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As 10 maiores

di culdades
dos
pro ssionais
de saúde na
abordagem da
sexualidade

Dra. Aline Sardinha


As 10 maiores di culdades
dos pro ssionais de saúde
na abordagem da sexualidade
Dra. Aline Sardinha
Sumário
Sobre a autora 04
Introdução 07
1. Por que é importante falar de sexualidade se eu não trabalho 10
diretamente com o assunto?
2. Como perder o constrangimento para falar naquilo? 13
3. Qual a melhor maneira de abordar o assunto com os 17
pacientes?
4. Como perguntar sobre a sexualidade dos pacientes sem ser 21
mal interpretado?
5. A que, exatamente, preciso estar atento em relação à 25
sexualidade das pessoas que atendo?
6. O que eu devo saber para abordar a sexualidade dos 30
pacientes?
7. E depois de introduzir o assunto, como prosseguir? 36
8. E se a pessoa me contar coisas que eu não sei como lidar? 41
9. Como me capacitar para falar do assunto? 44
10. Lidando com populações especialmente vulneráveis 48

Bônus: Como funciona a Terapia Cognitiva Sexual? 52


Sobre a autora

A
l i n e S a rd i n h a é p s i có l o g a g rad u ad a p e l a
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e
Terapeuta Cognitivo Comportamental certi cada
pela Federação Brasileira de Terapias Cognitivas (FBTC). É
coordenadora do Núcleo de Disfunções Sexuais, do Programa
de Pós-Graduação em Psiquiatria e Saúde Mental do
IPUB/UFRJ onde orienta pesquisas na área de sexualidade em
nível de mestrado e doutorado. Atua também em clínica
particular como psicoterapeuta e supervisora. Tem doutorado
e mestrado em Saúde Mental pelo Laboratório de Pânico e
Respiração do Instituto de Psiquiatria da UFRJ (IPUB/UFRJ)
e especialização em psicoterapia de família e casal (PUC-Rio).
Tem experiência e interesse nas áreas de Terapia Cognitivo-
Comportamental, sexualidade e terapia de casal. É ex-
presidente da Associação de Terapias Cognitivas do Rio de
Janeiro (ATC-Rio, www.atc-rio.org.br, 2014-2016), e Vice-
presidente da Federação Brasileira de Terapias Cognitivas
(FBTC). É membro do Grupo de Trabalho Pesquisa básica e
aplicada em uma perspectiva Cognitivo-Comportamental da

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Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em
Psicologia (ANPEPP). Foi coordenadora e supervisora clínica
do Curso de Extensão de Quali cação e Treinamento
Pro ssional em Terapia Cognitivo Comportamental do
Instituto de Psiquiatria da UFRJ (IPUB). Já ministrou aulas
em cursos de pós-graduação, preparatórios para concursos,
atualização e extensão e e também palestras e workshops em
diversas partes do Brasil. Em 2007, foi pesquisadora visitante
no Center for Evolutionary Psychology, na University of
Califórnia, Santa Barbara (UCSB) na Califórnia, EUA. e na
Equipe de Neuropsicologia do Montreal Neurological
Institute (McGill), em Montreal, Canadá. Em 2012, comple-
tou a formação em Coaching pelo Centre for Coaching,
Middlesex University, Londres – Inglaterra. Possui diversos
livros, capítulos de livro e artigos publicados em revistas
cientí cas brasileiras e estrangeiras indexadas, além de
pesquisas apresentadas em congressos nacionais e internacio-
nais. É autora do livro Terapia Cognitiva Sexual: uma proposta
integrativa na psicoterapia da sexualidade (2017), do Baralho
da Sexualidade: conversando sobre sexo com adolescentes e
adultos (2017), do ebook Como Abordar a Queixa Sexual? Um

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guia para psicólogos, educadores e pro ssionais de saúde
(2018) e do livro Terapia Cognitiva Sexual: Teoria e prática
(2020). Aline é autora da Terapia Cognitiva Sexual, uma psico-
terapia de abordagem cognitivista e contextual especi ca-
mente voltada para o tratamento das questões sexuais, e
idealizadora do Curso de Formação à Distância em Terapia
Cognitiva Sexual, que já formou mais de duzentos pro ssiona-
is de saúde até o momento.
Clique aqui para acessar meu currículo no formato Lattes:
http://lattes.cnpq.br/0348838808635783

Para saber mais, www.alinesardinha.com

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06
Introdução
Caro colega, se você é pro ssional de saúde - ou estudan-
te dessas áreas - e se interessa pela sexualidade das pessoas
que você assiste em sua prática, seja bem-vindo(a)!
Embora a sexualidade seja um assunto importante e
presente no cotidiano da maioria das pessoas, o tema perma-
nece invisibilizado na maior parte dos consultórios. A organi-
zação mundial de saúde ressalta a importância da saúde sexual
e reprodutiva como parte da atenção integral à saúde. Além
disso, de acordo com um ditado popular, “todo mundo tem
problemas sexuais”. Ou seja, é sabido até pelo senso comum
que a sexualidade é um assunto de suma importância na expe-
riência humana. Como pode, portanto, que na maioria dos
contatos das pessoas com o sistema de saúde, esse assunto não
seja tratado?
No Brasil, temos poucos pro ssionais especialistas em
sexualidade, o que pode fazer com que os pacientes sofram
durante anos sem uma escuta adequada e sem ter oportunida-
de de tratar suas di culdades. Por isso, é importante que todo
pro ssional de saúde, mesmo que não seja especialista, possua

07
um entendimento básico sobre como abordar queixas sexuais,
como deixar o paciente confortável e planejar uma interven-
ção ou encaminhamento para um especialista ou equipe multi-
disciplinar especializada.
Assim, falar de saúde sexual não pode ser tarefa exclusi-
va do especialista. Nem é preciso ter formação avançada em
terapia sexual ou sexologia para perguntar sobre esse aspecto
da vida dos pacientes. Muitas pessoas têm problemas sexuais e
abordar esses temas é apenas parte do nosso trabalho.
Entretanto, a maior parte dos pro ssionais de saúde em
nosso país (e em muitos lugares do mundo!) não teve acesso a
treinamento formal adequado sobre sexualidade. Soma-se a
isso o fato de termos sido constituídos enquanto indivíduos - e
posteriormente pro ssionais - em um contexto social que
di culta o acesso a informações de qualidade sobre educação
sexual e que coloca diversos tabus sobre o tema.
Diante disso, é possível que muitos colegas não tenham
as habilidades clínicas necessárias, nem se sintam confortáve-
is, ao lidar com a sexualidade dos pacientes. Na minha expe-
riência como terapeuta, professora, pesquisadora e superviso-
ra clínica nessa área de sexualidade, percebo que essa di cul-

08
dade marca transversalmente desde estudantes até os pro s-
sionais mais gabaritados em suas áreas de atuação. É um pro-
blema de todos nós. E exatamente por isso que eu desenvolvi
esse material, cujo objetivo é chamar atenção do leitor para a
importância de desenvolver um olhar mais aprofundado sobre
as queixas sexuais, assim como apresentar ferramentas sobre
o assunto que possam auxiliar sua abordagem na prática clíni-
ca.
Quando eu pensei em escrever esse ebook, z uma
enquete online com vários colegas das mais diversas especiali-
dades e abordagens (e tive a honra de receber mais de 500 res-
postas!). A partir dessa pequena pesquisa, estruturei esse
material a partir dos dez tópicos que os colegas apontaram
como mais importantes. Deixo aqui o meu maior agradeci-
mento a esses, pela parceria e pela coragem de expor seus pon-
tos de dúvida e vulnerabilidade. É assim, juntos, que vamos
avançando a ciência e aprimorando o cuidado que oferecemos
às pessoas.

