolvem-se e morrem num processo quase invisível, imperceptível que
demanda longo período de tempo para se identificar o que ficou, o que desapareceu
e o que se instaurou em seu lugar exatamente por demandarem continuidades e
descontinuidades.

Assiste-se ao colapso da modernidade enquanto projeto conformador da


sociedade e de todas as suas promessas não cumpridas. Sobretudo, em relação ao
processo de regulação e de emancipação social que deixou de se auto-afirmar em
face da nova ordem da desregulamentação e reestruturação social, econômica e
política, enquanto nova exigência e demanda do capitalismo e da sociedade global.
Nesse contexto, Santos (2005, p.116) afirma que se vive um tempo de transição
paradigmática e que embora se salvaguardando os ritmos e os tempos sociais, as
sociedades e as culturas são intervalares, retrata-se a transição da sociedade
patriarcal, a produção capitalista, o consumismo individualista e mercadorizado, o
desenvolvimento global desigual e excludente para um paradigma ou conjunto de
paradigmas de que, por enquanto, só conhecemos as “vibrações ascendentes”.

Por conta da ruptura de antigos pilares sócio-culturais e a produção de uma


vida social, resultante de rápidas e profundas alterações se depara com uma
sociedade fragmentada, múltipla, diversa culturalmente em que se observa o
excesso do presente em relação do passado. Nessa reestruturação social, o
passado é totalmente desfocado do futuro. Todas as relações serão estabelecidas e
mantidas pelo aqui e o agora que aponta a vida e a sociedade para um futuro
19

próximo, imediato. Pois todas as relações e produção humana serão marcadas pelo
efêmero e pela imediaticidade.

Toda contemplação e a efetivação do futuro serão mediados pela avaliação do


risco societário. Uma avaliação que parte das condições e riscos sócio-econômicos
de uma dada sociedade e que, a partir de tais riscos, serão inseridas ou excluídas
do cenário mercadológico, por apresentarem riscos e ou garantias à expansão e
reprodução do capital. Nesse contexto de reordenação social e econômica,
vislumbra-se a vida social totalmente relacionada aos riscos individuais e coletivos,
sem que haja uma perspectiva de reconhecimento de superação.

As mudanças rápidas e conseqüentes estarão relacionadas às determinações


e direcionamentos implementados pelo mercado mundial que se move de acordo
com as possibilidades e as facilidades para sua expansão e estabilidade. Nessa
flutuação de idas e vindas, a ação da economia globalizada se configura pelo porvir
de um novo tempo que direciona para a perspectiva de uma ruptura radical dos
paradigmas e dos pilares de sustentação, ainda que essa ruptura aponte para a
emergência de uma realidade sem forma e sem um real dimensionamento. Como se
caracterizasse o início da pintura de um quadro com linhas tênues quase
indecifráveis, tamanha é o contexto de instabilidade e indefinições.

Qualifica-se o contexto social atual como expressão da “modernidade reflexiva”


ou de “pós-modernidade, diante das profundas transformações engendradas,
fazendo-se presente tanto as alternativas emancipatórias, progressistas quanto as
alternativas reguladoras e conservadoras. No entanto, sendo bem presente as
alterações do projeto da modernidade, notadamente pela crise da sociedade do
trabalho, da reorientação da produção e da produtividade, desconstruindo-se a
centralidade do trabalho e do trabalhador. A globalização econômica traz no seu bojo
à reestruturação produtiva acoplada as inovações tecnológicas que qualificam
alguns setores e desqualificam outros produtivos, o que tem levado a exclusão de
uma imensa faixa de trabalhadores. É o momento marcado por uma nova
racionalidade econômica que pressupõe uma nova sociabilidade no mundo
produtivo, pois envolve relações e conexões cada vez mais internacionalizadas, em
que a lógica da produção de mercadoria subordinada à reprodução do capital.
20

Depara-se com a sociedade dos descartáveis, na qual a produção de bens é


marcada pela obsolência diante das inovações trazidas pela modernização. Todas
as relações estarão postas segundo a lógica do mercado da contínua reestruturação
produtiva.

Nesse contexto que se anuncia e se celebra os impactos, as demandas e a


conformação de um contexto sócio-cultural ainda em construção revelam marcas de
vivências pautadas nos excessos de determinismos e indeterminismo, e pelos
processos de aceleração da rotina, das continuidades, repetições e pelos métodos
de desestabilização de expectativas, pelas rupturas e descontinuidades dos projetos
pessoais e sociais. Assim, continuidades e descontinuidades como marcas desse
novo tempo.

A coexistência desse processo de permanências e mudanças é o que qualifica


a transitoriedade, enquanto momento de instabilidade em que persiste a ordem e a
desordem, como referências de combinações “turbulentas” e processos que
suscitem polarizações que se interconectam, imprimindo rupturas e continuidades
que vão se tornando freqüentes até serem rotinizados, demonstrando assim, um
processo contraditório de continuidades e descontinuidades.

Estabelecer um olhar compreensivo sobre a sociedade atual é penetrar nos


processos de percepção desta própria sociedade, percebendo-se a forma como esta
se identifica como tal. Uma vez que as “sociedades são a imagem que têm de si
vistas nos espelhos que constroem para reproduzir suas identificações dominantes
num dado momento histórico. São os espelhos que ao criar sistemas e práticas de
semelhança, correspondência e identidade, asseguram as rotinas que sustentam a
vida em sociedade”, (SOUSA, 2005. p. 45).

Tais espelhos são expressões das instituições, das normas e das ideologias
que sedimentam as práticas sociais. A correspondência entre o que é e o que se
reconhece ser, substancia o processo identitário. Nesse campo se inserem como
elementos fundantes: a ciência, o direito, a educação, a informação e a tradição.
Esses espelhos ou construções sociais refletem o que a sociedade é ou como se vê.
Quando esses “espelhos” ou constructos se alteram, assumem outra conformação e
significação, alcançando certa autonomia e independência. A própria sociedade se
21

vê diante de uma realidade em que não há correspondência entre aquilo que é e o


que se vê refletida no espelho. Diz-se então, que se instaura a crise social e a
necessidade de “reinventar” espelhos ou imagens correspondentes.

No contexto social, onde a diversidade cultural é característica marcante, torna-


se imprescindível compreender o universo das tradições e alternativas
marginalizadas, apagadas e até suprimidas pela modernização, no sentido de
buscar maior compreensão desse processo de continuidades e descontinuidades e
a partir dos fragmentos dessas tradições abrirem espaço de reflexões, de
entendimento das lutas e resistências, frente aos paradigmas dominantes.

1.1 Tradição e Modernização: Faces da Agenda Mundial

As transformações que demarcam os tempos atuais se impõem em quase


todas as sociedades. Alteram a lógica e a estruturação da própria modernidade ao
mudar as expectativas e as certezas sobre um mundo presumivelmente mais
seguro, ordenado e estável.

O estágio atual do capitalismo chamado por Beck (1997, p.12) de modernidade


reflexiva, enquanto processo de radicalização da modernidade, caracteriza-se por
um novo estágio de progresso e desenvolvimento. Marx, no século XIX vislumbrava
as profundas e contínuas mudanças trazidas pelo avanço do capitalismo, apontando
as seguintes características:
A revolução constante da produção, a perturbação ininterrupta de todas as
relações sociais, a incerteza e agitação permanente (que) distinguem a era
burguesa de todas as anteriores [...] (em que) todos os relacionamentos
estabelecidos e fixados (tornam-se) vulneráveis e destruídos. Todos os
novos tornam-se obsoletos antes de poderem se fixar (MARX, 1982, p.465).

A era da modernidade reflexiva faz emergir uma nova formação social, um


novo contexto em que se dá inicialmente a desincorporação das forças tradicionais
pelas forças sociais industriais e, num segundo plano, a reincorporação do
tradicional que se reveste de novas nuances da modernidade. São alterações que
invadem o âmago e os contornos da sociedade, abrindo-se esse espaço para outra
modernidade, mediante instauração de um processo de mudanças que se dá de
forma quase que “sub-repticiamente” num processo de mudança autônoma quase
22

que imperceptível no início, mas com grandes alterações na ordem política e


econômica e Impõe uma modernização ampla, solta, desestruturadora. Significando
nesse sentido a modernização da modernização.

Nesse processo de conformação de uma nova sociedade, a partir de um


contínuo processo de mudanças, faz-se presente a transição de uma época a outra
em que a “latência”, a “imanência”, a “fluidez, a “imediaticidade” e a “obsolência” das
práticas sociais são pontos marcantes dessa transitoriedade.

Embora sem muita clareza de direcionamento e alcance de metas pré-


estabelecidas, constitui-se um processo com poder e força para modificar e destruir
outros modos de vida organizativos, trazendo à tona a civilização do risco e da
incerteza.

Nesse âmbito de permanências e mudanças, comunidades inteiras tendem a


reorganizar suas práticas sociais e sua estrutura organizacional, moldando sua base
de sustentação, agora vinculadas a parâmetros e circunstâncias pautadas nas
relações de riscos e incertezas maiores.

Diante do avanço científico e tecnológico altera-se a percepção de mundo, o


modo de ser e viver, pois o avanço da modernização interfere no estilo de vida de
populações inteiras, comunidades marginalizadas e excluídas do circuito das
satisfações de necessidades mais elementares. Assim, essa modernização assume
o caráter civilizatório pela imposição de novos valores e novas práticas sociais. Na
verdade submete tais populações aos avanços por sua incapacidade de transformar
suas necessidades em demandas para o mercado. Nessa inserção subalternizada,
as marcas da exclusão da natureza econômica e social, que se agrava pelo apelo a
liberação dos mercados e pela destruição dos sistemas de produções locais ao
retirarem-se as condições essenciais de reprodução social dessas comunidades de
camponeses, pescadores, artesãos, na medida em que se assiste a preeminência
do consumidor sobre o produtor.

As mudanças imprimem alterações significativas na cultura tradicional, isso


porque o mundo global via comunicação, coloca as comunidades tradicionais frente
a frente a situações e contextos do mundo mais amplo e plural, onde o espaço local
encontra-se inserido no mundo global. Impactando a vida e a identidade local e traz
23

uma certeza ilusória de que todos os caminhos apontam para a direção de um único
mundo, único mercado, ao mesmo tempo em que fragmenta e destrói os ideários e
práticas locais.

Este conjunto de mudanças garante a centralidade da ideologia global a


respeito da superação das fronteiras nacionais e locais, levando a uma
reorganização dos espaços e tempos sociais.

Defronta-se com uma nova agenda mundial, uma era de transição que vem
demarcando uma nova conformação social que não se coloca apenas em oposição
a tradição, mas diante de um processo dinâmico de desincorporação / incorporação
do tradicionalismo, como resposta de uma nova modernidade em que a persistência
e a recriação do tradicional, constituem-se elemento fundante da própria
modernidade e da identidade social. Um processo nem sempre harmônico, pois a
“diversidade cultural, conseqüente da globalização, faz “atiçar o medo e a rejeição
do outro, onde a intolerância e o ódio, os conflitos entre civilizações (denunciam)
confrontos que dominam o futuro do mundo”, (HOUTART, 2002. p.47).

No decorrer de 1990, observa-se o desconstruir dos frágeis equilíbrios pela


potencialização do militarismo, das lutas sociais, culturais e democráticas, que
passam a pontuar no cenário internacional. Nessa perspectiva, a globalização e o
neoliberalismo passam a ser identificados como produtores do “caos” pela
multiplicação de conflitos, em decorrência da inviabilização da mundialização
econômica e da democracia, enquanto possibilidades de progresso social.

Nos últimos trinta anos não se percebe a construção de uma economia


mundializada, mas a construção de um arquipélago capitalista mundial de ilhas
grandes e pequenas, em que se concentram o avanço científico e tecnológico, que
se efetiva sob forma de uma polarização crescente da economia internacional. São
as “ilhas” economicamente fortes que dão origem à nova sociedade da informação e
do conhecimento”. Nesse contexto, o grande ideário buscado reforçou sobre os
mercados que não conseguem se inserir e serão abandonados e excluídos do futuro
do mundo. Assim sendo, é marcante a multiplicação dos fenômenos de
expropriação. Expropriação dos direitos fundamentais, do direito de existir em
função da sua rentabilidade econômica.
24

A sociedade e sua razão de ser serão como sinônimos de sistema organizativo


não mais baseado nas interações pessoais, passando a ser direcionados pelas
normas do mercado. Sua formação social não se pautará nas formações de
identidades e solidariedade social, mas se centralizando no individualismo e na
competitividade como elementos garantidores da sobrevivência.

A agenda mundial se assenta nas rápidas e profundas transformações e se


expressa na interligação das demandas mundiais e suas interferências nas
atividades locais que se adaptam e se reorganizam, segundo as necessidades e
ingerências do mercado ampliado. A prevalência do mercado atribui condições,
situações e riscos pela não garantia de controles e previsão de resultados. Essa
nova racionalidade ao avançar e alcançar formas de vidas pautadas na tradição
instituirá a dissolução da tradição e da sobrevivência das populações tradicionais. O
mundo global vai penetrando no cotidiano da comunidade local perpassando o
íntimo e o profundo do “eu” alterando a relação tempo, espaço e identidade.

Nessa relação entre tradição e modernização, observa-se ainda que em


contraste, o processo de mutação às práticas tradicionais que referenciam as
experiências do cotidiano que em meio às mudanças percebe-se a adequação, a
reatualização e novas formas de adaptabilidade deste tradicional à vida moderna.
Um cotidiano que se ajusta e reajusta-se diante das incursões globalizantes. Nesse
sentido, a tradição é concebida como uma orientação do passado com interferências
diretas no presente e com perspectivas para o tempo futuro. Assim, nesse contexto
de rápidas transformações, as tradições estão envoltas em permanências e
continuidades, descontinuidades e resistências frente a essas mutações, e sendo
assim, balizadores desse processo, a autenticidade e o processo de reconhecimento
que influenciarão a vida local e conseqüentemente servindo de fundamento para a
sua permanência.

Nas sociedades mais simples, os valores, as práticas e os rituais são


elementos pertinentes à coesão e à solidariedade social. A tradição é preservada
pela memória coletiva de uma comunidade. No entanto, diante das incursões
modernizantes e pelo processo dinâmico de reatualização, o passado é
reconstruído, reinventado tanto em nível pessoal, quanto coletivo, no sentido de que
se reproduzem de forma contínua a memória de acontecimentos e condutas do
25

passado, ainda que acrescida pela experiência do presente. Nesse contexto, a


permanência do tradicionalismo não diz respeito somente sobre a persistência das
tradições, mas ao processo contínuo de interpretação dessas práticas tradicionais,
ao estabelecer laços, relações entre o passado e o presente. Assim, não é
simbolizado somente pelos rituais do passado, mas pelo processo de interpretação
do sentido da existência e persistência das práticas sociais que dão substâncias a
uma dada coletividade. Sua validade será assegurada quando tais práticas sociais
possibilitarem a conexão entre as vivências do passado no momento presente, com
perspectiva para o futuro.

Tal vinculação não se estabelece unicamente "de si para si”, mas é decorrente
de um processo que envolve motivação e sentimento de pertencimento que induz
reutilização constante da tradição. Nesse contexto, a tradição constitui-se referendo
de um dado tempo e lugar e, se impõe na vida cotidiana de uma determinada
comunidade, por expressar uma “verdade” que imprime os rituais e delineia um
tempo social próprio; constituindo-se em marcos desse contexto social. Os rituais e
práticas exprimem-se a autenticidade, como essência verdadeira desse modo de ser
e viver.

A persistência do tradicional está diretamente relacionada à atuação


interpretativa dos guardiões, vistos, então, como depositários e mantenedores dessa
“verdade formular”. Uma verdade que expressa a maneira de ser e viver de uma
determinada comunidade.

Pela deferência de poder e autoridade; os rituais e práticas constroem a


identidade tradicional numa relação que envolve rotinização e interpretação de
hábitos, costumes e práticas tradicionais.

A tradição é contextual e manifesta uma pluralidade sócio-cultural, pois numa


realidade social convivem diferentes crenças, rituais e práticas. Nesse cenário
diverso, na construção identitária, está presente o "eu” e o “outro”, ou seja, aquelas
pessoas que pertencem àquela identificação e os outros que são estranhos a ela.

A tradição permeia toda a rede de relações sociais sendo vista como “âncora”
que garante sustentabilidade material, cultural e simbólica de uma dada
comunidade.
26

Num espaço de modernidade é nítido o processo de desincorporação /


incorporação da tradição, que altera e substitui essa tradição. Se de um lado a
tradição demarca um espaço, a singularidade de uma localidade, por outro lado, a
modernidade pauta-se em “sistemas abstratos”, universalistas que dispensam as
particularidades da tradição, anula sua verdade e retira sua vinculação com o
passado / presente, fragilizando as bases de sustentação da vida cotidiana. O
resultado dessa transformação é a alteração das práticas sociais, do estilo de vida e
o sentido de pertencimento.

A dinâmica presente na globalização nas últimas décadas vem alterando a


própria relação tradição / modernidade, sobretudo, pela alteração da noção de
tempo / espaço, uma vez que o mundo globalizado tende a desfocar as
circunstâncias que caracterizam a vida local, reestruturando o espaço social,
impondo “sistemas abstratos” e a conseqüente desorganização da vida social local,
pela incorporação de novos padrões organizativos.

Se de um lado é certo que as alterações são trazidas pelo avanço da


modernização, por outro lado, esse avanço não ocorre de forma homogênea, assim,
não alcançando de forma direta todas as áreas do planeta, o que tem garantido a
permanência do tradicionalismo em muitas áreas, formando verdadeiros “enclaves”.
Embora, nesse contexto invasivo não se pode evitar o contato de tradições com
realidades alternativas, constituindo-se em um mundo onde o “outro” ‘não pode mais
ser tratado como inerte. “A questão não é somente que o outro responda, mas que a
interrogação mútua seja possível”, (GIDDENS, 1997, p.119).

Nesse contexto de permanências e mudanças, os costumes locais passam a


expressar tanto informações e fundamentos do convívio local quanto do mundo mais
amplo. A valorização da tradição no contexto de modernização assume caráter
totalmente diferenciado em relação ao tempo / espaço. O passado deixa de ser
referência para o presente, passando a referir-se a algo, a fatos distanciados no
tempo e no espaço, visto então como “visitas de retorno”, na medida em que se
reverte em um ritual esporádico, deixando de ser referência na maneira de ser e
viver de uma dada comunidade, configurando-se como “relíquias” de um passado
distante e desfocado do presente.
27

1.2. A Amazônia: Do local ao global

O caráter de mundialidade constitui-se o traço marcante da economia


capitalista, por requerer um intenso intercâmbio comercial, e agir sob a lógica da
produção e reprodução do capital como gênese e fim deste sistema. Nesse sentido,
a história mundial estará intimamente relacionada à vida local, enquanto condição
“prática” e “prévia” desse sistema, como condição indispensável ao desenvolvimento
das forças produtivas, num intercâmbio internacional que aproxima o local, o global
e a dependência de um sobre o outro.

Na consolidação de mercado cada vez mais ampliado, a domesticação de


várias regiões do planeta, consideradas como áreas coloniais atrasadas, fora da
lógica do capital, esse inter-relacionamento do local e do global constitui-se fator que
desobstrui os impasses, altera-se a realidade interna e imprime um caráter
civilizatório, segundo os ideários da modernidade, quebrando com o isolamento
local, e as práticas e vivências sociais pautadas na tradição.

A história da Amazônia sempre esteve ligada ao desenvolvimento do


capitalismo mundial e a idéia de desenvolvimento está relacionada ao processo de
exploração das riquezas naturais ainda na era colonial, momento em que se iniciou
a reorganização do espaço amazônico e sua inserção no cenário internacional como
exportador de recursos naturais.

A partir desse processo histórico, o papel da região vem sendo definido e


redefinido como fornecedora de matérias-primas para dar atendimento às demandas
de mercado internacional. Por conta dos interesses externos, a região se submete a
incursões esporádicas das grandes metrópoles.

Dessa forma, a Amazônia se insere no contexto internacional a partir do século


XVII, momento em que se especializou em exportar determinados produtos naturais
do rio e da floresta na época da colonização portuguesa. Sua integração definitiva
ocorreu a partir de 1960, quando se integra efetivamente no mercado nacional e
internacional. A vinculação da região ao mercado mais ampliado foi marcada pela
ótica da subordinação e subjugação por se constituir em um modelo civilizatório e
não de civilização. Nesse sentido, observando-se a prevalência dos interesses
28

externos e a total desvinculação aos interesses, potencialidades e padrões sócio-


culturais locais, por retratar projetos que não se voltam para a sustentabilidade da
região e do seu povo.

A Amazônia desde a era mercantilista à da globalização econômica verifica-se


a permanência do nexo da subalternização e a prevalência das relações desiguais
no mercado internacional, uma trajetória histórica que tem registrado o aumento
contínuo do volume de exploração e exportação de produtos regionais, embora sem
a valorização correspondente dos preços dos produtos exportados.

O atrelamento da Amazônia ao mercado internacional vai se dando em


momentos específicos, mas com grandes impactos para região e sua população
tradicional, sobretudo, pelo volume de exportação dos recursos naturais e pelo
envolvimento da população regional nesse processo

A Amazônia até meados do século XX apresenta-se distanciada do contexto


nacional, posição justificada principalmente pelo seu isolamento geográfico, sua
baixa densidade demográfica e caracterizando-se até, então, pouco atrativa
economicamente. Seu processo de desenvolvimento foi marcado por momentos
cíclicos que geraram períodos de prosperidade, embora em sua maior parte
insignificante para a região e seu povo.

No início da colonização, a região foi considerada “peça” de pouca expressão e


se manteve isolada por século do resto do país. É o momento inicial da dominação
da região e das estruturas de subsistências. No entanto, sendo marcante sua
vinculação internacional pelo fato das práticas tradicionais estarem atreladas a
própria produção mercantil. Nesse momento, firma-se o extrativismo como atividade
rentável, através da exportação das “drogas do sertão”, uma produção voltada ao
atendimento às demandas da Europa, a custo da escravização de índios, negros,
caboclos e o início da exploração predatória dos recursos naturais.

A ligação das áreas tradicionais às áreas modernas, nesse momento é


caracterizada pela atuação da Companhia Geral do Grão-Pará e Maranhão na
intermediação comercial e na ampliação da conquista do território numa atuação que
alterou o incipiente extrativismo e demais atividades de subsistência.
29

O processo de internacionalização da região se intensificou com a exploração


da borracha, a partir dos meados do século XIX, tornando-se elemento central da
atividade extrativista. Neste momento, a Amazônia assume a posição de
exportadora mundial de borracha, para dar atendimento à demanda industrial da
Europa e dos Estados Unidos. Em nível regional, apesar do volume de exportação, a
ocupação e a exploração de vastíssima área de seringais, observaram-se relativo
crescimento econômico e urbano, pois o processo de circulação de capitais, o
crescimento econômico e a introdução de novos padrões de consumo não
corresponderam ao processo de acumulação real para a região.

Um ciclo que durou vinte anos e ao final, o retorno às estruturas tradicionais,


uma vez que o volume de capitais aqui gerados era carreado para os países centrais
e sem o real desenvolvimento local, já que o volume de capitais aqui gerados não
correspondiam aos benefícios econômicos e sociais para a região

Até meados do século XX não se observava grandes alterações na região em


seu aspecto econômico, ambiental e cultural. Revelando-se um espaço pouco
transformado, e apresentando uma imensa área utilizada, principalmente por
atividades extrativistas e a pequena lavoura, um tempo social em que o modo de
vida regional era profundamente marcado pela influência do rio e da floresta, um
estilo de vida com uma organização própria à vida cabocla, ribeirinha marcada pela
produção tradicional do extrativismo e das atividades complementares da caça, da
pesca, um território bem definido em seus contornos sociais e culturais e, no
entanto, totalmente integrado com os centros mais dinâmicos regionais e
internacionais. Belém, nesse contexto, se insere como importante papel na absorção
e escoamento dos produtos regionais.

O contexto local mantinha relação com espaços mais globalizados, onde a


família cabocla tinha que contar com uma associação entre a caça, a pesca e o
cultivo de mandioca, oferecendo a sobra muito pequena para se trocar por outros
bens. “O caboclo, como parte de uma expedição ou por conta própria, podia extrair
diversos tipos de material para vender”. (WEINSTEIN, 1993, p.27), no entanto, nota-
se nesse processo uma relação de troca desigual que submete o caboclo aos
acordos e os acertos dos comerciantes locais, que numa cadeia de dependência se
constitui em elos com o comércio regional e externo, numa cadeia ampliada de
30

dependência, onde é reafirmado um sistema clientelista que explora e vulnerabiliza


as populações tradicionais.

A partir das décadas 1960/1970 verifica-se uma nova inserção da Amazônia no


mercado mundial, momento de implementação de uma política de aliança entre o
Estado Brasileiro e o grande capital, tendo em vista a modernização e
desenvolvimento industrial do país e da região. O Estado passa a implantar planos,
metas e programas com a pretensão de superar os entraves, as atitudes e
mentalidades obstacularizadoras ao processo de modernização. Consolida-se uma
nova relação entre países centrais e periféricos.

Através da vinculação das economias periféricas ao mercado internacional


pelo estabelecimento de laços entre o centro e a periferia que não se
limitam apenas como antes, ao sistema de importações-exportações, agora
as ligações se dão também através de investimentos industriais, diretos
pelas economias centrais nos novos mercados nacionais, (LOUREIRO,
1992, p.22).

Convive-se na região amazônica com a conformação de um novo-velho


conceito de desenvolvimento dependente que promove a aceleração e
modernização econômica à base de empréstimos externos, por conta de um
altíssimo volume de endividamento interno

Dessa forma, a partir da década de 1960, a realidade amazônica começou a


ser significativamente alterada em seus diversos aspectos, pois a expansão
capitalista promoveu maior ocupação do território e exploração em larga escala dos
recursos naturais. Um planejamento estatal sob a égide dos pilares de “segurança
nacional, integração e capitalismo avançado”, abriu os portais da Amazônia ao
capitalismo quando o Estado facilitou a integração da região à economia nacional e
internacional.

A Nova inserção econômica possibilitou um processo de reordenação social


entre o tradicional e a modernização, diante da emergência de um novo tempo, uma
nova história que impôs um novo ideário de verdade que levou a concentração de
renda e o enriquecimento de alguns grupos e o não repasse dos benefícios dessa
modernização a população regional.
31

Nas últimas décadas, observou-se uma nova inserção das populações


tradicionais, agora numa perspectiva mais ampliada mediante ao avanço do
capitalismo industrial-financeiro, momento em que as transformações aqui
engendradas atingiram com mais intensidade o espaço regional. Concebe-se a
região como uma das últimas fronteiras de recursos à expansão capitalista, para tal
o Estado implementou o projeto desenvolvimentista a custa da aplicação de
recursos públicos, da apropriação do território, expropriação dos recursos naturais e
a desorganização da economia local, sem o alcance do tão almejado
desenvolvimento.

Na verdade, esse processo de ocupação e exploração da região, possibilitou o


surgimento de “ilhas” de crescimento no país e na região, pela presença de áreas
periféricas dentro da própria periferia. Observando-se a coexistência de áreas
modernas e dinâmicas, e áreas tradicionais com um lento processo de crescimento
ou estágio de estagnação.

Essa nova etapa de exploração é marcada pela implantação de grandes


empreendimentos econômicos, no entanto, é momento em que as populações
tradicionais serão trazidas a esse cenário de mudanças se vinculando a essa onda
modernizante em vários sentidos, ainda que de forma indireta com suas práticas e
produções tradicionais, num contexto, em que os setores modernizantes tornam-se
obstacularizadores às atividades auto-sustentáveis. Na verdade um novo cenário
que privilegia a exportação em larga escala de recursos naturais, prestação de
serviços e produção industrial, reduzindo, no entanto, a setor primário. Dessa forma,
uma política econômica que aposta nos grandes projetos econômicos suprimindo
paulatinamente as práticas tradicionais.

Nesse sentido, amplia-se a ocupação do território amazônico e intensifica-se o


processo de latifundiarização. O Estado disponibiliza terras aos novos investidores,
às grandes empresas, o que vai provocar conflitos e lutas pela posse da terra. Ser
proprietário em terra de “posseiro” vai se constituir questão central dos conflitos
agrários, em virtude do estabelecimento do processo de concentração de terra pelos
novos investidores do centro-sul do país ou estrangeiros, um processo que expropria
e expulsa o homem do campo.
32

Nesse contexto de expansão capitalista, os produtos agrícolas de subsistência


são avaliados como uma produção “fraca” no mercado comercial e se inserem nesse
mercado global de forma ocasional por conta da produção de diferentes produtos
voltados para o mercado interno, regional. Isto demonstra que mesmo em momento
de expansão e modernização da região, observa-se a renovação contínua das
estruturas de subsistência, enquanto traço marcante da realidade econômica
regional, embora seja presente uma inter-relação desigual entre o local e o global
que reforça a condição de pauperrização dos produtores tradicionais.

A racionalidade econômica trazida pelos grandes empreendimentos contribuiu


para desorganizar a produção local, no momento em que marginalizou tal produção,
ao mesmo tempo em que a nova produção econômica pautadas em bases técnicas
e cientificas vão se apropriando do espaço regional, suprimindo as condições de
sobrevivência das práticas tradicionais e das condições de reprodução das
populações primeiras da região. Essa nova racionalidade se deu de forma focalizada
sem alcançar o espaço regional de forma homogênea, demarcando pontos
dispersos e diferenciais, retratando duas realidades distintas, de um lado
verdadeiras “ilhas”, manchas caracterizadas pelo alto grau de racionalidade e
modernidade, caracterizando-se como espaços globalizados e, do outro lado,
“espaços vazios” ou “zonas opacas”, espaços organizados pela racionalidade não
hegemônica ou tradicional, áreas com um lento processo de crescimento
econômico, onde se faz presente a permanência dos padrões tradicionais.

Nos últimos anos, por conta do atrelamento contínuo das atividades


extrativistas e agrícolas ao mercado internacional, produtos anteriormente
explorados como espécies nativas passaram a ser exploradas como cultivos
racionais, como por exemplo: o cacau, a borracha, a castanha-do-pará e outros
produtos não originários da região, que passam a contar com o apoio e incentivo dos
governos locais e grupos externos. Emergindo políticas de fomento à pesquisa e
adoção de novas tecnologias de manejo de produção e à própria preparação técnica
dos produtores. Uma política que se aliou aos conhecimentos e práticas já
existentes. Destaca-se nesse contexto o crédito rural, como importante instrumento
da política agrícola e de incentivo ao desenvolvimento da área rural. Apesar de que,
inicialmente, a Política Agrícola se voltava aos grandes produtores, mas a partir dos
33

anos 90, os pequenos agricultores, mediante organização e lutas conquistaram o


acesso ao crédito rural através do Fundo Nacional do Norte (FNO-Urgente) e
posteriormente o FNO-Especial.

Numa conformação econômica que valoriza mercados, mercadorias e exclui


áreas e contingentes populacionais, os “bárbaros” fora dos padrões globais
se observa certo desconforto com esgarçamento das experiências de vida,
de tal sorte que os movimentos sociais têm instalado esse repensar de
contestação sobre a mundialização, (NEVES, 2001, p.336).

E sobre a própria questão do desenvolvimento internacional, nacional e local,


pois diante dos processos de modernização, desigualdade, exclusão, violência e a
incapacidade do Estado em adotar medidas eficazes frente aos problemas
amazônicos, grupos, entidades e movimentos sociais passam a denunciar a “crise
do progresso” e apontam para uma nova perspectiva de desenvolvimento que
subsiste na valorização da sustentabilidade da região e sua população, ao fazer uma
crítica acirrada sobre o desenvolvimento regional e seus impactos nas áreas do
social, economia, da cultura e do meio ambiente. Centrando-se um novo olhar para
um modelo pautado numa gestão participativa, no fortalecimento das comunidades
locais, no sentido de se tornarem capazes de superar suas necessidades imediatas.
Advogando-se assim um desenvolvimento local, integral e sustentado formulador de
políticas em atendimento às demandas locais.

