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NOVA LEI DE FALENCIAS

SERIE VALOR ECONÔMICO

COORDENAÇÃO JAIRO SADDI

A recuperação de empresas e a reforma da Lei de Falências

A sociedade brasileira esperava com ansiedade a aprovação da nova Lei de


Falências, que tramitava no Congresso Nacional há mais de dez anos. A lei até o
momento em vigor, datada de 1945, foi instituída em um período em que o
crescimento industrial no Brasil era incipiente e está completamente superada. O
modelo atual é caro, moroso (com prazos de até 20 anos para se resolver uma
falência) e perverso, pois leva ao fechamento a maioria das empresas em dificuldades,
gerando desemprego e afetando a vida do trabalhador e de seus familiares. Como a
lei não dava nenhuma proteção aos credores, a empresa em crise não recebia ajuda e
quebrava. O país deixa de crescer e todos perdem.

A nova lei - denominada de Lei de Recuperação de Empresas, que deverá ser


sancionada imediatamente pelo presidente da República - estará em pé de igualdade
com as mais modernas legislações existentes no mundo. Como relator do projeto na
Câmara dos Deputados, procurei debater amplamente com a sociedade todos os
pontos dessa nova legislação. Foram mais de 300 palestras em quase todos os
Estados, sempre com a presença de grandes especialistas e estudiosos no assunto.
Buscamos de todas as formas instrumentos que possam permitir a recuperação da
empresa e não o seu fechamento.

A nova lei traz como principal novidade o instituto da recuperação da empresa, que
garantirá a manutenção de milhares de postos de trabalho, substituindo a atual
concordata e diminuindo a importância da falência, que têm contribuído para a
liquidação de empresas viáveis e o agravamento da crise econômica e social no país.
O objetivo da nova lei é dar às empresas uma chance a mais de continuar no
mercado, sempre que sua manutenção for economicamente viável. Trata-se de um
novo e moderno instituto jurídico que irá atender às peculiaridades e necessidades da
empresa em crise, em um esforço criativo para viabilizar a sua continuidade, a
exemplo do que ocorre na maioria dos países desenvolvidos, como Estados Unidos,
Itália e França.

A grande vantagem da nova lei é permitir que o devedor possa apresentar um plano
de recuperação e submetê-lo aos credores, com a supervisão do Poder Judiciário. As
negociações ocorrerão dentro dos limites estabelecidos pela lei, tornando o processo
mais ágil e seguro. As micro e pequenas empresas estarão mais protegidas, pois
contam com um plano especial de recuperação dentro da nova legislação, bem mais
simplificado e menos oneroso. Essas empresas representaram 96% dos negócios que
faliram entre 2000 e 2002 no país, segundo revela estudo do Sebrae. Destas, apenas
6% faturavam acima de R$ 120 mil ao ano e tinham em média 3,2 empregados. Ainda
segundo o Sebrae, de 1,39 milhão de empresas abertas entre 2000 e 2002, 772,6 mil
faliram no período, resultando no fechamento de 2,4 milhões de postos de trabalho. O
estudo mostrou que 82% dos empreendedores que fecharam as portas perderam mais
da metade do valor investido (R$ 19,8 bilhões). Esses números corroboram a nossa
preocupação com a manutenção da empresa em crise, para se evitar que empregos e
sonhos sejam perdidos.
Outra grande preocupação da nova lei foi dar maior segurança aos credores, inclusive
aos bancos, que poderão emprestar dinheiro às empresas em dificuldades com a
garantia de que poderão receber esses recursos. Essa é a grande diferença do que
ocorre atualmente no Brasil e nos Estados Unidos, por exemplo. Aqui, sem garantias,
os bancos não injetam novos recursos, paralisando o fluxo de caixa da empresa e
contribuindo para o seu fechamento. Lá, os bancos credores participam do processo
de reestruturação da empresa, concedendo novos empréstimos, dando-lhe fôlego para
se ajustar e sair da crise e, assim, contribuindo para a manutenção dos empregos.

Se, no entanto, for constatada a inviabilidade do negócio, a nova lei cria instrumentos
que facilitam a venda da empresa em crise para um novo empreendedor, visando
sempre a sua continuidade. Será priorizada a alienação do negócio em bloco,
preservando o conjunto e, se possível, os ativos intangíveis (marcas, patentes etc.).
Com o fim da sucessão trabalhista e tributária, quem adquirir uma empresa em estado
de falência não assumirá a responsabilidade por ações judiciais ou créditos não
honrados pelo valor pago pela companhia, o que vai facilitar também a compra de
empresas com problemas.

A Lei de Recuperação de Empresas haverá de contribuir de forma decisiva para a


construção de um novo país que tanto sonhamos, com empresas fortes, mais
empregos e justiça social.

A eficiência na recuperação de empresas


Por Jairo Saddi

Quando se define falência ou recuperação de empresas é comum nos atermos a


definições jurídicas: trata-se de um processo de execução coletiva, meio de realização
de direitos do credor. No entanto, precisamos nos lembrar também de que o substrato
que permeia o tema tem natureza econômica: empresas insolventes são unidades
produtivas exatamente iguais às solventes, com a exceção de que seus passivos se
encontram desestruturados. Fora isso, geram empregos, compram e transformam
matérias-primas, vendem produtos acabados, enfim, produzem riquezas. Portanto,
além da visão tradicional, há de se considerar o assunto por uma perspectiva mais
voltada à análise econômica do direito.

Primeiro, um procedimento falimentar deveria produzir um resultado eficiente "ex


post". Quer-se dizer, com isso, que o valor total dos ativos da massa falida deveria ser
sempre maximizado para produzir a maior quantidade de dinheiro possível para os
credores. Ou seja, qualquer decisão de venda ou reestruturação deve obedecer à
simples regra de que o procedimento será mais eficiente se o resultado aos credores
for maior. É evidente que isso conduz a um estado de eficiência "ex ante": quanto
maiores as garantias aos credores antes da insolvência ou da iliquidez, menores os
custos de transação relacionados às atividades da empresa (taxa de juros, por
exemplo).

Segundo, um bom procedimento falimentar deve penalizar igualmente os devedores: o


simples concurso de credores é uma forma de punir os acionistas, já que eles
receberão alguma coisa somente no final - se houver sobras. Isso é importante porque
incentiva um sistema de maior crédito (visto que o credor terá prioridade no
recebimento) e, ao mesmo tempo, todas as obrigações contratuais fora do sistema de
garantias passam a ser respeitadas por um mecanismo estatal cogente.

E, em terceiro lugar, apesar de termos um sistema que deve punir o devedor, são
necessários incentivos para que ele colabore, isto é, para que seu comportamento não
seja prejudicial à massa. Por exemplo, um devedor sem incentivo nenhum para
colaborar no processo pode engajar-se em tumulto; e, em fase de recuperação,
quando não for afastado, pode tomar decisões desastrosas. Portanto, o devedor
também deve ter alguma participação residual no processo.

Há um segundo foco de problemas de eficiência nos procedimentos falimentares ou de


recuperação de empresas e que diz respeito à liquidação dos ativos. O que se refere à
avaliação dos ativos da massa: uma vez que a maior parte deles não é ativo líquido e
financeiro, como transformá-los em dinheiro? Oliver Hart sugere que, em países em
que o mercado de capitais é eficiente, pode-se vender a empresa (ou partes dela) a
investidores, com o preço a ser pago em dinheiro correspondendo ao seu valor real.
Este tipo de leilão, conhecido como "cash-auction", é atraente porque o credor recebe
o seu quinhão em dinheiro. Porém, como a maior parte dos mercados de capitais não
tem estrutura suficiente para transformar empresas em crise em capital líquido, tem-se
uma negociação estruturada, método pelo qual nossa nova lei avança. O processo de
recuperação se baseia num período em que nenhum ativo pode ser vendido ou
nenhuma ação pode ser intentada contra o devedor; na falência, há uma arrecadação
de ativos para posterior venda. Os credores se reúnem e decidem o destino da
empresa e dos ativos.

