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A nova lei traz como principal novidade o instituto da recuperação da empresa, que
garantirá a manutenção de milhares de postos de trabalho, substituindo a atual
concordata e diminuindo a importância da falência, que têm contribuído para a
liquidação de empresas viáveis e o agravamento da crise econômica e social no país.
O objetivo da nova lei é dar às empresas uma chance a mais de continuar no
mercado, sempre que sua manutenção for economicamente viável. Trata-se de um
novo e moderno instituto jurídico que irá atender às peculiaridades e necessidades da
empresa em crise, em um esforço criativo para viabilizar a sua continuidade, a
exemplo do que ocorre na maioria dos países desenvolvidos, como Estados Unidos,
Itália e França.
A grande vantagem da nova lei é permitir que o devedor possa apresentar um plano
de recuperação e submetê-lo aos credores, com a supervisão do Poder Judiciário. As
negociações ocorrerão dentro dos limites estabelecidos pela lei, tornando o processo
mais ágil e seguro. As micro e pequenas empresas estarão mais protegidas, pois
contam com um plano especial de recuperação dentro da nova legislação, bem mais
simplificado e menos oneroso. Essas empresas representaram 96% dos negócios que
faliram entre 2000 e 2002 no país, segundo revela estudo do Sebrae. Destas, apenas
6% faturavam acima de R$ 120 mil ao ano e tinham em média 3,2 empregados. Ainda
segundo o Sebrae, de 1,39 milhão de empresas abertas entre 2000 e 2002, 772,6 mil
faliram no período, resultando no fechamento de 2,4 milhões de postos de trabalho. O
estudo mostrou que 82% dos empreendedores que fecharam as portas perderam mais
da metade do valor investido (R$ 19,8 bilhões). Esses números corroboram a nossa
preocupação com a manutenção da empresa em crise, para se evitar que empregos e
sonhos sejam perdidos.
Outra grande preocupação da nova lei foi dar maior segurança aos credores, inclusive
aos bancos, que poderão emprestar dinheiro às empresas em dificuldades com a
garantia de que poderão receber esses recursos. Essa é a grande diferença do que
ocorre atualmente no Brasil e nos Estados Unidos, por exemplo. Aqui, sem garantias,
os bancos não injetam novos recursos, paralisando o fluxo de caixa da empresa e
contribuindo para o seu fechamento. Lá, os bancos credores participam do processo
de reestruturação da empresa, concedendo novos empréstimos, dando-lhe fôlego para
se ajustar e sair da crise e, assim, contribuindo para a manutenção dos empregos.
Se, no entanto, for constatada a inviabilidade do negócio, a nova lei cria instrumentos
que facilitam a venda da empresa em crise para um novo empreendedor, visando
sempre a sua continuidade. Será priorizada a alienação do negócio em bloco,
preservando o conjunto e, se possível, os ativos intangíveis (marcas, patentes etc.).
Com o fim da sucessão trabalhista e tributária, quem adquirir uma empresa em estado
de falência não assumirá a responsabilidade por ações judiciais ou créditos não
honrados pelo valor pago pela companhia, o que vai facilitar também a compra de
empresas com problemas.
E, em terceiro lugar, apesar de termos um sistema que deve punir o devedor, são
necessários incentivos para que ele colabore, isto é, para que seu comportamento não
seja prejudicial à massa. Por exemplo, um devedor sem incentivo nenhum para
colaborar no processo pode engajar-se em tumulto; e, em fase de recuperação,
quando não for afastado, pode tomar decisões desastrosas. Portanto, o devedor
também deve ter alguma participação residual no processo.
O grande problema de eficiência aqui é que existem duas decisões a serem tomadas
simultaneamente: o que fazer com o negócio e, no evento da reestruturação, quem
deve receber o quê. Na maior parte das vezes não se trata de algo simples nem tarefa
menor, tanto por causa do sistema de voto na assembléia de credores como devido ao
fato de os objetivos de cada classe de credores variarem - e muito. Por exemplo, um
credor trabalhista pode querer uma reorganização mais lenta, a fim de preservar os
empregos, enquanto outro com garantia real pode desejar uma solução mais rápida
para reaver seus créditos.