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Por que é importante falar de
sexualidade se eu não trabalho
diretamente com o assunto?
Quando uma pessoa busca ajuda em um pro ssional
especialista, o tema da sexualidade muitas vezes está presente
já no primeiro contato telefônico e certamente será detalhada-
mente investigado nas sessões iniciais. Entretanto, como
incluir a sexualidade entre os assuntos a serem abordados no
cuidado ao paciente, se a procura por tratamento não se dá por
uma queixa sexual exatamente?
Vamos pensar juntos aqui sobre a melhor maneira de
perguntar da sexualidade daqueles pacientes que não vieram
nos procurar com essa queixa especí ca. É provável que alguns
realmente não estejam esperando que você vá tratar desse
assunto. Entretanto, ao perguntar, você dará a eles a oportuni-
dade ímpar de ter alguém de con ança com quem conversar
sobre a intimidade. Em saúde, chamamos esses momentos de
janelas de oportunidade, quando o contato do indivíduo com o
sistema de saúde permite que outras questões, para além da

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queixa inicial, sejam abordadas, gerando a oportunidade de
prevenção e/ou intervenções voltadas para a promoção da
saúde.
Nesse sentido, cientes das estatísticas impressionantes
de di culdades relacionadas à sexualidade - abuso sexual,
infecções sexualmente transmissíveis, gestações indesejadas,
mortalidade materna decorrente de aborto clandestino, insa-
tisfação e disfunções sexuais - e da baixa oferta de oportunida-
des de educação sexual e de contato com pro ssional especiali-
zado, abrir o espaço para trazer esse assunto pode fazer uma
grande diferença nesses desfechos.
A palavra-chave aqui é permissão! Ao fazer perguntas
que façam sentido, e ao comunicar ao paciente a importância
de investigar sobre a sexualidade, vamos construindo um
ambiente em que este, aos poucos, se sinta à vontade para
trazer questões sobre o assunto. É importante também lem-
brar que nosso papel é abrir espaço, convidar as pessoas a pode-
rem compartilhar com o pro ssional dúvidas ou di culdades
sexuais. E que esse convite pode, e provavelmente vai, enfren-
tar alguma resistência ou vergonha inicial. Sem problemas! De
uma forma ou de outra, a possibilidade foi criada e deve ser

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retomada em um momento futuro.
Assim, antes de detalharmos como abordar, é importan-
te que o pro ssional faça uma re exão sobre o motivo pelo
qual considera importante incluir a sexualidade na sua prática
e exatamente a que aspectos é preciso estar atento. É dessa
forma que, aos poucos, vamos construindo, de dentro para
fora, a naturalidade necessária para deixar pro ssional e
paciente confortáveis.
Por isso, antes de continuarmos, queria deixar aqui um
exercício para você:
• Quais as suas crenças sobre quando e como é adequado
falar de sexo de forma geral?
• Quais os seus principais medos ao falar de sexo com
pacientes?
• Como você se sentiria como paciente se um pro ssional
de saúde abrisse espaço para falar da sexualidade?

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Como perder o constrangi-
mento para falar naquilo?
Você teve algum tipo de educação sexual? Em casa? Na
escola? Se sim, considere-se um privilegiado! A maioria das
pessoas inicia a vida sexual sem nenhum tipo de orientação.
Na verdade, a maior parte de nós passa a vida toda sem ter
acesso às mais básicas informações sobre sexo. De que forma
os seres humanos que vão se tornar futuramente pro ssionais
de saúde aprendem, ao longo do desenvolvimento, a falar e a
pensar a sexualidade? Que crenças, valores e padrões construí-
mos sobre sexualidade para conosco, no nosso contexto social,
cultural, familiar e religioso? Já falamos anteriormente tam-
bém que são escassas as oportunidades de capacitação técnica
que os pro ssionais de saúde, em sua maioria, têm para abor-
dar esse tema.
Está assim desenhado o que se vê atualmente na prática:
pro ssionais sem formação especí ca, contando apenas com
as próprias crenças e valores pessoais para tentar dar conta das
demandas sexuais que aparecem na clínica. Um dos poucos
consensos em psicologia é que as questões pessoais do terape-
uta não devem pautar a atuação pro ssional. Na lacuna de

13
conhecimentos técnicos, qual é, portanto, a solução encontra-
da pela maioria? Se o paciente não traz, o colega não pergunta!
Muitas vezes, mesmo no atendimento ao casal ou em situa-
ções de saúde que sabidamente impactam a sexualidade. Você
não está sozinho... Vamos com calma!
Da mesma forma como psicólogos estão habituados a
conviver com expressões de emoção intensas e o compartilha-
mento de vivências íntimas dos seus pacientes e já conseguem
manejar com isso em sua prática com tranquilidade. Assim
como o pro ssional de ginecologia consegue examinar os
genitais da paciente de forma cotidiana, sem car constrangi-
do a cada atendimento. Do mesmo jeito que o auxiliar de
enfermagem ajuda com o banho ou troca de fraldas, atuando
na intimidade cotidiana daquela pessoa. E o sioterapeuta
pélvico faz toque vaginal ou retal no seu dia a dia. É provável
que todos esses pro ssionais, no início da sua formação,
tenham se sentido inseguros sobre a melhor maneira de se
comportar nessas situações que, para alguém que não é da
área, soam estranhas. Ao longo do tempo, entretanto, aquilo
vai se tornando natural, parte da rotina, e isso é a mensagem
que é passada para a pessoa que atendemos. Você se lembra