O grande problema de eficiência aqui é que existem duas decisões a serem tomadas
simultaneamente: o que fazer com o negócio e, no evento da reestruturação, quem
deve receber o quê. Na maior parte das vezes não se trata de algo simples nem tarefa
menor, tanto por causa do sistema de voto na assembléia de credores como devido ao
fato de os objetivos de cada classe de credores variarem - e muito. Por exemplo, um
credor trabalhista pode querer uma reorganização mais lenta, a fim de preservar os
empregos, enquanto outro com garantia real pode desejar uma solução mais rápida
para reaver seus créditos.

Uma das melhores e mais eficientes soluções é a troca de dívida por participação
acionária com ou sem engenharia financeira para recompra dessa participação. Ou
seja, o credor troca sua dívida por uma parcela das ações na empresa e o devedor
pode, seja por opções, seja por meio de contrato, simplesmente recomprar a empresa
no fim da recuperação. Na falência, a necessidade de capital de giro pode prejudicar
esse tipo de solução, mas é inegável que, se criarmos um mercado secundário para
ativos de massa falida, sem riscos de contágio ou sucessão, muito mais poderá ser
feito.

Um mercado que deve surgir para aumentar a eficiência do sistema é o mercado de


profissionais de reorganização ou gerenciamento de massas falidas, os quais
poderiam, inclusive, passar a administrar judicialmente tais empresas.

A idéia de eficiência nos procedimentos falimentares e de recuperação de empresas é


importante e deveria ser incentivada no Brasil por dois motivos: porque é desejável
que o mínimo de valor e de custo seja dissipado ao longo do processo, e porque é
saudável, ao fim, os ativos serem alocados ao seu maior valor de uso, o que significa
dizer que o negócio pode continuar a funcionar se o seu valor exceder o valor de
liquidação; caso contrário é melhor ser vendido a quem dele possa fazer melhor uso.
Esperamos que o advento da nova Lei de Falências possa trazer os conceitos, que
aqui foram superficialmente descritos, à vida.

Os objetivos da recuperação de empresas


Por Thomas Benes Felsberg

Dentre as inovações trazidas pela nova Lei de Falências, destaca-se a substituição da


concordata por mecanismos mais condizentes com a realidade: a recuperação
extrajudicial e a judicial de empresas. A concordata, prevista na legislação atual,
constitui um prazo para pagamento de dívidas com os credores quirografários, sendo
vedada a convocação dos demais credores para negociação, sob pena de decretação
de falência. Com a aprovação da nova lei, o devedor passa a ter condições especiais
para pagar suas dívidas, além de poder convocar seus credores para negociações e
elaboração do plano de reestruturação.

A mudança representa um enorme avanço, propiciando condições adequadas à


recuperação das empresas. A recuperação extrajudicial é um acordo celebrado entre o
devedor e seus credores no âmbito privado, que deve ser homologado judicialmente
quando da adesão de todos os credores ao plano ou de pelo menos três quintos de
cada classe de credores sujeitos ao plano. Nesta segunda hipótese, o plano será
imposto aos credores minoritários. Não podem ser objeto de negociação os créditos
de natureza tributária, trabalhista, de contratos de adiantamento de crédito, de
alienação fiduciária, de arrendamento mercantil ou de contrato de venda com reserva
de domínio. Não sendo possível a homologação do plano, resta ao devedor a opção
de propor sua recuperação judicial.

O instituto da recuperação judicial, que substitui a concordata, objetiva a viabilização


da superação da crise econômico-financeira da empresa, permitindo sua
reestruturação por meio de mecanismos previstos de forma exemplificativa, como a
redução salarial e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva. Este
instituto consiste na apresentação de um plano de reestruturação da empresa pelo
devedor, devendo constar os meios que serão utilizados para o pagamento de seus
credores e os documentos que comprovem sua viabilidade econômica. Deferido o
plano, o juiz suspenderá as ações e execuções existentes contra o devedor por 180
dias ("stay period"). As execuções fiscais não se sujeitam a essa suspensão, havendo
previsão de que as fazendas públicas e o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS)
poderão deferir o parcelamento de seus créditos em sede de recuperação judicial.
Havendo objeção de credor ao plano apresentado, o juiz convocará uma assembléia
geral de credores, que será responsável pela deliberação e aprovação do plano. A
assembléia conta com a participação de todos os credores sujeitos ao plano, divididos
em três classes: os de natureza trabalhista, os com garantia real e os quirografários,
com privilégio especial, com privilégio geral ou subordinados.

A regra para a aprovação do plano de recuperação judicial envolve quóruns


específicos de cada uma dessas classes. Nas classes de credores com garantia real e
com privilégio especial, geral ou subordinados, a proposta deve ser aprovada por mais
da metade do valor total dos créditos presentes à assembléia e, cumulativamente, pela
maioria simples dos presentes. Na classe dos credores trabalhistas, a proposta deve
ser aprovada pela maioria simples dos presentes, independentemente do valor de seu
crédito. Excepcionalmente, o plano poderá ser aprovado e imposto aos credores pelo
juiz ("cram down") desde que se obtenha, cumulativamente: o voto favorável de
credores que representem mais da metade do valor de todos os créditos presentes à
assembléia, independentemente de classes; a aprovação de duas das classes com
credores votantes nos termos da aprovação convencional; o voto favorável de mais de
um terço dos credores da classe que houver rejeitado o plano.

Outro avanço trazido pela nova legislação é que os créditos decorrentes de obrigações
contraídas durante a recuperação judicial serão considerados extraconcursais no caso
da empresa falir. Isso estimula a injeção de capital nas empresas em dificuldade.
Ademais, os credores que continuarem a fornecer seus bens ou serviços após o
pedido de recuperação judicial terão privilégio geral de recebimento no caso de
decretação da falência. Essas são algumas inovações trazidas pela nova lei,
beneficiando a atração de investidores estrangeiros e estimulando a oferta de crédito e
a redução dos juros bancários.

Uma visão panorâmica do direito falimentar


Por Paulo Penalva Santos
Após mais de 480 emendas e cinco substitutivos e 11 anos de tramitação, foi aprovada
a nova lei que regula a falência, a recuperação judicial e a recuperação extrajudicial do
empresário e das sociedades empresárias.

A nova lei introduz alterações substanciais em relação ao Decreto Lei nº 7.661/45,


destacando-se as seguintes: na falência merecem destaque a classificação dos
créditos, a forma de liquidação e o tratamento jurídico dado aos crimes falimentares.
Quanto aos meios preventivos para evitar a quebra, a lei instituiu a recuperação
judicial, a recuperação extrajudicial e a recuperação para as sociedades de pequeno e
médio porte.

Para viabilizar a nova classificação de créditos na falência, havia necessidade de


alterar o Código Tributário Nacional (CTN), pois a Constituição determina que as
normas gerais em matéria tributária são da competência de lei complementar. Por
isso, foram aprovadas duas leis: a Lei de Falências e a lei complementar que altera o
CTN.

Esses novos diplomas classificam os créditos na falência da seguinte forma: 1-crédito


trabalhista (até o valor de 150 salários mínimos); 2-crédito com direito real de garantia
até o limite do valor do bem gravado; 3-crédito tributário e previdenciário; 4-créditos
com privilégio especial; 5-créditos com privilégio geral; e 6- créditos quirografários.

Mas foi na parte referente à liquidação que a nova lei trouxe a principal modificação,
pois a alienação dos bens do falido pode ser feita logo após a decretação da falência e
preferencialmente de forma englobada, para preservar a empresa como unidade de
produção.

Quanto aos meios preventivos, a lei permite que o devedor apresente em juízo um
plano de recuperação judicial. Se não houver objeção, o plano é aprovado. Se houver
impugnação, o plano deverá ser aprovado pelos credores sujeitos ao plano. Estão
excluídos da recuperação judicial créditos tributários, previdenciários e aqueles
decorrentes de contratos de leasing, alienação fiduciária em garantia e adiantamentos
a contratos de câmbio. O devedor é mantido na administração da sociedade até que
se cumpram as obrigações previstas no plano, cujo prazo é proposto pelo devedor, e
aprovado pelos credores.

A recuperação extrajudicial pode ser feita de duas formas. Primeiro, o devedor


apresenta uma nova forma de pagamento aos credores que subscreverem essa
proposta, excluídos os mesmos credores referidos na recuperação judicial. Pode ainda
o devedor apresentar proposta de pagamento que inclua todas as classes de
credores, desde que tenha sido firmada por mais de três quintos de cada classe de
credores.

