Beruflich Dokumente
Kultur Dokumente
joão ayres
2 um alma morta
rasga o fim do mundo
para encontrar o nada
que pulsa no além qualquer
de costas para o sol
que se entrega ao inominável das chamas
para arder intensamente
no interior de uma palavra esquecida.
um alma morta
rasga o fim do mundo
para cuspir mais sangue
no interior destas minhas veias senis
para apodrecer como qualquer coisa imprestável
como um cano enferrujado
como uma cadeira sem os tais pés
como esta escova sem cerdas
nos restos daqueles cabelos cancerígenos daquele vulto
que faz questão de pentear e pentear
a catástrofe inevitável das termópilas
apenas e não mais e tão somente
os trezentos homens que ali pelejaram
neste quarto de hospital desfiladeiro
procuro o não lugar
como um alma morta
qualificado no escuro
ou mesmo no interior da palavra penumbra
este tal alma morta que definha como um nada
personificado e avesso aos ditames da concordância
nominal por excelência
que é o que não pode agora ser
neste quarto que se despede
no interior da palavra cama
no interior da palavra alma
no interior do interior do interior
no interior do interior do interior
visto de fora sem dentro de lugar algum.
nunca fui um
nunca fui plural em um
nunca fomos nada em um qualquer
quando tudo parecia ser o que não era
para juntar os cacos
para juntar os trapos
há sempre o resto daquilo que sumiu
sem deixar vestígio nem marca de batom barato
ao ignorar o rosto deste agora
que está a se banhar numa alma esfumaçada
reluzindo no sopro da discórdia
para entortar a mente
ao caminhar sempre na direção contrária
na desarmonia do cosmos
nesta matéria sem rumo
neste um que se vai quando mordo os lábios.
nunca fui um
nem mesmo menos do que um
nem mesmo isto que possa ser o que não é
sempre quando todas as coisas estão portas
que se abrem ao sabor dos ventos de ocasião
não há janela
no ventre desta mãe assassina
que afoga a cria no rio escuro
para que os deuses lhe concedam a honra desta dança
que rege o movimento dos astros
que engolem constelações inteiras
para ruminar a palavra absorto em perpétuo delírio
como um relógio centenário emudecido na parede.
lamento informar
no interior deste verbo informar
no interior de toda e qualquer conjugação
parricida
que estou tomado pelo substantivo lama
digo que lama é agora apenas o que deve ser
digo que posso feder e feder mais do que um
porco
anoitecido por uma ausência de gente morta
apodrecido no interior desta tal palavra morta
enterrando o tal pato que deverá ser
devorado aos domingos
frente a um cristo qualquer crucificado no
além
eu bebo o vinho dos assassinos de um
guerreiro desconhecido
eu bebo agora o sangue de qualquer perna
amputada.
5
sei pouco acerca do que nomeio
creio que o faço por tédio profundo em relação a tudo que
me cerca.
aprendi a silenciar quando criança
a ver o não visto quando retirava os retratos da parede.
6
eu chuto o vento como se este fosse uma lata vazia
falo sozinho ao me desencontrar na noite
os becos mal iluminados me acolhem sem pudor
e eu acompanho com interesse o destino de um roedor
desavisado.
7
minha hora há de chegar num dia frio
triste e cinzento como todas as coisas que caem no chão
meu corpo tombado na cozinha de um antigo depósito de
bebidas
quando da visita a um amigo ainda mais nédio do que este
porco sobre a mesa.
8
ando por aí com os olhos turvos
vendo coisa alguma sempre quando nada de fato exista
peço aos sentidos apenas um pouco de ordem no caos
aos sentidos um pouco do pouco para que eu não
desapareça como um fantasma no tempo.
9
as horas já se foram e estou onde não mais posso estar
lá onde tudo escorre como as invisíveis águas do acaso
fora de mim no espaço entre duas mortes
quando assim mergulho resoluto minha cabeça no além.
10
venho de onde nunca realmente fui
o que fui sem antes nem depois ao não ser coisa alguma.
uma árvore sempre no sempre do que é ser árvore
uma árvore qualquer que nunca foi uma raiz.