As atenções se voltam para a questão do desenvolvimento regional, pelo fato


do modelo em voga centrar todo esforço no alcance do crescimento econômico que
valoriza atividades de grande porte com a racionalidade capitalista para dar
atendimento às demandas do mercado internacional secundarizando e ou
eliminando práticas e modelos produtivos tradicionais.

Nesse contexto onde faz presente as permanências das práticas tradicionais e


práticas e modelos produtivos modernos, busca-se uma saída pela consolidação de
uma gestão capaz de estabelecer nexo entre a ordem global e políticas que dêem
conta das complexidades das questões sociais dessa realidade contraditória pela
efetivação de empreendimentos e projetos segundo as potencialidades do espaço
regional e local. Levando-se em consideração questões relacionadas ao controle do
território, potencialização dos recursos e a conservação ambiental.
34

Associando-se a esse, projeta-se um novo olhar sobre a valorização do saber e


das experiências das populações tradicionais, tendo em vista a manutenção da
biodiversidade como legado de uma relação positiva que mantém com a natureza.
Ao considerar que os lugares mais preservados são espaços das populações
indígenas e caboclas, áreas onde está concentrada a biodiversidade regional. Por
outro lado, o emergente bio-mercado, traz à tona o saber, as práticas de manejo dos
recursos naturais, que aliadas às pesquisas podem apontar métodos mais
adequados em relação ao uso do solo, técnicas agrícolas e a efetividade de práticas
extrativistas.

Uma questão que traz o enfoque de um novo processo de desenvolvimento


para a região, compromissado com uma produtividade que assegure
sustentabilidade econômica da região, a renovabilidade dos recursos e que garanta
os direitos das populações tradicionais tratadas ao longo da história sob o olhar
preconceituoso da modernidade.

1.3. Populações Ribeirinhas: História e Adaptabilidade Sócio-Ambiental.

1.3.1 O Processo de Reordenação Social

Nas últimas décadas, estudos na área histórico-sociológica tem se direcionado


para a compreensão das populações tradicionais da Amazônia, notadamente as
populações ribeirinhas, os caboclos, uma população originária dos grupos indígenas
e do processo de miscigenação com diferentes grupos chegados na região durante
a colonização portuguesa. São estudos que se voltam para a análise da persistência
das práticas tradicionais em meio ao processo de modernização implantado na
região.

Essas populações constituem-se em uma camada social típica da região


amazônica, referindo-se às populações ribeirinhas, caboclas, pescadores, coletores
35

e pequenos agricultores. Como tal, vivendo numa estruturação social pautada em


atividades primárias tradicionais, cuja marca principal é a produção voltada para a
subsistência. Nesse sentido, uma população que vem desenvolvendo um processo
de inter relação entre a herança cultural, a diversidade dos recursos naturais que
antecede a própria colonização regional.

Em linhas gerais são populações herdeiras de conhecimentos e práticas mais


tradicionais da Amazônia. Vivendo e sobrevivendo das práticas extrativistas dos rios
e florestas são descendentes diretos dos índios, dos tapuios no aspecto etno-
cultural, no entanto, na organização atual são considerados como “distribalizados”,
”desculturados” diante do processo de socialização e reordenação social provocado
pelas mudanças trazidas pelos fatores modernizantes, que vem afetando,
transformando e levando a uma nova adaptabilidade entre o contexto tradicional e
moderno tão marcante no espaço regional.

O presente estudo se volta para a compreensão do modo de vida das


populações tradicionais e sua historicidade, ao dar ênfase à resistência ou
permanência dos padrões tradicionais frente à imposição violenta de padrões e
valores externos que passam a ser considerados nesse processo de transição,
como “verdadeiros”, ”superiores” e ao mesmo tempo “dizimadores” dos padrões
locais, e assim, a conformação de “uma realidade social decorrente da colonização
portuguesa, que alterou sua cultura de origem com a incorporação de novos valores,
novos padrões culturais nos aldeamentos jesuítas, quebrando-se assim com a
cultura e com a identidade própria, original desses nativos”, (CONCEIÇÃO, 2001,
p.144).

Ao longo da história da região, essa realidade social vem definindo e


redefinindo as condições de desigualdade e exclusão social das primeiras
comunidades que, embora seja marcante sua presença no cenário regional, vem
sendo tratadas como “invisíveis”, ”inexistentes para as decisões governamentais e
setores produtivos, que impõem seus interesses, sem levar em consideração os
anseios e as necessidades dessas populações tradicionais anteriores às formas
atuais de ocupação e exploração da região.
36

Para a percepção desta realidade é necessária a efetivação de uma análise


que se reporte ao dinamismo presente na adaptabilidade dessa população local, aos
recursos naturais e ao processo de criação e recriação social, ou seja, na
construção do espaço sócio-econômico regional, mediante a inter-relação direta
entre padrões e práticas tradicionais e às novas circunstâncias que se fazem
presente no momento atual, que vem sendo assimilados e ou incorporados pelas
populações tradicionais.

Moran (1991) parte da compreensão do processo de adaptabilidade humana


das populações amazônicas, enquanto processo de plasticidade das respostas
humanas, mediante ajustamentos fisiológicos, sociais e culturais. As populações
amazônicas diante de uma diversidade ambiental e cultural adaptam-se, criam
situações, engendram circunstâncias que de alguma forma demonstram uma
interação sócio-ambiental do espaço em que estão inseridos. E que embora o
homem da região não esteja sob as amarras, às limitações naturis, a cultura local é
reflexo dos ritmos, do tempo e do lugar.

A preocupação em retomar a questão da adaptabilidade das populações


ribeirinhas é dar conta de como vem ocorrendo o entrelaçamento entre as
permanências do tradicionalismo e as mudanças sociais advindas do processo de
modernização por que passa a região amazônica. É uma questão que não diz
respeito apenas as populações locais, mas a todos nós preocupados com os
destinos da Amazônia e de seu povo.

Na verdade, ao se compreender o entrelaçamento entre o tradicional e o


moderno é se dar conta da historicidade das populações locais, no sentido de
oportunizar à visibilidade da maneira como vem ocorrendo o processo de
reordenação sócio-econômica e as formas de enfrentamento de situações postas
nesse momento a essas comunidades, mediante mecanismos próprios de
adaptação. Dessa maneira, perceber a relevância das populações tradicionais,
fazendo o reconhecimento da importância de suas práticas e atividades como
garantia da sustentabilidade e organização da vida social. Consequentemente a
garantia da soberania das populações caboclas.
37

Na história regional se reconhecem as contribuições dessas populações,


sobretudo, nos momentos de crise econômica, momentos em que se reorganizam
as estruturas tradicionais. A economia regional por ser marcada por “ciclos
econômicos” caracteriza-se por períodos de expansão e apogeu, seguindo-se de
decadência e crise econômica, pelo fato da região se constituir historicamente como
“colônias de exploração” ficando, portanto à mercê dos interesses econômicos
colonialistas e assim submetidos às ingerências e as necessidades do capital.

Nessa realidade sócio-econômica, as marcas das renovações contínuas das


estruturas de subsistências, embora sempre atreladas às práticas mercantis numa
interação constante entre práticas tradicionais e as estruturas modernizantes devido
à vinculação internacional da região, e assim, o estabelecimento de uma cadeia de
relação cada vez mais abrangente, onde as atividades extrativistas sejam o ponto
inicial desse relacionamento, ou seja, são populações que embora dispersas pelas
rotas do extrativismo subsistem graças a pesca artesanal, a coleta e a pequena
agricultura, ao mesmo tempo em que mantém relações de toda ordem, que vão
além das fronteiras do lugar em que vivem com espaços mais dinâmicos e
modernos. Um processo, todavia, marcado pela exploração e conseqüente
subalternização dessas populações, pois nesse processo se redefinem a
pauperização e a expropriação de seus recursos, uma vez que a comercialização
dos recursos naturais não tem beneficiado ou garantido melhorias nas condições
obtidas nessa produção. Essa realidade vulnerabiliza e submete tais populações às
atividades assalariadas, tornando-as reservas de mão-de-obra barata em outras
áreas, sobretudo em cidades maiores e mais dinâmicas, processo que se intensifica
pelo contexto de urbanização que demarca as cidades de médio e grande porte na
região.

O processo de urbanização caracterizado pela modernização e crescimento


das cidades da região é reflexo das formas atuais de ocupação e exploração
econômica da Amazônia, que se dá a partir da década de 1960, momento em que o
Estado e grandes grupos econômicos se aliam e abrem os portais da Amazônia para
a exploração em larga escala de seus recursos naturais, através de grandes
empreendimentos econômicos. Esse processo contínuo de exploração tem
contribuído para a ocupação do espaço regional, seja pela colonização dirigida pelo
38

Estado que passa ocupar os “vazios” da região, seja de forma espontânea de


ocupação através da migração de grupos para as novas áreas na luta pela
sobrevivência por melhores condições de vida.

Esse processo de ocupação do espaço regional coloca os grupos tradicionais


frente à outra realidade que em geral não prioriza a cultura cabocla, por expressar
os interesses de outra organização, outra mentalidade e modo de vida.

Outro fator que vem adentrando nas mais isoladas comunidades e com um
poder de persuasão e transformação é a mídia eletrônica, a Tevê, o rádio, a grande
imprensa que tem levado a vida aos padrões do mundo global e, com ele, o contato
com a diversidade cultural mais ampla, que de certa forma fragiliza o ideário que dá
sustentação ao mundo caboclo e que, a partir de então, passam a se reajustar aos
ideários e as necessidades capitalista, secundarizando ou até abandonando a
identidade cultural local, com a adoção de atitudes de negação e ou
desconsideração do valor, da beleza e importância da cultura local, assimilando um
novo estilo de vida, de organização, o que gera uma dicotomia entre o mundo dos
“mais velhos” e o mundo dos “mais jovens”.

Os Jovens nesse contexto de transição passam a se identificar com o “novo”,


com os padrões dos grandes centros, deixando no passado a herança cabocla,
sendo identificada como coisa de “velho”, pois assimilam o que vem de “fora”, do
mundo urbano, pluralista e global, esquecendo-se que a cultural original não revela
somente a tradição, mas é resultante de uma história socialmente construída por
aquele povo, mediante relações entre seus membros e o meio natural em que
vivem.

1.3.2 Relação Homem-natureza e Sustentabilidade.

O processo de ocupação da região é marcado por um “modelo histórico de uso


e aproveitamento dos recursos naturais da Amazônia, voltado essencialmente para o
mercado internacional (que) condicionou um padrão bem definido de ocupação da
região, como também a especificidade do tipo de relações sociais lato sensu,
embora se registrasse alguns surtos esporádicos de prosperidade da atividade
agrícola, apresentando por causas fortuitas, fases alternativas de euforia e
39

depressão, onde o extrativismo preponderou como atividade basilar da economia


regional, (COSTA, 1979, p.39).

Nessa realidade a atividade extrativista, a agricultura e a pesca na Amazônia


apresentaram um total “imobilismo social”. Por décadas a região representou o
modelo produtivo como herança do modelo herdado do século XIX.

Até o final dos anos de 1950, a região amazônica se retratava por extensas
áreas de terras rurais, em geral terras públicas, devolutas. A vida regional era
eminentemente rural e nesse cenário as populações locais se inseriam de forma
“livre” e “mansa”, no sentido de que dispunham das terras amazônicas sem disputas
e conflitos. O acesso à terra nesse momento estava relacionado diretamente a
própria existências dessas populações tradicionais.

A ocupação da região era retratada pela presença de propriedades tituladas e


por milhares de posses “mansas” e “pacíficas”, que em geral, localizavam-se
próximas às florestas, lagos e rios, onde eram feitas pequenas roças de mandioca,
arroz, milho e feijão. Estas práticas estavam associadas ao circuito das práticas do
extrativismo vegetal e animal. Nessas terras habitavam índios, pescadores
artesanais, pequenos agricultores, coletores e caçadores.

Um contexto muito peculiar, onde a ocupação do território estava entre 0,7%


das terras existentes na região e ainda disponibilizadas as atividades dispersas. E
dentre essas terras ocupadas, a quase totalidade não era titulada e poderiam se
enquadrar como “terras de ninguém” justificada pela mentalidade regional de que
vivendo numa região historicamente separada do resto do país, com um ritmo
marcado por atividades fundamentalmente pré-capitalistas, esses habitantes
tradicionais jamais imaginariam a necessidade de um título de propriedade de terras.

Entre as propriedades tituladas, a presença de vastas áreas cobertas por


florestas naturais, o que demonstra a alteração insignificante da natureza e da vida
do homem regional. O homem amazônico vivia subordinado à natureza pela
preponderância das atividades extrativistas que garantia a subsistência, a produção
e a reprodução das populações locais. A vida e o trabalho estavam vinculados à
exploração da terra e dos bens da natureza, como meios de sobrevivência.
40

Uma relação “nucleada” pela natureza caracteriza a vida dos moradores às


margens dos rios, igarapés, ainda que vivendo em vilarejos ou cidades. A vida
transcorria à beira do rio. A água, a floresta, como definidores do modo de vida
dessas populações. Sua sobrevivência vinha da roça, de pequenas criações, das
plantas do quintal, das essências aromáticas e oleaginosas, da caça de animais e da
pesca artesanal.

As relações de trabalho desenvolvidos pelos habitantes da região são menos


estruturadas e, do ponto de vista capitalista, pouco “monetarizadas”.

O homem, enquanto trabalhador desprovido dos recursos mínimos capazes


de potencializar sua força física individual desenvolvia uma economia
condicionada às imposições desse meio natural, a um só tempo
superabundante e indomado, (LOUREIRO, 1992, p. 25).

Segundo estudos realizados por Loureiro (1992) a economia regional, até


1950, apresentava-se da seguinte forma: a preponderância do setor primário com
57%, onde a população vivia da pequena agricultura; 11,6% dedicavam-se à pesca
artesanal e À criação de gado e 30,5% estava ligado às atividades extrativistas. O
que confirma o censo em relação à localização espacial dessa população ser
predominantemente no campo. Em 1950 apenas 31,5% da população viviam em
centros urbanos. Em l960 essa situação se altera para 37,7% e em 1970 para 48,5%
da população passam a viver em cidades. O que demonstra a alteração do foco de
ocupação em decorrências dos processos de colonização, ocupação e exploração
da região, entretanto, aparecem nesse período como grandes cidades, apenas
Belém e Manaus, que apresentavam papel de entreposto comercial do espaço rural-
urbano. No geral, as terras amazônicas eram ocupadas por habitantes naturais que
viviam em pequenas cidades ou espalhados pelas rotas do extrativismo.

Somente a partir de 1960 a agricultura ganha certo destaque na zona


bragantina e região do Salgado, pela presença marcante de imigrantes nordestinos
que se dedicam mais às lavouras. No entanto, a presença do rio, seja como estrada
natural de penetração, seja como fonte de trabalho e subsistência é marca central
do cenário regional. Nesse contexto, observam-se linhas regulares de embarcações
de transporte de pessoas e produtos. O que coloca a população local em contato
com as diferentes áreas da região e com os mercados regionais. Além dos barcos
41

de médio porte, a presença das canoas a vela, a motor, as montarias destinadas às


pequenas distâncias, todas fundamentais, pois unem pontos e fazem interligação
com as rotas extrativistas, num cenário em que o rio comanda a vida social e a
econômica.

A pesca artesanal estava difundida por toda a região e juntamente com a


pecuária extensiva que abastecia o mercado paraense e regional. Assim, o caboclo
trabalhador de múltiplas funções, pescava o ano todo para sobreviver e o excedente
da produção voltava-se para o mercado local. O trabalho da pesca caracterizava-se
pela herança de um saber mais tradicional. Dos índios vinha o conhecimento da
confecção dos seus instrumentos de trabalho, que vão, desde a construção dos
barcos pesqueiros, a confecção do instrumental de trabalho, os “petrechos”
indispensáveis à pesca artesanal, como as bóias feitas de cuias e cipós, paneiros,
montagens de currais e puçás. O que transparece um saber e uma produção
“artísticos” nitidamente regionais para a tarefa de navegar e pescar. Uma ação e
uma produção que está intimamente atrelada ao conhecimento da natureza de onde
retiram madeira para os barcos, cipós e tintas. De onde vão buscar todos os
recursos naturais necessários para a construção dos meios de produção.

É essa relação direta que envolve trabalho e conhecimento da natureza que


transforma o homem da região em pescador-agricultor-extrator ao mesmo tempo.
Uma relação marcada pela intimidade que mantém com a mata e o rio.

Esse saber acumulado vem diminuindo consideravelmente nas últimas


décadas, alterando o saber-fazer dessas populações pelo uso de instrumentos
industriais que vão sendo incorporados com vistas à maior produtividade para o
atendimento de mercados cada vez mais ampliados.

Até esse momento, a presença de extensas terras e outros bens naturais


possibilitou a sobrevivência e a reprodução de pescadores, agricultores e
extrativistas por gerações seguidas, pois essas condições naturais lhes conferiam
certa autonomia e persistências dessas populações locais.

Considera-se papel importante dessas populações nos diferentes momentos


tidos como “ciclos” econômicos que marcaram a história da região. Pelo fato de
serem marcados por períodos de crescimento, apogeu e decadência. Observando-
42

se que diante de diferentes incursões modernizantes a continuidade de atividades


tradicionais ligadas diretamente à produção extrativista. Mesmo na era da borracha,
momento em que a Amazônia se tornou maior centro produtor, prevalece as demais
atividades, ainda que em menor escala, mas fundamental para a subsistência das
populações tradicionais. Segundo informações de LOUREIRO (1992). Em 1980 faz-
se a estimativa de cerca de um milhão e meio de pessoas envolvidas diretamente
em atividades extrativistas. Com essa referência, conclui-se que não se trata de um
sistema de produção já superado, mas que vem se adequando conforme as novas
exigências e necessidades do mercado nacional e internacional.

Nesse contexto sócio-econômico, a atividade extrativista se define como


sistema dominante na região e conformador da estrutura social local. Um sistema
que vem sendo produzido e reproduzido ao longo do tempo. E que tem contribuído,
na verdade, para uma conformação social de “extremos”. No ápice dessa sociedade
“poucos ricos” e na base societal “muitos pobres”, sendo a estrutura social atual
reflexo dessa estrutura anterior, onde a posse da terra passa a ser o divisor social e
econômico. Nessa realidade desigual a “renda se forma pelo trabalho de muitos,
mas se concentra nas mãos de poucos, disso decorre na sociedade amazônica a
formação de classes sociais concentradas nos extremos. Despontam num pólo uma
oligarquia restrita aos setores do grande comércio e aos servidos relativos à
produção, como o crédito e o financiamento, e noutro, os segmentos fragmentados
das classes subordinadas, representadas pelos seringueiros, trabalhadores de
estivas, embarcadiços, comerciários e outros agentes também engajados às
principais atividades econômicas”. (idem, 1992, p.41).

O cenário regional era marcado pela grande maioria da população vista como
“posseiros” abandonados e, fora dos planos de desenvolvimento e da ação do
Estado. Observando-se a ausência da atuação do Estado enquanto elemento
mediador e integrador da vida cotidiana de uma população que não usufrui da
prestação de serviços básicos na área de saúde, educação, no provimento de
construção de estradas e até de órgãos administrativos. Nesse estado de abandono,
essa população vive e sobrevive com certa autonomia em relação à produção de
sua subsistência, na apropriação da terra e na estruturação das relações sócio-
culturais locais. No entanto, a ação do Estado se faz presente junto aos grupos
43

dominantes no provimento de toda ordem. Seja no favorecimento de financiamento e


créditos bancários, seja na apropriação de terras.

Somente a partir da década de 1960, com a nova inserção da região ao


mercado nacional e internacional, agora um processo marcado pela maior
diversificação das atividades produtivas, uma vez que aliadas aos interesses
externos à região, a burguesia local institui a super exploração dos trabalhadores e
dos recursos naturais

Imprimiram-se mudanças estruturais na vida do homem amazônico e sobre a


natureza. De um lado se dá a apropriação privada da natureza, tornando-se menos
livre e acessível e, do outro lado, as transformações no mundo da produção e do
traballho. Engajam-se mais trabalhadores que passam a produzir “bens” ainda que
naturais para o mercado externo. Implanta-se uma nova racionalidade que vai alterar
ao reduzir o tempo para o trabalho e a produção para o auto-consumo. As relações
“salariais” passam a se fazer mais presente no mundo do trabalho. Nesse processo
de mudança, o trabalho e os bens da natureza passam a ser vistos como
mercadorias. Muda-se o foco da produção, antes para o sustenta familiar, agora
para atendimento do mercado.

Sob a racionalidade do capital, desvaloriza-se a produção e os produtores


extrativistas diretos, que numa cadeia mais ampliada de comercialização, os lucros
são concentrados fora da área da produção direta. Fato registrado na produção da
castanha e da seringa, onde os lucros se concentram no beneficiamento e
comercialização posterior no mercado internacional. A miserabilização e a
subalternização como marcas do processo de exploração das populações
tradicionais. Condição que tem levado essa população a continuidade das práticas
de subsistências, da pequena roça, da coleta de frutos e da pesca artesanal.

Nesse contexto de grandes mudanças, a força do capital começa a engendrar


na região novas formas de acumulação, mediante a apropriação privada da
natureza. Uma exploração em larga escala da natureza e das populações locais. Um
contexto onde a terra deixa de ser considerada um bem “livre” e disponível
passando a constituir uma das mercadorias mais valorativas. Em que os recursos
44

naturais, tornam-se bens de troca e de inserção da Amazônia no mercado nacional e


internacional.

Ao lado da apropriação privativa da terra, a instauração de violentos confrontos


e conflitos, pois Estado e grandes grupos econômicos não reconhecem a presença
das populações tradicionais, enquanto moradores anteriores a essa forma atual de
ocupação, que sem proteção política do Estado passam a ser expropriados
excluídos. A nova lógica da ocupação regional disponibiliza terras pautadas agora na
verdade jurídica, na lei que garante o direito da posse da terra aos “aventureiros”
que chegam à região. As terras dos grupos naturais são vendidas, leiloadas,
licitadas ou transferidas por aforamento ou vendas, através de editais de jornais que
circulavam apenas nas capitais, sem que os colonos, extrativistas, pescadores,
índios, garimpeiros etc., enfim, os representantes do “vazio demográfico” tivessem
conhecimento dessas vendas das terras em que habitavam”, (ibidem, 1992 p. 115).

Diante da nova ordem, os moradores locais passam a ser vistos como


“posseiros” sem nenhum aparato institucional que lhes garantisse a legitimação de
suas posses. Instaurando-se conflitos violentos entre os novos personagens da
questão agrária na região: posseiros, empresários, trabalhadores rurais, governo,
população indígena, garimpeiros, imigrantes, representantes da igreja, líderes
sindicais e outros.

Além da perda da terra dos grupos locais são arrancadas as relações diretas
com a floresta, com o rio e as condições de sobrevivência. E, diante da apropriação
e concentração da terra, destruição da floresta, a exploração desordenada dos
recursos naturais e que pelo isolamento em que viviam. A sociedade local
fragmenta-se frente à tantas transformações, e o capitalismo avança sobre o
território regional e seu povo.

Aos olhos do homem ribeirinho, caboclo, a Amazônia e seus recursos naturais


seriam imutáveis pela abundância e diversidade natural, mas a nova racionalidade
trouxe consigo a exploração predatória. Uma modernidade que “fissura”, quebra com
a unidade e que demarca esse micro-mundo, representado pelas práticas
tradicionais, manifestações culturais e religiosas, ou seja, a mentalidade cabocla. O
que paulatinamente vai levando a adoção de novas formas de organização e de
45

produção, que, por conseguinte aterão às práticas sociais, suas tradições, a


memória social e sua vinculação com a natureza, e, com efeito, a negação ao direito
de autodeterminação.

As últimas décadas na região serão vivenciadas a modernidade tardia, onde se


inscreve novas formas de organização social. É a instauração da era da
“economização do mundo”, em que diferentes formas de vida social estarão sob os
ditames da racionalidade do mercado. Nesse cenário de modernidade os diferentes
grupos sociais só ganham legitimidade se atrelados aos projetos de dinamização e
modernização econômica. Quando marginalizados ou excluídos desse processo
tendem a silenciar sua performance ou identidade.

No contexto de adaptabilidade, a adoção de diferentes estratégias com a


racionalidade moderna tende a “desterritorizar” as práticas tradicionais, pela
incorporação que envolve novos procedimentos culturais e novas tecnologias. Um
novo contexto que altera o saber-fazer de grupos tradicionais, como os dos
pescadores artesanais, coletores e pequenos agricultores, pela imposição de novas
relações que vêm sendo implantadas de forma crescente, onde o conhecimento
tradicional associa-se as novas tecnologias e saberes. Sob as injunções da
modernidade, práticas tradicionais se adéquam às novas práticas, aos novos
saberes revestidos por projetos ditos de sustentabilidade que se implementam sobre
localidades, onde persiste o “atraso”, a tradição. Tais projetos se revestem da
valorização e mobilização da faceta contemporânea do progresso, na qual vultosos
recursos são colocados a serviço da desqualificação das formas arcaicas de
apropriação e reprodução da cultura local, quanto da indução à mercantilização dos
referentes do mundo biofísico, social e emocional de tais grupos, provocando-se
violências simbólicas sem precedentes, (VALÊNCIO 2006, p.7).

Nesse contexto de profundas transformações, GIDDENS (1997) situa a


modernidade como um delineador de um processo de “destradicionalização”,
entendido como mudança estrutural de ordem sócio-cultural das comunidades
locais, na medida em que as práticas, as rotinas tradicionais passam a ser
subordinadas ao ideário da sociedade global, onde concepções de mundo se
alteram em relação a um novo padrão de valorização da natureza e seus recursos,
agora disponibilizados para o mercado envolvente. Sujeitando-se o homem e a
46

natureza a transformações, destruição via processos de acumulação pela


prevalência de técnicas e práticas conformadoras do capitalismo globalizado e como
resultado a paulatina dissolução da tradição.

A adesão das comunidades locais se verifica, quando se adéquam aos ideários


da sociedade global, que não se reveste apenas de um processo “plenos de ardis”,
mas escamoteiam suas reais intenções, quando garantem benefícios a essas
comunidades, desfocando suas contradições e o real alcance dessa modernização,
cujo resultado certo é a sua “desterritorização”.

CAPÍTULO II - A MANEIRA DE SER TRABALHO DE UMA


COMUNIDADE RIBEIRINHA: COLARES

Nas últimas décadas se faz o reconhecimento de que o espaço local é


precípuo para o processo do desenvolvimento, a Constituição brasileira de 1988
passa a referendar o município, enquanto lócus do cotidiano, espaço importante na
prestação de serviços básicos à população, pois é no município que se expressam
as indignações, as necessidades básicas e as reivindicações. Constituindo-se dessa
forma, espaço de resposta às demandas de sobremodo econômicas e sociais.

A partir desse reconhecimento, a ação descentralizadora do Estado, que por


via da Municipalização efetiva a descentralização político-administrativa do espaço
47

local, havendo um processo de partilha de poder pelo redirecionamento das


competências para a auto-gestão. Considera-se, dessa maneira, que o município
representa o nível de governo mais imediato da população e o espaço local sendo
visto como espaço privilegiado às ações públicas. Nesse sentido, privilegia-se o
fortalecimento do poder local, que passa então a programar a retomada da
construção da cidadania, da democracia via processo de desenvolvimento local

Na tarefa de alcançar o desenvolvimento local, o papel direcionador do


município na mobilização de grupos e entidades locais para o estabelecimento de
prioridades e metas a serem alcançadas.

Nesse contexto empreendedor ganham destaque discussões acerca das


potencialidades do espaço local, com vista em sua dinamização como sinônimo de
modernização. São apontadas idéias, caminhos e projetos para o alcance do
desenvolvimento local. De maneira geral, alguns segmentos acreditam que a
sociedade tradicional deve buscar sua modernização para tornar-se uma sociedade
“moderna”, ”desenvolvida” e “próspera”. Outros segmentos, em especial os
pensadores preocupados com essa questão ao longo dos anos de 1980, defendem
a idéia de que cada sociedade use sua autonomia para fazer suas escolhas, traçar
seu próprio caminho, levando em consideração os interesses locais. Ainda que em
meio às mudanças que afetam o mundo e assim, oportunizar um processo que gere
uma contínua reavaliação das ações e proposições em busca do desenvolvimento.

Engendra-se um processo de desenvolvimento que se dá num contexto que


mantém íntima relação com as atividades tradicionais pela adoção do enfoque que
venha garantir a sustentabilidade econômica do meio rural, com a emergência de
novas atividades produtivas e de uma nova ruralidade.

Nesse contexto em que tradicionalismo e modernidade aparecem como fatores


desencadeadores do desenvolvimento local, o processo de desenvolvimento que
deve se qualificar como integrado e sustentável deve requerer uma a ação
imprescindível da gestão local, enquanto instância responsável para o
estabelecimento de um processo de articulação e mobilização local, no sentido de
tornar a comunidade local mais sustentável, capaz de superar suas necessidades
48

imediatas. Tornando-a mais dinâmica e com capacidade de atrair investimentos que


possibilite sua sustentabilidade econômica.

Percebe-se no mundo rural a relação imbricada entre as práticas locais


tradicionais e as atividades mais dinâmicas, como elementos demarcadores do
desenvolvimento local. Uma relação que vai além da simples convivência ou
coexistência, pois pressupõem um processo de interpenetração, um inter -
relacionamento entre produção tradicional e novas atividades que passam a imprimir
um novo ritmo e uma nova racionalidade nas comunidades tradicionais.

Em muitas comunidades rurais, o investimento tanto nas atividades


tradicionais, quanto nas atividades modernas, traz à tona a necessidade da
compreensão a respeito de como vem se dando a produção, a produtividade, o
trabalho e o alcance da sustentabilidade. Assim como a percepção de uma nova
racionalidade na vida produtiva vem interferindo em uma nova conformação social e
cultural.

Se de um lado, torna-se evidente a tendência atual à modernização e a


instalação de novas ruralidades, do outro lado, a busca da produtividade econômica
tem originado sérios problemas sócio-ambientais na região, nas últimas décadas.
Um processo que se caracteriza pela intensa exploração dos recursos naturais.

Por conta dos problemas ambientais vem à tona a valorização do saber


tradicional como elemento fundamental na reorientação dos modelos produtivos aqui
engendrados e nos processos de preservação ambiental, pois no âmbito das
práticas tradicionais, a relevância do uso da terra, do território e dos recursos
naturais como elementos integradores do mesmo espaço que refletem a interligação
do econômico, do social e do cultural. Um cenário onde a persistência é retratada
por práticas culturais cumulativas e informais, vinculadas e harmonizadas com os
ecossistemas naturais, constituindo-se eixo estruturador da vida social e cultural, ou
seja, revela um modo de vida diretamente vinculado ao ritmo da natureza e a
dinâmica de outro tempo social que prioriza fatos e vivências que dão sentido à vida
e a organização social local. Um cotidiano retratado por rituais, costumes, sonhos e
valores expressos nas práticas materiais e imateriais.
49

Entretanto as “ondas modernizantes” na região são marcas das últimas


décadas e apontam para a emergência de novos tempos. O avanço da fronteira
econômica como passa a ser concebida a Amazônia vai alterar profundamente a
maneira de ser o trabalho das populações tradicionais, seu modo de ser e ver o
mundo, que se amplia e se altera pelas novas formas de comunicação e de
produção. As práticas tradicionais se alteram pela inserção de novas atividades
produtivas que chegam nessas áreas tradicionais pela urbanização e modernização
do espaço.