Embora também denominada de recuperação judicial, a lei restabelece a concordata


preventiva para a microempresa e para a empresa de pequeno porte, permitindo que o
devedor pague seus credores quirografários em até 36 meses, com correção
monetária e juros de 12% ao ano, com pagamento da primeira parcela no prazo
máximo de 180 dias, contados do ajuizamento do pedido.

No texto final aprovado pela Câmara de Deputados foi excluído o dispositivo que
condicionava a concessão da recuperação judicial à apresentação de certidões fiscais.
Essa exclusão foi bem-vinda, pois uma das maiores críticas que se faz à lei atual é a
exigência dessas certidões para a concessão da concordata preventiva, o que enseja,
na impossibilidade de atender tal exigência, inúmeros pedidos de desistência de
concordatas, depois de equacionado o passivo quirografário.
Além disso, a lei deu novo tratamento aos crimes falimentares, denominando todas as
infrações penais, como, por exemplo, crimes de fraude a credores; contabilidade
paralela; violação de sigilo empresarial; entre outras, facilitando a interpretação desse
tipos legais. Finalmente, cumpre destacar que a Nova Lei de Falências pode ser
aplicada aos processos de falência que se encontram na fase de liquidação
(realização do ativo), momento esse de conclusão da falência.

Os onze anos de discussão da nova Lei de Falências


Por Renato Mange

O debate sobre a reforma da Lei de Falências intensificou-se em 1991, quando foi


apresentado o primeiro anteprojeto de legislação sobre o tema. Posteriormente, em
1993, foi remetido, pelo governo federal, um projeto de lei ao Congresso Nacional.

A primeira questão foi: elaborar nova lei ou apenas alterar o estatuto falimentar de
1945. Os que defendiam a tese de simples alteração argumentavam que havia
jurisprudência consolidada de muito anos e que o texto vigente é de boa técnica
legislativa. Propunham alterar o capítulo da concordata preventiva para prever a
recuperação da crise financeira pelo acordo com os credores. De outro lado havia os
que lutavam por nova legislação, nos moldes dos países mais desenvolvidos.

Ultrapassado restou esse debate com a apresentação do projeto de lei. A partir desse
fato, as opiniões se dividiam entre os que consideravam que deveria haver proteção
mais efetiva aos devedores, para garantir a sobrevivência das empresas, e os que
defendiam que a recuperação do crédito deveria ser a meta principal. Debateu-se,
também, a criação de um limite acima do qual o crédito trabalhista se equipararia aos
demais, a flexibilização da prioridade, quase absoluta, dos créditos tributários e a
classificação dos créditos com garantias reais, os quais, para alguns, deveriam ser
pagos antes de quaisquer outros.

A questão mais debatida foi a relativa à concordata preventiva, que, por atingir apenas
os credores sem garantias (quirografários), não permite a efetiva recuperação da
empresa em crise. Portanto, o novo instituto da recuperação da empresa deveria
trazer ao processo todos os credores sem qualquer exceção. Se aceita essa tese,
diziam alguns (especialmente as instituições financeiras), os credores precavidos, que
tivessem garantias, seriam equiparados aos descuidados com créditos "cleans". Muito
se debateu sobre como equilibrar os direitos e deveres das empresas devedoras e das
diversas classes de credores.

A exclusão de créditos com garantias reais (em geral em poder de instituições


financeiras) da recuperação judicial é questão polêmica. De um lado há os que
argumentam que houve a descaracterização do instituto, cujo objetivo seria o de reunir
todos os credores. De outro há os que defendem a necessidade de haver certeza na
recuperação do crédito, o que resultaria em juros menores, por reduzir os "spreads". O
fato é que os créditos com garantias reais, na falência, terão prioridade sobre os
tributários e poderão não se submeter à recuperação judicial. Entretanto, será possível
haver negociação com os credores detentores de garantias para que participem do
plano de recuperação. Na prática, é o que ocorre, atualmente, nas concordatas,
quando se negocia com os esses credores, embora legalmente não se submetam à
moratória.

A nova Lei de Falências estabelece o prazo de 180 dias, durante o qual se suspendem
as ações e execuções contra a empresa devedora que tiver requerido a recuperação
judicial. Durante esse prazo será possível haver negociações mesmo com os credores
que, em tese, não irão se sujeitar ao processo. Embora seja uma novidade, como
norma legal, na realidade esse período de negociação já existe na praxe do mercado
financeiro após a impetração de concordata.

Outro tema muito discutido - e que sempre sofreu grande oposição dos órgãos
governamentais - foi a sucessão fiscal. Ou seja, quem adquirir um estabelecimento
pode herdar débitos fiscais do vendedor. De fato, havendo risco da sucessão fiscal, é
quase impossível a venda de ativos de empresas em dificuldades. A Receita Federal
alegava que a alteração nessas regras conduziria à fraude. Prevaleceu a tese de
flexibilização e está encaminhada a alteração ao Código Tributário Nacional (CTN)
permitindo, com algumas restrições, a venda, sem sucessão fiscal, na Recuperação
judicial das empresas.

Por derradeiro, uma importante novidade na falência é a realização do ativo


imediatamente após a quebra. Na Lei de Falências anterior primeiro se apura o
passivo (que pode durar muitos anos) para depois serem feitos os leilões dos bens.

Essas são as principais questões que foram debatidas durante esses muitos anos de
tramitação legislativa. Embora haja ainda muitas críticas, acreditamos que haverá
algum avanço com a nova Lei de Falências. De fato, as negociações durante a
recuperação judicial ficarão mais transparentes e darão segurança às transações que
forem realizadas.

A recuperação de empresas no mundo


Por Arnoldo Wald

Durante muito tempo, em todos os países, a falência foi considerada como uma
sanção aplicada à empresa insolvente. Somente a partir de meados do século
passado é que as várias legislações fizeram a distinção entre a pessoa do controlador,
que eventualmente deveria ser punido, e a entidade empresarial à qual se deveria dar
a possibilidade de sobreviver. Surgiram, assim, no direito comparado, várias fórmulas,
grosso modo correspondentes à nossa concordata preventiva, que foram sendo
aprimoradas no decorrer do tempo. Não tendo funcionado adequadamente tais
procedimentos, há um esforço de encontrar novas fórmulas que possam conciliar a
manutenção da empresa e os direitos dos credores, fazendo prevalecer o interesse
social.

Diversas legislações consideram a reorganização empresarial como uma melhor


opção em relação à falência, ou a liquidação de todos os ativos do devedor para
saldar seus passivos. Em relação às empresas em crise, tanto o sistema falimentar
francês como o americano criaram mecanismos de suspensão da exigibilidade de
certos direitos do credor quando há ameaça de insolvência, com o objetivo de
preservar a empresa como entidade produtiva. Assim é que a reorganização do direito
francês ("redressement judiciaire") e o modelo americano do "Chapter 11" buscam
proteger as empresa insolvente mediante a imposição de alguns sacrifícios aos
credores.

A lei francesa vem sofrendo críticas quanto ao papel do "redressement", cuja eficácia
está longe de obter sucesso, pois, em geral, as empresas que recorrem ao mesmo
invariavelmente requerem falência pouco tempo depois. Por seu turno, o mesmo tipo
de crítica se aplica ao sistema americano do "Chapter 11", em face da característica
desse sistema que permite a um mesmo devedor requerer, mais de uma vez, o
benefício da recuperação, o que tem acontecido recentemente.

Há uma proposta de reforma no Conselho de Ministros da França que deve ser


enviada ao parlamento daquele país em 2005 estabelecendo uma reestruturação sem
precedentes do sistema falimentar francês. O objetivo primordial da mudança é a
criação de um novo tipo de procedimento ("procédure de sauvegarde"), que introduz
um sistema cautelar de salvaguarda de ativos, ou seja, um plano de contingência para
alienar ativos do devedor e assim evitar a quebra.