11
meu nome era este quando pensei em não mais ser apenas
este substantivo próprio.
mais tarde resolvi abrir a mente ao que então se insinuava.
contornos e formas habitavam meus pesadelos noturnos
quando roçava o final das coisas.
foi assim que me transformei em fumaça de cigarro numa
hora distante e fria.
12
muitas coisas passam por mim.
a linha do horizonte me incendeia.
minhas pernas formigam quando me perco.
minha mente se esquece num beco abandonado.
a casa de meus iguais e o número ilegível
para a dor que caminha em meus gritos enlouquecidos.
o tempo de minha tristeza é um só como um caderno
fechado
o tempo de minha tristeza como um casaco no canto do
armário
o tempo de minha tristeza como um buraco:
como uma rachadura na parede que desaba por sobre este
nada.
13
escrevo um poema
esguio como um vulto
que se arrasta como uma serpente
num cubículo ordinário
para estar proparoxítono
basta estender o braço como um nome
no catálogo qualquer sobre a mesa
ao discar um número mortal
como quem vai embora
enclausurado na palavra partir
como um pedaço de queijo branco no prato
mofando como a vida no interior do nada
como um pedaço de qualquer coisa pedaço
trissílaba com jeito de defunto fresco
nem pai e nem filho e muito menos qualquer santo espírito
mas cruz encravada nas tripas mundanas do acaso.
14
eu ando por aí
com os órgãos na gaveta
À procura de um lugar
para me esquecer do que não sou
cansado como toda e qualquer palavra fria
que descreve movimentos inertes
debruçado no precipício
enfraquecido de incertezas.
eu ando por aí
com os órgãos na gaveta
que sucumbem na manhã seguinte
como um prisioneiro enforcado
na praça na qual ninguém
esteja a desviar o curso dos rios
para assim melhor entender
o que não é dito pelas águas.
15
o tempo não esquece
daquilo que ali está
prestes a não ser coisa alguma
como esta sombra vazia que se esgarça
na tarde deste instante qualquer
no cão morto que fareja o infinito
repleto de estrelas pusilânimes na lua torpe.
16
a solidão me lacera no escuro deste quarto
e eu sangro a incerteza deste dia frio e cinzento
a morte invade agora minha alma em pouco a pouco
e eu me perco no abandono de ruas e becos escuros.
17
caminho sem ter para onde ir
meu destino jogado contra o vento
procuro-me incessantemente onde não me vejo
estou cheio de buracos e fendas impenetráveis
caminho sem ter para onde ir
quase nenhum no abandono das horas que se arrastam.
18
encontro vez por outra o fim
trago a vida que não vejo como quem morre
falo ao jamais ser ouvido em meu abandono
atiro pedras no rio onde escorro o sangue dos proscritos.
19
20
21
este meu jeito de dizer o que não sei
vem das entranhas que me servem um prato frio
o gosto estranho que domina minha boca
e que sorri como um demônio embriagado
e que vibra na cútis de fantasmas idos
ao meu lado no desterro desta hora
que faz com que os ponteiros do relógio
agora mintam mais do que a eternidade
podemos abrir as cortinas lentamente
para que este sol queime o que resta do destino
daquela alma dilacerada sem alarde
no abandono de uma noite febril.
22
procuro o que não acho
eu sei que nunca vou parar
de dizer coisas vazias
de bater contra paredes
há tanto calor e frio
tanta sede e fome e tanto
neste jeito qualquer de escutar
o silêncio do escuro
que invade minha alma
como quem abre uma porta infinita
eu não mais sei que digo o que digo
quando sangro de olhos fechados.
23
o nome de um morto
pouco me diz
quando falo sozinho
como se apenas o vento bastasse
para tirar do lugar
todas estas medidas vazias
no seio do além
que range ao sangrar indefinidamente
como as águas deste rio
que correm para o fim
como o nome de um morto
em qualquer sonho noturno
no interior de um silêncio agonizante
quando falo sozinho
quando o quando nada diz
como estas sombras que se ocultam.