A chegada do “novo” e do “moderno” tende a secundarizar ou negar a cultura


tradicional, alterando conseqüentemente a própria organização local ao impor um
processo de reordenação social que refletirá a transição entre o antigo e o moderno
nesse espaço social.

2.1 O Trabalho no Cenário de destradicionalização:

A categoria trabalho constitui-se em aporte para a identificação e compreensão


do processo de transição entre o tradicional / moderno, práticas tradicionais e novas
práticas no âmbito da produção. Neste contexto, constituindo-se referência para se
avaliar os impactos trazidos pela urbanização e modernização dos espaços rurais,
pois são transformações que têm apontado tanto para uma nova lógica territorial
quanto para novas funções econômicas da área rural.

Nesse contexto, compreender o mundo do trabalho é buscar entendimento a


respeito de como os seres humanos em diferentes momentos e espaços produzem
as condições de sua existência, tanto material quanto simbólica, pois a partir dos
processos de produção, os homens projetam e alteram seu modo de vida e o seu
contexto social em que estão inseridos. Pela ação consciente do trabalho, os
homens criam e recriam a sua materialidade.

Ao longo da trajetória histórica, o processo de criação e recriação pelo trabalho


faz-se presente nas sociedades humanas, ainda que seja atribuída ou não o seu
caráter de centralidade. De acordo com cada momento histórico, se exalta o ócio ou
o trabalho. Atribui-se valor ou desvalor. É concebido como castigo, penitência ou
como fator de criação e libertação.
50

Pautando-se na teoria marxiana, a categoria trabalho assume caráter central,


entendida enquanto prática social, fundadora do ser social, enquanto concepção
ontológica do ser social. O trabalho sendo concebido para dar atendimento às
necessidades existenciais, como prática vital para efetivar e objetivar o homem.

Nesse contexto de criação, o trabalho, enquanto elemento possibilitador de


transformações da natureza e do próprio homem, configura-se como criador de
valores de uso, o trabalho útil, como indispensável à existência humana em qualquer
sociedade. Revestindo-se assim pela necessidade natural, pelo intercâmbio entre
homem e natureza. Uma ação que efetiva e diferencia o homem dos demais
animais.
No fim do processo de trabalho, emerge um resultado que estava presente
desde o início na idéia do trabalhador que, portanto, já estava presente de
modo ideal. Ele efetiva apenas uma mudança de forma no elemento natural,
ao mesmo tempo, realiza no elemento natural, sua própria finalidade, que
ele conhece bastante bem, que determina como lei, o modo pelo qual opera
e à qual tem de subordinar sua vontade, (MARX, 1989, p. 16).

Embora o trabalho seja elemento fundamental do mundo dos homens, o mundo


por ele criado não se restringe ao mundo do trabalho, pois se constitui um processo
que remete para além do trabalho, uma vez que a vida constitui-se uma totalidade
social pautada em diferentes categorias e relações distintas do processo do
trabalho, ainda que por ele fundado.

A essência humana enquanto totalidade histórica vai além das determinações


do trabalho, embora esta esteja imbricada nas relações do trabalho. Assim o
trabalho, embora fundante do ser social, sua essência não se limita unicamente a
categoria trabalho.

Nessa concepção, o trabalho é afirmado como expressão do homem


conformador da natureza e da realidade social.

Marx se apóia na concepção de homem pautado nas categorias de


generalidade e universalidade. O homem é genérico, porque contém em si as
características do ser humano, da espécie humana. Constitui-se um ser universal,
que além da natureza material, é manifesto o aporte espiritual, afetivo, intelectual
que lhe dá essencialidade. A “universalidade do homem aparece praticamente na
51

universalidade que faz da natureza o seu corpo inorgânico”, (MARX, 1989,


p.163/164).

Essa concepção se revela na relação em que o homem estabelece com a


natureza, ao realizar sua existência material e imaterial. Enquanto meio imediato de
vida, como atividade vital a sua reprodução e sua forma de ser. Ao mesmo tempo ,
essa atividade vital ao se confrontar com o homem, este lhe apresenta novas
formas, melhorias de alternativas, novos horizontes para a sua atividade.
Estabelecendo, dessa forma condições internas aos nexos causais da natureza e ao
próprio processo social, no contexto de um movimento que o modifica a cada
prática, (SILVA JUNIOR, 2001, p. 18)

Concebe-se o trabalho enquanto produção universal por constituir-se em ação


conseqüente e social para além das necessidades imediatas. Para além das
condições de sobrevivência. O homem ao pautar-se na liberdade, ao utilizar o
potencial criador, inovador e transformador da natureza e de si próprio. Nesse
contexto, o homem é resultante da “relação entre sua singularidade e sua
generacidade, mediada pela sua atividade vital que põe como objeto a natureza e
todas as espécies, incluindo a espécie humana”, (idem, 2001, p.18).

Assim há uma relação indivisível entre necessidade e liberdade. Segundo Silva


Junior (2001) o homem é singular e genérico, simultaneamente, em potência e em
ato mediatizado pelo trabalho.

Para Lukács (1979), é no trabalho que se desenvolve o processo de


socialização do ser humano, constituindo-se um processo que media a reprodução
particular e social, tornando-se elemento fundamental.

Nas sociedades contemporâneas, quando o trabalho se torna assalariado, ele


torna-se alienado, pois todo processo de humanização e socialização transforma-se
e se converte em meio de subsistência e força de trabalho. Ao mesmo tempo em
que a economia política afirma o homem como sujeito de sua história e o alheia do
entendimento das condições objetivas da propriedade privada e da riqueza, ou seja,
na construção social, a racionalidade capitalista é obscurecida antes do que
revelada, (ibidem, 2001, p. 70).
52

Nesse contexto, o homem é firmado como sujeito através de um processo


contraditório que em nível da consciência é negado à compreensão da produção
objetiva de sua existência. Uma realidade dialética, em que é o processo do trabalho
se faz presente a riqueza e a miséria, a acumulação e a privação. É o processo do
trabalho resultante da “desrealização do ser social”, porque o produto do trabalho
“aparece junto aos trabalhadores como um ser alheio e estranho a seu produtor.
Tem-se então, que essa realização que efetiva o trabalho aparece como
desefetivação do trabalhador”, (ANTUNES, 2005, p.70).

Ainda, segundo Antunes (2005), no modo de produção capitalista, o


trabalhador não se satisfaz, se degrada, não se reconhece, se nega. Pelo processo
de alienação construído pela propriedade privada dos meios de produção, esta se
expressa como algo abstrato, estranho ao ser social. Uma alienação que levou o
homem a “perder-se a si mesmo” ao desumanizar-se pela produção fragmentada e
isolada na produção capitalista. Em lugar da liberdade e da emancipação, o homem
se coisificou ao tornar-se objeto no processo de produção, sujeitando-se aos
ditames do capital. Uma nova racionalidade que impõem o trabalho parcelado e a
ruptura entre quem produz e o produto desse trabalho.

No cenário contemporâneo em que a acumulação de capitais assume força


sobre o trabalho, faz-se presente o debate e a busca acerca do entendimento sobre
as condições de vida da classe que-vive-do-trabalho, levando-se em consideração a
re-configuração do mundo do trabalho, sobretudo as condições de sobrevivência
humana e sua objetividade social. Sua fragmentação, mutações e aparente
vulnerabilidade no contexto da reestruturação produtiva do capitalismo
contemporâneo.

A questão de fundo nos debates atuais volta-se para a nova centralidade dos
processos sociais pautados no trabalho, enquanto prática social e sua interferência
na formatação do homem e da sociedade.

No contexto dito, pós-moderno ou pós-fordista, surge uma nova configuração


do trabalho, determinante na maneira de ser e viver do novo trabalhador. Dessa
forma, ainda que o trabalho venha se metamorfoseando pelas novas atividades e
funções do trabalhador, a categoria trabalho mantém-se como elemento fundamental
53

do ser social, ainda que sob a aparência de novas práticas produtivas, sob novos
paradigmas que fazem emergir uma nova configuração dos processos produtivos e
reprodutivos da riqueza, do homem e da própria sociedade.

Nas últimas décadas o alcance de áreas mais isoladas pelo capitalismo fez
emergir novas formas de sociabilidade que tende a imprimir instituições, padrões,
valores e idéias do mundo urbanizado. A racionalidade urbana tem-se intensificado
pelos mecanismos da globalização econômica, embora nessas áreas consideradas
mais afastadas e ainda distanciadas da racionalidade capitalista, observa-se a
manutenção das características do mundo rural.

Entretanto, com o advento das transformações e o surgimento de formas


alternativas de produção e reprodução do capital, as raízes das práticas tradicionais
ainda funcionam nesse cenário como ancoradouro da população rural, num contexto
de transição do tradicional-moderno, onde o tradicionalismo não se mostrará
incompatível com a modernização do espaço rural, pois avançará para uma nova
fase, caracterizada pela reinvenção do tradicional, que se expressa sob nova
conformatação e significado para a população local.

No contexto das políticas de desenvolvimento, as marcas da diversificação de


atividades agrícolas ou de práticas tradicionais, como também pela inserção de
novas atividades produtivas são mudanças no campo da produção que vão
engendrar novas relações sociais e de trabalho, e que alteram a própria noção de
urbano e rural.
Mediante o processo de reorientação da capacidade de produzir, o campo
passa a desenvolver novas atividades retratadas pela “pluriatividade”. Um processo
resultante da urbanização do campo retratado pelo transbordar da cidade e mercado
de trabalho para as áreas rurais, onde a grande novidade, segundo Graziano da
Silva (1999) consiste na idéia de que o meio rural não pode mais ser associado
apenas à produção agrícola ou a pecuária. O aparecimento de novas atividades
nesse espaço estaria introduzindo um conjunto de novas funções, especialmente
aquelas ligadas às ocupações não agrícolas da população rural, o que traz para
essa área tipos diferenciados de inserção profissional com alterações significativas
para o mundo do trabalho.
54

São atividades que pouco ou nada são relacionadas à produção agrícola ou


demais atividades tradicionais estando diretamente relacionadas às novas funções
atribuídas ao campo. Uma vez que passa a ser concebido como espaço de lazer,
lugar de moradia, espaço de produção e espaço de preservação, através do
ecoturismo. Uma diversificação produtiva, principalmente na área de prestação de
serviços, fazendo expandir o mercado de trabalho para jardineiros, pedreiros,
caseiros e outros prestadores de serviços.

A dinamização dos espaços rurais pelo aumento da produtividade e de trabalho


faz surgir o “novo rural”. A emergência de novas atividades estará diretamente
relacionada à adoção de novas tecnologias e saberes que passam a integrar os
processos produtivos, alterando o perfil dos produtores e trabalhadores rurais,
mudando desta forma a configuração do mundo rural.

A busca de uma produção mais moderna e dinâmica é hoje uma tendência


presente nos espaços rurais pela adoção de novos saberes e tecnologias, no
entanto, essa adoção é nitidamente marcada pelo caráter seletivo e assim,
beneficiando uma pequena parcela dos trabalhadores rurais da Amazônia, o que
ainda contribui para o abandono do meio rural, ou a submissão das populações
tradicionais a atividades parciais com baixa remuneração, o que tem possibilitado a
persistência da pobreza no campo.

Na cidade de Colares se faz presente o processo de reordenação social em


virtude da inter-relação entre práticas tradicionais retratadas pela pesca artesanal, a
pequena agricultura, atividades extrativistas e as oportunidades de ocupações fora
do contexto das atividades tradicionais que são oferecidas pela prefeitura local, nas
várias Secretarias Municipais, em nível estadual no campo da educação e saúde, na
área do comércio e prestação de serviços, relacionadas às demandas trazidas pelo
aumento populacional, dos visitantes que chegam ao município nos fins de semana,
feriados e férias, que dinamiza o mercado local.

Por conta da efetivação de algumas ações políticas da gestão local, inicia-se


um processo de formação para os agricultores e pescadores, tendo como fim, a
dinamização da produção tradicional no sentido de ampliar esta produção para o
mercado regional, no qual o campo produtivo vem gerando algumas alterações das
55

práticas com repercussões na identidade ribeirinha, apesar de haver uma


preocupação em reforçar a continuidade das práticas tradicionais e os processos
identitários de pertencimento. Observa-se que este processo vem provocando
resistências e mudanças, seja pela abrangência das relações, seja pelos
conhecimentos que coloca essa comunidade ribeirinha diante de um mundo mais
amplo e diverso.

Esse cotidiano revela um processo de transitoriedade, em que a unidade cede


lugar à diversidade e a originalidade vai dando lugar a pluralidade cultural. Em
síntese, altera a maneira de ser e viver. São vivências que mudam pelo
estabelecimento de trocas produtivas e culturais cada vez mais ampliadas, gerando
mudanças que se revelam no modo de produzir, de trabalhar e na convivência social
pela adoção de novas práticas, de novos saberes que imprimem um novo fazer.
Uma realidade que tem gerado conflitos e tensões, que quebra, fragmenta a
identidade pautada no tradicionalismo e que coloca frente a frente uma relação de
alteridade entre o “eu” representado pela identidade local e o “outro” representado
pelos novos estilos de vida, novas práticas produtivas a cultura moderna.

O Brasil se insere na globalização, num contexto da “modernidade tardia”, em


que novas formas de organização, de relação e de produção demarcam o espaço
econômico. Sob a lógica da “economização do mundo” todas as dimensões da vida
e da sociedade são postas diante do mercado mundializado.

No contexto das transformações, alteram-se o saber-fazer de grupos


tradicionais, em que pescadores artesanais, pequenos agricultores e coletores
passam a ser alcançados por essa racionalidade econômica. Passando a se
submeter às novas relações que exigem novos conhecimentos e práticas que
perpassam por uma nova visão de mundo, de produção, de assimilação de novas
tecnologias; além de relações sociais pautadas no associativismo. Assim, a lógica da
modernidade envolve as comunidades tradicionais sob o rótulo da sustentabilidade
que mobiliza, envolve essas comunidades no sentido de desqualificar as formas
arcaicas de produção e reprodução da cultura local em prol da mercantilização
desse espaço produtivo. Com isso, altera-se o mundo “biológico”, ”social” e
“emocional” dessa população, que funciona como referencial simbólico que cimenta
as relações sociais e a dimensão identitária.
56

A modernidade, tardia, promove, por sua vez, um processo de “criação de


constância através do tempo, uma espécie de união do passado com o futuro
antecipado”, (VALÊNCIO, 2006, p. 28). Um processo que em geral vem desqualificar
e deslegitimar as identidades tradicionais, pois ao alterar o contexto das práticas
sociais quebra com a unidade dos processos de preservação.

Nas comunidades tradicionais, as práticas produtivas do processo de trabalho


na pesca artesanal e na agricultura familiar não apenas estão associadas às
dimensões extra-econômicas da vida social, como as relações familiares,
religiosidade e festas, mas são balizadas pela oralidade e pelas técnicas corporais,
necessitando se reproduzir e revitalizar desde a interação com tal espaço, cuja
singularidade define as particularidades de saber-fazer uma interação sócio-
ambiental.

A emergência da modernidade tardia em áreas periféricas vem configurando


um processo de “destradicionalização” pelas mudanças sociais, espaciais e
econômicas, pela instalação de novas rotinas e técnicas de trabalho e uma mudança
profunda na relação homem e natureza. A natureza deixa de ser elemento
harmonizador e complementador do homem e passa a ser submetida à lógica do
mercado, como espaço de exploração, fornecedora de recursos naturais, segundo
as necessidades desse mercado, em lugar de uma prática que afirme significados e
técnicas do passado, cedendo lugar aos propósitos da modernidade, do lucro e da
exploração, tornando tais práticas tradicionais mais “desacreditadas”, ”anacrônicas”
e “injustificáveis” diante da temporalidade e racionalidade da sociedade e do
mercado global. E ao silenciar o “outro”, converte-o a um novo projeto existencial,
descartando-se o valor do passado, da organização do tempo e da produção do
lugar.

Diante dos argumentos de possíveis benefícios da modernidade esse novo


processo oculta contradições e os processos de subalternização dos grupos
tradicionais. Estes afrouxam, negam, renunciam a conservação dos laços que os
ligam ao tradicionalismo, pois aos olhos da modernidade, o padrão tradicional
constitui-se um “arcabouço inútil” incapaz de manter e projetar a continuidade
57

dessas comunidades, tornando-se o ideário da inserção a esse novo contexto como


caminho inevitável.

2.2. Área de Estudo: Região do Salgado - A Cidade de Colares.

A cidade de Colares caracteriza-se por ser uma ilha localizada no nordeste do


Estado do Pará, na Costa Oriental, na micro-região do Salgado, com uma área
territorial de 290 km2. Separa-se do continente pelo furo da Laura e pelo rio Guajará
Mirim, limitando-se ao norte pela baía de Marajó, ao sul pelo município de Santo
Antônio do Tauá e a leste pelo município da Vigia

Este município apresenta uma cobertura vegetal característica da floresta


amazônica, com predominância de matas de terra firme. Por se constituir uma ilha,
apresenta significativas áreas de várzeas e mangues. A alteração da cobertura
vegetal inicia-se a partir de 1970, momento marcado pelo processo de ocupação
intensa do espaço local.

As alterações significativas das florestas estarão associadas à derrubada e


queima, enquanto práticas da agricultura tradicional, como também pela extração
predatória de madeira, com a instalação de serrarias no município. Mais
recentemente, a ocupação e a redução das matas estão associadas à formação de
pastos para criação de gado, através da implantação de pequenas fazendolas e pela
formação de sítios. Outro fator que vem contribuindo para essa redução da
paisagem natural é o crescimento urbano de Colares, que vem promovendo a
ocupação humana, sobretudo, na área urbana, através do surgimento de novos
bairros como o “Maranhense”, “Jangolândia” e outras áreas em virtude da procura
de terrenos para as instalações dos visitantes de Colares, como Casa de veraneio
ou de pessoas que buscam o campo, como lugar de moradia. Assim em decorrência
da ocupação humana, observam-se mudanças na ordenação e ocupação territorial.

A população de Colares é estimada pelo censo do IBGE, de 2001 em 10.899


habitantes, sendo 3.316 na área urbana e 7.583 na área rural. A população
economicamente ativa se dedica ao trabalho da pesca artesanal, sendo áreas de
concentração da atividade pesqueira as localidades de Mocajatuba, Juçarateua,
Piquiatuba, Guajará, Ariri e Jenipaúba da Laura.
58

O surgimento dessa comunidade está ligado à atuação missionária na região


amazônica pelo trabalho de cunho espiritual e material. Uma atuação através da
catequese dos índios e pela exploração de atividades econômicas. Trabalho esse
que contribuiu para o processo de ocupação e exploração da região.

Colares surge assim no contexto de ocupação e exploração da zona do


Salgado ainda no período colonial. Uma região que se revestia de um papel de
“posto avançado, a partir do qual, os portugueses afastaram da bacia amazônica
holandeses, franceses e ingleses”, (VALVERDE& DIAS, 1967, p.11).

Segundo Furtado (1987, p.351) a região do Salgado deu origem a vários


municípios que estiveram vinculados a relação índio-missionário. A presença
indígena foi elemento fundamental no processo de colonização, presença esta que
fornece pistas para a compreensão do mundo, da cultura e das práticas caboclas na
região. A partir das missões e dos aldeamentos surgiram diversos povoados que
com o passar do tempo tornaram-se vilas e cidades.

A fundação oficial de Colares ocorre em 1751, quando o aldeamento dos


Tupinambás dá origem à freguesia de Nossa Senhora do Rosário de Colares. Em
1757, eleva-se a categoria de vila, com vinculação administrativa à cidade de Vigia,
considerada então cidade mais dinâmica da área do Salgado.

A povoação de Nossa Senhora de Nazaré da Vigia é fundada em 06 de Janeiro


de 1616 e sua colonização está diretamente relacionada ao processo de aldeamento
promovido pelas missões religiosas. Eleva-se a categoria de vila em 1693. Os
demais aglomerados populacionais surgem em decorrência das fortificações ao
longo do rio Amazonas e pela atuação das missões através da catequização e
colonização, retratando-se assim o processo de ocupação da região amazônica.

Na era colonial, a Costa Oriental do Pará representava ponto estratégico para a


atuação portuguesa, pois geograficamente proporcionava a defesa militar e a
ocupação do norte do país. Nessa região, Vigia passa a desempenhar papel
fiscalizador e protetor da via fluvial ao possibilitar segurança para condução das
embarcações, além de inibir o contrabando num raio de alcance, que cobria uma
rota que ia da ilha do Marajó, Belém e Terras do Cabo Norte, área fronteiriça com a
59

Guiana Francesa, tornando-se assim ponto de referência para a navegação e defesa


do território.

Por conta do papel estratégico tanto militar quanto econômico, Vigia entre 1716
e 1778 apresentava um rápido crescimento populacional retratado por 1761
habitantes. Num processo de contínuo crescimento, pois em 1816 apresenta um
aumento para 3.271 habitantes, considerando-se nessa somatória as populações de
Vigia, Cintra, Vila Nova de El Rei e Colares.

No século XVIII, a economia da região do Salgado era retratado pela


agricultura do café, mandioca e açúcar. Uma produção agrícola que se completava
com a pesca, a extração do sal, de pedras e a cata de caranguejo

Todo esse processo de exploração econômica estava estritamente vinculado a


atuação dos jesuítas, que contavam com a autorização do Estado para fundar
missões O projeto missionário religioso estava associado à apropriação e o controle
de vastas extensões de terras, que se combinava com a atividade comercial dos
sítios dos moradores desta região.

A Carta Régia de 1731 autorizava o estabelecimento de missões em Vigia e


pela proximidade geográfica se estendia até a ilha do Marajó.

A missão organizava o sistema de trabalho e de exploração de recursos


com eficiência, o que foi reconhecido pela acumulação de riquezas,
autonomia de decisões e o trânsito na política metropolitana e local, até a
metade do século XVIII, (ACEVEDO MARIM, 2004, p. 32).

Embora cada missão apresentasse suas especificidades, havia certa


aproximação entre as missões de Vigia e ilha do Marajó, onde o processo de
colonização caminhava de forma integrada com a atuação das ordens religiosas. Na
missão de Vigia, os jesuítas implantaram fazendas e aldeamentos indígenas, tendo
em vista a formação profissional e o processo de exploração econômica. As
fazendas correspondiam vastas extensões de terras, o que proporcionava um
intenso processo de exploração. Vigia e Ilha do Marajó garantiam um significativo
processo de acumulação de riquezas às ordens religiosas. Nestas fazendas havia a
criação de gado, plantio de café, algodão, cacau, além da exploração de cal e
fábrica de sabão.
60

Dessa forma, na região do Salgado, as missões religiosas apresentavam uma


atuação abrangente, retratada pela administração temporal e espiritual dos índios.
Uma atuação embasada na política de aldeamento e pela exploração intensa dos
recursos naturais.

No período que se estende entre 1710 a 1740, a região do Salgado, por seu
dinamismo econômico, passou a ser mais ocupada, mediante a concessão de
sesmarias. Entretanto, a atuação eficiente dos missionários era plenamente
reconhecida. O “poder dos religiosos ofuscava a hierarquia e a fortuna de um
pequeno número de colonos que vinha aumentando seu patrimônio”, (idem, 2004, p.
39).

É esse dinamismo na região do Salgado entre 1722 a 1806, que vai justificar a
distribuição de terras às margens de rios, igarapés e lagos. Com o avanço da
colonização percebeu-se a instalação dos “senhores de roça” e “senhores de
engenho”, que passaram a desapropriar terras dos antigos índios em decorrência da
implantação do cultivo de cana- de-açúcar, cacau e café; mediante a efetivação do
regime sesmarial que fundamentava a aquisição de terras.

O regime de sesmarias instalou no país e na região uma estrutura agrária


predominantemente baseada no latifúndio e o poder de uma elite agrária sobre os
trabalhadores rurais.

Entre os séculos XVIII e XIX foi marcante a prática da agricultura e do


extrativismo na região do Salgado, com o surgimento de grandes proprietários de
terras, que se fortaleceram criando bloqueios ao acesso á terra e a exploração dos
recursos naturais. O que transformou a população local em trabalhadores
assoldados e com essa nova forma de exploração, a presença de uma maioria da
população pobre nas vilas e lugares da costa oriental, caracterizados como
“senhores de roça", lavradores pobres que cultivavam principalmente mandioca e
arroz para sua sobrevivência e de sua família.

Em complementação ao cultivo da terra, em Vigia, Colares, Porto Salvo,


Penhalonga e Odivelas desenvolveu-se o trabalho da pesca e da carpintaria de
canoas. Nesse período ficava bem claro o avanço da colonização e da
hierarquização da riqueza na região do Salgado.
61

A Lei de Terras de 1850 gerou grande impacto sobre os pequenos posseiros,


pois restringiu o acesso a terra. Os posseiros passaram a ter menor liberdade para
ocupar as terras devolutas. Embora não tenha criado bloqueios a continua
apropriação de terras por parte dos grandes proprietários. Os efeitos da lei tornaram
a terra inacessível aos pequenos colonos, transformando-os em trabalhadores
baratos nesse processo de exploração da região.

Nas últimas décadas do século XIX, a região do Salgado se destacou pela


formação de centros pesqueiros, ao lado da produção da farinha. São atividades
tradicionais que atravessaram séculos e ganharam impulso com a abertura do
sistema rodoviário que passou a interligar a produção do Salgado à economia
paraense.

Em relação à cidade de Colares, em 1751, o aldeamento dos Tupinambás,


conhecida como fazenda de Cabu passa a se chamar Colares

Em Colares, como em toda região do Salgado esteve diretamente vinculada à


relação índio-missionário. Uma relação que vai originar os traços cultura caboclos
dessa região.

A origem de sua colonização inicia-se com a construção da igreja de Nossa


senhora do Rosário de Colares. Nesse momento, faz-se referência a presença de
índios habilidosos com a flecha e assim hábeis caçadores e pescadores. Na era
colonial sua economia baseava-se na pesca e no cultivo da mandioca: uma
realidade econômica que ainda se mantém como fundamentais na atualidade.
Continuam sendo essenciais na subsistência dessa comunidade.

Segundo informações de Acevedo (2004) os índios desse lugar eram


considerados livres em relação à pesca, recebiam pagamento do Colégio dos
Jesuítas pela produção do pescado. Na região do Salgado, a pesca se constituía em
atividade central que estabelecia vínculos com os mercados das vilas e da capital.
Se destacando, a pesca da tainha, peixe–boi, tartarugas e caranguejos.

A Agricultura era retratada pelas pequenas roças e parte da produção era


encaminhada a Tesouraria Geral, o que restringia o volume da produção para a
subsistência.
62

As condições geográficas e ambientais deste município pela proximidade com


a baía do Marajó, o Oceano Atlântico e a presença de um ecossistema aquático
diversificado por praias, igarapés, manguezais e vastas áreas florestais tem
possibilitado a essa população desde os primeiros tempos a sobrevivência através
da prática do extrativismo, a pesca e a agricultura de subsistência.

Entre as atividades de subsistência, o destaque para a pesca artesanal,


enquanto fonte de trabalho, renda e alimentação de uma parcela significativa da
população, que se complementa com as demais atividades tradicionais, garantindo-
se a sustentabilidade desta comunidade ribeirinha.

Em decorrência dos aspectos geográficos do município, esta comunidade por


séculos se manteve num certo “isolamento” devido às condições de transporte e
comunicação, possível somente por navegação fluvial. O que levou os moradores a
viverem em torno de um “micro-mundo”, considerando-se que a vida se reportava a
pequenos grupos. Um período marcado por um lento processo de crescimento, o
que garantiu a manutenção de padrões culturais eminentemente caboclos. O contato
com um mundo mais amplo só ocorre com a expansão rodoviária no nordeste
paraense que possibilitou a ligação de Colares com o continente na década de 1970.

A estrada possibilitou o turismo com a chegada de veranistas a esse paraíso


natural e com isso o confronto de realidades distintas, díspares. Uma realidade
pautada no tradicionalismo e outra, que leva a modificação dos costumes
tradicionais, o estilo moderno, a vida urbana.

A década de 1970 traz profundas transformações para a região nordeste do


Pará com a implantação de projetos agropecuários, pesqueiros e extrativistas. São
projetos que dinamizam a economia e a reordenação do espaço. Embora na maioria
das cidades e lugares dessa região sejam mantidas as chamadas atividades
tradicionais.

A cidade de Vigia no início do século XX apresentou uma estrutura produtiva


voltada pra o consumo local, notando-se que apenas o excedente da produção
agrícola e do pescado era comercializado na cidade de Belém. O que demonstra o
caráter de subsistência da produção desta referida região.
63

A partir de 1960, com a ligação da região da Amazônia ao Centro-Sul do país,


observa-se uma desarticulação da produção local pela concorrência dos produtos
que chegavam à capital; uma vez que a capital passa a ser abastecida por produtos
hortigranjeiros de melhor qualidade e menor preço, se comparado com os produtos
locais. Essa concorrência provocou a desestabilização da produção local, o que vai
contribuir para a queda da renda familiar dos pequenos agricultores, como a redução
de capital nas localidades rurais.

Uma realidade econômica que vai interferir em muito na estrutura agrária da


região com a predominância de pequenas propriedades. Loureiro (2001) apresenta a
seguinte estimativa em relação às propriedades da região do Salgado: Propriedades
com mais de 100 hectares, correspondiam a 20% dos proprietários com uma área
de 59,26%; e 98% dos proprietários partilhavam entre si 40,74% da totalidade das
terras.

A partir desse retrato, o nordeste paraense caracterizou-se por uma estrutura


agrária baseada em minifúndios. A produtividade e a rentabilidade dessas
propriedades nas últimas décadas levaram os pequenos proprietários a se
converterem em minifúndios, tornando-os inviáveis, social e economicamente.

Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE demonstram os


efeitos do parcelamento das terras na região contribuiu para o processo migratório
para a cidade de Vigia e assim o aumento considerável de sua população nas
últimas décadas, como demonstra o quadro a seguir:

Quadro 1: Crescimento da População Rural e Urbana de Colares e Vigia


(1980/2001).
1980 1999 1996 2000 2001
Município Urbano Rural Urbano Rural Urbano Rural Urbano Rural Urbano Rural
Colares 1.809 5.287 2.655 5.683 2.654 6.286 3.238 7.394 3.316 7.583
Vigia 16.687 8.130 25.116 12.252 26.121 10.892 28.006 12.170 28.289 13.438
Tabela 1. Fonte IBGE

Apesar do crescimento populacional, sobretudo urbano em Vigia, esse


crescimento corresponde a 59% no período de l980 a 2001. E uma população rural
com um crescimento de 32%. Em Colares, a população rural mostra-se superior a
64

população urbana, o que demonstra que o modo de vida tradicional mantém-se de


forma dominante nessa fração do espaço.

Nas últimas décadas, embora sejam notórios os traços da modernidade que


chegam, se instauram e imprimem suas marcas e poder de persuasão junto à
comunidade de Colares, as atividades tradicionais da pesca artesanal, da pequena
agricultura e do extrativismo continuam desempenhando papel referencial, que dá
substância a essa comunidade. Assim, para compreender como se apresenta a
realidade social, econômica e cultural desta cidade torna-se necessário
compreender que, apesar do processo de urbanização por que passa este município
nas últimas décadas, como e em que condições subsistem as atividades
tradicionais, enquanto referencial de uma comunidade ribeirinha, cabocla e
tradicional

2.2.1 A Agricultura Familiar no Município de Colares:

A agricultura na região amazônica sempre esteve ligada ao processo de


ocupação e sobrevivência das populações tradicionais. Seu caráter de subsistência
tem sido aspecto vital para a ocupação humana na Amazônia e que por ser muito
antiga revela-se como elemento integrador entre a cultura e o meio ambiente, por
apresentar aspectos ecológicos e socioculturais no seu processo de produção.

