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Escrito por Marcelo Pompêo
10Jul2007
Há tempos, as discussões relativas às questões ambientais estão vivíssimas no Brasil. Mas como
é de praxe nas diversas instâncias de governo, como no Ministério do Meio Ambiente (MMA), não há
clara e transparente definição, e por escrito, de sua política, de maneira geral são discussões cifradas e
de bastidores. Quando apresentada, a política é fracionada, destacando aspectos pontuais, técnicos e
não conectada com as outras esferas de governo. Muitas vezes não é pertinente nem mesmo às demais
ações do próprio Ministério.
Estes procedimentos não ocorrem por acaso. Na esfera do governo federal, as discussões
cifradas e de bastidores seguem a premeditada lógica da falta de transparência, dificultando a
compreensão da política ambiental brasileira. Basta verificar as intermináveis discussões do MMA
com o ministro da Fazenda, Guido Mantega, a ministra chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, e o
ministro do Planejamento, Orçamento e Gestão, Paulo Bernardo Silva. Além disso, muitas das
políticas efetivamente implantadas, após seus ajustes internos no governo, continuam com inúmeros
pontos obscuros e extremamente polêmicas. Este é o caso das recentes proposições do MMA.
Numa série de três textos, são apresentadas as principais ações do governo federal com reflexo
direto sobre os ecossistemas brasileiros e a qualidade de vida das comunidades constituintes, no
conjunto, entendidas como a política nacional do meio ambiente. Também se discute quem são os
principais beneficiários dessa escamoteada política.
No primeiro artigo, é abordada a transposição do São Francisco, a construção das usinas no rio
Madeira (RO), as mudanças ocorridas no IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos
Recursos Naturais Renováveis), o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), a lei que
regulamentou a exploração de florestas públicas, e o projeto de lei que regulamentará a exploração
mineral em áreas indígenas. Na parte 2, discutemse o impacto da produção do álcool proveniente da
canadeaçúcar, os transgênicos e a posição do Grupo dos Cinco sobre concessões em detrimento do
crescimento econômico. A terceira parte trata da posição dos empresários frente às exigências para
preparação de relatório de impacto ambiental, do errôneo foco sobre os danos irreparáveis ao meio
ambiente ao invés da discussão com base na sustentabilidade, além de considerações finais.
A transposição do São Francisco
É notória a polêmica referente à transposição do rio São Francisco, com greve de fome,
inúmeras reuniões e a falta de atenção aos compromissos assumidos pelo governo Lula. Recentemente
instalouse mais um foco de polêmica com a ocupação por inúmeras entidades, em particular o povo
indígena Truká, do canteiro de obras em Cabrobó (PE). As discussões referentes à transposição se
estenderam por anos, mas foi com Lula que de fato teve sua implantação iniciada. A condução do
processo de negociação referente à transposição demonstrou a agressividade e a insistência do atual
governo em tocar essa obra mesmo após inúmeras e fundamentadas considerações contrárias a sua
instalação. Mesmo as soluções alternativas e de menor custo foram descartadas. Sua implantação
favorece o agronegócio latifundiário nas áreas marginais ao canal de transposição, que usarão suas
águas para irrigar culturas de exportação.
As usinas Jirau e Santo Antônio no rio Madeira (RO)
Outra relevante questão ambiental diz respeito ao caso das licenças ambientais para a
construção das usinas Jirau e Santo Antônio no rio Madeira (RO). Tornouse público que a
indefinição na liberação dessas licenças deixou o presidente Lula irritado e, segundo servidores do
IBAMA, foi a gota d´água responsável pela reestruturação da instituição.
A ministra Marina Silva (MMA) alega que a reestruturação do IBAMA e a criação do Instituto
Chico Mendes, definidas por Medida Provisória (MP 366), não facilitarão a liberação das licenças
ambientais, apenas melhor organizarão o órgão. Os funcionários, ainda em greve, são veementes em
dizer que esse é um ato deliberado do governo federal que visa enfraquecer o IBAMA e facilitar o
processo de licenciamento ambiental.
De fato, o envio da MP após as críticas do presidente dá margem a essas interpretações. O mais
correto, como sugere o Deputado Fernando Gabeira (PVRJ), é a retirada da MP para ampliar o debate
sobre as questões ambientais e a propriedade da reestruturação do IBAMA no Brasil. O governo
aproveitaria a oportunidade para esclarecer sobre os interesses que conjugaram as ações para a ágil
modificação do IBAMA por MP, sem transparência e sem debate. Boa intenção apenas não basta.