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como foi para você no início? Como você faz, na sua prática,
para preparar os pacientes para as intervenções que você vai
precisar realizar e que possam ser estranhas, temidas ou dolo-
rosas para eles?
Antes de tudo, seja gentil com você mesmo. Se você fez o
exercício que eu propus lá no início, deve ter percebido que
todos nós temos crenças que nos levam a sentir constrangi-
mento ao falar de sexo nos mais variados contextos. Antes de
ser pro ssional de saúde, você é um ser humano, biopsicosso-
cial, que construiu a sua subjetividade nessa sociedade que nos
transmite uma série de tabus sobre sexo. É improvável que
sintamos naturalmente que temos permissão para falar do
assunto sem experimentar emoções negativas como vergo-
nha, apreensão, insegurança etc. Sem treinamento formal, é
possível que você se sinta sem recursos. E não é comum o pro-
ssional de saúde se sentir assim na sua prática, não é mesmo?
Somos frequentemente colocados em um lugar de saber que
em nada facilita desbravar esse terreno árido, sem a segurança
de termos sido formalmente treinados para tal.
Isso quer dizer que essas emoções provavelmente vão
aparecer... e aos poucos vão desaparecer, como é o curso natu-

15
ral das emoções. A palavra-chave para nós é habituação.
Vamos entender o constrangimento como parte do processo e
não como um sinal de que você deva recuar. Ao se perceber
desconfortável, pare um pouco e tente identi car o que está
passando pela sua cabeça que está te fazendo sentir assim. E
na hora que você se sentiu constrangido, o que você fez? Se
precisar, faça anotações. Na próxima vez, planeje, aborde o
assunto e depois re ita sobre como foi a situação, tanto do
ponto de vista prático, quando do ponto de vista das suas emo-
ções. Esse exercício, em terapia cognitivo comportamental, é
denominado autoprática, quando usamos as próprias ferra-
mentas da terapia para auxiliar na formação do pro ssional.
Se você tiver interesse em aprofundar esses exercícios para
manejar esses sentimentos, no meu último livro eu proponho
vários deles. Vou deixar a referência aqui.
• Sardinha, Aline (2020). Terapia Cognitiva Sexual:
Teoria e Prática. Campo Grande: Episteme.

16
Qual a melhor maneira de
abordar o assunto com os
pacientes?
Falar de forma natural e adequada sobre sexo se constrói
de dentro para fora. O pro ssional treinado sabe exatamente o
quê e por quê está perguntando e isso ca claro na maneira
como a questão é colocada. A partir disso, o assunto é trazido
com naturalidade e com uma linguagem adequada.
Por isso, o ponto de partida que eu sugeri lá no início foi
fazer uma re exão sobre o motivo pelo qual você considera
importante incluir a abordagem da sexualidade na sua prática
e exatamente a que aspectos é preciso estar atento. É assim
que vamos nos preparando e construindo, dentro de nós, a
naturalidade que deixa nossos pacientes confortáveis. Se eu
acredito que falar da sexualidade dos meus pacientes é parte
do cuidado integral que o pro ssional de saúde deve prover,
vai ser mais fácil me colocar sobre isso do que se eu acreditar
que estou invadindo a intimidade de alguém ou que, ao falar
disso, estou me colocando em risco de ser assediada ou mal
interpretada. Não é mesmo?

17
Por isso, acredito que a naturalidade vem da mudança na
forma como entendemos a abordagem da sexualidade. Temos
que nos convencer de que podemos e devemos nos responsabi-
lizar pelo cuidado com a sexualidade dos nossos pacientes
porque isso é parte da saúde e da qualidade de vida que nos
comprometemos a promover nas pessoas. Certo?
A naturalidade também vem da prática. Assim, o melhor
jeito de descobrir o que funciona para você é testando.
Errando, acertando e re etindo. Se você tiver um supervisor
ou um grupo de colegas para trocar, melhor ainda! (É isso que a
gente tem com o Mapa da Terapia Cognitiva Sexual, você
conhece?).
E a linguagem? Devo usar termos técnicos, devo usar
palavras coloquiais, tenho que usar um tom sóbrio ou um tom
mais leve, quase de brincadeira? E se o paciente usar termos
chulos, que me deixem desconfortável? Preciso usar as mes-
mas palavras? Essas perguntas também são frequentes entre
os colegas.
É importante notar que você deve usar o que for mais
confortável para você e o paciente. A palavra-chave aqui é
humanização do cuidado. Não adianta eu te dar uma lista de

18
termos “corretos” ou repetir a máxima de que você deve usar as
mesmas palavras dos pacientes ao descrever a sexualidade.
Tudo isso pode ser útil, mas se for adequado e confortável para
todos. Se você se sentir confortável em repetir os termos usa-
dos pela pessoa, vá em frente! Se não, use o que você tiver mais
naturalidade.
Talvez um cuidado aqui seja apenas estar “um passo
atrás” do paciente no uso de termos não técnicos. Sei que isso
talvez não seja uma questão para a maior parte das pessoas
que está lendo esse ebook, mas é comum observarmos colegas
experientes em sexualidade falando no consultório como se
estivesse com os amigos em uma mesa de bar. Com o tempo,
vamos cando tão habituados que vamos dessensibilizando.
Por isso, vale lembrar que aquele é o primeiro contato da dupla
pro ssional-paciente com o tema da sexualidade. Então,
mesmo que você se sinta super confortável, deixe o paciente
dar o tom. É assim que, aos poucos, vamos promovendo tam-
bém, a autonomia e o conforto necessários para o nosso paci-
ente abordar sua intimidade.
Outra dica é que, nesse momento, o foco é ouvir e não
corrigir. É muito comum as pessoas não conseguirem nem

19
nomear corretamente, exatamente porque temos pouco hábi-
to de falar de sexo, confundindo vulva com vagina, excitação
com desejo, pensamento com emoção...en m... Deixa seguir!
Se você car na dúvida se compreendeu corretamente, per-
gunte.
Por último, caso você perceba algum desconforto por
parte da pessoa, aponte gentilmente: “eu quei com a impres-
são de que você cou um pouco envergonhado/constrangido
quando falamos de..., estou correto?” Pode completar dizendo
que é natural se sentir assim, mas que a sexualidade é uma
parte importante da saúde e que é por isso que você está falan-
do desse assunto. Demonstre interesse e abertura. Isso, mui-
tas vezes, é su ciente para uma primeira intervenção.