No processo de ocupação e produção da terra, as populações tradicionais


desenvolvem sistemas de exploração de recursos naturais, onde se revela um
processo de manejo, de manipulação do espaço e seus recursos, que combina
diferentes atividades de subsistência como agricultura, pesca, caça e coleta.

No cenário das populações ribeirinhas e não fugindo a regra na cidade de


Colares, o modo de produção de subsistência, em que a agricultura tradicional é a
pequena roça, centrada principalmente na produção da mandioca para a produção
da farinha, um saber-fazer que vem sendo repassado de gerações anteriores das
populações indígenas populações primeiras que continuam a dar sentido às práticas
tradicionais locais no contexto presente.
65

As discussões acerca da agricultura familiar vêm ganhando legitimidade a partir


de 1990, junto aos movimentos sociais e órgãos governamentais, como
reconhecimento de sua importância, enquanto meio de trabalho, alimentação e
renda do homem do campo.

Nesse período, nota-se a efervescência dos movimentos em torno do “Grito da


Terra”, como forma de denunciar as condições de trabalho, produtividade e vida do
homem do campo. Levantam-se questões relacionadas à abertura comercial, a falta
de crédito, a queda dos preços e dos produtos agrícolas. Um movimento que reúne
os interesses de todos os segmentos relacionados à agricultura como: os
agricultores familiares, assentados, arrendatários e posseiros.

É no decorrer da década de 1990 que emergem pesquisas e discussões a


respeito do rural ou da ruralidade no Brasil. São estudos que passam a avaliar as
condições e as alterações da produção agrícola, das condições da pesca artesanal e
a realidade do espaço rural. Novos conceitos passam a ser utilizados para o
entendimento da dinâmica apresentado pelo espaço rural. Emergindo questões
relacionadas ao meio ambiente, a sustentabilidade econômica. Questões que
passam a referenciar diferentes atividades econômicas no campo, e
conseqüentemente a conformatação de uma nova ruralidade.

Em muitas áreas rurais, as atividades tradicionais vêm sendo modificadas ou


tais atividades passam a compor o campo da produção local, mas relacionando-se a
outras atividades chamadas de “pluriatividades” que são desempenhadas pela
família rural. Em geral são atividades não-agrícolas e relacionam-se a um conjunto
variado de atividades econômicas e produtivas, não necessariamente ligada a
agricultura e ao uso da terra.

Em Colares, a atividade agrícola é retratada pela pequena roça, nitidamente


familiar e segundo informações do presidente do Sindicato dos Trabalhadores
Rurais, existem no município cerca de 1500 a 2000 pequenos agricultores, dos quais
300 agricultores são sindicalizados.

Neste município, a pequena agricultura é fator imprescindível a subsistência e


renda da população local. Em geral, os agricultores ocupam terras da União por
66

décadas. E seu uso e benfeitorias são passadas de gerações anteriores. Somente


as propriedades mais recentes são as que possuem títulos de propriedade.

Assim, a roça é retratada por pequenas áreas de cultivo de 7 a 14 hectares de


terra, onde se planta basicamente a mandioca para a produção da farinha, fonte
básica na alimentação local acompanhada pelo peixe.

Produz-se em menor escala o milho e o arroz, o que sobra da produção é


colocado à venda no comércio local. Embora a produção agrícola em Colares não
seja suficiente para atender a demanda local, o município importa de outras áreas,
como de Santo Antônio do Tauá, a farinha e produtos hortigranjeiros.

A produção agrícola familiar continua sendo realizada de maneira tradicional,


sem inovações tecnológicas e com uma baixa produtividade. Uma prática que
remonta ao conhecimento herdado das populações indígenas. O trabalho na roça
continua tão rudimentar como na era colonial. Uma prática primitiva na construção
do roçado e no fabrico da farinha.

O trabalho na roça é muito desgastante, exige muito sacrifício do


trabalhador rural e de toda a sua família, sem contar com a demora da
colheita da produção, pois a colheita de uma roça varia em torno de quatro
meses a um ano, dependendo do tipo de cultura e as etapas dos serviços
necessários para esse fim, (PINTO, 2004, p.116).

O trabalho inicial da feitura do roçado inicia-se com a derrubada da mata. Os


matos menores, menos resistentes e leves são cortados com facões e terçados.
Após essa fase, inicia-se a derrubada de árvores maiores e os instrumentos para
isso são variados, sendo de acordo com a característica da floresta. A derrubada em
geral é realizada em período de estiagem, sem chuva. Espera-se secar e queima-se.
É o processo da coivara que se mantém, ultrapassando o tempo.

Após a queimada e a coivara inicia-se a fase do plantio. Um momento que


conta com a participação de homens e mulheres. Em geral, o corte da maniva é feita
pelos homens, e o plantio das hastes é realizado pelas mulheres. Estas são
parceiras importantes no trabalho que se segue o plantio, que é a retirada das ervas
daninhas e todo o acompanhamento da roça para que ocorra o desenvolvimento das
mudas.
67

Consolidado o plantio da mandioca parte-se para o plantio das demais culturas,


em geral do milho, melancia e outros produtos. O tempo da colheita varia, segundo
os tipos de mandiocas plantadas e demais culturas que são consorciadas.

A produção de farinha é outro momento que conta com importante participação


de todos os membros da família, considerando as diferentes etapas para a sua
produção e outros derivados da mandioca, como: a goma, o tucupi, e a farinha de
tapioca.

Em Colares, a Secretaria Municipal de Agricultura e Pesca diante do


tradicionalismo tão presente vem implantando projetos de cunho “agro-florestal” no
sentido de dinamizar a cultura agrícola, até então de subsistência, através do cultivo
consorciado de produtos com sementes melhoradas geneticamente. Em uma
mesma área plantam-se produtos diferenciados com vistas à maior produtividade.

Esta secretaria Municipal vem fazendo a distribuição anual de 10 mil mudas de


feijão calpi, açaí, cupuaçu e banana. Além do fornecimento de adubo, transporte e
acompanhamento dos agricultores. Um processo que mesmo de forma incipiente
vem colocando o produtor local frente a outros saberes, mediante a realização de
cursos de capacitação que vem sendo realizados junto aos produtores rurais.
Cursos que se realizam em parceria com governo local e outros órgãos ligados a
agricultura, como a Secretaria de Estado de Agricultura (SAGRI).

Segundo o Secretário de Agricultura, a primeira grande preocupação é abolir a


queima do solo. Afirma ainda que embora o fazer do trabalhador esteja ligado ao
tradicionalismo, vem se observando a redução dessa prática. Para este secretário, a
grande preocupação desta secretaria é promover a preservação do solo e do
ambiente florestal e a chegada da mecanização agrícola vem trazer ganhos para a
produtividade e para a preservação ambiental.

No município, está em fase de implantação o projeto de folheosas e legumes,


baseado em processos orgânicos, sem o uso de fertilizantes e adubos químicos.

Segundo avaliação desse secretário, há por parte dos agricultores pouca


aceitação desses projetos, que é retratado pelo baixo envolvimento da população.
Para o secretário, o grande fator que emperra esse envolvimento maior é a
68

vinculação muito forte ao modo de produção tradicional. A população de Colares é


extremamente extrativista, principalmente em relação ao cultivo do açaí. Segundo o
Secretário de Agricultura:
É mais fácil ir até a várzea e retirar o açaí nativo do que se engajar no
cultivo do açaí de áreas seca, de terra firme. Não percebem que o açaí de
várzea tende a se exaurir seja pelo tempo de exploração, seja pela
derrubada do açaizal para a extração do palmito, sendo visível a rejeição às
novas propostas de incorporar às vantagens trazidas pelas novas técnicas e
saberes.

Em relação à dinamização do cultivo da mandioca e produção de farinha, a


prefeitura local construiu três casas de farinha mecanizada no sentido de tornar essa
produção mais ágil.

O Secretario Municipal de Agricultura avalia o papel importante da agricultura e


da ação do governo para o alcance do desenvolvimento local ao afirmar que: “a
agricultura depende de boa vontade política e recursos do governo local para
incentivar e programar as ações projetadas para o setor”. Seu posicionamento está
diretamente relacionado à ausência de recursos e investimentos que garantam a
plena efetivação dos projetos agrícolas e com isso, dificuldades para a dinamização
desse setor produtivo. Preocupação que é reafirmada pelo presidente do Sindicado
dos Trabalhadores Rurais de Colares quando diz: que “a tecnologia não chegou a
Colares, daí a pequena produtividade e renda vinda da agricultura”. Comenta ainda
que os recursos do Estado do Pará para o setor agrícola é de 77 milhões, o que é
insuficiente para atender as demandas da agricultura e em especial a agricultura
familiar.

Em relação aos projetos agrícolas que vem sendo implementados no


município, o presidente deste sindicato afirma que são de pequeno alcance por não
possibilitar o acesso à maioria das famílias agrícolas. Vem alcançando apenas um
pequeno grupo de produtores. “A produção do município é considerada insuficiente
para dar atendimento às necessidades locais”. “Continuamos a importar hortaliças e
até farinha de mandioca de outras áreas”.

O problema de maior envergadura e que vem limitando a expansão agrícola é


que os produtores locais não têm acesso às políticas públicas do setor. Uma vez que
os trabalhadores rurais não são beneficiados pela linha de crédito, pelo Programa
69

Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar – PRONAF e pelo Fundo


Nacional do Norte – FNO.

O município não mantém convênio com a Empresa de Assistência Técnica e


Extensão Rural - EMATER e, conseqüentemente não proporciona uma assistência
técnica contínua aos produtores rurais. Os agricultores rurais apenas vêm
participando de cursos esporádicos, que sem financiamento não podem ser
concretizados na prática.

Nesse processo inicial de transitoriedade, as propostas de novas frentes de


produção, trabalho e renda são vislumbradas a partir do processo de capacitação.
São projetados novos empreendimentos a serem efetivados de fato e que venham
provocar impactos produtivos e econômicos que carecem de financiamento. A
capacitação e os novos saberes que chegam ao Município com o fim de torná-lo
mais sustentável economicamente apresentam efeitos que são retardados por não
serem prioritários no orçamento e receitas do governo local. O orçamento
participativo para o ano de 2008 não priorizou a agricultura como setor prioritário.
Sendo votado como primeira prioridade a construção da ponte que liga Colares ao
Município de Penhalonga, o que vai tornar o transporte e a comunicação mais ágeis
com outros municípios e Belém.

Para o presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais a adoção de novas


tecnologias para dinamizar a produção local é algo que precisa ser bem mais
trabalhado junto ao produtor local, uma vez que as casas de farinha mecanizadas
instaladas no município não têm sido devidamente utilizadas. Segundo o presidente,
algumas casas de farinhas já foram até depredadas, e o trabalhador continua a usar
as antigas técnicas de “fazer farinha”, utilizando-se de instrumentos e objetos
construídos por eles mesmos através do saber e do legado deixado pelas gerações
anteriores.

Entre os projetos implantados, o projeto de Apicultura é o que mais tem trazido


resultados para o Município de Colares. Vem apresentando uma produção de 100
toneladas de mel por ano. Os demais projetos se reportam a áreas isoladas,
dispersas. Assim a produção agrícola tradicional continua perpassando pelas
“veredas da sobrevivência”.
70

2.2.2 A Pesca Artesanal: atividade referencial do Município de Colares

Desde os tempos imemoriais a pesca referencia a vida material, social e


cultural das populações indígenas, ribeirinhas, caboclas na região amazônica. É a
vida às margens dos rios que vem garantindo a sustentabilidade da vida local.

É a biodiversidade existente que coloca o homem amazônico frente a frente à


presença exuberante dos recursos dos rios, lagos, igarapés e mangues. São
recursos naturais do rio e da floresta imprescindíveis ao processo de produção e
reprodução dessas comunidades ribeirinhas. É mediante a atuação de grupos de
pescadores, marítimos, estuários, coletores e extratores no trabalhar e transformar
da natureza que os “povos das águas” constroem sua materialidade.

Esse processo de construção se dá pela intensa relação que se estabelece


entre o homem, o rio e o mar. Uma relação concreta e ao mesmo tempo simbólica, a
partir do estabelecimento de relações sociais que demarcam todo um processo de
reprodução social das populações ribeirinhas. O mar e o rio apresentam-se como
natureza e como espaço produtivo ao mesmo tempo, tornando-se um fator que
imprime sentido à vida social, como também fator que exige uma racionalidade no
manejo, na apropriação e no gerenciamento dos recursos naturais, hídricos e
florestais.

É esse relacionamento homem-natureza que segundo Maneschy (1995, p.11)


será determinante na “forma de existência de uma sociedade (que) depende
fundamentalmente do modo como os homens produzem e reproduzem as bases
materiais de sua existência”. Uma produção social que se organiza pelas relações
determinadas, correspondentes as condições materiais e simbólicas específicas. Um
processo referendado pela produção e reprodução dos elementos estruturadores da
vida local, como as forças produtivas e relação social dela advindas. Expressando
uma interrelação entre produção, distribuição, troca, consumo inerentes àquela
comunidade. “Todos esses elementos são vistos historicamente afim de que se
possam detectar as mudanças em curso, avaliarem seus efeitos no sentido da
permanência, da reestruturação ou da desestruturação da comunidade”, (idem).
71

Desde o início da ocupação portuguesa na Amazônia, a pesca apresentou


papel de destaque enquanto fonte de alimento, trabalho e comércio. O peixe desde
os primórdios da ocupação constituiu-se fonte principal de alimentação da população
regional, seja pela abundância, seja pela habilidade de como as populações
indígenas realizavam sua captura. A pesca também sempre se constituiu numa das
mais importantes atividades econômicas, embora nas comunidades tipicamente
indígenas não tenha havido a profissionalização do pescador, por estar associada à
prática da agricultura e da caça.

Durante a colonização européia incentivou-se o extrativismo como atividade


rentável, no entanto, sempre se fez presente a figura do pescador-lavrador. O
homem da região que se apropria dos recursos naturais disponíveis para o seu
sustento e de sua família. Assim, nunca sendo especialista de alguma atividade
exclusiva.

Na região do Salgado, Hurley (1933, p.14 e 15) faz à seguinte colocação:

A pesca é mais amena e menos arriscada e o pescador não é propriamente


dito um profissional: reúne ele o tipo misto de agricultor-pescador sem ser
na expressão legal desses vocábulos, nem uma coisa nem outra, porque
não está aparelhado para exercer essas profissões. Como lavrador, raros
são os que possuem terra e seus instrumentos agrários (como) a enxada, a
taceira, o machado e o terçado (que) roçam as terras devolutas do Estado,
ou nas terras de patrimônio da mãe-velha (Intendência). Como pescadores
povoam as safras (inverno) dos peixes dos rios, canaes, mupéuas, restingas
(coroas) e igarapés, formados e banhados pelo mar e pelo fluxo das marés,
mal agasalhados em pequenas curiácas, montarias e simples “cascos” sem
falca e sem pavez com rodelas de proa e popa de Tijuco, talude e de
espinhel (Tiradeira), tarrafa ou linha de mão, utensílios quase sempre
emprestados a troco de quinhão de peixe. Colhem o saboroso pescado no
grosso das piracemas... Passado a safra, mais de 60% dos pescadores
paraoáras do salgado deixam as águas e se destinam a outros mesteres:
Uns vão desmanchar roçados, outros vão abruir as roças do verão.
Apesar do tradicionalismo, o crescimento populacional da região do Salgado,
em especial a cidade de Vigia estará relacionado à importância assumida pela
atividade pesqueira desde a era colonial. Uma região que assume papel estratégico
entre Belém e São Luis.

Na era colonial, o governo português passa a efetivar maior controle sobre a


produção pesqueira. Para tal, implanta os “Pesqueiros Reais”, momento em que as
pescarias eram realizadas por particulares e toda a produção era direcionada para o
interesse português. Implanta-se o trabalho servil da pesca em que os “pescadores
72

que trabalhavam nos pesqueiros eram índios reduzidos, que ganhavam, além da
alimentação que eles mesmos mariscavam os ricos salários de duas varas de pano
d’ algodão”, (HURLEY, 1953, p. 68 e 69).

Os dízimos dos pesqueiros geravam rendimentos significativos, entretanto,


foram extintos no final do século XVIII, em decorrência da escassez da mão de obra
indígena.

Falta de índios que o mal da catequese, as repetidas epidemias de bexiga e


sarampos, os maus tratos, perseguições e colossais morticínios rareavam e
que a bem aventurada Lei de 1775 libertou finalmente, determinando a
extinção dos pesqueiros, que somente a sua habilidade de pescadores tinha
por mais de um século mantido, (VERISSIMO, 1970, p.111 e 112).

Na era colonial havia a grande pesca de valor comercial e a pequena pesca


voltada para obtenção da alimentação das populações locais.

A grande pesca volta-se para a pesca do pirarucu, tartaruga, o peixe-boi a


gurijuba, a tainha e a produção do grude de peixe. A pequena pesca inclui toda a
espécie de peixes, anfíbios e crustáceos, mas com importante papel para o mercado
local e de Belém. N a época das safras, os pescadores buscavam diferentes lugares
de pesca, as zonas de maior concentração. Passada a safra, verificava-se o retorno
ao seu local de origem, onde passavam a se dedicar a pequena pesca, a agricultura
e o extrativismo.

Durante o ciclo da borracha, com as transformações econômicas,


populacionais e dos mercados consumidores, inicia-se a introdução de técnicas de
base capitalista trazendo repercussões sobre a pesca artesanal. Nesse momento
considerava-se insuficiente a produção dos pescadores artesanais para dar
atendimento às demandas de Belém e outras localidades. Assim, ao longo do século
XIX são aprovadas leis que propunham a criação de companhias de pesca, tendo
em vista a produção de pescado em larga escala

O Estado passa a disponibilizar empréstimos para aquisição de barcos e redes.


São inovações que começaram a altear o mundo da pesca, ameaçando o trabalho
dos pescadores artesanais, pois a produção agora em larga escala levou a escassez
do pescado se reduzindo o abastecimento de localidades que dependiam da
pequena pesca.
73

Outra inovação do setor pesqueiro foi à utilização de gelo que transformou as


canoas em geleiras. Uma inovação que alterou o processo de trabalho na “medida
em que os pescadores ficaram em parte liberados de salgar e secar os peixes. Por
isso, era possível ampliar seu ritmo, já que não era necessário interromper as
pescarias para proceder ao beneficiamento, de modo poder esperar o momento da
venda”, (MANESCHY, 1995, p.38).

Até esse momento, essas inovações não alteram o ritmo e as formas de


produção então predominante na pesca artesanal, entretanto, observa-se que nas
“condições de troca beneficiavam principalmente os intermediários que impunham
os preços de compra aos pequenos pescadores.” (Ibidem). Essa realidade só vai se
alterar nas últimas décadas, momento em que ocorre em várias áreas a
especialização da atividade pesqueira.

Historicamente, muitas comunidades pesqueiras se originam a partir da


atividade agrícola, quando da formação das fazendas ou aldeamentos missionários,
entretanto, Mello (1985, p.37) afirma que na Zona do Salgado, a agricultura e a
pecuária se apresentavam pouco desenvolvidas, o que levou o caboclo a se dedicar
mais a pesca. Assim, a pesca a pesar de ser caracterizada como atividade
complementar, foi atividade importante, fundamental nessa região. No entanto, a
profissionalização do pescador, enquanto atividade especializada, será observada
na segunda metade do século XX, como resultante da penetração capitalista no
setor pesqueiro.

A lógica da economia de mercado adentra nas mais longínquas localidades


ribeirinhas, embora na região amazônica seja dominante a pesca artesanal, a pesca
de subsistência pela permanência de suas práticas produtivas que continuam
operando da mesma forma rudimentar. As dificuldades de transportes e de
acondicionamento do pescado têm sido apontadas como fatores limitadores da
expansão da atividade pesqueira. Somente a chegada das geleiras vai possibilitar
maior tempo de conservação e comercialização do pescado em áreas consideradas
distantes dos locais de captura.
74

Nesse cenário de tradição e modernização, a pesca artesanal vem persistindo


apesar das condições sócio-econômicas, funcionando muito mais como
oportunidade de emprego do que renda.

Nesse campo de produção o aumento do preço do pescado está muito mais


relacionado aos custos operacionais ligados a manutenção das embarcações, aos
insumos e a intensificação da demanda em certos momentos do que a valorização
da produção em si. A introdução das novas tecnologias no campo pesqueiro tem
levado a um decréscimo do volume da produção e oferta em virtude da redução da
produtividade de locais antes piscosos, ocasionados pela sobrepesca de algumas
espécies que de forma predatória tendem a desaparecer. A escassez do pescado
tem provocado a evasão de pescadores artesanais para outros campos de trabalho.

Em Colares a pesca artesanal se mantém desde os primeiros tempos. Usa-se


a canoa ou o pequeno barco, o caniço e outros petrechos rudimentares para a
captura do peixe. Como afirma Furtado (1981, p.76) “o passado se refaz no
presente. O passado é lembrado na prática do espinhel e o presente representado
pela rede malhadeira que de certa forma vem trazer inovações na organização
social do trabalho da pesca.”

A pesca artesanal revela uma simbiose entre o homem e a natureza,


distinguindo-se da narrativa da modernidade, onde o processo de trabalho tende a
ser alienador das condições objetivas, onde se dá uma construção identitária.
Entretanto, a realidade de modernização revela-se pela crescente homogeneização
das práticas, ao mesmo tempo em que se processa um controle sobre a natureza.

O saber fazer do pescador não se faz de uma hora para outra, mas é resultante
do acúmulo de experiências e de saberes inerentes a essa atividade que é tão
antiga como o homem da região. Para o pescador que detém esses conhecimentos,
considera-os de fácil aprendizagem. Sua formação se inicia desde pequeno,
escutando, observando e expericiando o fazer dos pais, parentes ou amigos. Um
conhecimento que vai se incorporando no exercício do dia a dia. São vivências a
partir da relação direta com o rio, que se transforma no grande espelho da vida. O
homem e o rio se transformam numa linguagem inseparável. O “homem e o rio
(como) os dois mais ativos agentes da geografia humana da Amazônia. O rio
75

enchendo a vida do homem de motivos psicológicos, o rio imprimindo à sociedade


rumos e tendências, criando tipos característicos da vida regional”, (TOCANTINS,
1961, p.306).

Nessa realidade marcada pela dualidade homem-rio, o pescador é resultante


da somatória da herança cultural e da experiência dedicada ao trabalho da pesca,
transparecendo o domínio do saber teórico-psicológico e dos segredos do ofício que
lhe capacita como experiente homem do mar numa relação do fazer-aprender que
lhe atribui um arsenal de conhecimentos e práticas da arte de pescar. Um saber
acumulado de inúmeras gerações, que é colocado em prática nas várias viagens,
expressos no exercício de lançar e puxar a rede, no momento da captura. Uma
tarefa teórica e prática que exige dedicação, amor, empenho e destreza física.

Segundo Mello (1985, p.107 e 108):

Conhecer a pesca significa dominar uma arte de muitas facetas. “A vida do


pescador não se reduz às tarefas do mar. Muitas vezes ele também é o
artesão dos instrumentos por meio dos quais trabalha. Preparar, por
exemplo, um espinhel implica em dominar alguns segredos; é preciso
primeiro fabricar ou adquirir uma linha comprida, medindo dois mil metros;
nesta linha, a cada duas braças é atracada uma corda fina – o estruvo –
onde na ponta fica “nodado” o anzol; junto com o anzol é amarrado o
“ancorete”- pequeno peso para puxar para o fundo o espinhel a cada 28, 30
ou 40 braças dependendo do tamanho da linha; junta tudo isso a corda de
bóias, entrelaçadas com linha para mantê-la suspensa.

Nesse âmbito produtivo, o saber-fazer da pesca se enquadra no campo da


ciência, pois além dos conhecimentos práticos exigem-se conhecimentos de
astronomia, meteorologia, biologia marinha e outros saberes científicos para a
eficácia da arte de pescar. A atividade pesqueira envolve também planejamento e
organização de tarefas que vão desde a aquisição de mantimentos, objetos
pessoais, os instrumentos ou petrechos propriamente ditos da pesca e, toda uma
preparação das embarcações em que todos os pontos são checados. No mar, à
medida que a canoa ou o barco se afasta e começa a se deparar com as correntes
marítimas e maresias fazem-se necessária perícia para navegar com certa
tranqüilidade. Uma das saídas é navegar pelos canais, na tentativa de não encalhar
em alto mar.

O conhecimento do ciclo das cheias e vazantes é fundamental para que ocorra


uma pescaria eficiente e eficaz. Constitui-se fator que vai determinar a hora da saída
76

e da chegada, assim como à hora da captura do pescado. Compreender as fases da


lua é outro elemento indispensável para determinar o tipo de maré. O que pode
trazer mais ou menor dificuldade no apanho do pescado.

É importante compreender que toda essa argumentação sobre o “domínio


teórico e prático de todo o processo de produção pesqueira é realizada em padrão
tradicional e de posse do trabalhador”, (MELLO, 1985, p.127).

Se de um lado o saber objetivo, o domínio de técnicas e instrumentos são


indispensáveis à atividade pesqueira, seu manejo e eficácia também estarão
relacionados às técnicas corporais.

São técnicas que dizem respeito aos modos pelos quais os homens, de
maneira tradicional, sabem servir-se de seus corpos como razão prática,
coletiva e individual. Os mais velhos, ao carregarem os mais jovens como
ajudantes de pesca, são os que colocam o prestígio de sua experiência
como modelo de destreza física e no equilíbrio do balanço da embarcação,
na dignidade em partir para o mundo das águas e dele retornarem como
uma aventura sempre necessária, na resistência em perseverar horas, às
vezes, noites a fio, até alcançar o momento certo, na agilidade, precisão e
força para jogar a tarrafa etc., a ser imitado não apenas como um “balé”
sobre as águas, mas como um ato quase mágico, na medida em que o êxito
logrado na captura é de fazer o corpo instrumento em consonância com os
movimentos dos cardumes, (VALÊNCIO, 2006, p. 29).

Na região amazônica, a pesca artesanal, tradicional se constituiu um marco,


uma referência. Nas últimas décadas, vem sendo marcada pela implementação a
modernização no setor pesqueiro. Essa modernização emerge como fenômeno que
vai alterar a pesca regional. Uma vez que passa a ser submetida pelas injunções
capitalista. A pesca inicialmente exercida por comunidades ribeirinhas se altera e
passa alcançar algumas especificidades. Passa a engendrar outro processo,
marcado pela modernização tecnológica trazendo como conseqüência; a
proletarização do pescador, antes livre e proprietário de seus instrumentos, de seu
trabalho e do produto de sua jornada de trabalho. Agora passa ser submetido pelo
controle empresarial. As novas relações de produção e trabalho fazem emergir um
mundo contraditório e conflitante. O mundo tradicional se altera pelas mudanças na
maneira de produzir e comercializar o fruto do trabalho. Num cenário em que as
novas tecnologias aparecem como instrumento de transformação social, pela
priorização dos objetivos do capital.
77

Com a chegada da modernização, o pescador artesanal passa a ser visto como


produtor “desqualificado” perante a grande indústria. O capital avança e passa a
dominar espaços considerados “vazios”. A ação empresarial passa a subsumir as
comunidades ribeirinhas pela alteração de suas condições materiais e ao mesmo
tempo lhe retirar o direito de continuar se reproduzindo como tal.

Nos finais dos anos 50 do século XX, inicia-se na região transformações


estruturais na economia pesqueira. É o momento em que, em alguns pólos
pesqueiros os trabalhadores do mar são “obrigados” a vender sua força de trabalho
diante da instalação da pesca capitalista. Observam-se investimentos de grupos
estrangeiros e a atuação política do próprio Estado nesse setor produtivo.

A partir de 1960 estudos são realizados no setor pesqueiro com o intuito de


oferecer subsídios à atuação do Estado. São estudos que questionam a produção
da pesca artesanal e apontam saídas para a dinamização e maior produtividade do
setor pesqueiro. É o momento em que se dá a inserção plena e definitiva da
Amazônia no capitalismo monopolista.

Questiona-se o rudimentarismo das técnicas nativas considerando-as como


“irracionais” e “atrasadas”:

Um modelo produtivo que se caracteriza apenas como valor de uso e não


de troca. Revestindo-se pelo olhar capitalista como sistema “antieconômico”
pela baixa produtividade. A melhoria da conjuntura econômica da atividade
pesqueira na Amazônia só poderia ser obtida, pela racionalização do
trabalho, ou seja, pelas mudanças no modo de produzir a pesca, seus
métodos e técnicas, (ALMEIDA & ALBUQUERQUE, 1961, p.9).

Nessa visão de modernização, as técnicas nativas seculares de produção de


peixe, coerente com o modo de produção, onde é a subsistência da população
produtora é o objetivo central do trabalhador, torna-se objeto de crítica, a partir da
perspectiva da visão oficial dominante, que se reivindica a neutralidade cientifica do
julgar o que é “certo” ou “errado”, “bom” ou “mau” para o caboclo da região”,
(MENDES, 1938, p. 11).

A grande preocupação dos pesquisadores é confrontar a baixa produtividade


da pesca artesanal e o interesse em expandir a produção do pescado, através das
técnicas de “arrasto”, para tal a necessidade de formação e treinamento dos
pescadores regionais para a utilização de novos instrumentos com maior eficiência.
78

Somando-se aos novos saberes e fazeres, a adoção de novas técnicas e a


utilização de barcos a motor no sentido de vencer a “incapacidade do homem
regional em virtude do “atraso e acomodação” das comunidades tradicionais.

Trabalha-se com o estereótipo do homem amazônico, que segundo Mendes


(1959, p. 20) caracteriza-se como sedentário, lavrador à beira do rio, “onde encontra
sempre furtando ao trabalho diário, sem ardor, nem pressa, o tempo, “um
instantinho”, como ele diz, de em qualquer água, ali perto: como “um de nós vai à
cozinha” pegar peixe ou “mariscar’, na sua expressão típica. A facilidade de
“marisco” será visto como causa do comodismo do nativo que por esse motivo, não
tem necessidade de dispensar o esforço que outros povos e o incitamento ao
trabalho. Nasce assim a ideologia preconceituosa do trabalhador “preguiçoso”,
incapaz de desenvolver por iniciativa própria a produção de bens, antes se
contentando com que a natureza dá. O resultado dessa visão estereotipada será o
discurso em defesa de uma urgente e sistemática educação do pescador,
considerado como único meio capaz de dotar-lhe de preparo à utilização daqueles
métodos e técnicas de pesca consideradas como racionais.

Nessa percepção, deixa-se de lado a compreensão da maneira de ser e viver


das populações ribeirinhas. Acredita-se e busca-se uma educação pesqueira voltada
para a geração de pescadores profissionais, no sentido de se adequar ao trabalho e
a técnicas mais modernas de manejo e produção do pescado. Pela aquisição de
novos conhecimentos “libertarem” os pescadores regionais, deixando-se de lado o
conhecimento nativo, visto como supérfluo e sem valor para a lógica capitalista.

Na cidade de Colares a pesca artesanal é característica marcante da atividade


pesqueira, Utilizam-se instrumentos tradicionais da pesca como o espinhel, a linha, a
tarrafa e mais recentemente a pesca de rede. Os barcos são de pequeno porte e a
vela, poucos são motorizados.