Uma das melhores e mais eficientes soluções é a troca de dívida por participação
acionária com ou sem engenharia financeira para recompra dessa participação. Ou
seja, o credor troca sua dívida por uma parcela das ações na empresa e o devedor
pode, seja por opções, seja por meio de contrato, simplesmente recomprar a empresa
no fim da recuperação. Na falência, a necessidade de capital de giro pode prejudicar
esse tipo de solução, mas é inegável que, se criarmos um mercado secundário para
ativos de massa falida, sem riscos de contágio ou sucessão, muito mais poderá ser
feito.
Outro avanço trazido pela nova legislação é que os créditos decorrentes de obrigações
contraídas durante a recuperação judicial serão considerados extraconcursais no caso
da empresa falir. Isso estimula a injeção de capital nas empresas em dificuldade.
Ademais, os credores que continuarem a fornecer seus bens ou serviços após o
pedido de recuperação judicial terão privilégio geral de recebimento no caso de
decretação da falência. Essas são algumas inovações trazidas pela nova lei,
beneficiando a atração de investidores estrangeiros e estimulando a oferta de crédito e
a redução dos juros bancários.
Mas foi na parte referente à liquidação que a nova lei trouxe a principal modificação,
pois a alienação dos bens do falido pode ser feita logo após a decretação da falência e
preferencialmente de forma englobada, para preservar a empresa como unidade de
produção.
Quanto aos meios preventivos, a lei permite que o devedor apresente em juízo um
plano de recuperação judicial. Se não houver objeção, o plano é aprovado. Se houver
impugnação, o plano deverá ser aprovado pelos credores sujeitos ao plano. Estão
excluídos da recuperação judicial créditos tributários, previdenciários e aqueles
decorrentes de contratos de leasing, alienação fiduciária em garantia e adiantamentos
a contratos de câmbio. O devedor é mantido na administração da sociedade até que
se cumpram as obrigações previstas no plano, cujo prazo é proposto pelo devedor, e
aprovado pelos credores.
No texto final aprovado pela Câmara de Deputados foi excluído o dispositivo que
condicionava a concessão da recuperação judicial à apresentação de certidões fiscais.
Essa exclusão foi bem-vinda, pois uma das maiores críticas que se faz à lei atual é a
exigência dessas certidões para a concessão da concordata preventiva, o que enseja,
na impossibilidade de atender tal exigência, inúmeros pedidos de desistência de
concordatas, depois de equacionado o passivo quirografário.
Além disso, a lei deu novo tratamento aos crimes falimentares, denominando todas as
infrações penais, como, por exemplo, crimes de fraude a credores; contabilidade
paralela; violação de sigilo empresarial; entre outras, facilitando a interpretação desse
tipos legais. Finalmente, cumpre destacar que a Nova Lei de Falências pode ser
aplicada aos processos de falência que se encontram na fase de liquidação
(realização do ativo), momento esse de conclusão da falência.
A primeira questão foi: elaborar nova lei ou apenas alterar o estatuto falimentar de
1945. Os que defendiam a tese de simples alteração argumentavam que havia
jurisprudência consolidada de muito anos e que o texto vigente é de boa técnica
legislativa. Propunham alterar o capítulo da concordata preventiva para prever a
recuperação da crise financeira pelo acordo com os credores. De outro lado havia os
que lutavam por nova legislação, nos moldes dos países mais desenvolvidos.
Ultrapassado restou esse debate com a apresentação do projeto de lei. A partir desse
fato, as opiniões se dividiam entre os que consideravam que deveria haver proteção
mais efetiva aos devedores, para garantir a sobrevivência das empresas, e os que
defendiam que a recuperação do crédito deveria ser a meta principal. Debateu-se,
também, a criação de um limite acima do qual o crédito trabalhista se equipararia aos
demais, a flexibilização da prioridade, quase absoluta, dos créditos tributários e a
classificação dos créditos com garantias reais, os quais, para alguns, deveriam ser
pagos antes de quaisquer outros.
A questão mais debatida foi a relativa à concordata preventiva, que, por atingir apenas
os credores sem garantias (quirografários), não permite a efetiva recuperação da
empresa em crise. Portanto, o novo instituto da recuperação da empresa deveria
trazer ao processo todos os credores sem qualquer exceção. Se aceita essa tese,
diziam alguns (especialmente as instituições financeiras), os credores precavidos, que
tivessem garantias, seriam equiparados aos descuidados com créditos "cleans". Muito
se debateu sobre como equilibrar os direitos e deveres das empresas devedoras e das
diversas classes de credores.