O PAC Programa de Aceleração do Crescimento
Há também as propostas relacionadas ao PAC em curso pelo governo federal que, segundo o
presidente Lula, será o grande impulsionador do progresso no Brasil. O PAC visa principalmente
desenvolver grandes obras de infraestrutura, a gosto das empreiteiras. A construção das usinas no rio
Madeira é considerada uma de suas principais obras. Desta forma, o PAC tem nas questões ambientais
um enorme desafio, já que não se cresce sem impactar o meio ambiente.
No entanto, o PAC deixa as questões ambientais em último plano, focando o desenvolvimento
do Brasil em obras de grande porte. Têm também as discussões / chantagens sobre a ampliação do
emprego de termoelétricas e da energia nuclear (Angra 3), sempre polêmicas, na impossibilidade da
construção das usinas no rio Madeira, não abordadas neste texto. Entre outras questões, o PAC falha
em não disponibilizar recursos financeiros para estudos sobre fontes alternativas de energia como o
biogás (biodigestores), a energia eólica, a energia solar (painel fotovoltaico), as pequenas centrais
hidrelétricas (PCHs), a energia dos mares e os coletores solares (para aquecimento de água). Estas
energias alternativas são viáveis para usos em situações específicas, principalmente em pequenas
comunidades, e o seu emprego em grande escala tem efeito sinérgico positivo sobre o meio ambiente,
já que são de baixo impacto e reduzem a necessidade de grandes obras de engenharia, como as usinas
no rio Madeira.
Se contar com a melhoria na qualidade de vida das comunidades assistidas, estas são iniciativas
que há muito deveriam ter sido implantadas. Relativo aos coletores solares e reuso da água (processo
pelo qual a água é reutilizada), deveria ser instituída lei federal com obrigatoriedade na sua instalação
em construções com área e volume de água empregado acima de valores préestabelecidos. Haveria
economia de energia e usos mais nobres da água tratada. Não se pode esquecer que, na apresentação
do PAC, o ministro Guido Mantega explicitou que o programa também tem como um dos principais
objetivos a remoção (grifo nosso) de obstáculos burocráticos, administrativos, normativos, jurídicos e
legislativos ao crescimento. As mudanças ocorridas no IBAMA e a pouca relevância dada às questões
ambientas seguem esta proposta de “remoções de obstáculos”?
A exploração de florestas públicas Lei 1.284/2006
Outra questão diz respeito à Lei 1.284/2006, que regulamentou a exploração de florestas
públicas. A concessão por até 40 anos, como definido na Lei, para a exploração de florestas primárias
e públicas, em particular a Floresta Amazônica , por ser a porção mais expressiva das florestas
públicas brasileiras, criará novas zonas de exploração e conflito e é questionável a garantia da
sustentabilidade das atividades na exploração da floresta e a geração de emprego e renda para a
população local.
A exploração mineral em áreas indígenas
Em outra investida, o governo federal prepara projeto de lei que regulamentará a escabrosa
exploração mineral em áreas indígenas. A proposta é pagar royalties aos índios para que permitam a
exploração de minério em área indígena. O valor referência divulgado pela imprensa é de, no mínimo,
1,5% do faturamento com a extração do minério.
Ao invés de proteger as áreas de valor histórico e cultural dos índios, o governo federal pretende
trocálas por benesses, facilitando a desagregação da já fragilizada comunidade indígena brasileira. A
União deveria fortalecer os laços entre as comunidades indígenas e oferecer outras possibilidades
como contraponto à exploração mineral. Nesta proposta, estarão inclusas garantias de qualidade de
vida para a comunidade durante e após o término da exploração mineral? E como será minimizado o
passivo ambiental e seu reflexo na comunidade indígena?
Sendo este um empreendimento de lucro certo, ao invés de permitir que terceiros desconectados
da realidade local explorem o minério, além de oferecer apoio técnico, a União deveria criar linha de
crédito específica para que os próprios índios captassem recursos, gerenciassem o negócio e
explorassem suas riquezas minerais. Parte do minério poderia ser empregada como garantia do
empréstimo e resgatada em prazos definidos em contrato. O aspecto mais importante é trazer
desenvolvimento e dignidade à comunidade indígena ou permitir lucro fácil às grandes empresas de
mineração, em detrimento da qualidade de vida do povo indígena?
Na melhor das hipóteses, o governo federal considera os índios cidadãos de segunda categoria,
sem competência para arcar com a responsabilidade de gerir seu próprio negócio e não merecedores
de políticas públicas que resgatem a dignidade dessa comunidade. O governo deve demarcar as terras
indígenas e oferecer todas as condições para que tenham tranqüilidade para viver segundo seu
conceito e ritmo. A extração mineral em terra indígena, e as inimagináveis degradações ambientais e
da qualidade de vida originadas, deveriam ser a última alternativa para esse povo. Será que já
chegamos nessa etapa?