24
a noite me devora
como um pedaço de carne fresca
estou para a mastigação
deste cosmos impiedoso que me dilacera
os dentes cada vez mais felinos
deste nada que me invade
no interior de meus pensamentos
como uma chaga imperturbável
neste espelho em qualquer lugar
que se atreve a fugir de si mesmo
como esta noite que me devora
como um resto de qualquer resto.
25
um pouco de água no copo
um pouco do copo na água
qual será a transparência do invisível
quando sangro o interior do que não vejo?
25
esta angústia por certo me ausenta
quando acordo como se nada fosse
procuro o lugar onde não sou
no ventre da palavra delírio.
esta angústia me ausenta
quando acordo como se nada fosse
despejo este minha náusea no além
que me olha indiferente no escuro.
26
eu tenho um jeito
de dizer a todo mundo
de dizer o que deve ser dito
como um sentir que estas palavras
não tem o mesmo valor do que o silêncio
daquele quarto vazio
daquele momento desfalecido
daquela mudez naquele tom
ou daquele canto qualquer em qualquer.
27
ninguém está a falar coisa alguma
no escuro da mente à deriva
jamais conquistei cidades
como cabe a quem nada almeja
e por isso já verteu
um lugar qualquer em seu espírito
para além do além de todo sempre
que se esfarela no interior de um vento inusitado
a palavra é prata, o silêncio é ouro
como diz o provérbio
em séculos de reclusão absoluta.
28
eu tenho um ventre
retalhado como um pênis torto
imundo e muito mal conceituado
no sopro de palavras escuras
atiradas na lata do lixo
como as cerdas da escova de plástico
repletas de uma gosma insana
no além da palavra caquético
no tédio da palavra dentadura
no fosso da palavra fosso
no buraco da palavra buraco
no desterro da palavra desterro.
29 o rosto da desconstrução:
tambores:
o evangelho se foi
quando o cristo tal morria na cruz
devo lamentar
o fato de que nos tornamos mais mornos
quando a decadência encontrou o seu par
ao beijar a boca torta de uma fé enferrujada
como a tal bicicleta que não pode me levar
ao destino de sangue que entorpece meus
sentidos inertes
preciso dizer
aos homens do mal
que a visão está sempre próxima do fim
não há paraíso ou redenção alguma
enfurnada nos mosteiros ou nas igrejas
milenares
só restou aquela lembrança
trissílaba e paroxítona
que cicia ao cedilhar
a correr pelas ruas despojada
que perseguia a memória com os pés
descalços
para que a palavra então se disseminasse
como um rio que não seguisse jamais o
curso de sempre
quando fecho os olhos e deixo que a
mente se perca
sem desejo como um túnel escuro
sem desejo como um buraco aberto
por entre o entre da falta absoluta
como um ninguém que recai como a
noite.
as estranhas no além
ignoram o nome daquilo que é
por isso devoram os seres
que delas se aproximam
e se perdem nas águas indiferentes da memória
como quem conhece mais e mais buracos
absolutamente sem luz e rarefeitos
posso então enfiar a cabeça
que jamais comportará o peso de minha mente.
a palavra mente
diz pouco acerca do que não é
vejo coisas vazias
formas que batem em meu rosto senil
e a força deste nada
É ainda mais imensurável do que o nunca
este nunca na única e vacilante certeza
antes do nascimento e depois de minha morte
este algo que aí está incolor e deveras indiferente
como uma voz solitária sempre e sempre
de qualquer um que esteja agora a murmurar
como se fosse possível falar o para si mesmo
como quem abre as cortinas
e sabe que nada disso
revelará coisa alguma
como o desejo inexpugnável
de resgatar sombras arredias
por isso uma ou mais palavras
que latejam na sua ausência que transborda
neste encontro com a morte
como as chamas que se extinguem
ao parir um sentido qualquer.
37 o sempre da água
gerou a palavra maldita
no ventre desta mãe sem rabo
que mexia as orelhas nas florestas
há milhares de séculos
enquanto não havia
tanta humanidade assim
como quem não diz
o que não é dito pelo vento
no sempre da água
e nas florestas
e nos animais que pressentiam
o que não deveria nunca acontecer.
