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Achados e Perdidos.
I Ele tinha mania de perder coisas.Não se sabe ao certo se ele fazia isto de
propósito.Ele não queria saber se fazia o que fazia.Não interessava a ninguém
o fato de que ele fazia o que fazia.
O fato real ou irreal é que ele fazia o que fazia.O fato que é o que parece
ser é este que não parece ser o que realmente é o que parece ser.O que parece
ser parece ser o que é o que parece ser.O que parece ser é talvez o que seja
qualquer coisa que seja na palavra talvez.A palavra talvez é paroxítona e
dissílaba e, se forem separadas as sílabas desta tal palavra, se for
desmembrada esta tal palavra, teremos duas outras que brilharão no horizonte
como qualquer coisa que não é e nem poderia definitivamente ser.
Ele gostava de perder e de achar coisas de vez em quando.Ele gostava de
perder definitivamente uma coisa ou outra e de ficar deprimido durante dias
por causa disto.Ele gostava de achar e de perder e de perder e de achar e de
perder e de não mais achar o que quer que fosse.
Ele perdia e achava canetas e perdia e achava as tais moedas contadas para
a tal passagem do tal ônibus.Ele perdia o ônibus no primeiro ponto e pegava
um táxi para que pegasse o mesmo ônibus no terceiro ou quarto ponto.
Ele perdia o cinto ou deixava o mesmo no lugar tal.Ele procurava o tal
cinto pela casa inteira.Ele gostava de suar procurando o verbo procurar pela
casa toda.Ele gostava de ter vontade ou de sentir vontade de urinar em função
daquela busca desenfreada.Ele gostava de perder e de achar documentos
importantes.
Ele tinha orgasmos fantásticos quando se lembrava do fato de que havia
perdido para sempre a sua carteira de identidade.Ele gostava de perder as
calças.Ele gostava de perder os óculos.Gostava de perder a tal agenda.Gostava
de perder o telefone.Gostava de sentir vontade de defecar por causa
disso.Gostava de perder as meias.Gostava ainda de colocar meias de cores
diferentes por causa disto.Gostava de perder o isqueiro ou a tal caixa de
fósforos.Ele gostava de perder as tais chaves da casa.Gostava de fingir que
estava abrindo a porta sem as tais chaves.Gostava de falar sozinho quando se
esquecia de si mesmo.
Ele algumas vezes não mais reconhecia o som da sua voz.Ele
gostava de perder o papel que estava em suas mãos segundos atrás.Gostava
daquela sensação de que algo poderia estar bem ali.Ele gostava de gostar de
perder e de achar as coisas.Gostava de se confundir com as coisas que perdia e
achava.Gostava de achar que estava perdido.Ele gostava de perder tudo aquilo
que havia sido achado. Ele gostava de perder tudo aquilo que havia sido
perdido.
Ele adorava perder a carteira que deixava sempre em cima do
refrigerador.Gostava de se agachar e de procurar a tal carteira que deveria
estar bem debaixo do refrigerador.Gostava de abrir o ralo e de procurar a tal
carteira ali.Ele gostava de conversar com a poeira que se acumulava bem
debaixo do tal refrigerador.Gostava de conversar com as formigas que
passavam bem por debaixo do tal refrigerador.Gostava de dormir e de acordar
proparoxítono em refrigerador.Gostava de achar e de perder os sentidos em
todas as coisas que fazia.Gostava de conjugar o verbo tal na hora tal.Gostava
das concordâncias perfeitas empregadas na tal hora certa.Gostava daquele
cheiro insuportável que vinha do ralo.Gostava de procurar a carteira por entre
os seios de sua mulher com gosto de pão bolorento e cabelos desgrenhados
pela manhã.Gostava de beijar paredes com o intuito de encontrar alguma coisa
para além da carne humana.Gostava de comer cimento quando procurava a
náusea que o mantinha aqui neste mundo.Gostava de achar e de perder coisas
em toda e qualquer situação.
Ele não queria jamais perder totalmente a tal sensação nauseante que o
mantinha aqui.Gostava de achar o tal equilíbrio sempre precário que o
mantinha aqui.Gostava de ver o tal cachorro trucidar o tal gato.Gostava de ver
o gato trucidar o tal rato.Gostava de ver o rato trucidar o tal queijo.Gostava de
ver o queijo trucidar o estômago daquele diabético.Gostava de ver a criança
pisoteando uma barata.Gostava de ver a barata se debatendo até a morte
repleta de inseticida.Gostava de ver a cara indiferente da tal criança em
relação ao animal que padecia.