Apesar da rusticidade dos instrumentos de trabalho até nas últimas três


décadas, a produção do pescado era considerado muito boa pela existência da
grande quantidade de peixes. A área em estudo era muito piscosa, apresentando
também uma diversidade de espécies. A quantidade do pescado possibilitou nesse
período a pesca de curral e a pesca de camboa. A produção das pescarias era
79

suficiente para abastecer a população local e o excedente era comercializado em


áreas próximas.

Os pescadores artesanais atribuem a redução da produção da pesca às


mudanças importantes trazidas pela utilização das redes malhadeiras e a
concorrência da pesca industrial. São fatores que trouxeram sérias conseqüências
para a pesca tradicional e para a vida das comunidades ribeirinhas. As formas
predatórias de captura e as novas relações de produção são efeitos da expansão
capitalista no setor pesqueiro regional, sobretudo a partir da década de 70 do século
XX.

A modernização da pesca regional vem atrelada a uma ação governamental,


mediante a implementação de uma política de incentivos fiscais. Os resultados
dessa política atraíram investimentos por parte de grupos empresariais do centro sul
e nordeste do país, o que estabeleceu uma forte concorrência com os pescadores
artesanais

Configura-se a pesca regional moderna industrial voltada para a grande


produção com destino a exportação. Altera-se o sistema de pesca com a chegada
de tecnologias sofisticadas e a implantação do trabalho assalariado.

O parque industrial pesqueiro passa a apresentar uma produção intensa de


pescado no nordeste paraense. As empresas de pesca se apropriam de áreas que
anteriormente eram praticadas pela pesca artesanal.

Segundo Cristina Maneschy (1995, p. 42), desde a implantação do parque


industrial pesqueiro, vários conflitos se estabelecem entre pescadores artesanais e
empresas de pesca. Os conflitos são decorrentes das superposições de áreas de
pesca e pela atuação depredatória que vem reduzindo os estoques de peixe.

Para Loureiro (1985, p. 146) a tecnologia industrial é baseada em rede de


arrasto que tem se mostrado altamente predatória, provocando grande matança de
peixes, além dos danos ao equilíbrio ecológico.

Em relação a Colares, a expansão da pesca industrial trouxe conseqüências


alarmantes. Na década de 1980, cerca de 60% dos pescadores locais estavam com
80

suas canoas encostadas em virtude da super exploração das empresas de pesca


com atuação próxima ao litoral do Marajó.

A frota artesanal não tinha as mínimas condições de competir com a frota


empresarial, estabelecendo-se uma luta desigual, eliminando-se da pesca
artesanal a autonomia e promovendo a proletarização de uma grande
massa de pescadores que tinha na pesca seu único meio de subsistência,
(PENNER, 1984, p. 96,97).

A percepção dos problemas e a reação a atuação das grandes empresas é


bem clara no depoimento de um pescador artesanal de Colares, quando afirma:

Essas barcas já pescaram nessa área. Teve um ano eles pescaram aqui.
Nós denunciamos pra Capitania dos Portos, tava prejudicando muito. A
gente ia uma hora dessas, era muito peixe morto em cima da água, piabas
pequenas eles jogavam tudo fora. Eles só pegam as graúdas, exatamente
agora está fazendo falta, tanto para eles como para nós,(idem).

A proximidade com o rio e o mar contribuiu para um conhecimento acumulado


sobre a natureza, seu manejo e controle. São saberes que advêm das práticas
indígenas retratadas por uma variedade de técnicas de captura, o que reflete uma
relação de adaptabilidade entre o homem e seu ambiente natural. Nesse tempo se
desenvolvia a pesca utilizando-se o “cacuri”, o “matapi”, a “Camboa” de pedras, a
tarrafa, a linha, a rede de tapagem, anzóis e currais. Algumas dessas técnicas estão
em desuso pela população local. Hoje, os instrumentos mais usados pelos
pescadores são a linha ou o espinhel e a malhadeira de nylon.

Levando-se em consideração os instrumentos utilizados e o tamanho das


embarcações, os pescadores de Colares são divididos em pequenos pescadores e
médios pescadores artesanais, onde os pequenos pescadores constituem a maioria
dos pescadores do Município. Segundo Azevedo (1998, p.35) esses pescadores
trabalham em embarcação de pequeno porte denominadas de montarias ou
reboques, movidas a vela. Antigamente os materiais de construção dessas
embarcações eram extraídos no próprio município, hoje com a degradação florestal,
parte das embarcações é fabricada com madeiras provenientes das estâncias locais.
Seus instrumentos de captura são a linha e o espinhel, utilizando-se em média de
200 a 800 anzóis.

As viagens nesse tipo de pescaria duram em torno de 12 horas, dependendo


do fluxo das marés e dos ventos. Guiam-se pelas estrelas, o vento e a maré. Todo o
trabalho é realizado em média por dois tripulantes.
81

Há o pescador que trabalha com linha. Um tipo de pescaria que exige um


preparo anterior para a consecução das iscas. O pescador de rede, em geral,
trabalha em embarcações pequenas movidas à vela. Todo o trabalho da pescaria
envolve de dois a três tripulantes e o comando cabe ao encarregado ou ao próprio
dono da embarcação que orienta o trabalha da pesca. Na verdade, todos os
tripulantes colaboram de forma coletiva para a realização das tarefas da pescaria.

O médio pescador artesanal constitui-se um tipo de pescador mais recente no


município. Essa modalidade está relacionada às transformações recentes no setor
de pesca na região do Salgado, em Colares. São pescadores que dispõem de
melhores condições financeiras e utilizam embarcações maiores e mais equipadas
com instrumentos mais modernos. As viagens são do ritmo do “chega e vira”, mais
curtas. Se o peixe estiver longe, as viagens são mais duradouras (barra fora),
podem durar de oito a dez horas diariamente ou durarem 07 dias pescando em
outras áreas mais distantes. A produção do pescado destina-se ao abastecimento do
mercado local e de outras áreas adjacentes, geralmente vendem a produção na
cidade de Vigia, mais próxima de Colares, (AZEVEDO, 1998, p.39).

No momento presente, cada vez mais os pescadores tendem a se deslocar


para áreas mais distantes em busca do pescado. Dirigem-se para o Cabo Norte,
alcançando o Amapá e as Guianas.

Segundo informações de um pescador do município, o mar não tem limites,


pois “assim como os nossos pescadores vão para outras áreas, vem pescadores
para cá de Cachoeira do Arari, Macapá, Salinas, Vigia e outras regiões.
Recentemente chegou a Colares um grupo de coreanos no farol”.

Uma das principais dificuldades relatadas pelos pescadores e pela Colônia de


Colares é a sobrevivência na época do “defeso”. O benefício do defeso não vem
sendo assegurado aos pescadores locais. Em outras áreas esse direito é
assegurado aos pescadores no momento da desova de peixes, camarão e
caranguejo. Esse fato tem levado os pescadores infligirem à proibição da pesca
nesse período de reprodução e continuarem a pescar e a catar caranguejo como
única garantia de sua sobrevivência e de sua família.
82

Diante da proletarização do pescador artesanal há uma saída, a sua


disponibilização para outras frentes de trabalho. Uns retornam a pequena agricultura
e outros passam a se engajar no comércio ou na prestação de pequenos serviços.

Na Colônia dos pescadores chegam às reivindicações da camada dos


pescadores artesanais. É onde denunciam a invasão das áreas de pesca da Z-23
por outros pescadores, em geral com embarcações motorizadas e como
instrumentos mais modernos. A concorrência torna-se acirrada e prejudica a atuação
dos pescadores artesanais e as condições de sua permanência.

Outra reivindicação é a garantia da segurança no mar. Os pescadores vêm


sendo constantemente ameaçados pela presença dos piratas do mar que lhes
assaltam levando a produção e seus instrumentos de pesca. Fato que vem inibindo
o trabalho e a chegada de novos pescadores nesse ramo de trabalho.

A Colônia é o órgão representativo da categoria dos pescadores é vinculada ao


Departamento Regional do Trabalho (DRT) e a Confederação Nacional da Pesca. A
Z-23 conta com 600 pescadores associados, estando distribuídos na sede de
Colares e nas localidades de Mocajuba, Genipaúba da Laura e Ariri. Na sede de
Colares há cerca de 300 associados. O trabalho da Colônia é feito no atendimento
diário dos associados e na realização de reuniões, onde esclarecem os direitos dos
pescadores. É o órgão responsável pelo encaminhamento burocrático das
solicitações de aposentadoria e dos benefícios de saúde.

Outra situação que vem preocupando os pescadores e a Colônia é a invasão e


a depredação da praia de Nossa senhora do Carmo, considerada praia de
procriação de peixes pelos pescadores locais. A grande preocupação é com a
destruição desse espaço tão importante para a preservação de muitas espécies e
assim propiciadora das condições naturais, ambientais necessárias para a
continuidade da própria atividade pesqueira.

Além dessa situação preocupante, os pescadores denunciam a intensa pesca


de arraias abundantes no município e o processo da cata do caranguejo, em que se
prioriza apenas a retirada da pata maior e que segundo relato de um pescador, os
caranguejos ficam fracos e morrem. São situações que aos olhos dos desavisados
podem passar despercebidos ou vistas como acontecimentos isolados, mas fazem
83

parte do uso e do manejo irresponsável dos recursos naturais que ainda existem no
município e que necessitam serem preservados para a própria continuidade das
espécies naturais e do modo de vida tradicional dessa comunidade ribeirinha e
cabocla.

No contexto de mudanças situamos a persistência da pesca artesanal


fragilizada e ameaçada de extinção na medida em que são alteradas as condições
naturais e conseqüentemente as condições de produção e reprodução do modo de
vida tradicional. Em lugar do tradicionalismo, a emergência de um processo de
reordenação social que coloca a modernização à vida urbana, diante de um modo
de ser e viver considerado arcaico e tradicional e que tende a ser suplantado;
substituído pela incorporação do estio de vida moderno, urbano e global.

CAPITULO III - O COTIDIANO DAS PRÁTICAS TRADICIONAIS NA PRODUÇÃO


DA IDENTIDADE RIBEIRINHA

3.1 O Cenário Amazônico nas Últimas Décadas

A realidade amazônica no seu aspecto social, econômico e cultural passa por


profundas alterações, a partir da década de 1960, momento em que o capitalismo
adentra e se expande na região, promovendo a exploração em larga escala das
reservas florestais, minerais e hídricas.
84

A expansão capitalista se efetiva mediante a implantação de grandes


empreendimentos econômicos pela atuação do Estado que se empenha na
estruturação e controle da região, criando condições necessárias à penetração do
capital e a atuação das grandes empresas nacionais e internacionais. O primeiro
grande passo foi à quebra do isolamento geográfico da região que passa a se
integrar com o resto do país, através da implantação da rodovia Belém-Brasília.
Nesse momento, a política desenvolvimentista volta-se para a industrialização e
urbanização do país e da região; vistas então como parâmetros de modernização,
cuja referência era o padrão norte-americano. Como resultados dessa inserção da
região, a modernização dos transportes e dos meios de comunicação.

O planejamento estatal para o desenvolvimento regional privilegiou algumas


áreas, que se tornaram alvos de políticas de investimentos por se constituírem em
áreas de concentração de reservas naturais em detrimento de outras áreas, onde se
verifica um lento processo de desenvolvimento e/ou estagnação econômica.

No entanto, diante do processo de modernização da região, todos são


afetados de forma direta ou indireta, com maior ou menor incursão da nova ordem,
pois todos serão atingidos pelos efeitos da modernização trazidos pelos grandes
empreendimentos, como a pesca predatória, a expulsão do homem do campo, a
desestruturação das populações indígenas, caboclas, camponesas, a devastação do
meio ambiente e o intenso processo migratório intra e extra-regional.

São transformações que alteram o modo de vida das populações amazônicas


levando a quebra de suas raízes, seus valores e sua identidade cultural, dando
surgimento a um novo tipo de organização social que se diferencia do passado,
através de um processo de reordenação social. Uma vez que as práticas culturais se
alteram quando se modifica o contexto social em que se está inserido.

Nessa ordenação, o antigo e o moderno como faces do processo de transição


que vem sendo implantado. Sendo nítido a secundarização da cultura popular,
enquanto saber tradicional das populações amazônicas. Os grupos subalternos se
inserem no processo de modernização de forma desigual e sob o olhar
discriminatório de suas práticas, mentalidades e estilo de vida.
85

Um processo de reordenação do espaço, do tempo social e o conseqüente


deslocamento e fragmentação do processo identitário das comunidades ribeirinhas.

Nesse processo de construção de identidade / alteridade que se insere o


presente trabalho com o objetivo de compreender o modo de ser e de viver das
populações ribeirinhas, em especial a cidade de Colares, enquanto comunidade
predominantemente formada por pescadores, extrativistas e pequenos agricultores.
Um estudo que de forma preliminar focalizará as resistências e permanências das
atividades tradicionais como elementos significativos na afirmação identitária desta
comunidade, ainda que em meio às mudanças sociais que se operam nesse espaço
nas últimas décadas.

3.2 História, Cotidianidade e Identidade

Para a compreensão dos processos de construção e afirmação de identidade


no cotidiano atual das comunidades tradicionais reporta-se a uma reflexão teórica
com importantes contribuições de Giddens (2000), Carvalho e J.P. Neto (1994),
Cuche (1999), Hall (1997) e Robert Darnton (2002).

As questões do mundo e da existência humana estão profundamente


marcadas não só por uma relação que aponta numa mesma direção, mas por se
constituir uma relação imbricada que vai além das aparências. Onde a
essencialidade emerge sob o tom da complexidade, da contraditoriedade e da
ambivalência da realidade social. O homem ao se localizar no mundo e com o
mundo estabelece uma “relação dialética que possibilita ao homem ser construtor do
mundo e si mesmo“, (FREITAS, 2002, p.58).

Entretanto nessa relação homem / mundo surgem algumas questões como:


até que ponto é harmonioso ou não a convivência entre os homens e o mundo que
os insere? E, como se revela o campo da intimidade, da subjetividade em relação ao
campo objetivo da produção social, cultural e econômico, mesmo considerando que
são campos que interagem na formatação do indivíduo e da sociedade?

Nessa relação com o mundo, o homem se constitui em um vir a ser,


considerando-se o emaranhado de possibilidades, diante da diversidade social e
86

cultural. Um contexto que reproduz fatos, valores e costumes, dessa forma


introduzindo ou inovando os cotidianos.

O cotidiano é aqui concebido como referência a vida de todos os dias e de


todos os homens de um determinado tempo / lugar, referindo-se às atividades
rotineiras, banais que expressam e fundamentam um modo de existência. Assim, a
vida cotidiana é como “aquela vida dos mesmos gestos, ritos e ritmos de todos os
dias (inclusive) os sonhos, desejos, insatisfações, angústias, opressão, mas também
segurança”, (CARVALHO, 1994, p.23).

Nesse ambiente de construção, Agnes Heller afirma que não há vida humana
sem cotidiano e cotidianidade. O cotidiano está presente em todas as esferas de
vida do indivíduo, seja no trabalho, na vida familiar, nas relações sociais, no lazer
etc. (in CARVALHO, 1994. p24). Assim o cotidiano persiste e penetra eternamente
todas as esferas da vida do homem, obedecendo-se os critérios tempo, espaço e
classe social.

O cotidiano nesse sentido constitui-se referência de um homem real numa


sociedade real, pois, segundo Heller (1972.p.18) afirma que “o homem nasce já
inserido em sua cotidianidade, o amadurecimento do homem significa, em qualquer
sociedade, que o indivíduo adquire todas as habilidades imprescindíveis para a vida
cotidiana da sociedade em questão”.

Neste contexto, o cotidiano é produzido por um conjunto de ações e relações


heterogêneas que, ao mesmo tempo se alteram, em função de valores e interesses.

O homem ao fabricar um produto cultural se constrói subjetivamente, ao


estabelecer uma vinculação entre o mundo interior e o mundo exterior, ou seja, o
“eu” e o “mundo”. Isto transparece a produção de um modo de existência social
como parte do mesmo processo que envolve as dimensões do abstrato / concreto,
do heterogêneo / homogêneo e uma realidade hierarquizada face às possibilidades
ilimitadas da renovabilidade social.

O estudo da vida cotidiana se volta para a captação do real e da realidade, do


sensível, do prático, do vivido e do subjetivo, fornecendo elementos para a
compreensão dos “diferentes fatos da vida social (enquanto elementos do devir
87

histórico) numa totalidade, se torna possível o conhecimento dos fatos como


conhecimento da realidade”, (LUKÁCS, 1974, p. 23 e 24), numa compreensão de
uma totalidade em constante movimento de estruturação e desestruturação.
Entretanto, permite a percepção do homem “concreto”, ”real” e a objetivação que
esse homem faz de sua realidade imediata.

Na cotidianidade à produção de sua sobrevivência, o homem estabelece


relações que vão além do seu cotidiano. O trabalho nesse processo se constitui fator
fundamental do homem e da sociedade, pois o trabalho enquanto prática social é
importante para dar atendimento às necessidades humanas e sociais, implicando
numa ação coletiva, conseqüente, ao construir uma realidade social dinâmica e
flexível a novas transformações.

A inserção do homem num contexto social cada vez mais ampliado altera a
ação do homem que não se volta somente para a sobrevivência e a produção de
sua subjetividade. “O homem é ao mesmo tempo singular e genérico, apenas na
vida este ser genérico co-participante do coletivo, da humanidade se encontra em
potência, nem sempre realizável”, (CARVALHO, 1994, p.260). Uma vez que a vida
cotidiana possibilita a emancipação do indivíduo, ao avançar do singular ao genérico
humano, embora se observe que a maioria dos homens não vivencia essa
experiência, mantendo-se “mudo” à relação entre “particularidade” e genericidade.

É esse caráter dinâmico da vida cotidiana que permite o “ocaso” o


“inesperado” as “resistências” e as possibilidades do transformar, provocar
alterações e rupturas que possam subverter a “ordem” e a “lógica da
regulação social”, como processo que “eleva os homens dessa
cotidianidade, retornando a esta de forma modificada, (CARVALHO, 1994,
p.14).
Para Heller, o trabalho, a arte, a ciência e a moral são elementos elevadores
do homem e de sua generacidade. O homem se constitui como tal, num contexto
histórico, uma vez que a “vida cotidiana não esta fora da história, mas no centro do
acontecer histórico: é a verdadeira "essência” da substancia da sociedade”,
(HELLER, 1972, p. 20).

Na contemporaneidade, o mundo não está passando simplesmente por


incessantes mudanças trazidas pela globalização e a revolução tecnológica, mas
está atravessando uma “transição” histórica que impõe uma nova racionalidade em
quase todas as partes do mundo. Fazendo ruir o que, até então, era visto como
88

“estável”, “seguro” e “ordenado” e emergir como afirma Giddens “um mundo em


descontrole” pelas “mudanças e riscos que alteram as condições de existência,
afetando onde quer que vivamos, não importa quão privilegiados ou carentes
sejamos”, (GIDDENS, 2000, p.15).

No cenário em que as tradições, costumes e culturas milenares como:


danças, ritos, cerimônias e vivências religiosas de algumas comunidades estão
sendo “apagadas” ou “suprimidas” pelo ímpeto das mudanças globais. Um contexto
que requer uma nova abordagem, uma nova percepção desse processo de
transitoriedade.

O viéis histórico centrado no aspecto cultural ao aliar-se a outros campos


como a antropologia vem referendar a compreensão do “real social”, valorizando a
história do presente. Uma vez que a “força do presente” questiona constantemente e
impõe uma nova compreensão da história, nesse presente contexto, o papel da
História e do pesquisador são o de possibilitar a compreensão dos “imensos vazios
culturais deixados pela avalanche das transformações, se não com o resgate das
vivências e tradições, pelo menos na compreensão crítica dos processos ocorridos”,
(COUCEIRO, 2002, p. 13).

Robert Darnton desenvolve estudos com estreita ligação com o antropólogo


Clifford Geertz, ao valorizar os elementos subjetivos e valorativos, para desvendar a
realidade social. Enfatiza a compreensão da “condição humana” e do “sentido da
vida”, procura traduzir o conteúdo simbólico das ações humanas e ler a realidade
social, a partir dos significados, como condição para captar o caráter simbólico dos
fatos, ou o que está por trás dos acontecimentos. Seu estudo volta-se para a
compreensão de “como as pessoas comuns entendem o mundo”, (COUCEIRO,
2002, p. 27).

Essa concepção acima mencionada percebe a subjetividade constituída por


meio de mediações sociais que implicam necessariamente na relação com o outro. A
subjetividade é resultante da ação significativa que expressa e produz um jeito se
ser e que adquire sentido numa “rede relacional” num contexto de proximidade ou
oposição, numa dada realidade social.
89

A identidade de um grupo específico se dá numa construção social e


histórica, envolvendo diferentes dimensões: “material / simbólica, objetiva / subjetiva,
individual / coletiva, da realidade social. Num dado contexto, constrói-se o
significado cultural que norteia o processo de identificação / distinção sócio-cultural”,
(CRUZ, 2004, p 01). A identidade se afirma pela linguagem, pelo imaginário e pelo
consenso de se reconhecer como tal, embora sua identificação se afirme diante da
diferença do “outro”. Assim, processo de construção de identificação de um
determinado grupo passa pelo reconhecimento e internacionalização de valores que
dão substância à vida social.

3.3 O Processo Identitário em Colares

O estudo se reporta a realidade da Cidade de Colares, onde se faz presente


práticas sócio-econômicas tradicionais e práticas e padrões baseados no estilo de
vida moderna, como conseqüência das transformações econômicas, sociais e
culturais que têm marcado o espaço regional. Um espaço que vem possibilitando
uma reordenação social, no qual a herança do mundo antigo e as novas
circunstâncias sociais do mundo moderno coexistem, gerando novas adaptações,
novos estilos de vidas, instaurando-se novas identidades.

A Cidade de Colares constitui-se em uma ilha, situada a nordeste do Estado


do Pará, às margens da baía do Marajó, na região do Salgado separando-se do
continente pelo furo da Laura e o Rio Guajará-Mirim, estando a 100 km de Belém
por via rodoviária.

Historicamente, a cidade surge pela atuação das missões religiosas, voltadas


para a catequese das populações indígenas, os Tupinambás e posterior
colonização, mediante o estabelecimento de aldeamentos, destinados à ocupação e
exploração econômica nos meados do século XVIII. Observando-se o poderio
econômico dos Jesuítas que “ofuscava a hierarquia e a fortuna dos colonos”,
(ACEVEDO, 2004, p.39).

A fundação oficial de Colares data de l751, quando da criação da freguesia de


Nossa Senhora do Rosário de Colares. Em l757, eleva-se a categoria de vila com
vinculação administrativa ao município de Vigia com uma população de 175 índios,
90

segundo informações de Baena. Desde 1775, encontram-se registros sobre a


existência de comunidades pesqueiras na zona do Salgado, na Costa Oriental do
Marajó. Além da população indígena, a ocupação de Colares foi marcada pela
diferenciação étnica pela presença de mamelucos, cafuzos, mulatos e brancos. Essa
diferenciação decorrente do processo de mestiçagem é importante na produção de
mão-de-obra barata para o dinamismo da colonização da região do Salgado pelo
importante papel econômico na era colonial.

Essa fusão étnica vai contribuiu para um “entrelaçamento” dos diferentes


grupos promovendo uma vinculação cultural própria, que localiza esses indivíduos
nesse espaço social, atribuindo-lhe uma singularidade no modo de ser e de viver. A
pesca e a pequena roça foram atividades centrais na ordenação dessa comunidade,
que se manteve de maneira estável por séculos. Um tempo demarcado por rituais e
repetições de ações, práticas e costumes, que garantiu o tradicionalismo como força
da identidade ribeirinha, cabocla. A identidade ribeirinha se construiu no momento
em que a comunidade internalizou valores e significados, construindo sentimentos
subjetivos de “pertencimento” ao lugar e a vida social e cultural.

As condições geográficas e ambientais desse município, sua proximidade


com a baía do Marajó, o Oceano Atlântico e a presença de um ecossistema aquático
diversificado por praias, igarapés, manguezais e vastas áreas florestais tem
possibilitado a essa população desde os primeiros tempos, a sobrevivência, através
de práticas tradicionais em que o extrativismo e a agricultura garantiam a
subsistência da população local.

Entre as atividades tradicionais, o destaque a pesca artesanal, como fonte de


trabalho, renda e alimentação de uma parcela significativa da população que,
embora prevalente, se complementa com as demais atividades tradicionais como a
cata do caranguejo, a extração de frutos e madeiras; o que tem garantido a
sustentação econômica, social e cultural desta comunidade.

A partir dessas práticas, os habitantes de Colares vêm desenvolvendo um


processo social, mediante a adaptabilidade aos recursos naturais, uma historicidade
própria na relação baseada no trinômio: homem, trabalho e natureza, que se traduz
por um estilo de vida própria.
91

Observa-se um lento processo de crescimento e a garantia dos padrões


culturais eminentemente caboclos, numa comunidade que por décadas se manteve
num certo “isolamento” devido às condições de transporte e comunicação, possível
somente por navegação fluvial, o que levou os moradores a viverem em torno de um
“micro-mundo”, considerando-se que a vida se reportava a pequenos grupos.

A partir da década de 1970, Colares passa a vivenciar os efeitos de incursões


modernizantes na região amazônica com repercussão direta no nordeste paraense.
A pesca artesanal desde os tempos coloniais era elemento de sustentação da vida
material e social, mas a partir desse período sua sobrevivência passa a ser
ameaçada.

Embora os pescadores continuem tendo livre acesso ao mar, altera-se o


contexto em que se dá a pesca pela introdução das redes malhadeiras de nylon
elevando a produção pesqueira, antes realizada somente com instrumentos
tradicionais. O pescador se depara com novos instrumentos, novas práticas e,
sobretudo, uma nova lógica trazida pela penetração do capital. A implantação da
pesca industrial com utilização dos barcos de grande porte que invadem as áreas
tradicionais de pesca artesanal, aumentando o ritmo de captura do peixe que se
voltava agora para a indústria pesqueira. A pesca de “arrasto” que altera os
“estoques pesqueiros e cadeias tróficas são comprometidas em seu ciclo biológico”,
(FURTADO, 1994, p.11). Um novo contexto que altera as “condições de
permanência dessa comunidade com sua organização social, pois se elimina as
condições objetivas, destruindo-se as possibilidades de reproduzir-se” (MANESCHY,
1995, p.58).

A chegada dos caminhões frigoríficos provocou alterações significativas no


município de Colares, pois a demanda de uma produção maior exigia um
investimento maior nessa produção. Um momento no qual se amplia o comércio
com intermediários.

A partir desse novo contexto, os pescadores passam a enfrentar uma série de


problemas com a concorrência com a pesca industrial, tais como: a escassez do
pescado; a necessidade de migração para outras áreas de pesca; deixam de serem
pescadores autônomos para se tornarem trabalhadores assalariados da pesca, ou
92

são forçadas a abandonar tudo e buscar os centros mais dinâmicos na busca de


emprego e melhores condições de sobrevivência. Entretanto, os que continuam
como pescadores artesanais em Colares almejam uma política pública que lhes
garanta melhores condições de trabalho, de sobrevivência e de segurança contra a
pirataria do alto mar. Preocupação essa expressa, quando da inauguração da nova
sede da Colônia dos Pescadores. Retirando-se os “discursos políticos” a presença
massiva dos pescadores de Colares nesse evento, aponta para o auto
reconhecimento dessa categoria de trabalhadores do mar. Naquele momento, a
sede significando um espaço para uma melhor organização e reivindicação do
direito para continuarem existindo como tal.

Na cidade de Colares é rotineira e comum a presença dos pescadores e da


comunidade na “Beira-mar” ou no “mercado” em pequenos grupos em momentos de
prosa de conversa. Um momento só deles, onde compartilham experiências e se
reconhecem como iguais. Como se estivessem com os pés na terra, mas com os
olhos voltados para o mar. Observando-se a força do “rio” na vida dessa
comunidade. Uma interferência não só física, mas simbólica na construção desse
homem ribeirinho. A esse respeito Loureiro (1995, p.121) esclarece:

Os rios na Amazônia consistem em uma realidade labiríntica e assumem


uma importância fisiográfica e humana, conferindo um ethos e um ritmo à
vida regional. Dele depende a vida e a morte, a fertilidade e a carência, a
formação e a destruição de terras, a inundação e a seca, a circulação
humana e de bens simbólicos, a política e a economia, o comércio e a
sociabilidade. O rio está em tudo.

Este contexto de mudanças na década de 1970, com a expansão rodoviária


no nordeste paraense, possibilitaram a ligação de Colares ao continente e
melhoraram a comunicação com outras áreas, facilitando o acesso a bens e
serviços, em outros espaços considerados dinâmicos, entrechocando-se duas
realidades distintas: uma pautada no tradicionalismo e a outra que leva a
modificação dos costumes tradicionais, ao estilo mais moderno, à vida urbana
presente nas cidades maiores. A articulação rural-urbana reforçada pelo processo
migratório aos centros urbanos pela busca de trabalho e melhores condições de
vida. A estrada também possibilitou a chegada dos veranistas, turistas que adentram
o município nos finais de semana, feriados, férias, tornando-se, uma cidade
balneária, possibilitando o confronto com um mundo maior, com outros valores e
93

estilos de vida, a vida moderna, a vida urbana, que se contrapõem aos padrões
locais. É marcante a diferenciação dos “nativos” e do povo que vem de “fora”. No
entanto, é forte a identidade sócio-cultural da comunidade de colares, pois
repousava no sentimento de “pertencimento” e a vida transcorria em torno dos
interesses e necessidades da população local.

Nas últimas décadas, com o maior fluxo de turistas e da interferência maior


da mídia eletrônica, a tevê, o rádio, e a grande imprensa pela persuasão dos
padrões do mundo global e com ele a diversidade cultural mais ampla, fragilizou o
ideário que dava sustentação ao mundo caboclo e que a partir de então, essa
população passa a se reajustar aos ideários e às necessidades capitalistas,
secundarizando, ou até abandonando a identidade cultural local, com a adoção de
atitudes de negação ou desconsideração da cultura local. Assimila-se um novo estilo
de vida, de organização, passando haver uma dicotomia entre o mundo dos mais
velhos e o mundo dos mais jovens. Os jovens passam a se identificar com o “novo”,
com os padrões dos grandes centros, deixando no passado a herança cabocla,
identificada como coisa de “velho”.

Neste processo de mudanças significativas se percebe novas formas de


adaptabilidade entre o mundo antigo e o mundo moderno e um deslocamento da
identidade ribeirinha, que se fragmenta diante de tantas situações impactantes,
sobretudo, porque a formação e afirmação do “eu” se dá a partir do olhar do outro.
As populações tradicionais passam a ser vistas sob o olhar preconceituoso de suas
práticas e modo de vida. Vistos aos olhos da modernidade como uma cultura
“antiga”, “tradicional”, “inculta” e “rude”.

Em nível do saber, há o saber tradicional e o saber mais sistematizado e


todos os povos possuem dois tipos de conhecimento: um oficial, regular,
sistematizado, ensinado na escola, na igreja e o não oficial, o tradicional, anônimo,
independente do ensino sistematizado, trazido nas vozes das mães, nos cantos da
caça e da pesca, estando presente na memória coletiva, nas manifestações culturais
e repassado as gerações presentes pela oralidade, sobretudo no meio rural.

Neste espaço, em que o moderno tenta suplantar o tradicional, muitos traços


da cultura ribeirinha que se expressam com muita força, como as práticas e
94

atividades eminentemente tradicionais como a pesca, a agricultura de subsistência,


o extrativismo, as manifestações religiosas, como as festas dos santos padroeiros e
ladainhas e no campo místico lendas e histórias que justificam a mentalidade
cabocla.