A nova Lei de Falências estabelece o prazo de 180 dias, durante o qual se suspendem
as ações e execuções contra a empresa devedora que tiver requerido a recuperação
judicial. Durante esse prazo será possível haver negociações mesmo com os credores
que, em tese, não irão se sujeitar ao processo. Embora seja uma novidade, como
norma legal, na realidade esse período de negociação já existe na praxe do mercado
financeiro após a impetração de concordata.
Outro tema muito discutido - e que sempre sofreu grande oposição dos órgãos
governamentais - foi a sucessão fiscal. Ou seja, quem adquirir um estabelecimento
pode herdar débitos fiscais do vendedor. De fato, havendo risco da sucessão fiscal, é
quase impossível a venda de ativos de empresas em dificuldades. A Receita Federal
alegava que a alteração nessas regras conduziria à fraude. Prevaleceu a tese de
flexibilização e está encaminhada a alteração ao Código Tributário Nacional (CTN)
permitindo, com algumas restrições, a venda, sem sucessão fiscal, na Recuperação
judicial das empresas.
Essas são as principais questões que foram debatidas durante esses muitos anos de
tramitação legislativa. Embora haja ainda muitas críticas, acreditamos que haverá
algum avanço com a nova Lei de Falências. De fato, as negociações durante a
recuperação judicial ficarão mais transparentes e darão segurança às transações que
forem realizadas.
Durante muito tempo, em todos os países, a falência foi considerada como uma
sanção aplicada à empresa insolvente. Somente a partir de meados do século
passado é que as várias legislações fizeram a distinção entre a pessoa do controlador,
que eventualmente deveria ser punido, e a entidade empresarial à qual se deveria dar
a possibilidade de sobreviver. Surgiram, assim, no direito comparado, várias fórmulas,
grosso modo correspondentes à nossa concordata preventiva, que foram sendo
aprimoradas no decorrer do tempo. Não tendo funcionado adequadamente tais
procedimentos, há um esforço de encontrar novas fórmulas que possam conciliar a
manutenção da empresa e os direitos dos credores, fazendo prevalecer o interesse
social.
A lei francesa vem sofrendo críticas quanto ao papel do "redressement", cuja eficácia
está longe de obter sucesso, pois, em geral, as empresas que recorrem ao mesmo
invariavelmente requerem falência pouco tempo depois. Por seu turno, o mesmo tipo
de crítica se aplica ao sistema americano do "Chapter 11", em face da característica
desse sistema que permite a um mesmo devedor requerer, mais de uma vez, o
benefício da recuperação, o que tem acontecido recentemente.
Também sempre defendemos que a Lei de Falências deveria ser alterada aos poucos,
retirando-se da lei falimentar de 1945 os dispositivos ultrapassados e adotando-se as
jurisprudências consagradas por nossos tribunais. Essa técnica poderia ter evitado
que o projeto original da nova Lei de Falências fosse discutido por 12 anos antes de
sua aprovação. E poderia ter tido o condão de afastar tantas pressões e jogos de
interesses que acabam por minar a boa técnica legislativa e transformar bons projetos
em colcha de retalhos quando são aprovados.
Lutemos para que o fisco faça sua parte, abrindo mão de seus privilégios, pois em
tese a Fazenda/governo são os maiores interessados na recuperação de uma unidade
produtiva e devem oferecer a maior dose de sacrifício para apoiar sua recuperação, e
não o contrário. Na atual lei, houve uma preferência por sacrificar o mais fraco, o
empregado.
A evolução e reforma do direito concursal
Por Newton de Lucca
Uma das reformas mais esperadas no país, sem sombra de dúvida, é a que diz
respeito à substituição da atual lei falimentar brasileira - o Decreto-Lei nº 7.661, de 21
de junho de 1945 - por uma nova disciplina normativa mais adaptada à realidade
empresarial dos nossos dias.
Sejam quais forem os problemas do novo texto - e eles existem, efetivamente -, o fato
é que a reforma do direito concursal brasileiro é mais do que necessária e já chega, na
verdade, muito serodiamente. De toda sorte, esse novo texto será o ponto de partida
para revigorar as reflexões sobre uma das áreas mais descuidadas da legislação
empresarial brasileira.