O "redressement" francês deve continuar e os novos procedimentos propostos


constituem apenas uma alternativa de dar mais facilmente liquidez a certos ativos e
garantir o direito dos credores. Uma segunda alteração proposta é a necessária
aprovação dos credores - já que no sistema francês é o tribunal que decide conceder a
medida judicial, com base no pedido e nas provas de viabilidade empresarial. Por fim,
é intenção do governo francês que o devedor (ou a empresa em crise) possa requerer
moratória por prazo determinado, com a aprovação dos credores. Hoje é virtualmente
impossível uma empresa em crise obter moratória sem antes tomar a decisão de não
honrar seus pagamentos ("cessation de paiements"). No novo procedimento,
pretende-se que o devedor - ainda solvente e em dia com seus compromissos - possa
suspender os pagamentos vincendos sem sofrer represálias ou protesto de seus
credores. Ou seja, o que se está propondo é uma espécie de concordata consensual,
com o apoio dos credores. Nesse sistema, a gerência da sociedade não é substituída,
mas a corte pode nomear um administrador judicial para supervisioná-la.

Todas as mudanças propostas no sistema francês já constam do modelo americano do


"Chapter 11", mostrando que o modelo pragmático americano de lidar com crises
ainda é o mais eficiente, sobretudo porque liquida imediatamente os ativos. Se na
França, como em outros países, a recuperação continua a ser decidida pelo juiz, sem
a participação dos credores, como favor legal, a interferência estatal, no futuro, só se
justificará em casos em que houver interesse público maior a ser preservado e em
empresas com número significativo de empregados e com certo volume de receita.
Tais determinações dependem de um decreto legislativo, mas os procedimentos de
salvaguarda prevêem a criação de dois comitês de credores, um das instituições
financeiras e um dos fornecedores de produtos ou serviços. O devedor, no novo
modelo francês, deve apresentar um plano de reerguimento da empresa em quatro
meses e, nos 30 dias seguintes, os credores devem aceitá-lo ou rejeitá-lo. Se não se
chegar a um acordo por unanimidade, o juiz poderá decidir sem ouvi-los. Não há
nenhuma representação dos credores que sejam portadores de títulos ou valores
mobiliários.

Enquanto a recuperação de empresas busca o saneamento permanente, a


preservação empresarial por meio da transferência de controle ou da alienação de
ativos, mediante acordo com os credores, pode resolver problemas momentâneos de
liquidez ou de crédito, especialmente quando se trata de empresas de grande
interesse social.

Vemos que as preocupações do legislador brasileiro também existem no exterior e que


as experiências do direito comparado podem ser úteis aos congressistas e aos juristas
brasileiros.

Disposições comuns na nova lei falimentar


Por José Fernando Mandel e Julio Mandel

Sem nenhuma dúvida, a nova legislação falimentar, cuja implantação já se fazia


necessária há muitos anos, tem dispositivos revolucionários e modernos. Com essa
mesma certeza afirmamos que várias novidades terão muita dificuldade de
implantação em virtude de diversos fatores, entre eles a falta de uma Justiça
aparelhada e especializada. Lamentamos também que, sob o pretexto de baratear o
crédito, direitos dos empregados foram tolhidos de forma acintosa, enquanto
privilégios fiscais foram mantidos e, em alguns casos, até mesmo ampliados.

Também sempre defendemos que a Lei de Falências deveria ser alterada aos poucos,
retirando-se da lei falimentar de 1945 os dispositivos ultrapassados e adotando-se as
jurisprudências consagradas por nossos tribunais. Essa técnica poderia ter evitado
que o projeto original da nova Lei de Falências fosse discutido por 12 anos antes de
sua aprovação. E poderia ter tido o condão de afastar tantas pressões e jogos de
interesses que acabam por minar a boa técnica legislativa e transformar bons projetos
em colcha de retalhos quando são aprovados.

O capítulo que trata das disposições comuns à falência e à recuperação de empresas


é um exemplo de má técnica legislativa, talvez gerada pela necessidade de
acomodação de interesses de diversos grupos, provavelmente para que a lei pudesse
ser aprovada. Explicamos: não há motivo para haver um capítulo específico sobre
disposições comuns entre os dois institutos, após as alterações efetuadas no projeto
original, se há centenas de outros artigos disciplinado-os separadamente e outros
capítulos específicos que tratam de disposições processuais comuns.

Um exemplo disso é o dispositivo da nova legislação que trata da prevenção, onde o


parágrafo 8º do artigo 6º dispõe que a distribuição do pedido de falência ou de
recuperação judicial da empresa previne a jurisdição para qualquer outro pedido de
recuperação judicial ou de falência. Esse princípio poderia estar disciplinado em um
artigo próprio, em outro capítulo, e não como o último parágrafo de um artigo que trata
de outros temas.

Contudo, o maior exemplo deste equívoco é a questão da suspensão das execuções,


que nada tem em comum entre os dois institutos. Na falência, o crédito já constituído
não deve ser executado, mas sim habilitado nos autos - uma vez que a falência é a
chamada execução coletiva, não havendo espaço para execuções individuais -,
enquanto na recuperação a execução de um crédito é suspensa por seis meses. Ou
seja, qual é a disposição comum? Cria-se um caput comum e passa-se a criar vários
parágrafos apontando as diferenças.

Finalmente - e aparentemente esquecida no fim do mesmo artigo 6º, no parágrafo 7º -


está disposto que as execuções de natureza fiscal não são suspensas pelo
deferimento da recuperação judicial. Há uma promessa de que o devedor poderá se
socorrer, para suas dívidas fiscais, de uma espécie de "Refis" específico (o que ainda
não existe). Além deste dispositivo estar no capítulo errado, está criada uma proteção
injustificável para a Fazenda pública, proteção essa nociva aos interesses da lei, que é
a manutenção da unidade produtiva. Isso porque, na prática, a lei exclui os créditos
fiscais da recuperação judicial (o que não acontece com nenhum outro credor),
quando se sabe que uma das maiores causas da ruína das empresas é justamente a
alta carga tributária, e que não há empresas em dificuldades financeiras que estejam
com todos os seus impostos em dia.

Prosseguindo-se a execução fiscal e penhorando-se os bens da empresa devedora


durante o prazo de negociação do plano de recuperação com os demais credores, o
plano apresentado correrá riscos de ser inviabilizado. Soma-se a isso o previsto no
artigo 57 da nova Lei de Falências, que obriga a empresa em recuperação a
apresentar certidões negativas fiscais, o que fará a legislação nascer morta se a
exigência não for abrandada pela jurisprudência, como acontecia na legislação de
1945.

Lutemos para que o fisco faça sua parte, abrindo mão de seus privilégios, pois em
tese a Fazenda/governo são os maiores interessados na recuperação de uma unidade
produtiva e devem oferecer a maior dose de sacrifício para apoiar sua recuperação, e
não o contrário. Na atual lei, houve uma preferência por sacrificar o mais fraco, o
empregado.
A evolução e reforma do direito concursal
Por Newton de Lucca

Uma das reformas mais esperadas no país, sem sombra de dúvida, é a que diz
respeito à substituição da atual lei falimentar brasileira - o Decreto-Lei nº 7.661, de 21
de junho de 1945 - por uma nova disciplina normativa mais adaptada à realidade
empresarial dos nossos dias.

Esse nosso velho decreto-lei, independentemente de seus inegáveis méritos, vem


apresentando numerosos problemas já de há muito, podendo ser destacados os
seguintes, segundo entendimento predominante na doutrina: 1) Não pôde ele refletir,
em razão da época em que veio a lume, as conseqüências sócio-econômicas que o
segundo conflito mundial provocou nas diversas economias do mundo; 2) Dirigiu-se
fundamentalmente para o comerciante individual, descurando, quase completamente,
da importância da empresa, enquanto atividade economicamente organizada para a
produção ou circulação de bens e de serviços; 3) Não fez, pelo mesmo motivo do
momento histórico em que foi editado, a necessária distinção entre empresário e
empresa, estabelecendo um esquema repressivo em relação ao primeiro, o que trouxe
conseqüências desastrosas para a segunda, enquanto instituição social, com múltiplos
interesses a serem preservados. As disposições constantes dos artigos 140, inciso III,
e 111 do texto legal são suficientes para demonstrar, por si sós, a evidência de tal
assertiva; 4) Voltou-se, excessivamente, para regular a situação obrigacional entre
devedores e credores, exacerbando-se num processualismo tal que os formalismos
estéreis e inconseqüentes culminaram por obnubilar quase que inteiramente a
realidade econômica, de sorte que o próprio fim da lei - realização do direito dos
credores - não logrou ser atingido; 5) Subsistiu, na lei falimentar brasileira, em
conseqüência das concepções anteriores, uma finalidade liquidatório-solutória que é
indisfarçável e que só deveria existir nos casos de completa inviabilidade da atividade
empresarial. Exemplo: o sistema da impontualidade e não o da insolvência (artigo 1º e
artigo 11, parágrafo 2º). A jurisprudência afirmou, inocuamente, que o processo
falimentar não se constitui meio de cobrança, mas é assim que tem sido; e 6)
Subsistiram, igualmente, excessivos privilégios estabelecidos em favor do fisco, de tal
sorte que nem mesmo os credores com garantia real sentem-se seguros no momento
de concordarem com a concessão do crédito.