O tradicionalismo se faz presente ainda que sem brilho, quase “apagado”


pelos impactos das mudanças. O modo tradicional emerge em muitas situações,
como o jeito de falar e valores que marcam a convivência social. Em conversas com
um jovem dessa comunidade ele afirmou:

Tiro da floresta, dos manguezais a minha sobrevivência. Conheço o mato,


conheço muitas plantas medicinais, aprendi com minha avó, mas sou
letrado, tenho o magistério. Mas quando eu estou no mato com o povo de
lá, falo que nem eles. Se falar diferente eles não vão entender, lá sou que
nem eles.

Esse jovem se vê diferente do povo que vive próximo da mata, do


extrativismo. No entanto, sobrevive dessa atividade tradicional, na relação com os
“outros” termina se tornando um deles.

Na verdade apresenta uma identidade híbrida. Concilia o “velho e o “novo”.


Embora “não são e nunca serão unificadas no velho sentido, são produtos de várias
histórias e culturas interconectadas pertencem a uma, e ao mesmo tempo, a várias
“casas”, (HALL, 1997, p.89).

Num contexto de mudanças, as identidades se tornam “móveis”, na medida


em que se localizam, segundo as exigências de cada contexto situacional. São
identidades “posicionais” que se constroem num “contexto relacional”.

Alguns segmentos da comunidade de Colares se posicionam de forma bem


definida em relação à manutenção do tradicionalismo ou em defesa de uma
modernização e maior dinamismo para a cidade. Um “fato” ou um possível fato, a
construção da Ponte que ligará Colares a Penhalonga, substituindo a morosa
travessia de balsa, tem arregimentado forças, posições contrárias e favoráveis.

O senhor Antônio, 68 anos, “filho de Colares” diz ser contrário a construção


da ponte. “A ponte vai trazer tudo o que não presta para a cidade e acabar com a
nossa paz”. Transparece nessa posição a necessidade da manutenção da vida
95

pacata tradicional e o “mundo’ que ainda é deles. Sua oposição reflete o desejo de
retardar as possíveis mudanças trazidas pelo fácil acesso à ilha de Colares. Seu
Antônio se insere no grupo que vive no presente, mas se atrelando ao estilo da vida
do passado. Nesse sentido, a tradição continuou a ser apoiada enquanto puderem
ser justificadas, como referencial de uma identidade particular, (GIDDENS, 2000, p.
55).

O senhor Saraiva, comerciante local, assim como parte da sua família, se


posiciona a favor da construção da ponte. Segundo ele “a ponte vai trazer um
grande desenvolvimento. Colares vai progredir, mas muita gente é contra, acham
que a ponte vai trazer muita gente que não presta. Mas sem a ponte já existe muito
aqui”.

O Senhor Saraiva, embora “filho de Colares” demonstra a sua desvinculação


ou desatrelamento ao estilo de vida local. A ponte se reveste de outro sentido ou
significação. Para esse comerciante, a ponte vai facilitar a chegada de mais pessoas
e maior dinamização do comércio. Defende uma articulação maior de Colares, com
espaços mais dinâmicos, o que demonstra o desejo a uma vinculação de valores
diferenciados dos padrões daquela comunidade.

A professora Tereza apresenta outra perspectiva para o município com a


construção da ponte. Para ela “a ponte só vai ser importante se viver junto com um
projeto de ecoturismo para o município e que venha gerar emprego para a região”.

Embora, aposentada, a professora Tereza é muito envolvida nas atividades de


educação, da igreja e de atividades culturais. Emite uma posição que passa pela
mudança, mas sob a ótica da organização política e econômica. Percebe a chegada
da ponte como um empreendimento para a cidade que venha beneficiar a população
do município. A professora sob o olhar da modernidade defende um
desenvolvimento local que venha garantir a sustentabilidade dessa comunidade
tradicional.

3.3.1 A identidade Ribeirinha: Algumas Perspectivas


96

A expansão da economia "capitalista vem alcançando as mais remotas


regiões do planeta, transformando-as em verdadeiras "aldeias globais" mesmo em
áreas que não são afetadas diretamente as ondas modernizantes chegam e alteram
as economias de subsistência, é um processo que comprime e submete a cultura
local aos ideários da mundialização, que amplia as desigualdades entre "centro" e
"periferia" reforçando de um lado, um mundo de "prosperidade" e de "vencedores" e
do outro, um mundo de "miséria" e de "perdedores".

Entretanto, a tendência que aponta para certa "homogeneização global" que


altera a vida local, traz também para o centro dessa globalização, o ressurgimento
de culturais tradicionais, pois a inserção desigual nesse cenário faz emergir
resistências e conflitos que se contrapõem a essa tendência. Fazendo ressurgir a
valorização do "étnico-cultural" como elemento diferenciador nessa inserção global.

Em Colares a vinculação ao rio, a mata e a roça desde os tempos coloniais


vem se constituindo em elemento precípuo na história de vida dessa comunidade
tradicional. No entanto, nas últimas décadas a reestruturação sócio-econômica da
Amazônia trouxe repercussões para a Zona do Salgado. Vem promovendo
mudanças e suprimindo as condições objetivas, onde se efetivam as atividades
tradicionais como: a concorrência da pesca industrial que ameaça a sobrevivência
da pesca artesanal; a expansão da ocupação do município, através de loteamentos
urbanos e a implantação de pequenas e médias propriedades com repercussões
diretas no meio ambiente, com a devastação de áreas verdes tão necessárias às
atividades extrativistas.

A agricultura familiar caracterizada pela pequena roça com baixa


produtividade e rentabilidade volta-se prioritariamente para a produção da farinha de
mandioca, complemento básico da alimentação da população local. Diante da frágil
consistência das atividades tradicionais, a prefeitura local no biênio 2005/2007
implementou projetos em parceria com diversos órgãos públicos, com o objetivo de
dinamizar a agricultura, com a introdução da mecanização e uma produção
consorciada. Nos roçados de mandioca foi se introduzindo o plantio de melancia,
feijão, mudas ornamentais para reflorestamento, plantação de açaí, cupuaçu,
banana e pupunha para a extração de palmito. Outro projeto implantado que já vem
97

dando resultado é o projeto de apicultura em quatro localidades rurais. São projetos


em parceria com os governos estadual e federal.

Na área da pesca, o projeto de produção de filé de peixe em fase inicial de


implantação visa valorizar a pesca e a comercialização do pescado. São projetos
que colocam os grupos envolvidos diante de novos conhecimentos e práticas e que
segundo o prefeito da cidade de Colares vai mudar a mentalidade cultural do
município.

Em nível cultural, a Secretaria de Cultura vem incentivando grupos e pessoas


que detêm o conhecimento de danças folclóricas e tradições do município para
revitalizá-las, a fim de que não se torne esquecidas. Observando-se o ressurgimento
de grupos de carimbó e quadrilhas juninas.

Essas ações, embora iniciais, esboçam uma espécie de valorização das


coisas e das potencialidades do lugar. Traduz-se por um "certo" resgate do passado,
da tradição, ainda que sob a perspectiva inovadora, modernizadora que atuará
diretamente no processo de transformação da identidade local, pois provocará um
processo de reordenação tanto sócio-econômica quanto cultural, na medida em que
esta comunidade começa a se abrir a "novidades", a inovação social e a
modernização de suas práticas, tornando-a mais flexível aos fenômenos de "fusão"
cultural ao reunir aspectos da cultura tradicional e aspectos da cultura moderna.

Observa-se neste contexto atual um processo de "reencontro de identidades”


diante de tantas mudanças postas ao município e a sua população tradicional e que,
por conseguinte gerará novos processos identitários. Transparece que a
permanência do tradicionalismo como se fosse uma "casca" que permanece, mas o
seu interior se reveste das mudanças impressas ao longo do tempo. A presença do
antigo se inserindo e se adaptando ao "novo" num processo dialético entre
"identidade" e "alteridade".

No contexto relacional entre o tradicional e o moderno, refletirá a relação de


força e poderá atribuir maior legitimidade a "auto-identidade" ou a "hetero-
identidade, pois é o poder de "afirmação "que determinará maior poder, maior força
na imposição e definição de "si mesmo".
98

Na cidade de Colares, em meio a tantas circunstâncias que imprimem


mudanças, observam-se sinais visíveis de alterações da vida pacata e tradicional.
Torna-se necessário um acompanhamento dos efeitos ou dos impactos desse
processo de "reinvenção do tradicional" em um contexto completamente "novo"
distanciado das condições do passado e um questionar sobre os interesses que
estão por trás desse processo e para quem se dirige. A população eminentemente
tradicional ou a "outros grupos interessados em se engajar nesse novo processo,
são questões essenciais para uma compreensão do sentido e do significado de que
vem se instaurando junto à população desse município.

Embora não exista uma identidade cultural "em si mesma", "estável" e


"definida, pois o reconhecimento de pertencimento só se constrói na relação com o
"outro", na cidade de Colares há o estabelecimento de uma nítida diferenciação
entre o "colarense" e os "outros" que chegam e se estabelecem nesse território. Há,
no entanto, uma realidade social contraditória, se de um lado existe o
reconhecimento social que se destaca e que ainda dá sustentabilidade e referência
a essa comunidade, que é ser "pescador”, "agricultor ou dono de roça" e extrativista,
por outro lado, a exposição dessa comunidade a contatos freqüentes com outras
áreas mais dinâmicas, com levas de visitantes que chegam ao município nas últimas
décadas e, sobretudo, diante do poder de persuasão da mídia eletrônica que tem
colocado essa localidade frente aos padrões de vida do mundo moderno, global, e
assim frente à diversidade cultural que, de certa forma, vem fragilizando o ideário
que dá sustentação a vida tradicional.

Outro aspecto que se insere no contexto tradicional / moderno é a dicotomia


entre o mundo dos mais "velhos" e o mundo dos mais "jovens". Os jovens passam a
se identificar com o "novo", com os padrões dos grandes centros. E nesse contexto
de modernização a herança cabocla vem sendo vista como coisa de "velho", do
"passado". Há uma adaptabilidade aos ideários e necessidades do capital que, ao
mesmo tempo, leva a secundarização ou abandono da cultura local. Esquecendo-se
que a cultura cabocla não revela somente a tradição, mas sendo resultante de uma
história socialmente construída por essa comunidade.
99

CAPÍTULO IV - POLÍTICA SOCIAL: SEUS REFLEXOS NA MANEIRA DE VIVER


DE UMA COMUNIDADE TRADICIONAL

4.1 Política Social e o Poder Público

O Estado ao se concretizar na relação com a sociedade assume


conseqüentemente alianças com os diversos segmentos sociais que expressam
naturezas e interesses conflitantes.
100

A adoção de políticas públicas está relacionada diretamente ao espaço de luta


pela hegemonia do Estado, num contexto onde se dá um processo de dominação e
busca de consenso, um espaço contraditório funcionando como mecanismo de
consenso e relacionamento junto à população dos programas e ações do Estado,
assim como forma de regulação de conflitos advindos da relação capital-trabalho e
demais confrontos sociais.

O Estado busca através de suas políticas sociais sua legitimação frente aos
movimentos e pressões sociais, ao mesmo tempo em que reforça seu domínio e
poder como unidade de força e hegemonia.

Nos países centrais, a sociedade é organizada e estruturada como mecanismo


de pressão que reconhecido ao longo do processo histórico tornam-se fundamentais
para a defesa de seus interesses e torna a sociedade menos vulnerável às
intempéries da economia capitalista, embora seja marcada por contradições e lutas
de classes.

Tem-se observado que nos momentos de crise, o Estado assume liderança


frente aos interesses econômicos, como elemento fundamental para a reprodução
do capital e a manutenção das contradições inerentes a esse processo.

As políticas sociais adotadas pelo Estado capitalista tendem a representar


tanto as demandas de acumulação, a manutenção dos setores hegemônicos, quanto
ao atendimento das demandas sociais dos setores populares da sociedade dado a
realidade antagônica entre capital-trabalho e que determinam pelas lutas, sobretudo
trabalhistas.

O contexto social é assim marcado por um “campo por excelência dessa luta
de articulação / desarticulação, de discussão e prática, como a busca de
participação de igualdade, de justiça e de direito”, (VASCONCELOS, 1998, p.13).

No âmbito dos países periféricos, as políticas sociais mesmo assumindo


formas diferenciadas procuram seguir o modelo adotado nos países centrais,
sobretudo no que diz respeito às políticas do bem-estar, mesmo sem que
dispusesse de uma estrutura adequada, um aparato fiscal para tal proposição. Uma
prática que vem impedindo que sejam elaboradas propostas regionais e locais.
101

Diante de um quadro de desigualdade social e econômica aguda, as políticas


sociais ao se esbarrar numa estrutura fiscal deficiente tendem a ser focalizada e
descontínua, a que vem reforçando a irresponsabilidade do Estado frente à questão
Social.

No entanto, os países periféricos pela sua dependência econômica têm


assumido o papel de destaque na modernização econômica e na hegemonia política
revestindo-se de um papel de interventor “aos primeiros sinais de emergência da
chamada questão social. O Estado é chamado a intervir antecipando as políticas
sociais e impedindo que essas sejam resultantes de um processo de mobilização e
participação da sociedade. Dessa forma assume o papel de mediador de conflito
principalmente aqueles que venham colocar em risco a dominação burguesa. A
cidadania, nesse contexto de antecipação, não é assegurada enquanto direito
econômico, político e social.

4.2 Brasil: Assistencialismo e Proteção Social.

No Brasil, a questão da assistência está inserida nas políticas públicas. Assim o


caráter assistencial se revela como marca das políticas sociais enquanto área de
investimento do Estado.

As políticas sociais brasileiras revelam-se a partir das relações estabelecidas


pelo Estado, sociedade e a economia e, sobretudo, pelo contexto de desigualdade
social e dos processos de pauperização da população fazem emergir estratégias
oficiais para dar respostas às necessidades da população. E sob outro enfoque, as
políticas sociais se caracterizam como meios que oportunizam o acesso dos setores
populares para o enfrentamento da miséria.

A política social passa a ser inserida nas Constituições Federais nos anos de
1920 e se tornaram mais expressas no governo de Vargas. São políticas que se
inserem no processo da reprodução da força de trabalho, da acumulação e no
âmbito dos direitos sociais. É a partir de 1930, no governo Getulista, a questão
social é reconhecida e assumida pelo Estado mediante a implantação de políticas
públicas.
102

No período de l930 a 1960, dentro de um contexto populista e nacionalista, o


Estado passa a adotar medidas protecionistas em relação à economia e a questão
social. São medidas visando à reestruturação econômica via desenvolvimento
industrial e medidas sociais pela concessão de direitos, sobretudo dentro da política
trabalhista. Nessa década (1960) o governo brasileiro organiza um arcabouço
institucional para a execução de políticas sociais, na verdade, as políticas sociais
apresentam-se fragmentárias, setoriais e apresentam como finalidades a legitimação
dos governos do que atender as reivindicações da sociedade, num sentido de
estabelecer e consolidar as bases sociais de quem estar no poder.

No período da ditadura militar (1964 – 1982), adota-se o modelo de uma


política de controle do que de garantias de direitos. É o momento em que a nação
está sob o poder burguês-militar, cuja finalidade é modernizar o país e implantar o
capitalismo avançado. O Estado adota políticas assistenciais, industriais
tecnocráticas e militares voltadas para o atendimento de setores considerados
influentes e estratégicos.

A partir de 1988, o momento político é marcado pela abertura política e pela


crescente participação social e política da sociedade em prol da garantia de direitos
sob a responsabilidade do Estado.

A constituição de 1988 surge como instrumento legal de ampliação e


legitimação de direito social, político e trabalhista entre outros. Embora as políticas
públicas beneficiassem apenas alguns seguimentos.

Após esse momento de mobilização da sociedade, no plano político inicia-se o


desmonte do Estado e o corte de verbas aos programas sociais. Minimiza-se a
responsabilidade do Estado, descentralizando suas ações, ao transferir
responsabilidades públicas para setores privados, através dos órgãos da sociedade
civil que passam a executar programas e serviços sociais.

A ampliação dos direitos passa a ser atacado pela classe dirigente e


conseqüentemente suprimidos vias reformas constitucionais e medidas provisórias
do governo e direitos conquistados há décadas pelos movimentos sociais.
103

A década de 1990 é marcada pela atual crise econômica e a incorporação da


chamada política neoliberal nos países periféricos, ao se deparar com a inserção da
economia nacional ao mercado mundializado sujeitando a economia brasileira aos
interesses desse mercado, o que tem provocado desestruturação econômica pela
redução das exportações, a instalação de níveis nunca vistos de desemprego, a
redução da ação do Estado nas questões econômicas e sociais, ao mesmo tempo
em que se privilegiam os grandes grupos que lideram a economia nacional e
internacional.

No plano social, a garantia dos “mínimos sociais” a setores específicos, a


garantia dos direitos aos diferentes, aos vulnerabilizados representados pelos novos
atores sociais, o que deixa claro a supressão da universalização dos direitos sociais.

4.3 As Políticas Sociais sob os ditames Neoliberais.

O ideário neoliberal traz um novo / velho olhar sobre o Estado, a sociedade, a


economia e a questões relativas à ordem social, mercado, justiça e direitos sociais,
ao reportar-se aos princípios do liberalismo, caracterizando-se como volta ao
conservadorismo, ao quebrar com a função do Estado com a redução dos gastos
públicos com programas e projetos sociais, ao mesmo tempo em que determina a
liberação de qualquer regulação por parte do Estado, da economia e do mercado. A
atuação do Estado na ordem social será em casos em que esta ordem esteja
ameaçada. Entendendo-se a ordem social como resultante do equilíbrio do mercado
econômico.

Sua meta principal é a preservação da sociedade capitalista, o que tem


secundarizado aos interesses das camadas populares. A própria concepção de
“Estado mínimo” se organiza segundo a lógica do mercado, que passa a permear
todas as relações sociais numa nova realidade em que as políticas sociais passam a
ser determinadas pelos interesses estratégicos do mercado, na qual, as políticas
sociais estão dentro dessas orientações e dos ajustes econômicos do Fundo
Monetário Internacional (FMI) ou do Banco Mundial que impõem as regras na
condução econômica e social dos países credores.
104

Nesse sentido, os direitos sociais e justiça social são percebidos dentro da


visão de que o acesso a bens produzidos pela sociedade é determinado pela
habilitação e sorte individual. O Bem-estar nesse contexto individualista está
diretamente relacionado pelas possibilidades de cada individuo tem de adquirir bens
pelo seu próprio esforço.

As ações do Estado em relação à efetivação de políticas sociais em busca do


equilíbrio e da justiça social são arbitrárias e sem precisão de planejamento ficando
sujeito ao poder de pressão dos diferentes grupos sociais.

Segundo Bianchetti (1997), para os neoliberais as “políticas sociais do Estado


vêm aumentando seus gastos e como conseqüências produzem um aumento da
pressão fiscal sobre os setores possuidor de capital (e) que não são beneficiados
diretamente com essas políticas”. Logo de nenhum interesse da classe majoritária
política e economicamente.

Entretanto, se de um lado o cenário das políticas seguem as restrições


neoliberais, por outro, a participação de segmentos da sociedade civil que
organizadamente vem exercendo papel fundamental na formulação, gestão e
controle social dessas políticas neste momento de reorganização econômica e a
adequação da sociedade.

A participação da sociedade através de organizações sociais nos diferentes


âmbitos e setores engajadas na construção da democracia e na defesa e ampliação
de direitos sociais.

Entre essas organizações destacam-se os conselhos de gestão setorial das


políticas sociais, considerados inovadores rumo à democratização da sociedade por
sua composição paritária entre os representantes da sociedade civil e do governo
que assumem o caráter deliberativo e de controle social ao inserir a sociedade civil
na gestão pública. Embora a conjuntura atual venha sofrendo as incursões da
reforma neoliberal, que passa a delegar os esforços de representação coletiva,
como os conselhos e conseqüentemente o controle do estado pela ação de grupos
organizados por setores majoritários passam a pressionar e controlar as decisões
políticas em direção a seus próprios interesses.
105

Embora essa contracorrente seja uma nova prática não reduz ou anula a
importância dos conselhos e suas funções mediadoras entre o Estado e a
sociedade. Uma vez que garante a participação e os interesses populares através
das discussões, questionamentos e diálogos que se estabelecem na esfera estatal,
que na realidade promovem a publicização da “coisa pública”.

Na adequação do estado e sociedade frente à nova ordem, outra prática se


instala no país e que a partir da constituição de 1988 passa a ser institucionalizada,
é o processo de democratização via descentralização das políticas sociais e que
mesmo significando processos distintos vem sendo implantadas nas diversas
esferas do governo. É freqüentemente relacionada à descentralização, a
transferência de responsabilidade e recursos da área federal, a municipalização em
relação à implantação e gestão de políticas mediante programas e serviços sociais.
Nesse contexto assume relevância a municipalização, enquanto processo de
descentralização, ajustes do sistema de proteção social, como estratégia que vem
possibilitando o alcance de maior eficiência e equidade dos serviços prestados.

Daí, a importância e o papel dos conselhos como controladores de direitos e de


execução de política na área da saúde, educação, criança, adolescência e
assistência enquanto espaço de representação dos interesses da sociedade e de
sobremaneira dos grupos subalternos. Como força de pressão diante do Estado,
sociedade e do avanço das imposições neoliberais como verdade suprema e
irrefutável que vem suprimindo direitos, conquistas e naturalizando a miséria, a
exclusão social e a violência.

Nas últimas décadas, o programa de transferência de renda constitui-se marca


da política social. É retratado, sobretudo, pela assistência financeira ao trabalhador
como abono salarial, seguro-desemprego e os benefícios de prestação continuada.

Em 1991, o projeto de Lei N. 80/91 instituiu o programa de garantia de renda


mínima e os Estados e Municípios passaram a implantar programas de transferência
às famílias pobres.

Em 2001, o Programa Bolsa-Escola vinculada à Educação é considerado o


maior programa de transferência de renda no país.
106

O Seguro-desemprego, o Benefício de Prestações Continuadas - BPC e outras


transferências monetárias do Sistema Brasileiro de Proteção Social enquanto
benefícios de caráter assistencial eventual, pontual e emergencial destinam-se ao
atendimento de populações pobres em situação de vulnerabilização.

No início do século XXI, o programa de transferência de renda constitui-se


estratégia principal da política de assistência social, que tem como foco a inclusão, a
promoção da equidade dos usuários e grupos específicos ao proporcionar o acesso
a bens e serviços, mediante a implementação de programas, projetos e benefícios
de proteção social básica e especial.

No espaço rural, as políticas de desenvolvimento são as marcas da


diversificação de atividades agrícolas ou das práticas tradicionais. Como também
pela inserção de novas atividades produtivas.

Na cidade de Colares se observa entre os processos de mudanças a atuação


do poder público local, mediante a efetivação de políticas públicas econômicas e
sociais diretamente vinculadas ao processo de expansão capitalista e como
mecanismo de desenvolvimento local, um cenário no qual emergem problemas
sociais advindos da relação capital-trabalho e por sua magnitude traz para o poder
local demandas de toda ordem.

O caráter descentralizador e municipalizador das políticas públicas possibilitam


a autonomia da administração local ao conceber o espaço local como “lócus” onde
emergem problemas e soluções, constituindo-se espaço privilegiado à prestação de
serviços básicos. Na cidade de Colares se indentificam os impactos dessas políticas
na maneira de ser e viver dessa comunidade tradicional.

4.3.1 Política educacional

A política educacional correspondente à atuação do Estado frente aos


problemas e dilemas presentes no campo educacional está no contexto das políticas
sociais que vem sendo implementadas pela esfera estatal.

É um processo que envolve sistematização, conceitos, posturas ideológicas e


metodológicas que se revelam a cada momento histórico, a cada realidade social.
107

As políticas educacionais passam a ser efetivadas, a partir do momento em


que o sistema educacional é organizado sob a responsabilidade do Estado, embora
a educação nem sempre seja formal ou sistematizada. A política educacional se
configura como tal, a partir de uma diretriz formal que direciona, imprime a
organização, a ideologia e os procedimentos metodológicos na construção do saber.

Na realidade, a formulação de uma política educacional e sua execução


pressupõe uma práxis social com intenções e proposições. Assim, não está
desvinculada das relações de poder e seu processo de reprodução, pois ao emergir
das contradições presentes na sociedade, representam respostas para conter ou
diminuir problemas sociais e assim resultam em ações políticas a cada momento,
diante de situações emergenciais.

Transparecem nessas políticas seu atrelamento a questão do desenvolvimento


ou a situação diretamente relacionada a esse processo, sejam voltadas para a
expansão econômica, sejam para a correção de distorções frente às novas
necessidades de mercado. Assim, as verdades, as metas, as finalidades se
adequam a um determinado momento e se desfazem diante de novas necessidades
ou situações que precisam ser enfrentadas, embora sempre atreladas à
dinamização da economia e assumindo ao mesmo tempo o papel mediador entre os
interesses econômicos e os interesses da sociedade.

A educação brasileira, nas últimas décadas vem passando por profundas


mudanças diretamente relacionadas à reorganização da economia capitalista e os
ditames neoliberais.

Nesse campo de atuação do Estado as imperiosas orientações de organismos


internacionais como o Fundo Monetário Internacional - FMI e Banco Mundial que
passam a avaliar, redirecionar o sistema de ensino brasileiro e a propor projetos
reformadores. A educação passa a ser vista sob outro prisma, um novo olhar,
deixando de ser vista como direito, mas como campo de prestação de serviços e
que na ótica da nova ordem, transforma-se num bem que se tem acesso pela
aquisição e compra, onde a atuação do Estado se dá de forma assistencialista para
os segmentos sociais sem poder aquisitivo, reforçando o ideal privatista da
educação.
108

Se de um lado incorpora-se a dimensão do público não estatal para referendar


a importância pública dos empreendimentos privados e assim justificar a ampliação
da educação no setor privado, observa-se também o descaso com que o governo
promove o ensino público sem qualidade, reforçando o reconhecimento da eficácia
do setor privado; por outro lado, tem-se a obrigatoriedade do Estado na condução da
Política Educacional Brasileira, seja na esfera federal, estadual, municipal e em
regime de colaboração com setores do ensino privado. Nesse sentido, cabe ao
Estado assegurar a garantia da universalização do ensino, através da adoção do
princípio de descentralização como caminho para modernizar e tornar eficiente a
gestão educacional, ao transferir funções e ações do Estado para os segmentos
estaduais, municipais e o setor privado. Sendo esse principio de descentralização
concebida como processo democrático para o atendimento das prioridades
educacionais.

Segundo a visão atual, concebe-se uma educação que possibilita a


modernidade e o alcance de metas básicas em busca de qualidade de ensino,
acesso e permanência dos alunos. E, segundo o modelo de expansão capitalista, a
construção de um novo saber que capacite o aluno para o mundo do trabalho, para
as novas formas de organização e gerenciamento da produção e a incorporação de
uma nova racionalidade, novos conceitos, novas verdades, como por exemplo: o
reforço à “empregabilidade” em substituição ao “pleno emprego”, trazida pelas novas
formas de produzir e trabalhar.

No Pará, a educação segue os caminhos e os descaminhos percorridos pela


educação nacional, salvaguardando-se algumas especificações da realidade
regional.

A realidade amazônica decorrente do contexto de ocupação e exploração


capitalista retrata uma história social e econômica marcada pela violenta
expropriação dos recursos naturais, constituindo-se uma realidade dinâmica e
contraditória em que emergem problemas sociais de toda ordem O crescimento
exagerado das cidades, o alto nível de desemprego, concentração urbana,
marginalização de grande parte da população, tensões sociais no campo e na
109

cidade e o descaso das populações ribeirinhas, uma realidade social que vem sendo
desfocada dos processos de construção do conhecimento.

Na cidade de Colares, a educação é efetivada sob a direção do governo


estadual e municipal trabalhando os níveis de ensino do Infantil ao Ensino Médio. Na
sede do município há uma escola de Ensino Infantil, uma de nível Fundamental e
outra que conjuga os níveis de ensino Fundamental e Médio, local onde foram feitas
as coletas de dados relativas à área educacional.

Segundo informações obtidas junto à escola de ensino Fundamental e Médio


“Norma Guilhon”, esta, apesar de voltar-se para a construção de conhecimentos
mais amplos, ainda prioriza no processo da construção do conhecimento a realidade
local. Segundo opinião do professor entrevistado, “a educação e a escola têm o
papel fundamental para resgatar, valorizar os aspectos tradicionais da cultura e da
história local.” Para esse educador a realidade local deve constituir-se ponto de
partida para a efetivação do Projeto Político Pedagógico da escola. Entretanto, são
visíveis as mudanças que vêm se operando nas últimas décadas no município,
alterando a forma de vida tradicional, sobretudo, pelos meios de comunicação que
imprimem a ideologia da modernidade com grande interferência no âmbito do
trabalho junto à população jovem.

A escola vem atuando diante do tradicionalismo como agente de resgate da


memória histórica com projetos pedagógicos que enfatizam o processo de
colonização do município e sua história tradicional, como também mediante
atividades culturais por intermédio das artes e desportos, pelas danças folclóricas,
histórias e lendas do município de forma esporádica e focalizada se rememoram o
tradicionalismo de Colares.

Assim, a escola se vê diante de uma prática pedagógica que dá conta de um


saber mais totalizante, com informações atualizadas sobre o avanço das inovações
tecnológicas, o avanço e a interferência da globalização, porém, se reportando a sua
realidade específica, seu contexto social próprio. Rememorando lendas, costumes e
tradições, como herança do tradicionalismo.

Segundo a coordenadora pedagógica desta unidade escolar, a educação e o


trabalho da escola são imprescindíveis na sociedade (no sentido) de tratar as
110

permanências das tradições culturais de seu povo, para que o mesmo mantenha
sempre viva as suas raízes de forma a não perder sua identidade cultural. Ao
mesmo tempo em que identifica como papel da educação, o acompanhamento das
mudanças sociais, no sentido de repassar informações sobre as transformações
sócio-econômicas por que passa a sociedade e o mundo, inserindo-se dessa forma
nesse contexto, também de transitoriedade, com o pé no tradicionalismo e o olhar
focado na modernidade por que passa o mundo globalizado.

Segundo as informações dos educadores, a criança e o jovem da ilha de


Colares não são diferentes de outros centros urbanos. Absorvem a moda, os
costumes e os hábitos que são repassados pelos meios de comunicação, pela
mídia, pela própria escola, assim como continua recebendo influência do seu meio
social. Os jovens se vêem muitas vezes desorientados, indecisos em se posicionar
quanto a um projeto de vida futura. Vivenciam um período de vida em que ficam a
mercê de rotulações e até estigmas pelo fato de se posicionarem, ora segundo a
interferência da cultura global, da sociedade plural, ora se deixam levar pelas
imposições dos familiares, adequando-se às práticas, costumes e hábitos locais e
dessa forma, identificam-se como “perdidos” diante de tantas exigências das
permanências e mudanças sociais presentes no meio social em que vivem.

Embora seja apontada como prioritário o resgate do tradicionalismo pela


escola, essa prática se dá de forma esporádica e focalizada, em momentos isolados
no decorrer do ano letivo, em geral, através de atividades de culminância, nas festas
juninas, no folclore e atividades eventuais. O que não vem garantindo a tão
mencionada rememorização do tradicionalismo. Na verdade são momentos que traz
do passado muitas práticas que vem sendo esquecidas ou que estão fora do
contexto da população mais jovem

4.3.2. Política de Assistência Social

No âmbito das políticas sociais, a assistência, a partir dos anos 1980 / 1990
constituiu-se uma política de proteção social se revestindo de garantias a todas que
dela necessitam sem contribuição prévia a provisão dessa proteção.
111

A Constituição de 1988 e a Lei Orgânica de Assistência Social - LOAS de 1993


propõem para esse campo de atuação do Estado a inclusão dos “invisíveis”, dos
“diferentes”, no sentido de embater com as situações de disparidades e de
desigualdades, que vem ocasionando condições de vulnerabilidades sociais.