A concordata, ainda bem, está com os dias contados. Resistiu, é certo, por muito
tempo, mas agora a recuperação judicial, recém-chegada e sua irmã caçula, está para
dar os primeiros passos, e assumir o posto. Como isto irá acontecer?
O que muda no pedido? Há, agora, uma preocupação evidente com o respeito ao
tecnicismo jurídico e com a transparência. Assim é que o pedido deverá vir instruído
com demonstrações contábeis dos três últimos exercícios e as especialmente
levantadas ao ensejo do ingresso em juízo, com o que se terá uma visão mais nítida
da evolução da crise da empresa. Além disso, será apresentado, como um sinal a
mais de modernidade, o relatório de fluxo de caixa. Não se terá em vista, portanto,
apenas o que a empresa foi, mas também o que se projeta que ela venha a ser. Por
outro lado, previu-se o fornecimento de informações relevantes para os credores:
relação dos bens particulares dos controladores e dos administradores da empresa
devedora, extratos de contas bancárias e aplicações financeiras, listagem das ações
judiciais em andamento etc.
Formulado o pedido, este será apreciado pelo juiz e, estando em ordem, será deferido
o processamento da recuperação judicial. Note-se que a recuperação ainda não terá
sido concedida. Para tanto deverá a devedora apresentar um plano a ser aprovado
pelos credores. Mas a decisão de processamento é de grande importância. Dela
constarão, entre outros pontos, a nomeação do administrador judicial (não mais
existirá afigura do comissário), preferencialmente advogado, economista,
administrador de empresas ou contador, podendo igualmente ser (o que é uma
novidade muito bem vinda) uma pessoa jurídica especializada. Ao administrador
judicial incumbirá, por exemplo, fiscalizar as atividades do devedor e o cumprimento
do plano de recuperação judicial.
É claro que o ideal seria que a recuperação judicial envolvesse todos os créditos, uma
vez que todos estão compreendidos na crise financeira da empresa. Por outro lado, o
período de suspensão deveria, para ser mais eficaz, ter início com o ajuizamento do
pedido de recuperação judicial, e não com a decisão que defere o seu processamento.
Por menor que seja o espaço de tempo entre o ingresso em juízo e essa decisão
inicial, esses dias poderão ser fatais para a empresa. Poderá ela, em virtude de um
processo em estágio mais adiantado, vir a perder um daqueles bens acima referidos,
qualificados como essenciais para o exercício da atividade empresarial. Com isso ela
poderá deixar de ser uma empresa economicamente viável e será candidata certa à
falência. Um credor terá sido beneficiado. Todos os demais, no entanto, serão
prejudicados.
Para concluir, mais duas referências, essas positivas. A primeira é a de que, deferido o
processamento da recuperação judicial, publicam-se editais relacionando os credores.
Eventuais habilitações e divergências serão processadas, de início, perante o
administrador judicial, e não em juízo, simplificando, e muito, a tramitação e prevendo-
se, em decorrência, economia de tempo e de dinheiro.
Essa situação, em nossa ótica, é o maior absurdo e conflito que a lei encampa, posto
que, se o fim colimado pelo legislador na nova lei, é o de preservar a empresa, porque
sufocá-la com a exigência das negativas desde logo? E a decretação da falência, no
que resolverá o problema? Tal exigência deve ser suprimida do plano de recuperação,
a nosso ver.
Por tudo isso, mesmo que o diploma legal - que tenha por escopo proteger a empresa,
direitos dos trabalhadores, fornecedores, bancos e o fisco (estes dois últimos por seus
poderosos lobbies e sempre insaciáveis) - seja um desafio aos técnicos e aos
operadores do direito e contenha manifestas imperfeições, sua urgente aprovação
pelo presidência da República constitui-se em ato de evidente patriotismo. O uso e a
concreta aplicação do texto ensejarão as competentes adequações futuras.