Marcelo Pompêo é professor do Departamento de Ecologia da USP
Fonte: http://www.correiocidadania.com.br/content/view/583/111/
A não declarada Política Nacional de Meio Ambiente (2)
Escrito por Marcelo Pompêo
16Jul2007
No intuito de ampliar o debate, numa série de três textos são apresentadas as principais ações do
governo federal com reflexo direto sobre os ecossistemas brasileiros e a qualidade de vida das
comunidades constituintes, no conjunto, entendidas como a política nacional do meio ambiente. Neste
segundo manuscrito, discutemse o impacto da produção do álcool proveniente da canadeaçúcar, os
transgênicos e a posição do Grupo dos Cinco sobre concessões em detrimento do crescimento
econômico.
A produção de álcool proveniente da canadeaçúcar
A produção em larga escala de biodiesel e de álcool proveniente da canadeaçúcar é
apresentada pelo governo federal como a principal alternativa ao uso dos derivados de petróleo.
Também é citado como tecnologia limpa e que contribuirá para reduzir as emissões de carbono.
Devido à extensão necessária para plantio de cana para essa finalidade, já pensando na ampliação da
produção de álcool para exportação, este é um empreendimento que atende ao interesse do grande
empresário do agronegócio. Quais são as alternativas para o pequeno produtor rural? E a reforma
agrária? O milho, também empregado na produção de álcool, é o principal componente da ração
animal. Segundo recente relatório da ONU (Organização das Nações Unidas), a ampliação no uso do
milho para a produção de álcool, e sua respectiva redução na oferta para ração animal, já reflete no
preço dos alimentos, com perspectivas de maior elevação dos preços em toda cadeia produtiva,
inevitavelmente atingindo o consumidor final. A ampliação da exportação de álcool sem dúvida
também refletirá no preço final do produto ao consumidor no Brasil, impondo a redução da
porcentagem usada na gasolina e a alteração da proporção do valor do álcool quando comparado ao
valor da gasolina, numa questão de oferta e demanda.
O governo federal também não acena com alternativas que permitam a redução do consumo de
derivados de petróleo e do próprio álcool. Mantémse a perspectiva da venda de veículos de passeio
para impulsionar a economia e o uso preferencial do transporte individual em detrimento do
transporte público coletivo de qualidade, de quebra reforçando a necessidade de rodízios e pedágios
em grandes centros urbanos como meio para reduzir o número de veículos em zonas preestabelecidas.
A preferência pela produção de álcool da cana para impulsionar veículos automotores individuais
tornase mais preocupante se levarmos em conta as discussões referentes aos problemas originados
pela monocultura da cana, pela necessidade de novas áreas no Cerrado e na Mata Atlântica para a
ampliação da produção e também devido à perda de biodiversidade, ocasionada pela redução de
habitats.
Os transgênicos
Ainda relativo às discussões relacionadas ao agronegócio, por algum tempo, agricultores
brasileiros plantaram ilegalmente soja transgênica. Vencidos os “debates”, a CTNBio (Comissão
Técnica Nacional de Biossegurança) mantém a liberação comercial da soja e de milho transgênicos,
mesmo após a divulgação de estudos que discutem a possibilidade de o milho geneticamente
modificado fazer mal às cobaias, como divulgado pelo Greenpeace e o Comitê de Pesquisa e
Informação Independente de Engenharia Genética (Criigen).
Estas suspeições demonstradas nos testes sugerem claramente a necessidade de exaustivos
estudos com organismos geneticamente modificados, permitindo conclusões mais seguras sobre seu
impacto no meio ambiente e na saúde dos animais e do próprio homem, seu consumidor final, antes
da sua liberação para uso geral. Além disso, recentes estudos demonstram ampliação no uso de
agrotóxicos em plantações com transgênicos, contrariando o discurso inicial proferido pelas grandes
empresas produtoras de transgênicos e seu complemento, os agrotóxicos, de que o uso de transgênicos
implicaria na redução do consumo de herbicidas. A semente transgênica também custa mais do que a
semente convencional, implicando na elevação do custo de produção e do produto final, incompatível
com a produção em pequena escala.
Assim, a ampliação no uso de transgênicos e herbicidas atende aos interesses do agronegócio
multinacional. A CTNBio, da mesma forma que o IBAMA, em outros momentos também foi alvo de
duras críticas do agronegócio globalizado pelo excesso de zelo nas discussões técnicas referente aos
transgênicos, impondo barreiras e dificultando sua liberação. O que será que mudou?