20
Como perguntar sobre a sexua-
lidade para pacientes sem ser
mal interpretado?
Será que se eu introduzir esse assunto posso ser mal
interpretado? Esse é um dos principais receios dos pro ssio-
nais de saúde. De fato, esse medo se ancora na crença de que
sexo é um assunto especial, tabu, íntimo demais e que as pes-
soas poderiam se sentir ofendidas ao serem questionadas
sobre isso. É possível que pessoas que tenham essa crença
possam de fato pensar isso em um primeiro momento. Por
isso, é muito importante praticar a naturalidade e informar o
paciente de que esse assunto é parte da atenção integral à
saúde e que ele pode ser tratado ali, se a pessoa achar conveni-
ente.
Uma dica aqui é inserir a sexualidade na anamnese. Da
mesma maneira que perguntamos sobre trabalho, sono, rela-
cionamentos, rotina etc., perguntamos “e em relação à sua
saúde sexual, existe algum ponto que você considere impor-
tante que a gente trate aqui?” ou “esse problema que te traz
aqui hoje impacta a sua vida sexual de alguma forma?” ou

21
“como está a sua vida sexual?”
Mas e se eu já passei da fase da anamnese e quiser per-
guntar sobre a sexualidade? Sem problemas! Pergunte na pró-
xima consulta. Pergunte como a pessoa está, como os sinto-
mas ou a saúde vem evoluindo e insira a pergunta sobre sexua-
lidade entre os elementos da sua avaliação clínica. Ou ainda,
“eu tenho estudado um pouco sobre casos como o seu e os estu-
dos cientí cos sugerem que a gente aqui avalie se existe algum
impacto disso na sua sexualidade. Como está a sua vida sexu-
al?” Vai ser esquisito no início (talvez mais para você do que
para o paciente, mas aos poucos você se habitua!).
Outra ideia que muitas vezes trabalhar a favor da per-
missão em falar de assuntos íntimos é a presença de elementos
físicos no consultório, na instituição ou na sala de espera que
abordem a sexualidade. Pode ser um cartaz ou folheto com
informações e a frase “Se tiver dúvidas, pergunte ao seu médi-
co/ sioterapeuta/psicólogo etc”, pode ser alguns livros sobre
sexualidade em local visível na prateleira do consultório...
Entretanto, devemos aqui tomar cuidado com o ambiente para
que as sugestões naturalizando a abordagem da sexualidade
não sejam confundidas com um ambiente intimista que convi-

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da para o sexo. Quanto mais técnico for, menor a chance de
confusão. Nada de quadros com temas sexuais, luz intimista,
música e vestimentas inadequadas etc. A ideia é colocar a dis-
cussão sobre a sexualidade como mais uma das práticas de
cuidado em saúde.
Existe uma preocupação, que eu acredito ser bem rele-
vante, que é a possibilidade de o paciente entender que a per-
gunta do pro ssional na verdade seria uma demonstração de
interesse, assédio ou abertura para uma abordagem mais ínti-
ma por parte do paciente. Infelizmente, sexualidade em nossa
sociedade é tratada com tanta di culdade que, falar sobre isso,
para muitas pessoas, só ocorre mesmo no contexto da con-
quista ou da cantada. Isso pode ser ainda mais difícil se o pro-
ssional e o paciente forem de gêneros diferentes. Caso isso
ocorra, ou se você achar que pode ocorrer em função de outros
sinais já presentes na relação terapêutica, faça a sua pergunta
já mencionando que esse é um aspecto importante da saúde
em geral e que pode estar impactado com a condição de saúde
que levou a pessoa a buscar tratamento. Caso o assédio ocorra,
explique novamente o motivo da pergunta e aponte com clare-
za os limites da relação terapêutica. Um exercício aqui é plane-

23
jar com antecedência a melhor maneira de fazê-lo consideran-
do o seu contexto e as particularidades de cada relação tera-
pêutica.
É exatamente aqui que o treinamento do pro ssional
para abordar a sexualidade vai fazer a diferença! O pro ssional
treinado sabe exatamente o quê e por quê está perguntando e
isso ca claro na maneira como a questão é colocada. Além
disso, com treinamento e um pouco de prática, o assunto passa
a ser trazido com naturalidade e de forma adequada.

24
A que, exatamente, preciso estar atento
em relação à sexualidade das pessoas que
atendo?
Quando um pro ssional de saúde pergunta sobre a
sexualidade de seu paciente, muito provavelmente ouvirá
sobre di culdades de relacionamento, dúvidas em relação a
sexo, vontade de que algumas das suas vivências sexuais fos-
sem diferentes. Mesmo o paciente que não tem, por exemplo,
uma disfunção sexual diagnosticável pode, ainda assim, ter
queixas, dúvidas e questões sexuais que o psicólogo pode con-
seguir ajudar a resolver ou esclarecer, sem que seja necessário
o encaminhamento para um especialista.
Quando o paciente traz um problema sexual, é impor-
tante mapear as questões subjetivas, intrapsíquicas, de relaci-
onamento com a parceria e ainda as reações siológicas associ-
adas. Não se pode perder de vista que, em uma perspectiva
biopsicossocial, todas as queixas sexuais se constroem inseri-
das em um contexto sociocultural, político, econômico, religi-
oso etc. Na perspectiva da Terapia Cognitiva Sexual, a queixa
costuma ser apenas o topo da pirâmide, em cuja base residem
crenças, valores, atitudes, questões morais, familiares, religio-

25
sas, experiências sexuais anteriores e todo o entendimento
que o indivíduo construiu sobre sexualidade ao longo do seu
desenvolvimento.
Além disso, de acordo com o Manual de Diagnóstico e
Estatística em Transtornos Psiquiátricos, da Associação de
Psiquiatria Americana – DSM-V, uma anamnese adequada da
queixa sexual precisa partir dos seguintes dados:
• Cronologia de aquisição: Identi car se a queixa é pri-
mária ou secundária.
a. Primária: queixa que esteve presente na vida do indi-
víduo desde sempre.
b. Secundária: quando a queixa é adquirida, ou seja,
passou a acontecer a partir de um determinado momento ou
evento. Neste caso é importante compreender o contexto que
desencadeou o problema.
• Circunstâncias que a queixa ocorre: Veri car em quais
contextos a queixa aparece, para compreender se é situacional
ou generalizada
a. Situacional: aparece em situações especí cas ou com
parceiros especí cos.

26
b. Generalizada: aparece em todos os contextos e com
todos os parceiros.
• Etiologia: existem fatores orgânicos, por exemplo, que
podem estar in uenciando a queixa? Um dos fatores orgâni-
cos constantemente negligenciado é o uso de medicamentos,
especialmente anticoncepcionais hormonais e psicofármacos.
Geralmente as queixas são multifatoriais. Do ponto de vista
clínico, considerando que o funcionamento sexual envolve
tanto a siologia quanto a atribuição de signi cado, o compor-
tamento e a vivência emocional, o mais importante é entender
como esses fatores interagem.
• Grau de sofrimento: Entender o impacto da di culdade
sexual na vida do indivíduo e no relacionamento com a parce-
ria.
• Parceria: Avaliar aspectos do relacionamento que
podem estar in uenciando a sexualidade. Nesse aspecto é
importante investigar dois pontos principais:
a. Relacionamento: Di culdades relacionais, se os parce-
iros estão felizes ou não na relação de uma forma geral e como
isso impacta no jogo sexual deles, assim como de que maneira

27
a queixa sexual impacta o vínculo da parceria.
b. Estimulação adequada: Como o repertório sexual
deles se adequa às necessidades e preferências sexuais de um e
de outro? Esse aspecto tem recebido grande destaque na litera-
tura, dado que muitas queixas sexuais são consequência de
estimulação sexual inadequada, ine ciente ou insu ciente e
não de uma disfunção sexual real.
Também é necessário identi car quais estratégias o
paciente e/ou a parceria desenvolveu para lidar com a queixa e
que acomodações foram feitas em função do aparecimento do
problema, inclusive tratamentos anteriores. Tais padrões
comportamentais de acomodação podem funcionar como
fatores de manutenção do problema. Não se pode deixar de
investigar também, as situações de sucesso sexual, o que, ao
longo da vivência sexual, foi prazeroso, para que se possa tra-
zer esses elementos como potencial de desenvolvimento para
aquela pessoa.