O clamor doutrinário - desde a década de 60 do século passado - foi praticamente


unânime no sentido de que se fazia necessária a reforma de nosso direito falimentar.
Mas foi ele absolutamente inútil. E nem poderia ser de outra forma. Nossa doutrina
jurídica, em que pesem os grandes nomes que a engalanaram e a engrandecem até
hoje, nunca teve o condão de influir decisivamente nos movimentos reformistas de
qualquer espécie. Sempre foram outros interesses mais fortes, muito bem
representados pelas oligarquias dominantes, que determinaram a permanência ou a
mudança de uma determinada disciplina normativa.

Finalmente, agora, depois de tantas tentativas destinadas ao insucesso, o Brasil está


diante de uma perspectiva concreta de tratar a patologia das finanças de uma
empresa de maneira mais pragmática, procurando, sempre que possível, evitar o
desaparecimento de uma unidade produtiva. Claro está que uma nova Lei de
Falências, independentemente de seus méritos e desacertos, sempre provocará
acaloradas discussões, pois ela regulará os mais evidentes conflitos de interesses
entre credores de um lado e interesses dos devedores de outro.

Nesse sentido, parece de todo recomendável a ponderação de que a solução


adequada deve ser a busca do equilíbrio entre esses dois grupos de interesses.
Assim, a despeito desse dualismo inevitável com que se depara o legislador atual
(proteger o interesse dos trabalhadores ou o interesse das instituições financeiras), e
das várias questões polêmicas que um novo texto legal inevitavelmente desperta, é
certo que a nossa atual concordata, que tem apresentado resultados bastante pífios
na maioria dos casos, encontra um sucedâneo adequado nos novos institutos da
recuperação judicial e extrajudicial.

Sejam quais forem os problemas do novo texto - e eles existem, efetivamente -, o fato
é que a reforma do direito concursal brasileiro é mais do que necessária e já chega, na
verdade, muito serodiamente. De toda sorte, esse novo texto será o ponto de partida
para revigorar as reflexões sobre uma das áreas mais descuidadas da legislação
empresarial brasileira.

Pedido e processo na recuperação judicial


Por Paulo Fernando Campos Salles de Toledo

A concordata, ainda bem, está com os dias contados. Resistiu, é certo, por muito
tempo, mas agora a recuperação judicial, recém-chegada e sua irmã caçula, está para
dar os primeiros passos, e assumir o posto. Como isto irá acontecer?

O que muda no pedido? Há, agora, uma preocupação evidente com o respeito ao
tecnicismo jurídico e com a transparência. Assim é que o pedido deverá vir instruído
com demonstrações contábeis dos três últimos exercícios e as especialmente
levantadas ao ensejo do ingresso em juízo, com o que se terá uma visão mais nítida
da evolução da crise da empresa. Além disso, será apresentado, como um sinal a
mais de modernidade, o relatório de fluxo de caixa. Não se terá em vista, portanto,
apenas o que a empresa foi, mas também o que se projeta que ela venha a ser. Por
outro lado, previu-se o fornecimento de informações relevantes para os credores:
relação dos bens particulares dos controladores e dos administradores da empresa
devedora, extratos de contas bancárias e aplicações financeiras, listagem das ações
judiciais em andamento etc.

Formulado o pedido, este será apreciado pelo juiz e, estando em ordem, será deferido
o processamento da recuperação judicial. Note-se que a recuperação ainda não terá
sido concedida. Para tanto deverá a devedora apresentar um plano a ser aprovado
pelos credores. Mas a decisão de processamento é de grande importância. Dela
constarão, entre outros pontos, a nomeação do administrador judicial (não mais
existirá afigura do comissário), preferencialmente advogado, economista,
administrador de empresas ou contador, podendo igualmente ser (o que é uma
novidade muito bem vinda) uma pessoa jurídica especializada. Ao administrador
judicial incumbirá, por exemplo, fiscalizar as atividades do devedor e o cumprimento
do plano de recuperação judicial.

Uma vez deferido o processamento da recuperação judicial, suspendem-se todas as


ações e execuções em curso contra o devedor. E isso por 180 dias. O legislador,
nesse ponto, ficou a meio caminho da melhor solução. Dois aspectos, aqui, merecem
ser destacados. O primeiro refere-se às exceções previstas na lei. Na verdade, não
são todas as ações que se suspendem. Prosseguem, como não poderia deixar de ser,
aquelas em que se pleiteia quantia ilíquida (ou seja, não correspondente a uma
determinada soma em dinheiro). Mas também terão prosseguimento as reclamações
trabalhistas e as execuções fiscais. E igualmente não serão afetadas pela recuperação
judicial as ações relativas a certos créditos (derivados de alienação fiduciária em
garantia, arrendamento mercantil e adiantamento de contratos de câmbio, por
exemplo). A única ressalva é que, nesses casos, não será permitida, no prazo de
suspensão, a venda ou retirada, do estabelecimento do devedor, dos bens de capital
essenciais à sua atividade empresarial.

É claro que o ideal seria que a recuperação judicial envolvesse todos os créditos, uma
vez que todos estão compreendidos na crise financeira da empresa. Por outro lado, o
período de suspensão deveria, para ser mais eficaz, ter início com o ajuizamento do
pedido de recuperação judicial, e não com a decisão que defere o seu processamento.
Por menor que seja o espaço de tempo entre o ingresso em juízo e essa decisão
inicial, esses dias poderão ser fatais para a empresa. Poderá ela, em virtude de um
processo em estágio mais adiantado, vir a perder um daqueles bens acima referidos,
qualificados como essenciais para o exercício da atividade empresarial. Com isso ela
poderá deixar de ser uma empresa economicamente viável e será candidata certa à
falência. Um credor terá sido beneficiado. Todos os demais, no entanto, serão
prejudicados.

Para concluir, mais duas referências, essas positivas. A primeira é a de que, deferido o
processamento da recuperação judicial, publicam-se editais relacionando os credores.
Eventuais habilitações e divergências serão processadas, de início, perante o
administrador judicial, e não em juízo, simplificando, e muito, a tramitação e prevendo-
se, em decorrência, economia de tempo e de dinheiro.

E, finalmente, poderão os credores, após a decisão em foco, requerer a qualquer


tempo a convocação da assembléia geral para a constituição do comitê de credores. A
participação dos credores é um dos marcos da nova disciplina das empresas em crise,
e tanto a assembléia geral quanto o comitê serão órgãos aptos a tornar realidade os
objetivos visados pelo legislador.

Plano de recuperação judicial de empresas e nova Lei de Falências


Por Manoel Alonso

Em nossa ótica, no aspecto econômico-financeiro, depois da Constituição da


República e do novo Código Civil, a Lei de Falências é o instrumento mais importante
para todo o país, tanto dentro da sua continental territorialidade como nas relações
com o mercado externo, globalizado, e cada vez mais interessado em investir nos
países emergentes, face à notória e consistente liquidez dos mercados internacionais.