Uma política que traz no seu bojo uma visão social mais ampla sobre as
circunstâncias sociais que geram ou estabelecem as diferenças sociais, enquanto
delimitadores tanto para a proteção, quanto para a busca de autonomia. Uma visão
que passa pelo atendimento das necessidades, como também oferece
possibilidades a serem desenvolvidas, tendo em vista a superação de situações de
vulnerabilidades.

A Assistência Social, enquanto política de proteção social é voltada para o


atendimento e fortalecimento da família. A política Nacional de Assistência Social
apresenta a dimensão sócio-territorial, em que o indivíduo e as famílias recebem
proteção social no próprio município em que vivem. Assim é uma política que se
referencia no próprio cotidiano das populações atendidas, pois no âmbito local, são
considerados sujeitos de direitos dessa política: as populações em situação de rua,
adolescente em situação de risco social ou em conflitos com a justiça, indígenas,
quilombolas, pessoas idosas, pessoas com deficiência e todas aquelas pessoas que
dela necessitem, independente de seu poder aquisitivo ou condição social. O
grande embate dessa política é o enfrentamento de situações de riscos e de
vulnerabilidade social.

A Assistência Social, segundo a LOAS é direito do cidadão e dever do Estado.


É uma política de seguridade social não contributiva que prevê os mínimos sociais.
Insere-se no campo de direitos, da universalização dos acessos e da
responsabilidade estatal. Compondo o sistema de bem-estar social, transitando pela
seguridade social, juntamente com a Saúde e a Previdência Social, ao voltar-se para
a garantia de direitos e de condições dignas de vida. Seu caráter de proteção se
configura diante das circunstâncias do desamparo à velhice, doenças, infortúnios e
privações. Seu objetivo volta-se para a garantia de segurança de sobrevivência, de
acolhida, de convívio e convivência familiar.
112

Suas Metas são estabelecidas segundo os princípios instituídos pela LOAS e


dizem respeito a:

a. Supremacia do atendimento às necessidades sociais sobre as exigências de


rentabilidade econômica;

b. Universalização dos direitos sociais, a fim de tornar o destinatário da ação


assistencial alcançável pelas demais políticas públicas;

c. Respeito à dignidade do cidadão, à sua autonomia e ao seu direito a


benefícios e serviços de qualidade, bem como à convivência familiar e
comunitária, vedando-se qualquer comprovação vexatória de necessidade;

d. Igualdade de direitos no acesso ao atendimento, sem discriminação de


qualquer natureza, garantindo-se equivalência às populações urbanas e
rurais;

e. Divulgação ampla dos benefícios, serviços, programas e projetos


assistenciais, bem como dos recursos oferecidos pelo Poder Público e dos
critérios para sua concessão.

A organização e estruturação dessa política se pautaram nas diretrizes da


descentralização político-administrativa, cabendo a esfera federal a coordenação e a
implementação das normas gerais. A coordenação e execução de programas e
projetos são de responsabilidade das esferas estadual, municipal e entidades
beneficentes e de assistência social. O controle das ações ocorre pela atuação da
população através de organizações representativas. A condução da política de
Assistência é de responsabilidade do Estado em cada esfera de governo e centraliza
seus benefícios, serviços, programas e projetos no fortalecimento da família.

Para o maior impacto das ações propostas, a política de Assistência Social é


efetivada de forma integrada às políticas setoriais tendo em vista o enfrentamento, a
garantia dos mínimos sociais, ao provimento de condições para atender
contingências sociais e a universalização dos direitos sociais.

No município de Colares, a política de Assistência Social se volta para a


prestação de serviços e benefícios sociais. Entre eles a concessão do Benefício de
113

Prestações Continuadas (BPC), Bolsa Família, Programa de Erradicação do


Trabalho Infantil (PETI) e benefícios eventuais.

Entre esses serviços, o BPC atende em torno de 33 beneficiários e a Bolsa


Família em torno de 1.174 famílias em condições de pobreza e vulnerabilidade
social. O PETI atende em torno de 714 crianças e adolescentes, sendo 113 na área
urbana e 601 na zona rural deste município.

São benefícios que alteram, de alguma forma, a vida dos beneficiários, o BPC
pelo valor econômico, ao oferecer as garantias mínimas de subsistência dos
usuários e suas famílias. A Bolsa família embora repasse uma renda menor, garante
um acesso mais ampliado de famílias, ao mesmo tempo em que permite a inserção
dessas famílias em oficinas de capacitação para a geração de trabalho e renda.
Nesse aspecto, a Bolsa Família é o programa que gera maior impacto, pois apesar
do valor do benefício ser menor, reúne um número maior de beneficiários, ao colocar
os membros das famílias diante de possibilidades de emprego e renda. São
possibilidades que nem sempre estão relacionadas às práticas tradicionais do
município como a pesca e a pequena agricultura.

Nesse aspecto são oferecidas oficinas de artesanato, confecção de flores, de


papel reciclado, além de palestras sócio-educativas para o fortalecimento familiar.

Em relação aos jovens, através do PETI são realizadas oficinas e palestras


sobre sexualidade, meio ambiente, higiene corporal e outras temáticas que levam a
prevenção e a promoção de uma vida saudável da juventude.

Com relação aos idosos, vem se realizando ações em conjunto com a


Secretaria de Cultura Esporte e Lazer. São ações de interação dos idosos com
diversas modalidades de jogos: dama, salão, natação, vôlei, no sentido de valorizar
o idoso e permitir maior participação nos eventos programados. São ações que
possibilitam mudanças de hábitos e posturas referentes ao espaço em que vivem à
prevenção e à promoção da saúde, à qualificação de mão-de-obra como alternativa
de trabalho e renda. São ações que se centralizam no aproveitamento das
potencialidades do lugar e não estão diretamente relacionadas às atividades
tradicionais do município. Uma das ações que chama atenção é a produção de
bijuterias, dado a grande quantidade de recursos naturais como folhagens e
114

sementes que servem de matéria prima para a confecção de brincos, pulseiras e


outros adereços

Outro fator de promoção de geração de trabalho e renda é o envolvimento de


jovens e adultos na confecção de cestaria

Embora se reconheça a permanência das atividades tradicionais da pesca e da


agricultura, os serviços sócio-assistenciais se voltam para a valorização de novos
saberes que passam a ser incorporados pelos usuários dos serviços, programas e
projetos assistenciais, ampliando-se no município possibilidades de novas frentes de
trabalho totalmente desfocadas das práticas tradicionais e assim, certo
desatrelamento ou mesmo a não valorização das atividades tradicionais enquanto
meio de trabalho e renda.

4.3.3 Política da Saúde

A partir da década de 1930, as alterações ocorridas na sociedade brasileira, em


decorrência do processo de industrialização redefine o papel do Estado frente à
questão social. A conjuntura econômica e política desse período fez emergir as
políticas sociais em respostas às demandas da sociedade.

Esse campo de atuação necessitava de uma ação modernizadora do Estado


que viesse contemplar os assalariados urbanos, considerados sujeitos importantes
no cenário político nacional, uma vez que o processo industrial contribuiu para a
urbanização e ampliação da classe operária em condições precárias de higiene,
saúde e habitação.

A política de saúde se caracterizou pelo caráter nacional e se subdividia em


Saúde Pública e Medicina Previdenciária. A Saúde Pública foi predominante e se
voltava para a criação de condições sanitárias mínimas para as populações urbanas
que enfatizava a realização de campanhas sanitárias para o combate da uma série
de epidemias presentes nas áreas urbanas e rurais. A Medicina Previdenciária se
efetivou com a criação dos Institutos de Aposentadorias e Pensões, os IAPS. Além
da questão previdenciária como garantia de uma assistência médico-hospitalar a um
maior número de assalariados urbanos.
115

No período de 1930 / 1945, reduz-se a abrangência dos atendimentos da


Medicina Previdenciária pela redução dos gastos, ao mesmo tempo em que
aumentava a massa de assegurados. Adotava-se nesse período uma orientação
contencionalista.

No período de 1945 / 1950 consolida-se a Política Nacional de Saúde com a


criação do Serviço Especial de Saúde Pública – SESP. Nas décadas seguintes,
observam-se gastos favoráveis com a saúde pública. Embora não se tenha
conseguido eliminar o quadro das doenças infecciosas, parasitárias e os altos índice
de mortalidade.

Em nível particular, o atendimento hospitalar por empresas já se fazia presente,


embora os atendimentos assistenciais: médico e previdenciários eram feitos
prioritariamente pelos IAPS. Os serviços terceirizados eram minoritários e de pouca
expressão.

No período pós 1964, o Estado utilizou na área da saúde o binômio: repressão-


assistência. Sendo a “política assistencial ampliada, burocratizada e modernizada
pela máquina estatal com a finalidade de aumentar o poder de regulação sobre a
sociedade, suavizar as tensões sociais e conseguir legitimidade para o regime”,
(BRAVO, 1991, p. 107).

Em 1966, um fato novo se dá no âmbito da saúde, a unificação previdenciária,


cujas marcas eram o papel interventivo do estado e o alijamento dos trabalhadores
no processo de gestão. A tendência desse período é o privilegio do setor privado e a
medicalização da vida social, tanto na Saúde Pública quanto na Previdenciária. O
setor saúde se moderniza com a adoção de novas tecnologias, acompanhando os
avanços capitalistas. É o momento em que a quase totalidade da população urbana
tem acesso aos sistemas de saúde.

Os anos de 1980 serão marcantes para a Política Nacional de Saúde. Abre-se


uma discussão sobre saúde e possibilita-se a participação de novos sujeitos em
relação ao debate, referente às condições de vida e saúde da população brasileira
Um processo participativo que avança do âmbito técnico e ganha a dimensão
política. O foco das discussões transita pela melhoria da situação da saúde e o
fortalecimento do setor público.
116

Enfatiza-se nesse momento a universalização do acesso à saúde e a


concepção de Saúde como direito social e dever do Estado. Reestrutura-se o setor
com a implantação do Sistema Unificado de Saúde- SUS, visando uma reordenação
setorial via descentralização e processo de discussão e reorientação de
competências nas esferas federal, estadual e municipal, além da implementação de
um efetivo processo de democratização e participação do poder local através dos
Conselhos de Saúde.

A VIII Conferência Nacional de Saúde em 1986 foi o marco articulador para os


novos rumos da saúde no país. As discussões foram sendo ampliadas com a
participação das entidades representativas da população e a questão da saúde
passou a ser uma questão da sociedade como um todo, alcançando-se assim a
politização da saúde no país.

A grande conseqüência da adoção do Sistema Único de Saúde (SUS) foi o


estabelecimento da saúde enquanto direito do cidadão e dever do Estado. O que
acabou com a discriminação da condição de ser segurado / não-segurado, o
atendimento rural/urbano.

A criação do Sistema único de Saúde passou a integrar todos os serviços


prestados em uma só rede de atendimento, mediante regularização e
descentralização dos atendimentos à comunidade. Adotando-se como complementar
o setor privado. Mudou-se então o arcabouço e as práticas institucionalizadas na
área da saúde ao se fortalecer o setor público, o atendimento universalizado e a
descentralização política na gestão desse sistema.

Nos anos 1990, assiste-se o redirecionamento do papel do Estado, em que os


avanços propostos e direcionamentos do sistema único passam a ser confrontados
pelo interesse do grande capital. São direcionamentos adotados a partir da Reforma
Constitucional expressos na Previdência Social e nas regras que regulamentam a
relação de trabalho e a efetivação das políticas públicas.

Pela Reforma Constitucional, desviam-se as funções do Estado provedor de


bens, serviços e benefícios sócio-assistenciais e amplia-se a presença do setor
privado de saúde. O Estado deixa de ser responsável direto pelo desenvolvimento
117

econômico e social, passando a ser promotor e regulador, transferindo-se, assim,


para o setor privado ações e atividades que antes eram de sua alçada

Mediante as alterações verificadas ao longo dos anos 1980, a política de


Saúde vai sendo descentralizada e o conceito de saúde passa a ser vinculada ao
mercado no momento em que são enfatizadas as parcerias com entidades privadas
e com a sociedade civil. Verifica-se um desrespeito com o princípio de equidade na
alocação de recursos na esfera federal, estadual e municipal. Essa não equidade
afetando por sua vez o princípio de integralidade na prestação de serviços, ao se
priorizar a assistência médico-hospitalar em detrimento aos aspectos da promoção e
proteção à saúde, tornando visível o atrelamento atual da política de ajustes que
aponta a tendência, a contenção de gastos e desresponsabilização do poder central.
Nesse momento, a “tarefa do Estado, nesse projeto, consiste em garantir o mínimo
aos que não podem pagar, ficando para o setor privado o atendimento dos que têm
acesso ao mercado”. Caracterizando-se como focalizada e não universalista.

Nesse sentido, incentiva-se a privatização, a descentralização dos serviços


locais sem uma vinculação direta com as fontes de financiamento. Ampliando-se a
prestação de serviços privatizados à comunidade, descaracterizando a saúde
enquanto direito, ao reforçar a noção de aquisição de um bem, de um serviço
disponibilizado via mercado.

No município de Colares a Política de Saúde é efetivada pelo Sistema Básico


de atendimento, mediante a prestação de clínica médica, atendimento às gestantes,
à criança e a prestação de serviços de imunização e ambulatorial.

Segundo a coordenadora da Unidade de Saúde, o serviço prestado por essa


Unidade atende às necessidades da população local, mas por se constituir uma ilha,
o município deveria funcionar com outros tipos de serviços, como por exemplo: a
existência de um hospital, no sentido de garantir um atendimento pleno à população
que nas circunstâncias atuais, mediante situações de emergências e urgências, se
deslocam para outras localidades da região ou até mesmo Belém, em busca de
serviços ou especialidades médicas.

Embora a unidade básica de saúde seja bastante procurada pela população da


zona urbana, quanto da zona rural do município, a população local ainda faz uso de
118

recursos naturais para a cura e promoção da saúde. Ainda é comum o uso de


folhagens, raízes sementes, oleaginosos para o preparo de remédios naturais,
caseiros e a atuação de parteiras, experientes, curandeiros e benzedeiras que
detêm o conhecimento de porções mágicas originadas de casca de pau, folhas e
raízes que curam enfermidades. Tais práticas representam um saber herdado da
sabedoria popular de uma “farmacopéia natural” extraídas das matas, margens dos
rios e quintais

São chás, sucos, garrafadas, vinhos e ungüentos utilizados para evitar filhos,
interromper gravidez, garantir fertilidade, apressar o parto, como o uso de plantas
nas rezas contra os aborrecimentos, quebrantos nas crianças. No município de
Colares há pessoas que têm conhecimento das propriedades medicinais das plantas
das florestas e que vem repassando esses saberes para as gerações mais jovens.

Na zona rural é mais freqüente a presença de parteiras, benzedeiras e


curandeiros e muitas pessoas acreditam que durante as benzeções e sessões de
curas e pajelanças (que são) aliviadas as fraquezas do espírito.

“Os experientes que em muitos casos também são parteiras, sempre


receitam chás, banhos, defumações e garrafadas para curar o mal da carne,
do corpo. Com massagens regulares na barriga da mulher grávida
consertam a posição certa da criança para ficar no ventre materno”, (PINTO,
2004, p. 213).

Assim, no município de Colares, o uso de recursos naturais pela população


local constitui-se uma prática antiga que remete a gerações anteriores. Uma prática
ainda presente, sobretudo, nos interiores; na zona rural. Um saber que vem sendo
desprestigiado dado à presença da prática científica da medicina. Quando muito,
são práticas que convivem lado a lado com as técnicas modernas. Segundo
informação de um professor: “Em casa está presente um saco de produtos naturais
e do outro um saco de remédios farmacológicos passado pelos médicos”.

Embora não seja negada a presença e a importância das práticas tradicionais


na preservação da saúde e da cura, a Unidade Básica de Saúde não estabelece
nenhum tipo de relação com tais práticas. Muitas das vezes, convive lado a lado a
prática científica e a prática natural. Sendo comum a chegada de pessoas na
Unidade já medicadas por remédios naturais. Nesse convívio “calado apenas se
119

respeita, mas não se reforça tais práticas naturalistas”, como afirma a diretora da
Unidade de Saúde.

Observa-se que há certa dicotomia entre as práticas científicas e as práticas


populares, uma vez que não é valorizado o saber popular dessa comunidade. Um
saber que vem se perdendo ao longo do tempo, e que algumas pessoas ainda são
referências desse saber tão antigo quanto à população de Colares.

CAPÍTULO V: O SENTIDO E O SIGNIFICADO DAS PERMANÊNCIAS E


MUDANÇAS SOCIAIS EXPRESSAS PELA COMUNIDADE DE
COLARES.

A realidade é construída socialmente e constitui-se fenômeno que se


reconhece como tal, pois são fenômenos reais, algo conhecido, sendo que é,
através do conhecimento que se percebe e se compreende essa realidade social.

A percepção de uma dada realidade pode ser vista de maneira diferenciada,


segundo os ângulos que são vistos ou se percebe essa realidade. O foco
direcionador deste estudo é fator determinante para o enquadramento do mundo em
que se está analisando.
120

É pelo conhecimento que se tem da realidade, do processo que ocorre da


transmissão, manutenção ou alterações de situações sociais inerentes a um
determinado contexto social.

A realidade da vida cotidiana é que dirige as condutas e as posturas em


relação à vida diária. A “vida cotidiana apresenta-se como uma realidade
interpretada pelos homens e subjetivamente dotada de sentido para eles, na medida
em que forma um mundo coerente”, (BERGER, 2007, p.35).

Nessa compreensão, o mundo da vida cotidiana corresponde a uma conduta


certa pelos membros da comunidade, com poder de lhes imprimir sentidos e
significações para as suas vidas, estando presente no pensamento e nas ações dos
homens comuns, ao mesmo tempo em que se objetiva, se expressa de forma
subjetiva na vida da coletividade.

A realidade da vida diária se apresenta de forma ordenada e ao objetivar-se


demonstra ordem, significações que atribuem aos objetos ou fenômenos sociais. É
essa ordem que atribui sentido à vida social. Essa realidade dinâmica envolve-se
numa organização em que o tempo presente representa a percepção que temos
dessa realidade, embora focalize o aqui e o agora dessa realidade relacionada a
outros espaços e temporalidades.

É nesse tempo que os indivíduos se situam em relação ao que estão fazendo,


o que fez e o que poderia ser feito. Assim, apesar de real, esse mundo caracteriza-
se como um mundo intersubjetivo pelas diferentes interações que se fazem presente
no processo de construção. Uma interação que se dá por meio da comunicação que
se estabelecem com os outros indivíduos. No sentido de estabelecer a
correspondência entre os significados num mundo onde se partilham ações,
condutas, comportamentos, atividades, valores, sentimentos e até contraposições, a
realidade apresenta-se como uma facticidade evidente por si mesma a partir de
práticas rotineiras que sem interrupção são apreendidas sem nenhum problema,
mantendo-se, enquanto práticas consideradas como certas e plausíveis para aquela
coletividade.

A estruturação da vida cotidiana é especialmente temporal. Essa dimensão é


fundamental para o desvelar da consciência.
121

Todo indivíduo tem consciência de fluxo interior do tempo que por sua vez
se funda em ritmos fisiológicos do organismo, embora não se identifique
com estes. O tempo pode ser compreendido como a intersecção entre o
tempo cósmico e seu calendário socialmente estabelecido, baseado nas
seqüências temporais da natureza por um lado e o tempo interior por outro
lado, (BERGER, 2007, p. 44/45).

Os indivíduos estando face a face com os outros nesse processo de


construção dessa realidade, envolvem-se numa interação, um processo não só de
partilha de vivências, mas também a um passado não muito distante que vem se
estruturando de forma plenamente conectada com o tempo presente.

Segundo Berger (2007, p.74), nesse processo de construção, o caráter do eu


emerge como produto social (que) não se limita à configuração particular que o
indivíduo identifica como sendo ele mesmo, mas como um homem de maneira
particular em que esta identidade é definida e formada na cultura em questão, pelo
equipamento psicológico amplo que serve de complemento a essa particular
configuração. Assim, é preciso dizer que o organismo e, ainda mais, o eu não podem
ser devidamente compreendidos fora do contexto social em que foram formados.

A ordem social é um produto humano e se estrutura a partir do momento em


que o homem transforma suas ações em hábitos e costumes pautados em valores e
princípios que dão sustentação a essa ordem. São as ações habituais que atribuem
o caráter e as significações aos indivíduos e seus grupos. A institucionalização da
vida cotidiana ocorre sempre quando há uma significação recíproca de ações
habituais, acessíveis e partilhadas por todos os membros, revelando sempre uma
história compartilhada. São instituições que exercem controle sobre as condutas
humanas, ao estabelecer padrões previamente definidores de condutas e práticas
sociais.

Ao mesmo tempo em que as ações habituais tornam-se necessárias a


tomadas de decisões e a resolução de situações abrem espaço para os novos
acontecimentos e as novas situações que possibilitam nesse espaço social às
inovações e as mudanças.

A transmissão do mundo cotidiano às gerações mais jovens torna-se o papel


dos pais e dos mais velhos. Um mundo que nem sempre é vivenciado, por não ser
122

completamente transparente, pelo fato da geração mais jovem não participar de


maneira direta na formação desse mundo mais tradicional. Este mundo aparece-lhe
como uma realidade dada, retratando-se de forma opaca e sem grandes
significações. Essa realidade transmitida pelos pais denota o caráter histórico e
objetivo funcionando como reforço do sentido atribuído por essa realidade social.

A incorporação dessa realidade será considerada eficiente quando se dá o


processo de legitimação ao envolver receptividade e incorporação das informações.
Essa legitimação se dá junto às novas gerações no momento em que ocorre a
socialização das informações e da ordem institucional expressa.

As experiências humanas ao serem retidas na consciência se sedimentam, se


consolidam e dão sentido à vida pessoal e social numa dada coletividade pelo
processo intersubjetivo em que os vários indivíduos participam de uma vida em
comum.

A objetivação da vida cotidiana abre espaço para a incorporação de novas


experiências que vão formando um conjunto de hábitos, costumes e tradições. São
experiências que vão sendo reimpressas e rememorizadas num processo contínuo
de interpretação e reincorporação, até se tornarem rotinizadas tornando-se assim
práticas institucionalizadas.

O estabelecimento da ordem institucional leva a tipificação de papéis a


serem desempenhados pelos diferentes indivíduos que convivem numa dada
realidade. São na verdade executantes de ações objetivas, conhecidas, recorrentes
e repetíveis, daí a sua rotinização e institucionalização, onde os “atores corporificam
papéis e efetivam o drama ao representá-lo em um determinado palco. Nem o
drama nem a instituição existem empiricamente separados desta realização
repetida”, (BERGER, 2007, p. 104).

Nesse contexto, os desempenhos dos papéis sociais funcionam como


mediadores do acervo comum do conhecimento socialmente objetivo e em relação
também ao conhecimento de novos valores e até de emoções e condutas
adequadas que se fazem presente na realidade social do cotidiano.
123

São fatores que legitimam os significados que subjazem nas práticas


realizadas e que imprimem ordem e sentido à vida cotidiana, pois por trás das
práticas sociais estão presentes os motivos dos indivíduos que dão significação a
seus atos e condutas vistos socialmente como corretos frente à realidade social
vivenciada.

O processo de legitimação explica a ordem institucional e lhe dá fundamento,


justificando sua organização, ao mesmo tempo em que outorga validade cognitiva
apresenta uma dimensão normativa como imperativos práticos que interferem tanto
na objetivação quanto na intersubjetivação dessa realidade social; pois lhe atribui
uma dimensão simbólica, enquanto processo de significação, que se referem às
diferentes realidades que compõe as experiências da vida cotidiana, ordenando os
diferentes momentos da vida social, mediante a presença de ritos, dos mitos valores
e condutas enquanto produtos sociais que imprimem simbolismos a realidade
vivencial.

A realidade social se expressa como objetiva e subjetiva, o que pressupõem


um movimento dialético, enquanto processo de construção. Envolve três momentos
importantes: a exteriorização, a objetivação e a interiorização. O Ponto inicial é a
interiorização, que envolve a apreensão, interpretação imediata dos acontecimentos,
seus sentidos e significações. Uma apreensão da manifestação dos processos
subjetivos, no sentido de interpretar os significados do mundo particular e pessoal.

É o processo de interiorização que possibilita ao indivíduo tornar-se parte,


membro de uma sociedade. Um processo que se faz presente a partir da
socialização que coloca o homem frente a frente a sua realidade social.

A rotinização das práticas que promove as condições de conservação da


realidade social, salvaguardando, de certa forma uma simetria entre a realidade
objetiva e subjetiva. A realidade da vida cotidiana corporifica-se pelas rotinas, que é
a essência da institucionalização. No entanto, essa realidade necessita ser
reafirmada continuamente pelos indivíduos, que ao exteriorizá-la, torna-se uma
realidade socialmente definida.
124

Essa realidade social da vida cotidiana não é imutável, sofrem influências,


interferências que geram alterações que levam a transformações na maneira de ser
viver de uma dada coletividade

A construção da vida social se dá num encontro face a face pela luta e pela
dignidade de si e de outras pessoas. É no ambiente comum que a vida cotidiana se
mantém onde as lutas sociais ganham expressões, onde se buscam soluções,
redirecionamentos. É onde as relações interpessoais e o ambiente social constroem
novos projetos; é nesse nível microssocial que se estabelecem novos estilos de
vida, uma nova organização social, embora sem esquecer que na
contemporaneidade o mundo econômico e informacional afeta de forma direta a vida
pessoal e social.

É no convívio e inter-relação do microssocial e do macrossocial que se


apontam as saídas, as mudanças, as alterações que em muito afetam as relações
de convivência e o modo de vida nas comunidades, consideradas como
microssociais, pois, esse novo nível de relacionamento de coisas, de práticas de
relações, de costumes, de hábitos que funcionavam bem no nível anterior, não
funcionam da mesma forma ou até deixam de existir.

Nesse trânsito do mundo microssocial para o macrossocial situa-se a


realidade social e cotidiana da cidade de Colares.

Nesse processo de reconhecimento da realidade local reportar-se ao papel


exercido pelas famílias mais antigas consideradas enquanto depositárias e
mantenedoras de saberes, conhecimentos, valores e estilo de vida próprio, ou seja,
guardiãs dos pilares culturais que ainda atribuem sentido, significado a essa
comunidade tradicional, garantindo-lhe uma relativa estabilidade.

Nesse contexto social, a família é concebida como “base social”, núcleo


natural e fundamental da sociedade, como mantenedora da cultura, dos valores e
princípios que sedimentam as relações sociais. Entretanto, diante de profundas
mudanças por que passa essa comunidade, a família também vem se fragilizando e
se fragmentando.
125

Nesse contexto desestabilizador se busca a recuperação da função da


família, reforçando-se o papel de “âncora” das relações sociais, ao promover
cuidados, proteção, repasses de conhecimentos, valores, vínculos de
pertencimentos, socialização e inclusão social. Dessa forma, servindo de
fundamento para a construção identitária.

É no cotidiano familiar que se percebe as resistências e ou a adoção de


novos padrões culturais e estilos de vida. Um processo contínuo de luta, de negação
e de fragmentação da identidade familiar.

O homem, enquanto ser de comunicação, e mediante ao uso dos recursos da


linguagem simbólica que revela sonhos, conquistas, crenças, paixões, alegrias,
enfim, as experiências vividas, que muita das vezes escondem e expressam dores
sofridas, guardadas, enquanto segredos da alma, “expressões do espírito” que
traduzem vivências do passado e do presente, situações que apontam sentido e
direção para a vida pessoal e social.

A coleta de dados referente à pesquisa de campo traz embasamento para a


presente reflexão centrada no uso dos recursos da linguagem, da fala, do discurso
de famílias e jovens naturais da cidade de Colares. As entrevistas e aplicação de
formulários se efetivaram no sentido de captar o sentimento, o sentido e o
significado atribuído às permanências e as mudanças verificadas nesta comunidade.
O objetivo central desta pesquisa de campo voltou-se para a percepção de como a
comunidade local se vê, se percebe diante das interferências tanto das
permanências do tradicionalismo, quanto das mudanças que vem se instaurando
nas últimas décadas nesse município ribeirinho e tradicional.
A linguagem nesta reflexão tornou-se instrumento de expressão do mundo
simbólico, do mundo de significações. Uma vez que se refere a um campo em que
podem ocorrer situações problemas que interferem no desenvolvimento da vida das
pessoas e, sobretudo, servindo de referência para a compreensão da comunidade
pesquisada. Nesse sentido, a linguagem por apresentar uma função simbólica dos
relatos, torna-se reveladora do simbolismo da vida social, possibilitando o
entendimento do que aconteceu ou acontece nesta realidade social, revelando
dessa maneira aspectos profundos e amplos do ser humano e da vida societal, ao
mesmo tempo em que, a linguagem nos dar conta dos registros históricos e
126

vivenciais possibilitando também captar emoções traduzidas por sentimentos


carregados de significações.

A linguagem traduz as relações que os homens estabelecem entre si, pois é o


discurso que nomeia, descreve o mundo em que estão inseridos. Uma linguagem
simbólica cheia de sentidos e significados muito próprios que imprimem direção aos
atos e comportamentos dos atores numa dada realidade social, como também os
significados e direção trazidos pelo simbolismo que se reportam para além do
mundo material e concreto, localizando-se no campo das emoções e dos
sentimentos que embasam os sentidos e consistência da vida social.

Em relação à coleta de informações junto à comunidade de Colares, uma das


questões expressas pelas famílias e jovens é o reconhecimento das manifestações
culturais consideradas próprias de Colares. São famílias com vinculações a pesca e
a agricultura de subsistência, consideradas tradicionais.

São identificados como manifestações culturais de Colares, os festejos de


Círio e dos Santos padroeiros que remontam a era colonial e a participação
missionária na região do Salgado; as festas juninas, consideradas ponto alto das
tradições em Colares eram representadas pelo boi-bumbá, cordões de pássaros
como o Guará, além do Boto, o Carneiro e a Dourada.

Os entrevistados reconhecem que o Círio e os festejos de Santos são bem


presentes. Já o boi-bumbá, os cordões de pássaros e danças folclóricas até em
1980 eram bem freqüentes na sede do município. A partir dos anos 1990 foram
desaparecendo e ficando mais restrito na zona rural. Hoje, até no interior, o tempo
vem passando e essas manifestações vão ficando no passado.

É com certo saudosismo que os habitantes de Colares falam desse passado e


dessas manifestações que ainda envolve e mantém um elo de ligação entre todos.
Eram momentos de envolvimento, de participação de toda a população local, além
de divertimento, lazer e tradição, pois as manifestações culturais expressavam a
vida, os sonhos e o dia- a- dia da população local.

Hoje, essas manifestações são rememoradas nas festas juninas realizadas


pelas escolas locais. De maneira geral, se faz certo resgate das danças folclóricas e
127

das quadrilhas. O boi-bumbá e os cordões de pássaros começam a reaparecer em


algumas localidades do interior, onde ainda é de conhecimento de algumas pessoas,
que funcionam como guardiões dessa cultura tradicional. Os guardiões vão
repassando essa cultura para as gerações mais jovens, entretanto, há o lamento de
que o tempo passou e que muita coisa se perdeu.

Lamenta-se que os cordões de pássaros e as pastorinhas já não são


apresentados como antes. Estando distanciados do cotidiano dos jovens. Para os
jovens essas manifestações são vistas como algo que aconteceu, são fatos do
passado, dos quais se tem notícias. Daí a preocupação desse saber ser preservado
e rememorizado.