28
Se você quiser se aprofundar nesse assunto, em 2018 eu
lancei um ebook para auxiliar pro ssionais de saúde a lidarem
com a queixa sexual.
Sardinha, A. (2018). Como abordar a queixa sexual: um
guia para psicólogos, educadores e pro ssionais de saúde.
Ebook. Disponível em: https://payment.hotmart.com/
K7065310T?checkoutMode=10&bid=1613390358571

29
O que eu devo saber para abordar a sexuali-
dade dos pacientes?
Ao receber uma pessoa com queixa sexual no consultó-
rio, o pro ssional deve ter em mente questões muito diversas,
desde aspectos básicos ligados a anatomia e resposta sexual
siológica até conceitos mais complexos, como de que forma
as disfunções sexuais são entendidas atualmente e como
devem ser observadas do ponto de vista social e cultural. Além
disso, quando vemos uma pessoa, temos que levar em conside-
ração os quatro pilares que dão base à sexualidade humana: o
sexo biológico, a identidade de gênero, o papel sexual e a orien-
tação sexual. Na referência que eu citei na seção anterior, tem
tudo isso explicadinho, mas para nossa discussão aqui, serve
lembrar que é sempre melhor perguntar sobre esses pilares do
que simplesmente fazer inferências a partir da aparência, do
nome ou da maneira de se portar. Uma postura de acolhimen-
to à individualidade das pessoas, considerando sua diversida-
de, é essencial para um cuidado humanizado e ético em saúde.
Na dúvida, pergunte. Se possível, busque conhecimento e
capacitação para lidar com aspectos das vivencias de sexuali-
dade e gênero que ainda parecem estranhas para você.

30
Os quatro pilares sexuais in uenciam, juntos, o compor-
tamento sexual, que é como o indivíduo decide se comportar
em determinadas situações sexuais. Esse comportamento não
é rígido e pode se modi car, mas costuma ser estável. Podemos
pensar os pilares sexuais como a base de um iceberg. Eles não
fazem parte das escolhas do indivíduo: não é possível escolher
seu par de cromossomos, com que gênero você se identi ca ou
sua orientação sexual, e nem mesmo se suas preferências
sobre o que fazer, o que vestir ou como se comportar no dia a
dia estão em conformidade com o que a sociedade espera. Já o
comportamento sexual, que é a ponta do iceberg, tem a ver
com escolha, pois o indivíduo é capaz de decidir como quer se
comportar. Nesse contexto, é muito comum que os pacientes
apresentem dúvidas sobre o que é um comportamento normal
e o que é um comportamento patológico, sobre se sua função
sexual está normal ou anormal etc.
Para determinar o que é normal ou patológico, o pro ssi-
onal precisa levar em consideração uma série de fatores – do
contrário, tende a trazer suas próprias vivências e crenças para
orientar o paciente. Mas que claro: não é papel do pro ssio-
nal determinar o que é adequado ou não, agindo como a socie-

31
dade ou como os familiares que julgam pacientes com compor-
tamentos não-esperados. Uma boa metáfora para entender o
conceito de normalidade é a distribuição gaussiana, utilizada
pela estatística. Ela mostra em grá co que, numa distribuição
normal, a maior parte das pessoas tem um comportamento ou
uma característica próxima à média, sendo menos frequente
encontrar comportamentos que estão fora da média. Se uma
pessoa chega ao consultório relatando que gosta, por exemplo,
de práticas sadomasoquistas, podemos identi car que, em
média, esse não é um comportamento comum. Porém, essa
prática deve ser considerada patológica e requer tratamento?
Da mesma forma que ser ruivo é uma característica física
pouco comum, e não necessariamente uma patologia, o
mesmo se aplica a determinados comportamentos ou vivênci-
as sexuais.
Ao se deparar com uma queixa sexual, acredito que o
mais importante a ressaltar nesse primeiro momento é que
esta se constrói a partir de uma concepção individual, mas
coletivamente construída, do que é a sexualidade normal.
Considerando que crenças distorcidas sobre como o sexo deve
acontecer são muito prevalentes na nossa sociedade, em fun-

32
ção da baixa educação sexual, esse é um ponto de atenção fun-
damental. Muitas das queixas que as pessoas têm não necessa-
riamente con guram disfunções. Por outro lado, muitas
pessoas, especialmente mulheres, enfrentam disfunções sexu-
ais sem que isso seja vivenciado como uma queixa que mereça
ou possa ser objeto de tratamento.
Vamos dar aqui alguns exemplos. Nos últimos anos,
cresceu muito a busca por tratamento por homens preocupa-
dos com a qualidade da ereção ou o tempo de latência entre o
início da penetração e a ejaculação. Muitos deles nem preen-
chem critérios para disfunção sexual, mas se encontram pro-
fundamente incomodados, inseguros e insatisfeitos a partir
da comparação entre o sexo que eles têm e o que eles acredi-
tam, erroneamente, que deveria ser. Por outro lado, muitas
mulheres passaram a vida experimentando algum grau de dor
na relação sexual e nunca procuraram tratamento. Além disso,
mais recentemente, a queixa de baixo desejo sexual tem apare-
cido no consultório, tanto entre homens quanto em mulheres,
usando principalmente como critério a frequência sexual
aquém do que eles consideram que seria “normal”.
Por isso é necessário ter sensibilidade para elaborar uma

33
boa avaliação para, junto com o paciente, determinar quais os
passos seguintes. É importante também atentar para necessi-
dades e o sistema de valores daquela pessoa especi camente
tanto ao compreender a queixa, quanto para seguir com a
intervenção.
Então, a partir de uma queixa sexual apresentada pelo
paciente, é necessário indagá-lo “qual o seu objetivo?”, “o que
exatamente lhe incomoda sobre o que você está me trazen-
do?”, “por que você está buscando tratamento para essa quei-
xa?”, “Como você gostaria que estivesse?”. Isso é importante
para que possam ser estruturadas metas terapêuticas realistas
e baseadas em evidências.
Crenças disfuncionais sobre sexo são o principal fator de
vulnerabilidade e manutenção das di culdades sexuais.
Muitas vezes tais crenças são transmitidas socialmente e atra-
vés da família, nos contextos de desenvolvimento. Isso quer
dizer que, muito provavelmente, os próprios pro ssionais de
saúde, uma vez que também estão inseridos nessa cultura,
compartilham do sistema de crenças sexuais inadequadas das
pessoas que atendem. Exatamente por isso, estão frequente-
mente inaptos não só para a demanda clínica em sexualidade,

34
como para compreenderem as possibilidades de solução. Para
agravar este cenário, crenças sobre o que é a sexualidade nor-
mal, sobre papéis de gênero, entre outras, costumam se cons-
truir enquanto ideias arraigadas - rígidas e atreladas a altas
valências emocionais.
Além disso, não podemos nos esquecer da etiologia mul-
tifatorial das queixas e di culdades sexuais. Nesse sentido, é
importante avaliar aspectos da saúde física e mental, bem
como uso de substâncias e medicamentos que possam estar
in uenciando a função sexual. A partir dessa avaliação inicial,
é provável que o tratamento da queixa seja realizado por uma
equipe multidisciplinar, a ser formada de acordo com as
demandas especí cas de cada caso.