Ele gostava de perder a fala e depois achar a tal fala na lixeira mais
próxima.Gostava de estar próximo à palavra próximo.Gostava de estar tão
distante como qualquer coisa distante nesta tal palavra próximo.Gostava de
achar um lugar qualquer no qual pudesse definitivamente se perder.
Ele gostava de procurar as manhãs sempre quando procurava a tal
carteira.Gostava de procurar as tardes e noites quando não poderia haver
tardes e noites.Gostava de procurar o tempo sempre que procurava os seus
olhos por aí.Gostava de se procurar quando não mais via o seu reflexo no
espelho.
O tal pão agora com braços e pernas tenta não afundar no copo.Ele lá
está a não pensar que pensa.O dedo de alguém o coloca para baixo.Depois a
colher deste alguém o coloca para baixo de novo.Ele já sobe pela terceira vez
colocando os bagos para fora.Ele se debate já sem braços ou pernas antes de
se encontrar com seus farelos.Alguém mexe propositadamente a tal colher
com força e rapidez.O pão vai rodando e a tal palavra bolorento martela sua
mente.Ele está agora desmembrado.Foi agredido pela colher utilizada naquele
copo de leite frio.Ele olha para a tal colher.Alguém mete o dedo naquele copo
no intuito de pegar um pedaço de seu corpo sem corpo bolorento.Este alguém
enfia o dedo violentamente e puxa um pedaço do pão sem corpo.Ele escorrega
e volta para a tal piscina de leite.O tal alguém insiste e o gruda na parede do
copo com cara de macho brigão.O copo cambaleia na tentativa de bloquear os
movimentos do oponente.O pedaço de pão espremido contra a parede reluta
em subir.O tal alguém levanta o copo e mete a tal mão dentro do mesmo.Ele
quer aquele maldito pedaço de quase nada e acabou.Este alguém já almoçou e
quer mais.Este alguém já lanchou e quer mais.Este alguém já jantou e quer
ainda mais.Este alguém já comeu biscoitos e quer ainda mais.Este alguém já
comeu frutas e quer ainda mais.Este alguém já comeu chocolate e quer ainda
mais.
Uma casca de banana entra em cena. Este alguém parece estar com
muita fome.Ele levanta o copo e dá uma bicada no leite.Ele quer diminuir este
líquido que ainda salva o tal pedaço de pão.Ele não transa há seis meses.Sua
braguilha está aberta.O seu pênis rijo diz que ele precisa fazer alguma coisa
em relação a isto.Ele quer o tal pedaço de pão e vai jogar todo aquele resto de
leite fora.
Alguém toca a campainha Talvez a sua mulher tenha pensado bem
sobre aquela tal conversa tal, quando falavam ao telefone.Talvez ela esteja
disposta a recomeçar.
Ele esvazia o copo.Ele sabe que o tal pedaço de pão não mais pode
fugir agora.Ele vê com tristeza o copo escorregar de sua mão e se espatifar no
chão.
A campainha insistente.Ele agora caminha melancólico na direção da
mesma.Ele tropeça na tal casca de banana e cai.Sua irmã desiste e abre a
porta.Ela sempre teve as chaves da porta e sabe que ele nunca atende ninguém
quando está com sono.
Ela olha para o irmão estatelado naquele chão frio de inverno.Ela não
entende o que ele está a fazer com todos aqueles cacos de vidro na boca.
Papéis trocados
Ele come aquela prostituta há mais de vinte anos.Sabe que ela dá para
todo mundo, mas é diferente com ele.Ela o ama e também ama a sua profissão
e isto é tudo.
Ele sempre entendeu isto muito bem.Estão sempre juntos por aí.
Eles compraram um apartamento e finalmente quitaram o financiamento
do mesmo.Ele faz gostoso.Ela faz gostoso só com ele.
Eles discutiram naquela noite fatídica por uma besteira qualquer.O
amigo homossexual a tudo assistiu sem dar um pio.
Ela decide provocar o seu homem e começa a dançar na frente do tal
amigo homossexual que já se encontra embriagado.
Ela o seduz no sofá e monta em cima dele como uma cadela faminta. Ele
gosta do que nunca teve.Ele se excita com aqueles movimentos lascivos e
friamente profissionais daquela prostituta.Ele quer agora devorar a tal
prostituta.Ele agora enredado na palavra prostituta.Ele agora enredado no
verbo comer.
O marido está a ponto de fazer o que não deve ser feito.Ele pede para que
ela pare com aquilo, mas ela aumenta a intensidade dos tais movimentos
lascivos
Ela bota o dedo na boca e chupa o mesmo na frente do marido. Ela roça
os seus seios contra o peito do homossexual que os suga avidamente.