Para alguns entrevistados, “as manifestações culturais que tem reaparecido


“aqui e acolá” são bem diferentes do que acontecia antes. “As danças voltaram, mas
são renovadas. Reaparecem, mas não são como as do passado. Muitas
desapareceram e surgiram outras danças e, quando acontecem, não são feitas com
o mesmo respeito com que eram feitas antes”.

Fica claro nesses fragmentos de discursos da população entrevistada a


transitoriedade do antigo e do novo. Assim como traduzem certa resistência a perda
de um passado até bem pouco tempo considerado estável e previsível. Revelando-
se também certo esquecimento no contexto contemporâneo.

No âmbito religioso, as festas, as comemorações continuam bem presentes.


O círio de Nossa Senhora do Rosário e festas de santos padroeiros envolvem a
população local e pessoas de fora do município. Assim como se reconhece a
atuação das igrejas evangélicas, embora com menor grau de envolvimento e
repercussão junto à comunidade.

Em relação ao convívio familiar, ainda é presente, pelo menos na maioria das


famílias alguns comportamentos tradicionais como tomar a bênção dos pais e o
respeito aos mais velhos. Apesar também de se observar o afrouxamento desses
comportamentos em algumas famílias

Os entrevistados afirmam que os padrões culturais se mantêm em suas


famílias, embora reconheçam que tais padrões vêm se perdendo, ou diminuindo de
128

importância, pois afirmam que outros comportamentos “desrespeitosos” vêm se


instalando, sobretudo, no meio dos jovens.

Segundo os mais velhos, os jovens precisam de maior controle e de


repressão por parte dos pais e responsáveis, pois no geral, a autoridade dos pais
ainda é reconhecida nesta comunidade.

Há um confronto entre os padrões que vem sendo transmitido pelos pais,


pelos mais velhos, considerados como verdadeiros e as informações trazidas pelo
mundo moderno, mais amplo e global pela televisão e outros meios de comunicação
que introduzem novos valores e comportamentos, principalmente junto à juventude,
como o uso de novos estilos de roupas, uso de bebidas alcoólicas, drogas e seu
afastamento do padrão cultural local, secundarizando o ideário que dá sustentação a
essa comunidade ribeirinha.

Outros entrevistados são mais enfáticos ao afirmar que os comportamentos,


segundo os padrões locais, fazem-se presente em momentos específicos como nos
dias de festas do Círio, o dia dos pais, o Natal. Segundo o Sr. R. de 80 anos, as
famílias se reúnem no dia-a-dia, mas não seguem os padrões tradicionais. “Os filhos
deixam de se preocupar com as famílias e as mudanças ocorrem em todos os
sentidos, onde a falta de respeito é a maior mudança”.

Um fato mencionado pela maioria dos entrevistados retrata a participação de


um grupo de jovens que após embebedarem-se adentraram no cemitério local e
profanaram vários túmulos. O que deixou muitos moradores, principalmente, os mais
velhos abalados e perplexos diante do ocorrido.

A princípio, para os jovens, o ato foi efeito do uso de bebida e de não terem o
que fazer, pela quebra da rotina; fazer algo diferente, chamar a atenção. Para a
população em geral foi motivo de escândalo, pois foi um fato que ganhou destaque
na mídia local / regional. Além das repercussões negativas, o fato mexeu com os
sentimentos da população local, uma vez que o cemitério, além de lugar santo,
representa o passado daquela localidade. Ele faz referência à história de muitas
pessoas, são vivências que trazem sedimentação à história local.
129

Em relação aos jovens que praticaram esse ato, são vistos como vândalos
desordeiros e desrespeitadores dos sentimentos e do valor atribuído a este lugar
considerado santo.

O episódio demonstra que de certa forma há uma quebra da ponte que liga o
passado e o presente, embora a população mais velha ainda se ache referenciada
por esse passado, pelas recordações de familiares e de vivências que dão sentido a
vida social local.

Constitui-se um fato rico em simbolismo e significação, retratando um


processo de transitoriedade do passado para o presente e traz uma reflexão acerca
de que ao “destruir os símbolos de um homem ou de um povo, nega-se a sua
história, os seus projetos e sonhos, ou seja, sua capacidade de transcender”,
(NASSER, 2003, p.10).

Os símbolos têm a função de trazer para perto o que falta, o que está
distanciado pelo tempo ou pelas práticas sociais. Tem a capacidade de moldurar
uma situação, um contexto, uma cultura. Ao mesmo tempo em que para alguns, sua
quebra ou morte traz o sentido de emancipação dos símbolos e do simbolismo,
oportuniza a busca de novas respostas para perguntas antigas e atuais, a busca de
novos sentidos e significações para preocupações e emoções mais presentes.

Em relação às alterações por que vêm passando a cidade de Colares, as


pessoas mais idosas identificam que algumas mudanças melhoraram a cidade,
como por exemplo: a chegada do transporte, da estrada. Segundo o posicionamento
do senhor R. 68 anos “Tínhamos que ir de canoas, uma viagem mais demorada e
desconfortável”. Mas também apontam como a pior das mudanças foi a
“desorganização” provocada pelo “desrespeito” que chegou junto com as outras
pessoas, junto com as novidades.

Identifica-se como falta de respeito às atitudes e comportamentos agressivos


dos jovens como falar alto, pronunciar pornofonias em público e não respeitar a
presença dos mais velhos.

Apesar dessas observações, a chegada de pessoas de fora traz para a


cidade contribuições positivas para o desenvolvimento da localidade, ao melhorar o
130

consumo e o comércio local. Quando essas pessoas constroem casas, curtem as


coisas belas de Colares, apesar de que outros se excedem na bebida e fazem o que
não devem. Assim, quando essas pessoas ajudam a construir a nova Colares são
bem vindas, mas quando vêm fazer vandalismo, bagunça não são bem recebidas
pela comunidade local.

Para outros entrevistados, as pessoas de fora compram terras, constroem


casas e vão embora, só aparecendo nos feriados, nos finais de semana e férias,
quando torna a cidade mais alegre, festiva e movimentada.

De forma clara e bem enfática, os entrevistados jovens e adultos, apontam o


papel determinante do governo municipal no processo de desenvolvimento local, na
promoção da cultura tradicional de Colares, mediante incentivos e investimentos na
área econômica e cultural, resguardando-se a memória e as coisas de Colares, pois
são aspectos importantes que imprimem sentido e significado para a história dessa
comunidade. Ações mediante a realização de cursos, encontros culturais que podem
contribuir para a preservação da cultura e o modo de vida tradicional.

Reconhece-se o papel transformador do homem e da vida social. Ele é o


construtor de si mesmo e do mundo em que está inserido. A construção do “Eu” e da
identidade não está desvinculada da realidade totalizante, numa relação dialética
com a natureza e com o mundo. É nessa relação de totalidade social que o homem
constrói sua história. Uma história de transformações, de passagem de uma ordem
natural para uma ordem social e cultural.
É no estabelecimento de um diálogo com o cotidiano que se constrói as
referências que sedimentam a nossa existência. O resguardar da memória social e
cultural de um povo é o que possibilita o processo de identificação social de um
determinado grupo ou comunidade. Uma história sedimentada, ainda que sob
influências diversas. É a memória histórica que conecta passado e presente dos
grupos sociais e aponta esse relacionamento para o futuro.

O passado, ainda que distanciado, que tenha ido embora com o tempo, sua
reconstrução pode ocorrer em nível simbólico, ao estabelecer ligação com emoções
e sentimentos que imprimem sentido ao preencher lacunas, buracos, provocados
pelo tempo, pelas mudanças instauradas.
131

Em relação à realidade concreta e das necessidades mais imediatas da


população local, espera-se uma atuação mais eficaz do poder local na geração de
emprego e renda, na criação de oportunidade de trabalho com o objetivo de ocupar
e fixar os jovens no município.

Investir na juventude é uma preocupação dos mais velhos, quanto dos


jovens que se vêm sem um futuro, sem possibilidades de continuar vivendo em
Colares, uma vez que os jovens não se vêem atraídos pelas atividades tradicionais
da pesca e da pequena agricultura

Segundo J. M., 25 anos, os jovens de Colares não se inserem nas atividades


tradicionais. Para ele, estas práticas continuam bem tradicionais sem modernização
e vêm até retrocedendo. “Na pesca, antes já havia embarcação motorizada, hoje
predominam os barcos a vela. A agricultura não vem recebendo os devidos
incentivos do poder local, o agricultor não tem mais terra e os que têm, de tanta
queimada já prejudicou o solo para plantar”.

Os cursos na área de geração de trabalho e renda acontecem, mas não são


colocados em práticas, são apenas projetos a serem efetivados.

De maneira geral, o jovem se volta para o mundo que não é o local, o mundo
de outras culturas, que trazem outro modo de vida, outros comportamentos, como
por exemplo, o uso de roupas de marca. Ou quando muito se vêem na ociosidade,
não se inserem de fato, nem no novo e nem nas atividades tradicionais.
Ainda segundo esse jovem, os investimentos do poder local deveriam se voltar
para a arte, para o artesanato e o aproveitamento dos recursos naturais, como
folhagens, raízes, sementes tão abundantes na localidade.

É presente em sua memória quando saía para pescar com seu pai, quando
iam fazer farinha. Seu pai era pescador de filhote, espécie hoje rara. “A pesca de
arrastão tem diminuído bastante a quantidade de peixe no município”. Este jovem
ainda rememora o tempo em que havia o "escambo”, não havia muita circulação de
dinheiro, mas se trocava produto por produto, peixe por farinha: farinha por fruta. Era
um tempo em que havia fartura na alimentação para o povo do município. Hoje se
tem dinheiro, mas não se tem muito que comprar”.
132

Assim, a história conta e é contada por homens envolvidos por situação do


passado / presente, de maneira conectada com o imaginário, mas; sempre se
reportando a realidades vividas. O real para esse jovem é “tudo aquilo que se mostra
a consciência, tanto natural quanto imaginária (que expressam) os sentimentos e os
desejos”, (TEVES, 2002, p.57), nesse contexto social que pode ser revivido a custa
de lembranças e percepções do passado, o mundo histórico pode ser revivido com
amor ou ódio num jogo extremamente afetivo.

Os jovens entrevistados encontram-se numa faixa etária de 16 a 25 anos.


Todos estudantes, ou que já terminaram o Ensino Médio. A entrevista junto aos
jovens aponta o seguinte quadro: Os jovens demonstram estarem satisfeito com a
cidade de Colares, por reconhecerem as belezas e os encantos naturais desta
cidade. Apontam como característica principal da cidade ser tranqüila, pacata, sem
violência, com qualidade de vida muito boa. Se sentem integrados ao estilo e as
condições de vida oferecida pela comunidade em que vivem, chegando a
caracterizá-la como uma cidade agradável de viver.

Dos dezesseis jovens entrevistados, 50% mantêm vinculações com as


atividades tradicionais. De alguma forma participam em algum momento das
atividades da pesca ou da agricultura. Outros se vinculam as tarefas domésticas e
outros se dedicam apenas aos estudos.

Em relação à formação educacional, terminar os estudos é preocupação


dos jovens e de seus familiares. Estão voltados para a continuidade dos estudos e a
inserção no mercado de trabalho. Em decorrência de seus projetos futuros, alguns
jovens afirmam a sua provável saída do município. Dos jovens entrevistados, 70%
pensam em cursar faculdade ou se empregar.

Um dos sérios problemas no município de Colares é a falta de perspectiva


de continuidade dos estudos e o reduzido mercado de trabalho. Segundo J.M., o
jovem no município ou vai ser pescador ou professor. Daí, ao final do Ensino Médio,
muitos jovens abandonam a cidade em busca de seus projetos de vida.

Os jovens não se mostram interessados em se engajar, pelo menos como


profissional na pesca ou na agricultura. Assim projetam sair da cidade em busca de
133

Independência e se fixar em grandes cidades, que segundo eles, proporciona-lhes


maior acesso aos estudos e ao trabalho.

Entretanto diante desse quadro, alguns jovens lamentam em ter que sair
para outras cidades, como Belém, por exemplo, e terem que se adaptar a uma vida
mais agitada, diferente da que eles levam em Colares.

Em relação à interferência da mídia e dos meios de comunicação sobre a vida


pacata da cidade, os jovens afirmam que algumas notícias interferem, mas ajudam
também a conhecer outras realidades, outras cidades, outros países, outros
mundos. Para alguns jovens a novidade vem, mas, passa. Após as notícias a vida
volta à rotina e tudo continua como antes pelo isolamento em que vive Colares. No
entanto, algumas pessoas se deixam influenciar pelos novos conhecimentos, se
atualizam e mudam comportamentos e posturas.

Assim como as pessoas mais velhas, os jovens esperam da administração


local mais investimentos na cidade. Apesar de morarem num “paraíso” são
necessárias políticas que gere emprego e o desenvolvimento da localidade.
A partir desses posicionamentos fica claro para o investigador da questão
das permanências e mudanças sociais nesta área, a importância e o poder da
sociedade, ainda que observadas por lentes diferenciadas. A Sociedade local
representa o mundo onde se estabelece a relação homem / sociedade, a
convivência, as interações que direcionam o jogo afetivo entre os diferentes
segmentos desta coletividade. Num jogo de interesses que envolvem vivos e mortos,
passado e presente num emaranhado de laços, com articulações e interações reais
e imaginárias que cimentam a vida social.

Pode-se afirmar que se trata de um processo em construção e que só o


tempo e os acontecimentos irão apontar o direcionamento da vida e da história
dessa comunidade, que embora apresente traços marcantes do tradicionalismo, este
ao longo das últimas décadas vem se tornando pálido, sem brilho e sem poder de se
reafirmar diante de tantas influências e mudanças que vem se operando nessa
realidade social.
134

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Consolidação do modo de produção capitalista decorre do processo de


domesticação de várias áreas coloniais, que desempenham o papel de depositária
de investimentos e como elemento propulsor a crescente interligação e dependência
de economias centrais e coloniais. Embora seja desigual a inserção no mercado
ampliado das áreas periféricas ou coloniais, uma vez que se inserem com atividades
primárias, com desvantagens frente aos obstáculos impostos pelo mercado externo.

No entanto, essa inserção traz mudanças significativas, pois de certa forma


a modernização imposta faz emergir rápidas modificações nos hábitos e costumes
135

pela adoção de novos padrões de consumo, sem, entretanto, corresponder a um


real desenvolvimento local.

O que coloca em xeque o alcance de um desenvolvimento, segundo os


patamares dos grandes centros detentores de uma economia moderna, a
capacidade de investimento local, o domínio da tecnologia e a capacidade de
investimento no mercado mundial.

A reestruturação e a reordenação da economia capitalista trazida pela


globalização nas últimas décadas vêm avançando nas mais remotas regiões do
planeta, consideradas como fronteiras atrativas a produção e a exploração e
reprodução do capital.

A região amazônica sempre esteve ligada ao desenvolvimento do capitalismo


mundial. Desde a era colonial o extrativismo tornou-se atividade rentável, via
exploração dos recursos da floresta e dos rios, que disponibilizados ao mercado
externo para dar atendimento aos interesses de grupos internacionais. Ao longo de
sua história a região vem definindo e redefinindo seu papel de fornecedora de
produtos primários e de recursos naturais. Seu processo de exploração ou de
desenvolvimento foi marcado por incursões esporádicas das grandes metrópoles.
Daí o ciclo das “Drogas do Sertão” da “borracha” e mais recentemente a exploração
econômica através dos grandes empreendimentos, momento em que a região se
insere de forma plena e definitiva no capitalismo avançado.

O centro dos interesses está na exploração em larga escala das riquezas


naturais. O que tem colocado a Amazônia sob a ótica da submissão e subordinação
dada à prevalência dos interesses externos e a desvinculação dos interesses,
potencialidades e padrões sociais locais.

Na verdade, esse processo de ocupação levou nas últimas décadas, o


surgimento de “ilhas” de crescimento no país e na região pela presença de áreas
periféricas dentro da própria periferia.

É nesse cenário de inserção de realidades tão díspares que se localizam o


fenômeno das Permanências e Mudanças Sociais tão presentes na realidade atual,
onde a transição é marca desse processo. Tradição e modernidade como faces da
136

conformação atual. Assim, a realidade atual se reveste de uma nova transitoriedade


que expressam permanências ou vestígios de uma estruturação anterior e a
emergência de uma nova conformação social pautada na racionalidade da
modernidade.

Nessa transitoriedade, o poder determinador de novos padrões sócio-


culturais, que impõem e rompem os antigos pilares sócio-culturais. A vida social
sendo resultante das rápidas e profundas alterações, em que se observa o excesso
de presente em relação ao passado, que por sua vez é totalmente desfocado do
futuro.

É o fenômeno da modernidade tardia que alcança e insere as comunidades


tradicionais em uma nova racionalidade econômica e social, ao mesmo tempo em
que anuncia os impactos e as demandas de uma realidade ainda em construção. O
que referencia o trânsito entre os padrões tradicionais e modernos, entre
continuidades e descontinuidades, como marcas desse novo tempo social.

É o emergir da era da modernidade reflexiva como um novo contexto que faz


num primeiro momento a desincorporação das forças tradicionais pelas forças
sociais industriais e num segundo momento a reincorporação do tradicionalismo que
se reveste das mudanças trazidas pela modernidade.

A Região do Salgado, no Nordeste Paraense configura-se como uma região


de exploração econômica que remete a era colonial, quando da atuação das
missões religiosas, que por meio dos aldeamentos, estabelecia estratégias de
ocupação e exploração. Uma atuação baseada nas atividades extrativistas, a
agricultura e a pesca artesanal, enquanto modelo primitivo. Até a década de 1950,
as populações locais se inseriam de forma livre, sem grandes disputa e conflitos. O
acesso à terra e aos recursos naturais estavam relacionados à própria sobrevivência
dessas populações tradicionais.

A Partir de 1960, a agricultura ganha certo dinamismo, entretanto, a


presença marcante do rio torna a pesca fator de trabalho, renda e alimentação,
tornando-se atividade central no âmbito regional.
137

Nas últimas décadas, diante da modernização se inscreveram novas formas


de organização social, agora impelidas pela racionalidade do capital. Diante das
atividades tradicionais, sobretudo da pesca são disponibilizados às populações
tradicionais projetos de dinamização e modernização econômica. As novas formas
de adaptação se verificam diante das diferentes estratégias atreladas à
modernidade. São formas de organização e produção que levam a
“destradicionalização” das práticas tradicionais pela incorporação de novos
procedimentos, novas tecnologias em seu modo de produzir sua subsistência

No âmbito da modernização se reconhece o papel do governo local no


processo de desenvolvimento, pois é mediante a descentralização das ações
políticas que referenda o município como lócus do cotidiano. É o espaço onde são
expressas as indignações e as demandas sociais e econômicas da comunidade. Em
prol do desenvolvimento, o município direciona e dinamiza as ações de grupos e
projetos tendo em vista a modernização das atividades que valorizam e
potencializam o espaço local. A meta a ser alcançada é tornar a sociedade
tradicional moderna, desenvolvida e próspera.

Concebe-se um desenvolvimento que mantém íntima relação entre as


atividades tradicionais e modernas, tendo em vista a sustentabilidade do meio rural.
Essa transição faz emergir novas atividades produtivas que levam a conformatação
de uma nova ruralidade. Assim, tradicionalismo e modernidade como fatores
desencadeadores do desenvolvimento local de forma integrada e sustentável.

Nesse cenário de mudanças o trabalho é concebido como elemento


norteador do processo de criação e recriação. E hoje, apesar das mudanças
societárias e do mundo da produção, o trabalho ainda revela-se como elemento
fundante, apresentando caráter central, por oportunizar pistas para a compreensão
do homem e do mundo por ele criado. A categoria trabalho assume centralidade e
passa a ser concebido enquanto prática fundadora do ser social. É o elemento
possibilitador da construção e da transformação da natureza, do homem e da
sociedade.

Nas comunidades tradicionais, o trabalho e as práticas tradicionais funcionam


como ancouradoros das populações rurais, no entanto, diante da modernização, o
138

tradicionalismo passa a se visto como incompatível e como tal passa a se


metamorfosear para outra forma posterior, a reinvenção do tradicionalismo, que
passa acoplar as necessidades da modernidade.

Em Colares, a pequena agricultura e a pesca artesanal continuam a dar


sustentação a vida, a economia e a sociedade local. Mantém-se e asseguram a
subsistência, enquanto fonte de alimentação trabalho e renda.

A Agricultura continua de forma combinada com a pesca, a caça e a coleta,


pois o peixe e a farinha sendo as bases da alimentação local. São atividades
primeiras que se reportam a um saber fazer repassados por gerações anteriores.

A agricultura ocupa as terras públicas e suas benfeitorias vêm sendo


repassadas ao longo do tempo pelas famílias usuárias. Toda a produção está
centrada principalmente na produção da mandioca e seus derivados. Em menor
quantidade a produção do milho, do arroz e outros produtos. São práticas realizadas
de maneira tradicional, sem inovação tecnológica, daí a baixa produtividade. O
roçado ainda é precedido pela queimada e a coivara.

No entanto, políticas públicas se voltam para a modernização dessa atividade


tradicional através da introdução da produção consorciada que reúne a mandioca, a
produção de banana, melancia, pupunha, feijão e milho. Uma inovação que vem
sendo implantada pela capacitação dos colonos, mediante cursos e introdução de
novas técnicas de plantio.

Nessa perspectiva, incentiva-se também o plantio do açaí, do cupuaçu e o


projeto de folheosas e legumes sem agrotóxico, com práticas bem naturais, aliando-
se o saber fazer tradicional e novos saberes trazidos pelos cursos de capacitação.
Adotam-se novos métodos naturais sem grande impacto para o solo e o meio
ambiente.

Entretanto, em relação às inovações, observa-se certa rejeição a esses


projetos, pois a população local está mais acostumada às práticas tradicionais.
Preferindo, por exemplo, ser extrativista do açaí das várzeas do que plantar nas
áreas secas, pois ainda não perceberam os riscos de exaustão dessas práticas.
139

Todo esse comportamento está relacionado ao baixo alcance desses projetos


que envolvem um número reduzido de famílias agrícolas que se voltam para áreas
isoladas e dispersas. Somente a produção do mel trouxe resultados significativos
para a população e para o município.

Em relação à pesca, esta se constitui ainda como atividade tradicional que


referencia o município como comunidade pesqueira. Desde a era colonial, a
atividade pesqueira é fundamental para a produção material e simbólica dessa
comunidade.

A partir dos anos 1950, a atividade da pesca recebeu financiamento com


vistas a sua modernização. Liberam-se recursos para a compra de barcos maiores e
mais equipados e com o uso de novas tecnologias. A meta a ser alcançada é a
grande produção para o mercado externo.

Em Colares, a pesca ainda se pauta no uso de canoas e pequenos barcos. É


comum o uso de rede de nylon e de um conhecimento acumulado de experiências e
saberes tão antigos quanto essa localidade. Uma prática que se fundamenta na
relação homem-rio e toda uma herança cultural que envolve um saber-fazer e os
segredos da arte de pescar.

Com a chegada das novas tecnologias, o pescador artesanal passa a ser


visto como “desqualificado” perante a industrialização, momento que se observa o
avanço do capital na Zona do Salgado. Com essas inovações, observam-se
alterações na vida dessa comunidade ribeirinha, pois alteram-se as condições
materiais e o direito de continuarem se reproduzindo como tal. Uma vez que os
pólos pesqueiros industriais se impõem e transformam os trabalhadores da pesca
antes livres agora em trabalhadores assalariados. É o momento que se quebram as
técnicas nativas, vistas então como “irracionais”, “atrasadas” pela baixa
produtividade e reforçam as práticas inovadoras pela aquisição de novos
conhecimentos libertários do pescador artesanal, das práticas tradicionais, agora
submetidas à lógica do capital.

Um dos efeitos da modernização da pesca, sobretudo, pelo uso das


malhadeiras e da concorrência industrial, foi à implementação de formas predatórias
de captura e a conseqüente redução de espécies de peixe. Passa a ser comum a
140

luta pela sobrevivência. Estabelecem-se conflitos entre pescadores artesanais e


industriais devido à superposição de áreas de pesca, captura predatória e a redução
dos estoques de peixes.

Outro fato decorrente dessa nova forma de atuação é o deslocamento de


pescadores artesanais para áreas mais distantes de pesca ou buscar seu sustento
em outras frentes de trabalho.

A intensificação da pesca nessa região vem alcançando espaços


considerados sagrados pelos pescadores artesanais. São lugares de reprodução,
berçários como as praias de Nossa Senhora do Carmo que vem sendo invadida por
pescadores, tornando uma ameaça a reprodução dos peixes e a própria
sobrevivência da comunidade pesqueira.

São mudanças que alteram ao modo de vida da população ribeirinha, levando


a quebra de suas raízes tradicionais, dado o processo de reordenação do espaço,
do tempo social e conseqüentemente do processo identitário.

O homem se localiza no mundo e com o mundo estabelece uma relação que


possibilita a construção de si mesmo e da sociedade em que vive. Constituindo-se
num processo de vir-a-ser com um emaranhado de possibilidades, diante da
diversidade social e cultural. É o cotidiano das práticas sociais, o grande
referenciador da construção identitária, que dá fundamento a existência.

O homem ao fabricar um produto cultural se constrói, se subjetiva ao


estabelecer uma relação com o mundo interior e exterior numa relação entre o “eu” e
o “mundo”.

Na produção de sua sobrevivência, o homem estabelece uma relação que vai


além do seu próprio cotidiano. O Trabalho constitui-se fator fundamental, enquanto
prática social importante para dar atendimento às necessidades humanas e sociais.
Entretanto, e no cotidiano, enquanto contexto dinâmico, que possibilita o “ocaso” o
“inesperado” que revelam as possibilidades de transformação, mediante alterações e
rupturas da ordem estabelecida.

A identidade de um grupo social se dá num processo de construção social


simbólica que envolve dimensões objetivas / subjetivas, Individuais/ coletivas, como
141

fatores que apontam o significado e o sentido cultural dos acontecimentos. São


norteadores do processo de identificação e distinção sócio-cultural.

Em Colares, uma comunidade que se organiza desde o século XVIII, quando


da atuação dos missionários na região do Salgado. Uma região ocupada por índios,
mamelucos, cafuzos, mulatos e brancos. Uma fusão étnica cultural própria,
estabelecendo-se e fortalecendo-se os laços de pertencimento ao lugar no aspecto
social e cultural.

Essa comunidade até a década de 1970 vivia certo isolamento, em que a vida
transcorria num micro mundo, retratada pela atuação de pequenos grupos. O que
lhe conferia padrões eminentemente caboclos.

A partir desse período, a industrialização da pesca e seu rebate sobre a pesca


artesanal altera as condições materiais dos pescadores locais, ao se depararem
com novos instrumentos, a modernização da pesca, o manejo e o ritmo da captura
do pescado. Uma nova realidade que altera as condições de permanência das
comunidades tradicionais.

Outro fator marcante foi à chegada da estrada que trouxe os caminhões


frigoríficos pesqueiros e a demanda por uma produção maior. A estrada também
possibilitou a ligação de Colares com outros centros mais dinâmicos pela busca de
bens e serviços. Assim como também a chegada de levas de pessoas nos finais de
semana, feriados e férias, transformando essa comunidade em cidade balneária.
São postas frente a frente duas realidades distintas, uma pautada no tradicionalismo
e outra no estilo de vida moderna, com poder de persuasão sobre a cultura
tradicional.

Apesar da interferência, ainda é bem nítida a diferença entre os “nativos” e os


que vêm de “fora”. É ainda forte sua vinculação com o passado tradicional e os
sentimentos de pertencimento em que se priorizam os interesses, os sentimentos e
as necessidades dessa população ribeirinha.

Com o passar do tempo, a interferência dos padrões mais global e a


diversidade cultural vem fragilizando o ideário que dá sustentação ao mundo
142

caboclo. A população local passa a se ajustar às necessidades capitalistas,


secundarizando a identidade cultural local, com atitude de negação ou
desconsideração da cultura local, sobretudo a população jovem que passa a se
identificar com o “novo” com os padrões dos grandes centros deixando no passado a
cultura cabocla.

Com esse processo de reordenação, novas forças, nova adaptabilidade se dá


entre o mundo antigo e o mundo moderno. Havendo um deslocamento da identidade
ribeirinha e um processo de fragmentação do “eu” que se altera, segundo o olhar do
“outro”. Aos olhos da modernidade, a população tradicional é vista como uma cultura
antiga, tradicional, inculta e rude.

Na verdade, o que se verifica é a formação de uma identidade hibrida que


tenta conciliar o "velho” e o “novo”. Sem, no entanto, serem unificados. Em geral são
processos que se manifestam como posicionais. Alteram seu pertencimento de
acordo com a realidade envolvente, ora se aproximam da tradição, ora se sentem
mais atraídos pela modernidade,

De maneira geral, há posicionamentos diversos em relação a várias


situações presentes nessa realidade, a população mais antiga é favorável a
manutenção de uma vida pacata sem grandes alterações.

Em relação à construção da ponte que ligará Colares a Penhalonga, alguns


moradores são terminantemente contrários, pois vai expor a cidade a muitas
situações, pois possibilitará a vinda de mais pessoas e isso vai tirar a paz, a
tranqüilidade que ainda existe em Colares. Para outros, a ponte vai dinamizar
Colares, pois o comércio e a cidade vão crescer e progredir. Outros ainda esperam
que a chegada da ponte venha junto com outros projetos para dinamizar a cidade e
possibilitar o aquecimento da frente de trabalho, principalmente para a população
jovem.

Apesar dos sentimentos e sentidos atribuídos às mudanças, já são visíveis as


alterações na vida tradicional de Colares. No entanto, é nítida a diferença entre o
“colarense” seu modo de ser, de falar e de trabalhar e os “outros" que chegam,
estabelecem-se nessa cidade, demonstrando assim uma realidade contraditória.
143

Percebe-se de um lado, que há o reconhecimento social que direciona e


ainda confere sustentabilidade, por outro lado, a interligação dessa comunidade com
outras áreas trouxe para essa comunidade novos comportamentos, novos padrões
culturais, novos sentidos que alteram a relação e a diversidade.

É uma comunidade que pouco a pouco vai se submetendo aos interesses do


capital, ao mesmo tempo em que lhe possibilita a secundarização e ou abolição dos
padrões locais.

Assim, Colares, sua cultura tradicional vem se fragilizando frente a tantas


mudanças que alteram seu modo de ser e de fazer e, contribuindo para a construção
identitária hibrida que reúne o antigo e o novo. Um processo que se dá pela
reinvenção do tradicional em um contexto totalmente distanciado das condições do
passado, o que revela uma reordenação social e cultural bem presentes; uma
adaptabilidade diante de uma nova realidade social.

Embora não exista uma identidade cultural definida em si mesma na cidade


de Colares, ser colarense é algo bem visível e concreto, ainda que se considere aos
contatos mais amplos estabelecidos por essa comunidade e o confronto com uma
realidade mais diversa que aos poucos vem fragilizando o ideário local.

As mudanças e as novidades afetam principalmente a população jovem que


vislumbra seus projetos de vida para as áreas mais amplas e dinâmicas, uma vez
que não se sentem atraídos palas práticas e o modo de ser e viver da população
local. Os sonhos de ampliar os estudos, a busca de emprego e de independência
econômica coloca a população jovem vulnerável a saída do município. O futuro
nunca aparece ligado ao tradicionalismo, mas ao mundo moderno e mais amplo. A
saída dos jovens do município tem gerado a permanência da população mais antiga
e dos mais jovens e crianças, e com isso, a não renovação da mão-de-obra na
agricultura e na pesca, que, embora sejam atividades de sustentação do município.

Sua continuidade está ameaçada num futuro próximo, caso os fatores


imobilzantes não sejam removidos ou redirecionados
144

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