35
E depois de introduzir o assunto, como
prosseguir?
Em primeiro lugar é importante saber que se pode abor-
dar a sexualidade com diferentes níveis de profundidade, a
depender da queixa e das habilidades do pro ssional. Em
função do baixo nível de educação sexual da população de
forma geral, e do desconforto e a escassez de espaços adequa-
dos para discussão de assuntos da sexualidade, muitas vezes, a
intervenção nos dois primeiros níveis já produz resultados
interessantes. Assim, neste modelo é possível que o terapeuta
com pouco treinamento na área de sexualidade, possa concen-
trar sua atuação no assunto aos níveis de permissão e informa-
ção limitada. Na medida em que o pro ssional for adquirindo
mais conhecimentos e experiência no manejo da queixa sexu-
al, sugestões especí cas podem ser ensaiadas, a depender do
sucesso dos passos anteriores.
Uma proposta de intervenção escalonada já bastante
consolidada na área da sexualidade é o modelo PILSET
(Annon, 1976), cujo nome se refere a um acrônimo que lembra
dos quatro níveis de atuação possíveis no manejo da queixa

36
sexual: permissão, informação limitada, sugestão especí ca e
tratamento. Esse modelo possibilita uma atuação mais exível
e que pode ser utilizada por diversos pro ssionais da área da
saúde, de acordo com as suas possibilidades.
P (Permissão): o pro ssional abre espaço para discutir os
temas relacionados à sexualidade, gerando um espaço de escu-
ta e acolhimento, validando e normalizando a experiência da
queixa sexual.
IL (Informação Limitada): levantamento e compartilha-
mento de informações adequadas sobre sexualidade, com foco
em educação sexual, assim chamado por se restringir à queixa
apresentada pelo paciente.
SE- (Sugestão Especí ca): uma abordagem de solução de
problemas a partir da queixa do paciente, visando pensar em
alternativas comportamentais para favorecer o ajustamento,
a função e a satisfação sexual da pessoa. Este passo requer
conhecimentos mais especí cos sobre a sexualidade por parte
do pro ssional, de modo a evitar intervenções inadequadas e
possivelmente iatrogênicas, baseadas no senso comum ou na
própria experiência pessoal do pro ssional. As sugestões

37
precisam ser baseadas em evidências e em uma boa avaliação
da queixa sexual.
T- (Tratamento): intervenção completa para a compre-
ensão e o tratamento da queixa sexual, que envolve habilida-
des e treinamento terapêutico especí co para tratar as disfun-
ções sexuais.
Annon JS. e PLISSIT Model: a proposed conceptual
scheme for the behavioral treatment of sexual problems. J Sex
Educ er. 1976;2(1):1-15. doi: 10.1080/01614576.1976.
11074483
As crenças dos pacientes podem também ser inferidas a
partir da escuta atenta e informada que o pro ssional vai
desenvolvendo com a prática e o maior contato com a temática
da sexualidade. Entretanto, se você preferir uma abordagem
mais direcionada, em 2017, eu desenvolvi uma ferramenta
para orientar sobre a forma adequada de perguntar sobre a
sexualidade e propor intervenções psicoeducativas e de educa-
ção sexual para adolescentes, adultos e casais chamada
Baralho da Sexualidade.
O Baralho da Sexualidade pode também ser uma ferra-

38
menta que funciona como um “puxa conversa”, um início para
que se possa abordar a questão bem diretamente se o pro ssi-
onal não se sente confortável de perguntar de outra forma, ou
até mesmo para ajudar a não deixar de contemplar perguntas
importantes a serem feitas. As cartas do baralho também
podem ajudar a desvendar paradigmas e crenças morais, reli-
giosas e familiares, que podem formar padrões de alta valência
afetiva. Está tudo escrito lá. Basta você selecionar as cartas
que se aplicam àquela situação clínica.

39
O Baralho da Sexualidade foi elaborado para atender de
forma exível as demandas dos pro ssionais de saúde no
manejo da sexualidade, podendo ser aplicado em diferentes
settings e con gurações. É um instrumento composto por um
kit de três baralhos que se dividem em:
• Desvendando a sexualidade: permite ao terapeuta
abordar em sua entrevista todos os pontos necessários para
uma conceitualização de caso adequada no modelo da terapia
cognitiva sexual.
• Conversando sobre sexo: cartas que podem ser utiliza-
das para facilitar a abordagem de temas sexuais no consultó-
rio,
• Mitos sexuais: pode ser utilizado na psicoeducação das
crenças distorcidas sobre sexualidade que se encontram na
base das disfunções e di culdades sexuais.
Sardinha, Aline (2017). Baralho da Sexualidade:
Conversando sobre sexo com adolescentes e adultos. Novo
Hamburgo: Sinopsys. Clique aqui para saber mais.

40
E se a pessoa me falar de coisas que eu não
sei como lidar?
Não se preocupe. Isso vai acontecer! Acontece mesmo
com especialistas experientes. E imagino que acontece tam-
bém na sua própria área de expertise. Não ter uma resposta
pronta para as situações que acontecem na clínica só indicam
que você está no caminho certo. A nal, o primeiro estágio do
ciclo do conhecimento é saber que não sabe. Muitos colegas
têm di culdades com a ideia do não-saber, e principalmente,
com as emoções negativas (insegurança!) que às vezes essas
situações geram na gente. Quem se ilude com a ideia de que a
experiência faz a gente saber tudo para no tempo! Fica obsole-
to e não presta um bom atendimento. A experiência só faz a
gente ter um olhar mais re nado para a pesquisa, como deve
ser. A ciência está em constante evolução e, com ela, devem
estar as práticas em saúde baseadas em evidências. Mesmo
que você tenha muita experiência, ou muito conhecimento, se
atualizar é só parte do seu trabalho e deveria estar presente de
forma regular na sua rotina. E não estou aqui falando de se
encher de cursos de nal de semana.
Talvez uma dica aqui seja primeiro entender de que