Trata-se de uma moratória, por meio da qual o devedor poderá pagar seus débitos em
parcelas mensais corrigidas e acrescidas de juros de 12% ao ano. A proposta de
pagamento deverá ser apresentada no prazo de até 60 dias após o deferimento da
recuperação judicial e obrigará somente os credores quirografários. O pagamento
deverá ser feito em parcelas mensais iguais e sucessivas, em um número máximo de
36 meses, sendo que o primeiro pagamento deverá ser feito no prazo máximo de 180
dias da data da distribuição da recuperação. Não há necessidade da concordância dos
credores para a concessão dessa moratória.
O devedor poderá ter sua recuperação judicial convolada em falência nas seguintes
hipóteses: quando os requisitos legais não forem preenchidos pelo devedor; quando
não for apresentado o plano, no prazo de 60 dias contados do deferimento da
recuperação; quando o plano for rejeitado pela maioria dos credores; ou, ainda, se ele
descumprir qualquer obrigação assumida no plano durante o período de supervisão
judicial.
A falência também poderá ser decretada em pedido autônomo movido pelo próprio
devedor, por cônjuge sobrevivente, qualquer herdeiro do devedor, o inventariante, o
cotista ou acionista do devedor, bem como qualquer credor. Um dos avanços da nova
Lei de Falências consiste na imposição de maiores requisitos para o ajuizamento de
pedidos de falência por credores, impedindo-se a utilização do pedido de falência
como execução sumária. Assim, o credor deverá possuir títulos protestados em valor
superior a 40 salários-mínimos para requerer a falência, permitindo-se o litisconsórcio
de credores a fim de que esse limite seja alcançado. Somente créditos passíveis de
habilitação na falência e com origem comprovada são aptos a embasar o pedido.
Finalmente, a lei manteve, sem nenhum alteração relevante, a possibilidade do
devedor ter sua falência pela prática de atos falimentares, tais como a ausência de
tempestivo depósito, pagamento ou nomeação de bens em execução movida contra o
devedor.
Para os atos revogáveis (artigo 130), ou seja, praticados com fraude, há necessidade
de regular sentença em ação de rito ordinário, provando-se o conluio fraudulento e o
efetivo prejuízo sofrido pela massa falida. E este efetivo prejuízo, exigência inexistente
na Lei de Falências de 1945, será um severo complicador para o êxito da ação
revocatória. Até o momento, provado o ato fraudulento, o bem volta à massa falida. Na
nova lei, além da fraude, é necessário provar o prejuízo, prova dificílima, se não
impossível. Neste ponto, a nova lei acarreta em retrocesso, que aumenta a facilidade
de acobertamento de fraudes.
Embora certamente não tenha sido intenção dos redatores da lei convalidar atos
fraudulentos, o artigo 132 da nova lei traz grande risco de impunidade ao fixar o prazo
de três anos para ajuizar ação revocatória, prazo contado a partir da sentença que
decreta a falência. A identificação de atos fraudulentos é trabalho que exige acentuada
dedicação e profunda pesquisa. Muitas vezes a indicação do ato fraudulento surge
apenas vários anos após o decreto de falência, justamente pelo cuidado de que se
cercam os fraudadores. Neste ponto, mais correta é a lei anterior, que em seu artigo
56 que estabelece o prazo de um ano, porém a contar da elaboração do quadro geral
de credores e do despacho que decidir o inquérito judicial, prazo, portanto, bastante
amplo. Mais ainda se torna injustificável a exigüidade deste prazo decadencial, quando
se vê que o artigo 132 refere-se aos atos revogáveis por fraude (artigo 130). Para os
atos previstos no artigo 129 da lei (sem fraude) não há prazo estipulado.
O artigo 186 do CTN também foi alterado. De acordo com sua nova redação, o crédito
tributário continua a preferir a qualquer outro, ressalvados os créditos trabalhistas, mas
agora também os decorrentes de acidentes do trabalho. Abrem-se, porém, exceções a
esta preferência: na falência, o crédito tributário deixa de preferir aos créditos
extraconcursais ou às importâncias passíveis de restituição, bem como aos créditos
com garantia real, no limite do bem gravado. Da mesma forma, a multa tributária
prefere apenas aos créditos subordinados; com este dispositivo fica, porém, claro que
a multa é exigível no processo falimentar.
Os artigos 187 e 188 são apenas uma adequação de seu texto à nova lei falimentar, o
mesmo acontecendo com o artigo 191.