Apesar de tudo, é positiva a atuação da Justiça Federal do Paraná que, em 28/06/07, suspendeu,
em decisão definitiva de mérito, a aprovação comercial do milho geneticamente modificado “Liberty
Link”, produzido no país pela multinacional Bayer CropScience. A medida condiciona eventual
liberação à realização de estudos preliminares para garantir a coexistência do milho transgênico com
variedades orgânicas e convencionais, além de regras para monitoramento póscolheita do “Liberty
Link”.
A posição do Grupo dos Cinco
Também não deixam de ser preocupantes os discursos do presidente Lula, em particular o
ocorrido em Heiligendamm (Alemanha, junho de 2007), indicando que o Grupo dos Cinco Brasil,
China, Índia, México e África do Sul , não farão concessões em detrimento do crescimento
econômico. Este é um claro indicativo de que as questões ambientais e a preservação dos ecossistemas
brasileiros estão relegadas a um segundo plano. Sugere, mais ainda, que o governo federal não
pretende impor barreiras aos empreendimentos unicamente por trazerem danos irreparáveis ao meio
ambiente.
Ficam as perguntas: A mudança ocorrida no IBAMA seguiu essa política? E o que dizer sobre a
transposição do São Francisco e a construção das usinas no rio Madeira? O crescimento econômico é
para atender à demanda e aos interesses da maior parcela da população brasileira ou um meio de
ampliar o lucro rápido do empresariado globalizado? Será que o modelo de crescimento a qualquer
custo, por mais de 500 anos implantado no Brasil, ainda prevalece?
Marcelo Pompêo é professor do Departamento de Ecologia da USP
Fonte: http://www.correiocidadania.com.br/content/view/607/111/
A não declarada Política Nacional de Meio Ambiente (3)
Escrito por Marcelo Pompêo
24Jul2007
No intuito de ampliar o debate, numa série de três textos, são apresentadas as principais ações
do governo federal com reflexo direto sobre os ecossistemas brasileiros e a qualidade de vida das
comunidades constituintes, no conjunto, entendidas como a política nacional do meio ambiente. Esta
terceira parte trata da posição dos empresários frente às exigências para a elaboração de relatório de
impacto ambiental, do errôneo foco sobre os danos irreparáveis ao meio ambiente ao invés da
discussão com base na sustentabilidade, além de considerações finais.
Os empresários e a legislação ambiental
Os empresários brasileiros questionam a intrincada legislação e os custos excessivos para a
preparação de relatório de impacto ambiental, com inúmeros e refinados estudos, incluindo a
contratação de especialistas. Este subsidiará as discussões anteriores à instalação do empreendimento.
Relatam que, além do relatório inicial, há a possibilidade de novas e continuadas solicitações,
complementando o estudo no sentido de dirimir as dúvidas do órgão licenciador, implicando em mais
custos e ampliando os prazos para a efetiva instalação do empreendimento. Isso sem contar com a
possibilidade de liminares encaminhadas à justiça, que poderão arrastar o processo de licenciamento
ambiental por anos, com final imprevisível.
Na verdade, os empresários têm interesse na redução da atuação do Estado e na minimização de
custos e prazos, ampliando o lucro, prática comum no sistema capitalista. Não têm interesse nas
práticas de exploração sustentável, de menor lucro no curto prazo.
O foco da discussão
Outro aspecto relevante na discussão da exploração ambiental, com discurso empregado pelo
governo federal e incessantemente veiculado pela mídia, diz respeito ao foco da discussão. É
inconcebível acreditar que a instalação de uma usina hidrelétrica ou de mineração não cause danos
irreparáveis ao meio ambiente. Para se ter uma idéia, o lago da hidrelétrica de Santo Antônio (rio
Madeira) tem como previsão 120 km de extensão. O simples ato de barrar o rio altera sua
hidrodinâmica, a montante e a jusante. Então, o que imaginar de sua biota no cenário futuro pós
enchimento?
Sem dúvida, a estrutura e o funcionamento do ecossistema criado serão completamente
modificados quando comparados à fase rio, anterior ao empreendimento, à fase reservatório, além da
“fase floresta”, referente à expressiva porção da floresta inundada que comporá o lago. Complementa
o problema a inundação em si, que ocorre sem a retirada da vegetação, e a subseqüente redução de
qualidade da água represada relacionada ao baixo teor de oxigênio dissolvido decorrente da
decomposição da matéria orgânica vegetal morta. Do ponto de vista ambiental, o estrago está feito e
relatório de impacto ambiental que se preze nunca caracterizará que uma obra desse porte não causará
danos irreparáveis ao meio ambiente. Isto sem levar em consideração os mosaicos peculiares de solo e
vegetação e a possibilidade de fauna e flora endêmicas na área do empreendimento, implicando em
dano ainda maior com a clara redução da biodiversidade.