41
ordem é a sua di culdade. Será que isso que a pessoa está
trazendo me incomoda, por ir de encontro às minhas crenças
sobre sexualidade? Ou será que me falta informação? Será que
eu não estou entendendo qual a relação entre os sintomas e a
insatisfação? Percebo que o tratamento precisaria passar por
uma abordagem com a parceria, mas não tenho ideia de como
conduzir isso? Percebe como são problemas completamente
diferentes, que vão exigir soluções distintas.
Mas a minha mensagem para você sobre isso é, não se
deixe abater! Reconheça sua di culdade, escute atenta e empa-
ticamente, diga para o paciente que essa não é a sua área de
expertise, mas que você vai buscar uma forma de ajudá-lo. Não
é isso que fazemos como pro ssionais de saúde?
Aqui você tem um ponto de decisão. Você pode simples-
mente, depois de acolher, pesquisar qual seria a melhor forma
de encaminhar e sair da linha de frente do cuidado com a ques-
tão sexual. Ou você pode buscar compreender um pouco mais
para avaliar se alguma intervenção mais breve, como informa-
ções sobre sexualidade podem ser su cientes para proporcio-
nar alívio. Na prática, isso signi ca formular uma boa pergun-
ta de pesquisa, abrir o Pubmed, criar uma chave de busca e ler

42
criticamente o que aparece. Se você não tem ideia do que eu
estou falando, uma boa é anotar aí na sua agenda a tarefa de
descobrir o que é tudo isso!
Não tem resposta certa. Acredito ser igualmente ético
acolher e encaminhar ou acolher e tratar. Vai depender da sua
disponibilidade para implementar ou adquirir as capacidades
técnicas necessárias para o manejo do caso. Só não podemos
negligenciar.

43
Como me capacitar para falar do assunto?

A capacitação para o trabalho com a sexualidade exige


estudo e atualização constante sobre o tema. Entretanto, o
objetivo desse livro não é reforçar a ideia de que se a gente não
sabe como abordar a sexualidade, então é melhor negligenciar
o assunto e deixar a cargos dos poucos especialistas existentes
no país. Muito pelo contrário! Ideal é que todos os pro ssiona-
is de saúde tivessem ferramentas para fazer pelo menos uma
abordagem inicial e avaliar a necessidade de encaminhamento
para tratamento especializado. Por isso, não vou dizer aqui
que você precisa estudar anos para perguntar sobre a sexuali-
dade das pessoas. Você precisa estudar profundamente se
quiser tratar a sexualidade das pessoas.
Além disso, como dissemos anteriormente, para atender
tais demandas, os pro ssionais de saúde precisam não só
buscar capacitação, mas também desconstruir suas próprias
crenças disfuncionais a respeito da sexualidade.
Outra recomendação é buscar informações baseadas em
evidências, de fontes seguras, para se informar e poder atuar
no nível da informação aos pacientes. Quanto mais o pro ssio-

44
nal estuda sobre sexualidade, mais este terá conhecimento
su ciente para se sentir confortável ao abordar o assunto.
Mas... você sabe onde procurar informações con áveis? Na
verdade, depende do que você está procurando...
Informações mais básicas sobre saúde sexual, métodos
contraceptivos, prevenção primária e secundária de ISTs,
siologia sexual etc. podem ser acessados em fontes recentes
de instituições cientí cas como as diretrizes do Ministério da
Saúde, da Organização Mundial de Saúde ou outras sociedades
cientí cas. Se você quer saber que intervenções devem ser
implementadas, para conduzir ou encaminhar, a partir de uma
determinada queixa, uma boa dica são as revisões sistemáticas
ou metanálises, que sistematizam o estado da arte da ciência
sobre um determinado assunto e podem ser encontradas na
Biblioteca Cochrane ou no Pubmed, por exemplo. Tais fontes
nos ajudam não apenas a informar nossos pacientes com qua-
lidade, como também a seguir uma linha terapêutica baseada
em evidências, formando a equipe multidisciplinar necessá-
ria.
Para ter ferramentas sobre o manejo clínico das ques-
tões da sexualidade, a Terapia Cognitiva Sexual propõe méto-

45
dos didáticos que auxiliam mesmo os pro ssionais de saúde
mais inexperientes e/ou pouco capacitados na avaliação inicial
das queixas sexuais a conduzir uma avaliação breve das di cul-
dades sexuais e a pensar nas possibilidades de intervenção.
Desse modo, os colegas podem adquirir recursos para avaliar e
conceitualizar queixas sexuais, podendo nortear suas inter-
venções de acolhimento e de psicoeducação sexual. Entre tais
recursos, pode-se destacar as propostas de conceitualização
cognitiva sexual em três níveis (pensamentos automáticos,
crenças intermediárias e crenças centrais), que englobam:
formulários de avaliação da queixa (direcionando quais infor-
mações são relevantes na anamnese), os formulários de regis-
tro de pensamento nas diferentes situações, o ciclo da falha
sexual para conceitualização transversal da queixa sexual e a
conceitualização cognitiva sexual, para conceitualização lon-
gitudinal do problema. Se quiser saber mais sobre esse assun-
to, veja Sardinha (2020).
Depois disso, caso você se interesse em se aprofundar no
estudo da sexualidade, existem inúmeras possibilidades de
cursos de formação clínica, pós-graduação e aprofundamento
na área de sexualidade que são oferecidos por instituições

46
sérias e que vão não apenas te ajudar a ampliar o conhecimen-
to, como também a poder conduzir intervenções dentro da sua
área de atuação, mais so sticadas no tratamento das disfun-
ções e di culdades sexuais das pessoas.

47
Lidando com populações especialmente
vulneráveis
O termo vulnerabilidade aqui aplicado busca destacar a
necessidade de compreensão dos múltiplos fatores que fragili-
zam os sujeitos no exercício de sua cidadania. As ações pro s-
sionais no âmbito das políticas de saúde e assistência social e o
imaginário social são forjados pela incorporação de conceitos
e estereótipos que podem tanto reduzir quanto reforçar vulne-
rabilidades de pessoas ou grupos.
Tem sido um desa o para as ciências da saúde, propiciar
tecnologias, dispositivos e instrumentos que apoiem a cons-
trução de práticas quali cadas, para responder às necessida-
des dos grupos sociais especí cos. Paralelamente, a ciência
tem buscado inovar no desenvolvimento de instrumentos que
nos ajudem a melhor compreender as necessidades e a desen-
volver propostas de intervenção que atendam os grupos socia-
is que mais carecem de apoio para conquistar autonomia para
viver a vida com qualidade em um cenário de equidade e justiça
social.
As vulnerabilidades mais comumente relacionadas ao
trabalho em sexualidade podem ocorrer tanto em função do