O artigo 191-A, agora acrescido ao CTN, diz que a concessão de recuperação judicial
depende da apresentação da prova de quitação de todos os tributos, observado o
disposto nos artigos 151, 205 e 206 do CTN. Aparentemente, o dispositivo criaria uma
situação paradoxal: quem requer a recuperação tem fundadas razões - como as tem o
juiz que a defere -- para crer que a continuação da empresa lhe proporcionará os
meios para solver seus débitos, inclusive os tributários.
Foi ainda acrescentado ao CTN um artigo, o 185-A, que nos executivos fiscais em que
o devedor não ofereça bens à penhora nem bens sejam encontrados, permite seja
determinada a indisponibilidade dos bens do devedor.
Por sua vez, a classificação dos créditos na falência, sofreu alterações relevantes, pois
sua preferência foi modificada em relação a atual Lei de Falências, no tocante aos
créditos trabalhistas, fiscais e privilegiados, que agora são assim classificados,
segundo o artigo 83, da nova lei: primeiro trabalhistas (mas somente até 150 salários-
mínimos -o saldo é considerado quirografário - letra c, inciso VI, do art. 83); 2º créditos
com garantia real (neste ponto atendendo aos reclamos do sistema bancário, com a
"promessa" na redução dos "spreads"- II, do art. 83); 3º créditos tributários - inciso III,
do artigo 83 (mas sem as multas, agora consideradas quirografárias - inciso VII, do art.
83) e em seguida os com privilégio, especial, geral, quirografários e subordinados.
Sem dúvida alterações de relevo.
Eis aí o formidável mérito da nova ordem legal: como já se faz em tantos países, dar à
empresa em crise uma via legal para discutir um projeto para o seu salvamento,
fundindo a vontade da maioria dos credores, a qual se imporá à minoria, que, assim,
perderá poderoso instrumento de pressão (por vezes de chantagem) sobre o devedor
e demais credores. Acertou também o Congresso quando, desviando-se das primeiras
versões do projeto, que atribuía ao juiz o poder de decidir acerca do plano proposto,
conferiu à assembléia de credores a competência para deliberar sobre ele. As
vantagens são evidentes: ao contrário dos credores, um magistrado não costuma ter
intimidade com "business plans", o que faz dele um péssimo árbitro sobre a viabilidade
do projeto.
Embora sem nenhum critério científico, é possível dividir os planos de recuperação em
duas grandes espécies: aqueles a empresa permanece sob controle dos mesmos
empresários, e os que dependem do ingresso de um novo controlador - o que, ao cabo
das contas, significa venda do negócio. A primeira hipótese é menos encontradiça na
prática: normalmente se faz necessário algum dinheiro novo, e nem sempre o
acionista quer ou pode arriscar mais recursos, para não falar no compreensível
desgaste dele perante a comunidade de credores. Aliás, pensando nisso a nova Lei
prevê possam os credores impor a substituição dos administradores, numa autêntica
intervenção.
Com ou sem novo controlador, todas as estruturas se tecem a partir dos mesmos
esquemas previstos no artigo 50, adiante referidos: reestrutura-se o endividamento,
mediante a alteração de suas condições, inclusive com a concessão de deságios (o
hair cut). Se houver dinheiro novo para reforço de capital de giro ou mesmo para
amortização da dívida, entrará ele através do aumento de capital ou da venda de parte
dos ativos, sem prejuízo da infreqüente concessão de novos financiamentos pelos
credores. A conversão de dívida em capital da sociedade devedora (ou capitalização
dos créditos) não costuma ocorrer como uma solução final (geralmente os credores,
especialmente bancários, não querem se tornar acionistas), mas sim como uma ponte
para a venda da companhia a terceiro.
É certo que a nova lei altera os modelos de solução da crise da empresa vigentes no
país, em que credores têm pouca - se alguma - participação no procedimento judicial,
quer quanto à concordata quer quanto à decretação da falência. Não que se retorne à
situação anterior à entrada em vigor do Decreto-lei nº 7.661/1945, em que credores
aprovariam, ou não, a concessão de prazo para pagamento das obrigações do
comerciante no caso de iliquidez. O sistema ora proposto é outro e, supõe-se, mais
eficiente.