O marido enfurecido diz que vai matar os dois em cinco minutos. Ela o
ignora e aperta o pênis do tal homossexual co mais força ainda.
Ela diz para o tal marido que ele não sabe comer uma mulher.Ela diz
que ele não sabe meter numa mulher.Ela beija o tal homossexual que
corresponde com vigor inigualável.
Ele diz que não está brincando desta vez.Ele diz que vai matar os dois
em cinco minutos.Ele diz que já avisou duas vezes.Ele diz que não vai haver
uma terceira vez.Ele avisa pela décima vez.Ele avisa mais uma vez.Ele se
esconde na palavra vez para fazer o que deve ser feito agora.Ele diz que quer
participar da brincadeira.O homossexual pede pare que ele o penetre com
força.Ele pede para que o tal homossexual implore para que ele use o seu
membro para tal.O homossexual ajoelhado implora.A prostituta tem agora o
membro do homossexual entalado em sua garganta.Ele assiste ao tal
espetáculo e a raiva e a ira e o ódio e tudo aquela sensação de mal-estar
extremo invadem a sua alma atormentada.
Ele pega a pistola e dá quatro tiros na cabeça da prostituta.Ele dá nove
tiros na cabeça do tal amigo homossexual.
Ele descarrega aquela pistola no corpo daqueles dois que agora se
encontram caídos naquele chão.Ele consegue se achar agora.Ele se recompõe
e agora não pensa no que acabou de fazer.Sente-se aliviado e sente uma
vontade louca de tomar um copo de café fresco.Ele liga a cafeteira e faz o tal
café fresco.Ele agora completamente aliviado na palavra fresco.Ele agora
completamente aliviado na palavra aliviado.Ele liga o ventilador de teto. Ele
agora sobe aos céus aliviado na palavra ventilador.Ele agora sobe aos céus
aliviado na palavra teto.Ele agora aliviado na palavra agora.Ele agora aliviado
na palavra vingança.Ele agora trissílabo na palavra vingança.
Ele sente vontade de se masturbar.Ele então se masturba na cozinha e se
masturba na sala na frente dos dois e se masturba no quarto bem em frente ao
espelho e se masturba no banheiro em frente a si mesmo e se masturba no
corredor aprisionado na palavra corredor.
Ele retorna para a tal sala e coloca os dois mortos sentados sofá.Ele agora
está sequioso na palavra tesoura.Ele agora está cortante na palavra tesoura.Ele
agora está indiferente na palavra cruel.Ele agora está indiferente no adjetivo
cruel.Ele não sabe que faz o que faz
Ele está com os olhos virados quando faz o que não sabe o que faz.Ele tem a
cabeça virada quando faz o que não sabe que faz o que faz.Ele tem o perdão
do Senhor quando faz o que não sabe o que faz.Ele tem a benção do padre
quando faz o que não sabe o que faz.
Ele se chama ninguém. Ele se chama isto que se chama ninguém. Ele tem
um nome que se refugia no além de todo e qualquer nome.Ele se refugia na
palavra nome.Ele se refugia na palavra qualquer. Ele se refugia em qualquer
lugar sem lugar.Ele se refugia na palavra palavra.Ele se refugia no interior
volátil das palavras.
Ele nada tem a perder neste mundo. Ele nunca de fato pertenceu a este
mundo.Ele sempre esteve a passar pelo mesmo como se não fosse.Ele sempre
esteve à margem insone na palavra fronteiriço.Ele sempre perdia as palavras
quando perdia definitivamente o chão. Ele sempre perdia o verbo perder
quando perdia aquilo que pensava perder Ele gostava de verbos
insidiosos.Gostava de falar com as paredes de sua alma.Ele olha ao redor e vê
que todos se foram.
A mãe que desapareceu sem motivo aparente. Consta que foi ao
mercado um belo dia e nunca mais voltou para casa.
O pai internado num hospital qualquer. Um morto qualquer, um traste
que definha respirando através dos tais aparelhos de última geração.
Este pronome indefinido ninguém não tem parentes e nem muito
menos amigos.
Ele mora onde mora e pronto e nada mais e assunto encerrado.
Sua rua é suja e mal iluminada.Sua rua é mal iluminada e suja. Uma
sensação estranha invade o estômago quando qualquer transeunte se aproxima
da tal rua.
É bom estar aqui sem aquele nojento. Ele merece estar onde está
.
É bom estar no hospital sem aquele nojento. Ele bem que poderia ter
sido atropelado antes da festa.