Preconizam os artigos 52 e seguintes da nova Lei de Falências que o juiz deferirá o


processamento da recuperação judicial se o devedor, com a petição inicial, apresentar
a documentação pertinente e adequada, cabendo-lhe, no prazo de 60 dias, contados
da publicação da decisão que deferir o processamento, apresentar no juízo
competente o plano de recuperação, demonstrando desde logo: I - Os meios de
recuperação a serem empregados (entre eles concessão de prazo e condições
especiais, constituição de sociedade de credores; cisão, incorporação, fusão ou
transformação de sociedade; alteração de controle, substituição dos administradores,
aumento de capital social, venda parcial de bens, dação em pagamento, redução de
salários, usufruto da empresa); II - demonstração de sua viabilidade econômica; e III -
laudo econômico-financeiro, com avaliação dos bens e ativos do devedor, subscrito
por contador ou empresa especializada.

E obrigatoriamente contemplar: a) prazo de até 12 meses para o pagamento dos


créditos trabalhistas, inclusive os decorrentes de acidente de trabalho, vencidos até a
data do ingresso em juízo do pedido de recuperação judicial (afastadas, a nosso ver,
as indenizações milionárias); b) fixar prazo de até 30 dias para o pagamento de
créditos exclusivamente de salários, vencidos dentro dos três meses que antecederam
ao ingresso em juízo, limitados a cinco salários-mínimos por trabalhador.

O processamento - etapa em que o juiz nomeará o administrador judicial, ordenará a


suspensão de todas as ações e execuções contra o devedor e a dispensa de
certidões, a intimação do Ministério Público e a comunicação por carta às Fazendas
públicas federal, estaduais e municipais nos locais em que o devedor possuir
estabelecimento, expedição de edital, entre outros - não se confunde com a decisão
de mérito da concessão da recuperação judicial. Esta ocorrerá após o cumprimento,
pelo devedor, de todas as exigências da lei, cujo plano não tenha sido objetado por
algum credor - ou, caso tenha sido, que a assembléia geral de credores haja
apreciado, não modificado e decidido pelo seu acatamento. O plano pode ainda ser
por ela rejeitado, ocasionando a decretação da falência. A falência também será
decretada caso o devedor não ofereça as certidões negativas de débitos tributários, no
prazo de cinco dias após a juntada aos autos do plano aprovado pela assembléia geral
dos credores.

Essa situação, em nossa ótica, é o maior absurdo e conflito que a lei encampa, posto
que, se o fim colimado pelo legislador na nova lei, é o de preservar a empresa, porque
sufocá-la com a exigência das negativas desde logo? E a decretação da falência, no
que resolverá o problema? Tal exigência deve ser suprimida do plano de recuperação,
a nosso ver.

Outra novidade da nova Lei de Falências é a criação das classes de credores, em


número de três (trabalhistas, com garantia real e quirografários ou com privilégio
geral), que comporão a assembléia geral.

Para as microempresas e empresas de pequeno porte, haverá um plano especial,


menos sofisticado, e onde não será convocada a assembléia de credores, que
abrangerá os créditos quirografários, com exceção dos decorrentes de repasse oficial,
estipulará parcelamento de até 36 parcelas mensais, iguais e sucessivas, sendo a
primeira delas 180 dias contados da data da distribuição do pedido, todas atualizadas,
com juros de 12% ao ano.

Por tudo isso, mesmo que o diploma legal - que tenha por escopo proteger a empresa,
direitos dos trabalhadores, fornecedores, bancos e o fisco (estes dois últimos por seus
poderosos lobbies e sempre insaciáveis) - seja um desafio aos técnicos e aos
operadores do direito e contenha manifestas imperfeições, sua urgente aprovação
pelo presidência da República constitui-se em ato de evidente patriotismo. O uso e a
concreta aplicação do texto ensejarão as competentes adequações futuras.

Recuperação extrajudicial de micro e pequenas empresas

Na atividade empresarial não é raro algum fato imprevisto comprometer o fluxo de


caixa da empresa. Nesses casos o empresário deve e costuma negociar
individualmente a postergação dos pagamentos com cada um dos credores afetados.
Contudo, há situações em que o fluxo ou geração de caixa ficam de tal forma
comprometidos que as negociações individuais são insuficientes para a normalização
da situação do devedor. Nesses casos deve o empresário optar pela negociação em
conjunto com seus diversos credores ou grupos de credores.

A nova Lei de Falências inova neste aspecto, introduzindo em nosso ordenamento


jurídico o instituto da recuperação extrajudicial e criando a possibilidade de imposição
do plano aprovado por pelo menos três quintos dos credores de cada espécie a ele
sujeito. Tal inovação deverá coibir comportamentos oportunistas de credores
detentores de créditos, por vezes, de valores inexpressivos. Para que o juiz imponha o
plano aos credores remanescentes, a empresa deverá apresentar suas
demonstrações contábeis e a lista completa de credores. Tais requisitos têm por
objetivo dar maior transparência ao processo, permitindo a impugnação de credores,
sobretudo daqueles que não tiverem aderido ao plano. Na hipótese do plano não vir
ser homologado, o devedor poderá propor pedido de homologação de nova
recuperação extrajudicial ou recuperação judicial.

Como forma de evitar a decretação de sua falência, o devedor, independentemente do


valor de seu faturamento, poderá ajuizar o pedido de recuperação judicial, instituto
este já tratado em outro artigo desta série. Aqui convém destacar tão somente que, no
processo de recuperação judicial, as micros e pequenas empresas poderão optar pela
apresentação de um plano de recuperação com a utilização de todos os meios de
recuperação previstos na lei ou poderão propor um plano especial, mais restrito.

Trata-se de uma moratória, por meio da qual o devedor poderá pagar seus débitos em
parcelas mensais corrigidas e acrescidas de juros de 12% ao ano. A proposta de
pagamento deverá ser apresentada no prazo de até 60 dias após o deferimento da
recuperação judicial e obrigará somente os credores quirografários. O pagamento
deverá ser feito em parcelas mensais iguais e sucessivas, em um número máximo de
36 meses, sendo que o primeiro pagamento deverá ser feito no prazo máximo de 180
dias da data da distribuição da recuperação. Não há necessidade da concordância dos
credores para a concessão dessa moratória.

Optando pelo plano especial de pagamento, as micro e pequena empresas ficarão


dispensadas da apresentação de laudo econômico-financeiro e de avaliação de ativos,
dentre outros documentos. Com isto o legislador pretendeu reduzir as despesas
incorridas no processo. Convém lembrar que antes de optar pelo plano especial, o
micro e pequeno empresário deverá verificar se a projeção do seu fluxo de caixa
permite honrar suas obrigações nos prazos acima mencionados. Se não for este o
caso, deverá o devedor optar pelo plano de recuperação comum.

O devedor poderá ter sua recuperação judicial convolada em falência nas seguintes
hipóteses: quando os requisitos legais não forem preenchidos pelo devedor; quando
não for apresentado o plano, no prazo de 60 dias contados do deferimento da
recuperação; quando o plano for rejeitado pela maioria dos credores; ou, ainda, se ele
descumprir qualquer obrigação assumida no plano durante o período de supervisão
judicial.

A falência também poderá ser decretada em pedido autônomo movido pelo próprio
devedor, por cônjuge sobrevivente, qualquer herdeiro do devedor, o inventariante, o
cotista ou acionista do devedor, bem como qualquer credor. Um dos avanços da nova
Lei de Falências consiste na imposição de maiores requisitos para o ajuizamento de
pedidos de falência por credores, impedindo-se a utilização do pedido de falência
como execução sumária. Assim, o credor deverá possuir títulos protestados em valor
superior a 40 salários-mínimos para requerer a falência, permitindo-se o litisconsórcio
de credores a fim de que esse limite seja alcançado. Somente créditos passíveis de
habilitação na falência e com origem comprovada são aptos a embasar o pedido.
Finalmente, a lei manteve, sem nenhum alteração relevante, a possibilidade do
devedor ter sua falência pela prática de atos falimentares, tais como a ausência de
tempestivo depósito, pagamento ou nomeação de bens em execução movida contra o
devedor.

Ação revocatória na Lei de Falências


Por Manoel Justino Bezerra Filho

A ação revocatória na Lei de Falências (artigos 52 a 58 da lei anterior e artigos 129 a


138 da nova lei) tem por fim revogar atos de alienação de bens, determinando seu
retorno ao patrimônio do falido, para que sejam arrecadados na falência. Envolve
aspecto importante para todos que negociaram com o falido.