A nova lei prevê que, se houver plano de recuperação do negócio aprovado por
maioria dos credores, a atividade deve ser preservada. A inviabilidade da continuidade
das atividades é, desde logo, motivo para a liquidação da empresa. O período de
agonia da empresa em crise, que se espraia sobre os credores, deixa de existir.
A quem considere que o interesse social deve preponderar nessa avaliação, lembra-se
a irrazoabilidade de se impor aos particulares riscos econômicos extraordinários,
assim como inadequado transferir aos particulares o interesse social, no sentido de
interesse público, uma vez que este é atribuição do Estado. Não convém estimular ou
manter atividades econômicas inviáveis porque o custo social que recai sobre a
sociedade beneficia alguns poucos.
A solução da nova lei é dada pela classe de credores. Vale dizer, se duas das três
classes de credores, por maioria, aprovarem o plano, e uma delas o aprovar por mais
de um terço dos credores, desde que, no total, haja aprovação de mais de metade dos
créditos, o juiz poderá aprovar o plano. Retoma-se o critério patrimonial para cômputo
das maiorias.
Ademais, não haverá empresa que arrisque ingressar em uma assembléia de credores
com uma proposta que venha a postergar o pagamento dos créditos trabalhistas, até o
limite legal de um ano, sob pena de desagradar a classe mais poderosa de seus
credores, que não se furtarão em votar contrariamente à aprovação do plano de
recuperação, voto que será contado por cabeça, portanto não influindo o montante e
nem a relevância dos créditos.
Ainda que queiram manter seus empregos, pelo fato de a aprovação do plano de
reorganização implicar necessariamente na novação dos créditos, os detentores de
créditos trabalhistas podem não se sentir adequadamente incentivados a aprovar um
plano, ainda que benéfico, por receio de ficarem para trás em uma eventual liquidação.
Mesmo que o texto da nova Lei de Falências limite o valor da preferência a 150
salários-mínimos, uma empresa que possua muitos empregados ou que tenha uma
pequena reserva quando do ingresso do pedido de recuperação judicial deverá
ponderar com muito cuidado tal questão, para não ser surpreendida ao final do
processo.
A nova Lei de Falências parece ter dado pouca importância ao seu aspecto penal. Se
as leis são o retrato da sociedade e esta clama por penas mais duras, na esperança
de encontrar seu apaziguamento, caímos na armadilha exposta por Oscar Wilde: "A
forma e crítica mais elevada, como a mais baixa, é um gênero de autobiografia. (...) A
arte reflete o espectador e não a vida." (WILDE, Oscar, O Retrato de Dorian Gray, SP:
Martin Claret, 2004, prefácio do autor, página 13).
A nova lei falimentar, em gestação no Congresso Nacional por mais de dez anos,
visava corrigir e atualizar o Decreto-lei nº 7.661, de 1945, mas acabou por criar uma
desproporcionalidade entre condutas e sanções, e entre suas disposições e o sistema
penal brasileiro como um todo. Analisemos o artigo 168 da nova lei, que tipifica a
conduta "fraude a credores" nas modalidades ali descritas. A pena cominada da lei é
de três a seis anos de reclusão, possibilitando ainda aumento de um sexto a um terço
nas hipóteses narradas.
Entendeu-se também por punir de forma mais gravosa os crimes falimentares do que
o estelionato e outras fraudes. A impressão que se tem é que determinaram as penas
não em função da reprovabilidade das condutas, mas para fugir dos benefícios que
poderiam ser aplicados em se tratando dos juizados especiais criminais. Via de regra,
os atos supostamente criminosos praticados no âmbito falimentar não trazem
periculosidade, sendo a esfera das mais adequadas para a aplicação da chamada
Justiça consensual.
Tratou-se, portanto, com desdém a seara mais importante, já que pode levar
indivíduos ao encarceramento. Salutar seria que um grupo de juristas especializados
na área de direito penal falimentar fosse chamado para trabalhar tais aspectos nessa
nova Lei de Falências. Já que tanto tardou, esperava-se que não falhasse.
Se o intuito do legislador era imprimir uma evolução com a nova Lei de Falências,
adaptando a incriminação à atualidade e, conseqüentemente, afastando da incidência
do direito penal as condutas meramente administrativas, tudo o que a sociedade
ganhou foi uma legislação com redação gramatical mais moderna, mas ainda
defeituosa. O retrato de nossas imperfeições!