Os danos são pertinentes não só à biota, mas à população local, com ônus a todos os brasileiros.
Portanto, ao prevalecer a posição do MMA de que as hidrelétricas no rio Madeira “serão construídas
somente se ficar constatado que elas não trarão prejuízos ambientais à região”, frase atribuída à
ministra Marina Silva, sugerese que, por coerência, a ministra deva vetar este e outros
empreendimentos.
Assim, o foco da discussão não deveria ser sobre o dano em si, mas sim sobre qual é a extensão
do dano considerado razoável em vista dos benefícios trazidos pela obra e seu produto final no
exemplo, a maior disponibilidade de energia elétrica , e se são compatíveis, tanto o conceito da obra,
quanto seus inevitáveis danos e benefícios, com os critérios de sustentabilidade.
Outras perguntas dizem respeito aos beneficiários, particularmente a qualificação e
quantificação desse grupo. Quais os interesses políticos por trás desse empreendimento? Quanto está
previsto em recurso financeiro para implantar as diversas fases da obra? Quem irá financiar a obra?
Há alternativas de menor impacto e financeiramente menos vultosas, por princípio mais interessante?
Quais são as garantias de ações concretas para minimizar os inúmeros impactos ambientais
ocasionados pelo empreendimento? Neste caso, quem será responsável por sua implantação e com
quais recursos financeiros? Quem e com quais meios se fiscalizará todo empreendimento? E quem
fiscalizará o primeiro agente fiscalizador?
Considerações finais
Como apresentado nos textos referentes às partes 1, 2 e 3, política de investimento e crescimento
nacional são voltados a empreender ações ao meio ambiente com impactos previsíveis, esbarrando em
inúmeras questões ecológicas. Isso implica que deveriam ser despendidos esforços visando qualificar
e quantificar estes impactos, culminando na elaboração de propostas alternativas ou corretivas, na
direção da sustentabilidade manutenção de um ecossistema saudável, produtivo, com sua
biodiversidade e processos ecológicos intactos, que gere emprego e renda compatíveis ao ecossistema
explorado, garantindo a vida com qualidade para as gerações presentes e futuras.
No entanto, quando olhamos o conjunto da obra das várias instâncias do governo federal, a
única sensação que fica é que há clara política voltada a atender unicamente os interesses do grande
empresariado, seja do agronegócio, da indústria ou das empreiteiras, em detrimento da
sustentabilidade do ecossistema e das necessidades reais da maior parcela da população brasileira. Isto
coloca o empresário como aquele que define a pauta relativa aos investimentos e às questões
ambientais no Brasil. A falta de sensibilidade nas questões ambientais demonstra, mais ainda, a clara
e deliberada permissividade da política federal, tendo a exploração de nossas riquezas naturais e o seu
uso indevido como os principais meios de lucro para poucos. Esta prática remonta há 500 anos e com
péssimos e conhecidos resultados. Assim, um grande conjunto de representantes eleitos e os que têm
assento nos cargos de confiança do governo federal não desempenham papel de mocinho, como fazem
supor, e nem atendem aos interesses da maioria dos brasileiros.
Às forças vivas da nação cabe colocar na ordem do dia a discussão do Brasil que queremos, se
aquele que tem como agenda prioritária as necessidades do cidadão comum, implicando num Estado
mais presente e atuante, ao invés de cada vez mais reduzido, omisso e corporativo, pautado pelos
interesses do agronegócio, da indústria e da empreiteira. Urge a transparência nas coisas públicas e a
ampliação da participação de todos em qualquer foro de discussão nacional. Também é fundamental a
constituição de uma frente que amplie as discussões desses temas e barre estas inúmeras e
preocupantes iniciativas danosas ao meio ambiente e à qualidade de vida da população brasileira,
patrocinadas pelo governo federal em acordo com os empresários dos diversos setores.
O futuro de nossos filhos e netos é sempre duvidoso e incerto, mas a prática continuada dessa
perversa política, permitindo a exploração danosa do meio ambiente, conferindo lucro rápido e para
poucos, refletirá um passivo ambiental incomensurável para todos e menor diversidade biológica,
implicando num meio ambiente mais pobre, mais triste e cada vez mais próximo do limite da
sustentabilidade.
Marcelo Pompêo é professor do Depto. de Ecologia da USP
Fonte: http://www.correiocidadania.com.br/content/view/640/111/