No sistema da lei anterior, alguns atos podem ser desconsiderados


independentemente de fraude (artigo 52); outros, para sua revogação, exigem a prova
da fraude (artigo 53). A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entende
que a anulação do ato depende de sentença em ação na qual tenha sido garantido o
pleno exercício de ampla defesa, não podendo ser reconhecida por simples decisão
interlocutória.
Já a nova Lei de Falências cria duas situações distintas, ou seja, atos ineficazes e atos
revogáveis. Os primeiros (artigo 129) podem ter a ineficácia declarada de ofício pelo
juiz (parágrafo único do artigo 129), por simples decisão interlocutória. Estes atos
estão todos previstos nos sete incisos do artigo 129, envolvendo pagamento de
dívidas, constituição de garantias, atos gratuitos, renúncia a heranças, venda de
estabelecimentos e registro de direitos reais e de transferência de imóveis; a ineficácia
independe da existência da intenção das partes de fraudar credores.

Para os atos revogáveis (artigo 130), ou seja, praticados com fraude, há necessidade
de regular sentença em ação de rito ordinário, provando-se o conluio fraudulento e o
efetivo prejuízo sofrido pela massa falida. E este efetivo prejuízo, exigência inexistente
na Lei de Falências de 1945, será um severo complicador para o êxito da ação
revocatória. Até o momento, provado o ato fraudulento, o bem volta à massa falida. Na
nova lei, além da fraude, é necessário provar o prejuízo, prova dificílima, se não
impossível. Neste ponto, a nova lei acarreta em retrocesso, que aumenta a facilidade
de acobertamento de fraudes.

Alterou-se o artigo 131 da nova lei, que excluía da possibilidade de declaração de


ineficácia alguns atos praticados na recuperação extrajudicial e na judicial. Com a
alteração, excluem-se apenas os atos quando se tratar de recuperação judicial. Na
tendência que se percebe de dificultar a declaração de ineficácia, louve-se esta
alteração, que aponta no sentido de maior rigor (ou seria menor tolerância?) com atos
danosos à comunidade de credores. No entanto, o correto seria que não houvesse
qualquer exclusão, pois contra a fraude o rigor deve ser absoluto.

Embora certamente não tenha sido intenção dos redatores da lei convalidar atos
fraudulentos, o artigo 132 da nova lei traz grande risco de impunidade ao fixar o prazo
de três anos para ajuizar ação revocatória, prazo contado a partir da sentença que
decreta a falência. A identificação de atos fraudulentos é trabalho que exige acentuada
dedicação e profunda pesquisa. Muitas vezes a indicação do ato fraudulento surge
apenas vários anos após o decreto de falência, justamente pelo cuidado de que se
cercam os fraudadores. Neste ponto, mais correta é a lei anterior, que em seu artigo
56 que estabelece o prazo de um ano, porém a contar da elaboração do quadro geral
de credores e do despacho que decidir o inquérito judicial, prazo, portanto, bastante
amplo. Mais ainda se torna injustificável a exigüidade deste prazo decadencial, quando
se vê que o artigo 132 refere-se aos atos revogáveis por fraude (artigo 130). Para os
atos previstos no artigo 129 da lei (sem fraude) não há prazo estipulado.

Disposição de admirável engenhosidade jurídica está no parágrafo 1º do artigo 136 da


nova Lei de Falências, que impede ataque ao ato de cessão em prejuízo dos
portadores de valores mobiliários emitidos pelo securitizador. Desta forma, a
blingadem do bem imóvel é absoluta, o que estimularia os investimentos no mercado
imobiliário de imóveis em construção, pois haveria garantia mesmo em caso de
falência da construtora. No entanto, tal sistema de negociação é também porta aberta
para a fraude, bastando ao devedor conluiar-se com o securitizador e celebrar com ele
uma simulação de cessão, transferindo o crédito e nada recebendo na realidade, para
futuro acerto por fora. Mais fácil ainda seria tal fraude, quando se sabe que as
securitizadoras normalmente são próximas (ou mesmo dependentes) das
construtoras. Anote-se, por fim, que o artigo 136 estabelece os direitos do réu da ação
revocatória.

Alterações do Código Tributário Nacional


Por Alcides Jorge Costa e André Fernandes

Recentemente, o Congresso Nacional aprovou dois projetos de lei, um estabelecendo


novo regime falimentar - incluídos procedimentos de recuperação judicial e
extrajudicial - e outro, de lei complementar, modificando o Código Tributário Nacional
(CTN) e ajustando este à nova disciplina legal da falência. O primeiro projeto foi
sancionado, com vetos, pelo presidente da República. Aguarda-se a sanção do projeto
de lei complementar que altera o CTN.

Neste artigo, examinam-se as alterações do CTN, a começar pelo acréscimo de


parágrafos ao seu artigo 133. O § 1º afasta a responsabilidade tributária na sucessão
empresarial nas hipóteses de aquisição de fundo ou estabelecimento arrecadado no
processo de falência e na de filial ou unidade produtiva isolada de vendedor em
processo de recuperação judicial. Com esta medida, pretende-se evitar que as dívidas
tributárias impeçam a realização do ativo e, conseqüentemente, a satisfação dos
débitos, inclusive os de natureza privada, do devedor aos quais, no processo de
falência, é dada maior importância em face dos créditos tributários.

Ao artigo 155-A do CTN, que cuida de parcelamento de débitos tributários, foram


acrescidos dois parágrafos, um dos quais dispondo que lei específica estabelecerá as
condições de parcelamento na (ou para a) recuperação judicial e o outro, que
enquanto inexistente esta lei, serão aplicadas as leis gerais de parcelamento,
estaduais, municipais e as federais, vedado, porém, prazo de parcelamento inferior ao
da lei federal específica. Estes parágrafos suscitam dúvidas. Poderá a lei
complementar determinar que Estados e municípios legislem sobre parcelamento de
créditos? E se as entidades federativas não quiserem conceder o parcelamento de
seus créditos? Será possível que lei complementar fixe um número mínimo de
parcelas?

Conforme o artigo 174, parágrafo único, I, do CTN, em sua redação original, a


prescrição interrompia-se pela citação pessoal do devedor. A lei nº 6.830/80 havia
disposto que a prescrição se interrompe não pela citação, mas pelo despacho do juiz
que a ordenar; a jurisprudência afastou a aplicação deste dispositivo porque lei
ordinária não podia alterar o que determinava o CTN, que é materialmente lei
complementar. Agora, o artigo 174, parágrafo único, I, do CTN foi alterado, tendo-lhe
sido dada redação idêntica à da nº lei 6.830.

Cremos que aumenta a insegurança do contribuinte com um ato de interrupção da


prescrição de que só tem conhecimento mais tarde. De resto, a nova redação vai em
direção contrária às demais alíneas do mesmo parágrafo único. Nelas, a interrupção
da prescrição ocorre sempre por ato de imediato conhecimento do contribuinte.

O artigo 185 do CTN presumia fraudulenta a alienação ou oneração de bens do falido


por crédito tributário regularmente inscrito como dívida ativa em fase de execução. A
nova redação suprime a cláusula "em fase de execução", afastando assim as dúvidas
que ela ensejava. Repete-se aqui a crítica feita à alteração do artigo 174, ou seja,
amplia-se a insegurança do contribuinte.

O artigo 186 do CTN também foi alterado. De acordo com sua nova redação, o crédito
tributário continua a preferir a qualquer outro, ressalvados os créditos trabalhistas, mas
agora também os decorrentes de acidentes do trabalho. Abrem-se, porém, exceções a
esta preferência: na falência, o crédito tributário deixa de preferir aos créditos
extraconcursais ou às importâncias passíveis de restituição, bem como aos créditos
com garantia real, no limite do bem gravado. Da mesma forma, a multa tributária
prefere apenas aos créditos subordinados; com este dispositivo fica, porém, claro que
a multa é exigível no processo falimentar.

Os artigos 187 e 188 são apenas uma adequação de seu texto à nova lei falimentar, o
mesmo acontecendo com o artigo 191.

O artigo 191-A, agora acrescido ao CTN, diz que a concessão de recuperação judicial
depende da apresentação da prova de quitação de todos os tributos, observado o
disposto nos artigos 151, 205 e 206 do CTN. Aparentemente, o dispositivo criaria uma
situação paradoxal: quem requer a recuperação tem fundadas razões - como as tem o
juiz que a defere -- para crer que a continuação da empresa lhe proporcionará os
meios para solver seus débitos, inclusive os tributários.