48
quadro clínico (gestantes, pacientes com doenças crônicas
etc.), quanto do grupo etário (crianças, idosos, por exemplo),
gênero (mulheres ou pessoas transgênero), orientação sexual,
ocupação laboral (pro ssionais do sexo, por exemplo), raça,
classe social etc. É comum ainda observarmos a sobreposição
de vulnerabilidades, agravando o estresse vivenciado por essas
pessoas. Quanto mais camadas de vulnerabilidade uma pessoa
ou grupo acumula, mais atenção devemos ter no seu cuidado.
Outro fator importante é compreendermos que a inter-
secção entre tais categorias de vulnerabilidade podem gerar
necessidades de cuidado especí cas para cada subgrupo de
pessoas. Vou trazer aqui alguns exemplos para compreender-
mos.
Uma mulher branca, de classe social alta, que trabalha
como pro ssional do sexo e chega ao consultório, provavel-
mente enfrenta uma realidade diferente de uma travesti
negra, também pro ssional do sexo, de classe social baixa.
Ainda, uma mulher de meia idade, casada, lésbica e empresá-
ria, provavelmente pode ter demandas distintas de uma
mulher pobre, casada, heterossexual, de área rural.
Assim, a abordagem biopsicossocial nos impõe a neces-

49
sidade de compreender o sujeito inserido numa cultura e as
implicações da sua pertinência a todos os marcadores sociais e
seus signi cados naquela cultura. Tal percepção tem impacto
não apenas nas necessidades particulares de cada grupo, como
na forma de construir a relação terapêutica, as possibilidades
de aplicação de determinadas estratégias terapêuticas e o prog-
nóstico. As práticas de saúde baseadas em evidências devem
considerar não apenas os resultados de pesquisas, mas sua
aplicabilidade tanto no sentido das capacidades tecnológicas e
de recursos humanos disponíveis, quanto ao contexto e valo-
res especí cos daquela pessoa e seu grupo social.
Mais uma vez, o objetivo dessa sessão não é assustar
ninguém, ou reduzir a probabilidade de vocês abrirem espaço
para que todas as pessoas possam falar das suas di culdades
na sexualidade. Saber que precisamos ter atenção especial
serve para abrir nossos ouvidos, e nossas mentes, para ouvir e
validar a experiência individual, muitas vezes diferentes da
nossa própria, ou da maior parte das outras pessoas que aten-
demos. Não custa repetir que uma escuta empática e interessa-
da já é um bom ponto de partida.
Por outro lado, a literatura está cheia de relatos de situa-

50
ções constrangedoras e violentas vividas por pessoas de popu-
lações vulneráveis no contato com o sistema de saúde, sendo
esse hoje considerado um problema de saúde pública, ao cons-
tituir uma barreira na busca de atendimento em todos os níve-
is da atenção à saúde.
Por isso, minha mensagem aqui hoje é, cuidem com inte-
resse, compromisso e gentileza. E, ao se deparar com a di cul-
dade, reconheça e procure a melhor maneira de encaminhar ou
intervir. Não é assim que fazemos com todas as demais situa-
ções desa adoras que aparecem na nossa prática cotidiana?
Por que a sexualidade precisa ser esse bicho-de-sete-cabeças?
Coragem!

51
Bônus!

Como funciona a Terapia


Cognitiva Sexual?

A Terapia Cognitiva Sexual é um tipo de psicoterapia


dentro da abordagem cognitivo-comportamental, especial-
mente desenvolvida para tratar as di culdades relacionadas à
sexualidade. A Terapia Cognitiva Sexual tem como pressupos-
to que as crenças distorcidas a respeito de sexo, bem como a
forma como o indivíduo processa as situações sexuais tem
impacto direto na maneira como a pessoa se sente, em como o
organismo se prepara para a relação sexual e em como a pessoa
acaba se comportando.
Para fazer sexo, o corpo precisa se preparar. E, para isso,
é necessário que o cérebro processe estímulos considerados
sexualmente excitantes por nós. Isso vai fazendo com que, aos
poucos, nos sintamos mais sexualmente excitados e possamos
iniciar o contato sexual. Iniciado o encontro sexual, é impor-

52
tante ainda que nossa atenção esteja voltada para a interação
com o outro e os estímulos sexuais, fazendo com que a excita-
ção vá crescendo, gerando uma sensação de prazer cada vez
maior que pode culminar em orgasmo.
Hoje em dia, sabemos que, se a nossa atenção, na hora do
sexo, está não nos estímulos sensoriais, no que estamos ven-
do, sentindo e vivendo, e, sim, em qualquer outra coisa, o
corpo não consegue se preparar adequadamente para o sexo e
a interação sexual pode acabar não funcionando direito exata-
mente porque nosso corpo e nossa cabeça não estão prepara-
dos o su ciente para fazer sexo de maneira prazerosa.
Entretanto, para a maioria dos pacientes com disfunção
erétil, ejaculação precoce, di culdades de chegar ao orgasmo,
dor durante a relação sexual, falta de desejo, e outras queixas,
isso é uma realidade. Infelizmente, porém, não basta saber
disso para simplesmente conseguir se conectar com a relação
sexual sem neuras e experimentar satisfação. Normalmente é
necessário passar por um processo, geralmente breve, de tera-
pia, para entender e modi car tais padrões.
Assim, nessa abordagem, entendemos que grande parte
do sucesso da vida sexual está no que a pessoa pensa sobre o

53
sexo. Se conseguirmos identi car e reestruturar padrões
distorcidos de entendimento do sexo e de processar cognitiva-
mente a interação sexual, aos poucos, os sentimentos negati-
vos vão desaparecendo da relação sexual, os pacientes vão se
sentindo mais con antes em testar e aproveitar novas situa-
ções e a vida sexual ca mais prazerosa. Também é necessário
entender como e o que aquela pessoa aprendeu ao longo da
vida sobre sexo para que se possam fazer ajustes.
A Terapia Cognitiva Sexual é exatamente esse processo
em que as pessoas vão tomando consciência sobre suas cren-
ças e padrões distorcidos. Ao longo da terapia, os pacientes
vão, sob a orientação do terapeuta, experimentando novas
formas de agir, ganhando controle sobre os pensamentos que
distraem a atenção do que é realmente importante na hora do
sexo, aprendendo a se comunicar e entender melhor as própri-
as necessidades e do parceiro e desenvolvendo, en m, padrões
sexuais mais saudáveis e satisfatórios.
Tem algum tema que você gostaria que eu tratasse e que
não está aqui nessa lista? Escreve para mim (alinesardinhapsi-
cologa@gmail.com) que eu incluo! É muito rico para mim ouvir
as dúvidas de vocês!

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Tem algum tema que você gostaria que eu tratasse e que
não está aqui nessa lista? Escreve para mim (alinesardinhapsi-
cologa@gmail.com) que eu incluo! É muito rico para mim ouvir
as dúvidas de vocês!

55
As 10 maiores di culdades
dos pro ssionais de saúde
na abordagem da sexualidade

Dra. Aline Sardinha

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