38
se cavalo não percebe
o fato de que cresceu
eu não posso então dizer
que faço o mesmo quando nada sei
como o tal hífen logo após o tal se
que surgiu como todas as coisas que surgem
quando não sei quanto possa medir
pois joguei minha mente no lixo
para que a mesma fosse pisoteada
por um cão sem dono
como uma palavra arredia
que nada sabe acerca deste cheiro de nada
como quem come algo estragado
no interior da palavra intestino
para absorver o que não resta
deste vazio infindo
como algo que já foi
menor do que um grão de areia
antes que as ondas quebrassem
antes que a chuva viesse
como ninguém que em ninguém não
sabe
sem hoje ou amanhã ou ainda depois.
39 o olhar se acostuma
com as palavras inquietas
com um jeito de dizer em carne-viva
como dizer que estar nada
É como um túnel escuro
que teve a boca aberta
por um descaso da terra
que o destruiu numa avalanche que regurgitava
no horror de um dia enlameado e cinzento
o olhar se acostuma
naquele boca aberta
naquele boca sem boca
a engolir a poeira do além
deste nada de nada
com gosto de cimento e serragem
este gigantesco túnel boca aberta
afogado na sequidão daquele instante
neste boca aberta e só
sem dente, asqueroso e pachorrento.
eu gosto de rolar
ladeira abaixo como uma lata de salsicha
repleta de palavras estragadas
no ventre combalido em botulismo.
eu gosto de ver
a cara vendida daquele tal cão que pede clemência
eu gosto de ser cruel e negar ao mesmo
a carne que por certo saciará sua fome em sempre.
42 o que é um pedaço/
de pão por sobre a mesa/
quando sei que como o que como/
no além que me dilacera como um susto
o que é o que é/
quando o fundo se perde ainda mais fundo/
mais além do que um buraco/
no ponto maior que se interroga/
mais fossa do que nunca/
mais caverna/
ou abissal/
o que é o que é/
por sobre a mesa como este prato/
consumido pela bocarra incauta
e mais do que indiferente nesta agora.
47 o pássaro agonizante
ainda não morreu na palavra asa
ele ainda cisca no verbo ciscar
o interior de suas feridas arroxeadas.
o pássaro agonizante
já perfurou a terra de ninguém
ele agora nada mais é
do que o sempre do sempre desmedido.
48 abandono abre a janela
a janela que roça o inominável
o verbo ver alijado de seu sempre
para sempre na friagem em pés descalços.
53 as horas de pouco
são horas tão frias
que a boca seca de manhã
e busca um beijo aflito
como um qualquer um
que seja mais indefinido
do que o tal artigo em questão
ainda mais indefinido
do que esta dor que se esconde
na cara de quem quer que seja
que esteja a lixar suas unhas imundas
repletas de esmalte de segunda.
as horas de pouco
são horas de um dentro
como um quadro requisitado
por um pirata sanguinário
que corta a cabeça do inimigo
e a coloca no cesto da gávea
para ter a absoluta certeza
de que o norte é mais cruel do que o sul
como quem joga rum na cara do
subalterno
e o obriga a lustrar as tais botas de
sempre
até que a morte os separe
esquecida numa ilha abandonada
submersa na palavra estupro
como aquele tanto de mulheres mortas
após o coito proscrito.
eu tenho um pedaço
de carne sobre os pés
e um riso de nada
que escorre como um rio.
99calar os nomes
para arder como o além
É lícito supor
que as cortinas estejam fechadas
nesta hora insone
estendida como o vento
esgarçado na hora insana
a conspirar contra as almas
senis no fim do túnel.
102dobre a esquina
e não urine no poste
guarde para sempre
este momento banheiro
ao fazer o que tem ser feito
na latrina de sempre
que é a única coisa
que resta neste mundo
como todos aqueles
que abrem a braguilha
e encontram em seus membros
um motivo qualquer para estar aqui.
dobre a esquina
e cuspa no chão
bem tarde da noite
para que ninguém possa te ver
como esta gosma que é sua
e que toma a calçada
como quem abraça uma cidade
que nunca acolhe os forasteiros
como este cuspe que é seu
como é seu tudo aquilo que é
possessivo como este pronome
enredado
no seio de uma prostituta morta.
os homens e os carros
quem são os homens e os carros
ninguém poderá saber
de nada acerca de qualquer restrição que lhes seja
imposta.
eu já sei em ninguém
que minha alma está vendida
como qualquer coisa vagabunda
exposta num bazar pouco freqüentado
como os restos de comida dos restaurantes
no azul dos sacos plásticos que iluminam
esta fria noite
eu já sei em mais ninguém
que os becos me pertencem
115cheiro de nada
na hora morta
basta não crer
para então fechar
os olhos e os sentidos
para o lado escuro
lá onde a mente toca
a ponta da alma vazia
no espaço entre o entre
no além que se desintegra
como quem nunca esteve
em lugar algum
para arrefecer
como qualquer verbo ordinário
que tira a sujeira do chão
agora mais limpo do que nunca
como se o nunca
pudesse abrir seu sem braço
e sorrir sem sorriso
como um assoalho lustrado
no ventre convulso
da palavra imóvel.
116derramo a vida
que não cai da estante
e que então se mexe
como qualquer defunto fresco
que agora come
pão e presunto
como qualquer queijo esburacado
como qualquer rosto cheio de espinhas.
derramo a vida
que se arrasta como qualquer coisa
que se estende na hora vazia
para abrir a boca de quem quer que seja
e encher o mundo de ricota temperada
com cheiro de nada e gosto de coisa velha
com cara de medusa ou jeito de besta
enraivecida.
117vou partir
perdido na palavra trem
ausente na palavra ônibus
como um nada
vou adquirir um pacote qualquer
para abrir em mim
a possibilidade de amolecer como um
biscoito velho
num tanto de café na caneca branca
vou ou devo excursionar
até que meus dentes caiam
e eu possa divisar um ou mais buracos
banhados por dois oceanos que ocultam
cem mil corpos de turistas que se foram.
vou partir
repleto de muito pouco
com quem assim parte
para dentro da palavra viagem
este quadro mórbido
há de cravar um punhal em minhas
costas
a palavra costas
deverá encontrar uma irmã há muito
ignorada
que há de prender minhas mãos no
escuro
para que eu não seja jamais servido à
noite
pelo fato de não haver fato algum
no interior da palavra silêncio
no interior da palavra assassinato
vazia no marulhar de vagas inconstantes.
120eu cavo
um buraco
para não achar
coisa alguma em alguma
não tenho nada em nada
eu não procuro mais palavras
para descrever
este vazio
que agora tem no verbo ter
dentes e mais dentes e mais dentes
e que mastiga mais e mais
a palavra apodrecida
dentro do corpo
de um qualquer morto
como um céu desfigurado
num azul sempre cinzento.
122
eu posso ouvir
o que não está em lugar algum assim jamais
como quem sente
o correr das horas deste rio
o instante que se vai
e assim se desintegra
como se o tempo estremecesse
no assombro de um mar bravio
há ondas que me arremessam
contra o inexpugnável da desordem
para que as palavras transbordem
cansadas de véspera e sem desejo
para roçar o impensado
em suas lufadas de nada.
125há um silêncio
de sala vazia
que há muito aguarda
este tiro na boca.
a boca seca
corrompe o alimento
na palavra digestão
hesitante à porta do inferno.
137as trevas/
não me dizem/
do rigor destas palavras/
sem destino num buraco/
cavado com as mãos sujas de sangue.
as mãos/
não mais tocam agora/
o corpo de quem quer que seja:
roxas
inertes
ou mortas de frio.
100
bebo as ruas desta cidade/
meu sangue destilado ainda corre/
como um louco sem destino sequer procuro
o lugar sem lugar para desencontrar meu rosto.
pouco sei
acerca do nem mesmo
pois quando desejo
uma miragem qualquer se apresenta
então eu penso que vejo o que quero ver
sendo isto tão pouco
como esvaziar alma em si mesma.
pouco sei
acerca do caminho
quando escureço
a escuridão
e não mais penso
que estou onde estou
agora a mente
pode roçar o insondável
talvez assim
posso definitivamente andar
ao fechar os olhos
neste agora.
107