Mas a concessão da recuperação dependeria do pagamento dos mesmos débitos


tributários, tornando assim impossível obtê-la. O nó se desfaz se se atenta para o fato
de que o parcelamento suspende a exigibilidade do crédito, como dispõe o artigo 151,
VI. Desfaz-se em parte, uma vez que a recuperação terá como pressuposto a
obtenção de parcelamento de todos os débitos tributários, aí incluídos os estaduais e
municipais. Em virtude da autonomia de que gozam, Estados e municípios não podem
ser forçados a conceder parcelamentos, sendo até discutível se, em os concedendo,
devem obedecer a um número de parcelas não inferior ao previsto em lei federal.

Foi ainda acrescentado ao CTN um artigo, o 185-A, que nos executivos fiscais em que
o devedor não ofereça bens à penhora nem bens sejam encontrados, permite seja
determinada a indisponibilidade dos bens do devedor.

Por último, o artigo 3º do projeto de lei complementar trata de assunto desvinculado da


reforma falimentar. Ele diz que o artigo 168, I, do Código Tributário deve ser
interpretado como se a extinção do crédito tributário ocorresse nos tributos sujeitos a
lançamento por homologação, no momento do pagamento antecipado.

O objetivo é evidente: pretende-se solucionar dúvida jurisprudencial sobre o prazo de


prescrição da ação de repetição de tributos sujeitos a lançamento por homologação.
Como a norma é expressamente interpretativa, ela terá aplicação aos fatos geradores
já ocorridos e aos processos em curso.

Restituição de créditos na nova Lei de Falências


Por Luiz Augusto de Souza Queiroz Ferraz

Quanto à restituição não se prevê na recuperação judicial, ao contrário do que ocorre


na concordata, cabendo ao credor não sujeito aos seus efeitos, utilizar-se dos
recursos previstos no Código de Processo Civil, no artigo 75, da Lei n º4.728 de julho
de 1965, e demais leis específicas na defesa de seus direitos. Assim, a restituição só
será admitida na falência, conforme artigos 85 a 93 da nova lei, nas hipóteses lá
previstas. Todavia, no tema uma grande inovação: o parágrafo único, do artigo 86, pois
a restituição em dinheiro só se viabilizará após o pagamento dos créditos trabalhistas
de natureza estritamente salarial, vencidos nos três meses anteriores à decretação da
quebra, até o valor de cinco salários-mínimos por trabalhador, que serão pagos de
imediato havendo dinheiro em caixa, como previsto no artigo 151.

Pode-se imaginar, assim, que certamente um credor com direito à restituição em


dinheiro, opte por pagar o valor de cinco salários-mínimos por trabalhador, para
receber a sua restituição em dinheiro imediatamente, de uma importância muito mais
elevada, portanto, compensando o "sacrifício". Porém, sujeitando-se a eventual rateio
ou compensação futura com os demais credores pela diferença antecipada aos
credores trabalhistas. Sem dúvida uma novidade.

Por sua vez, a classificação dos créditos na falência, sofreu alterações relevantes, pois
sua preferência foi modificada em relação a atual Lei de Falências, no tocante aos
créditos trabalhistas, fiscais e privilegiados, que agora são assim classificados,
segundo o artigo 83, da nova lei: primeiro trabalhistas (mas somente até 150 salários-
mínimos -o saldo é considerado quirografário - letra c, inciso VI, do art. 83); 2º créditos
com garantia real (neste ponto atendendo aos reclamos do sistema bancário, com a
"promessa" na redução dos "spreads"- II, do art. 83); 3º créditos tributários - inciso III,
do artigo 83 (mas sem as multas, agora consideradas quirografárias - inciso VII, do art.
83) e em seguida os com privilégio, especial, geral, quirografários e subordinados.
Sem dúvida alterações de relevo.

Anote-se que os créditos trabalhistas cedidos a terceiros serão classificados como


quirografários, para desespero de alguns "pescadores de águas turvas" - § 4º, inciso
VIII, do artigo 83. Ademais instituiram-se duas novas categorias: créditos
extraconcursais, que serão pagos antes dos acima mencionados: remuneração do
administrador judicial e seus auxiliares, obrigações trabalhistas e acidentárias, por
serviços prestados depois da decretação da quebra, quantias fornecidas à massa
pelos credores, despesas com arrecadação, custas judiciais e obrigações por atos
jurídicos válidos, quer os praticados durante a recuperação judicial, transformada em
falência, ou mesmo após a decretação. Ainda, quem tornar-se credor durante a fase
de recuperação (fornecimentos de matéria prima, constituição de mútuos etc), também
será extraconcursal com privilégio geral, como previsto no artigo 67, § único. E por
último, os credores subordinados: créditos dos sócios e administradores, sem vínculo
empregatício, suscitando dúvidas com o conceito de extraconcursais deste artigo, pois
desestimularia o empresário a financiar a sua própria recuperação judicial, porque se
decretada a quebra, seu crédito seria classificado como subordinado. Entendemos que
a leitura será a seguinte: se a falência não tiver sua origem em anterior recuperação
judicial ou mesmo extra judicial seu crédito será subordinado, mas na hipótese
contrária, ninguém melhor do que o próprio devedor para conhecer o seu negócio, e
se para salvá-lo com boa-fé aportar numerário, merece a classificação de
extraconcursal. O contrário seria um verdadeiro paradoxo em desfavor da recuperação
da empresa, sem dúvida o princípio filosófico que a motivou. É óbvio. Estas as
resumidas considerações sobre os temas abordados.

Aspectos do plano de recuperação judicial


Ricardo Tepedino

A situação de crise econômico-financeira é o estado patológico da empresa. A


recuperação judicial ou extrajudicial é o meio pelo qual se administra o remédio, que é
justamente o plano de recuperação. Nele consiste o tratamento com o qual se espera
alcançar a cura da doença. A nova lei não trouxe, no que concerne às modalidades de
planos à disposição da empresa em crise nenhuma novidade. E nem poderia: essas
estruturas decorrem menos de concepções "bacharelescas" do que das necessidades
empresariais. O jurista dá forma ao plano, mas as necessidades da empresa lhe ditam
a essência. Assim, a nova Lei, no seu artigo 50, limita-se a oferecer exemplos de
medidas que podem ser empregadas na concepção de um projeto de recuperação,
sem pôr limites à imaginação, costumeiramente fértil diante das exigências do caso
concreto. E os meios cogitados no texto legal, numa relação de cunho didático, são
aqueles praticados há muito tempo em todo o mundo. Inclusive no Brasil, apesar das
dificuldades decorrentes da falta de uma legislação moderna, a qual permita a
dominação das indefectíveis minorias que, por esperteza ou teimosia, sempre se
mostram refratárias à reestruturação proposta, seja ela qual for.

Eis aí o formidável mérito da nova ordem legal: como já se faz em tantos países, dar à
empresa em crise uma via legal para discutir um projeto para o seu salvamento,
fundindo a vontade da maioria dos credores, a qual se imporá à minoria, que, assim,
perderá poderoso instrumento de pressão (por vezes de chantagem) sobre o devedor
e demais credores. Acertou também o Congresso quando, desviando-se das primeiras
versões do projeto, que atribuía ao juiz o poder de decidir acerca do plano proposto,
conferiu à assembléia de credores a competência para deliberar sobre ele. As
vantagens são evidentes: ao contrário dos credores, um magistrado não costuma ter
intimidade com "business plans", o que faz dele um péssimo árbitro sobre a viabilidade
do projeto.
Embora sem nenhum critério científico, é possível dividir os planos de recuperação em
duas grandes espécies: aqueles a empresa permanece sob controle dos mesmos
empresários, e os que dependem do ingresso de um novo controlador - o que, ao cabo
das contas, significa venda do negócio. A primeira hipótese é menos encontradiça na
prática: normalmente se faz necessário algum dinheiro novo, e nem sempre o
acionista quer ou pode arriscar mais recursos, para não falar no compreensível
desgaste dele perante a comunidade de credores. Aliás, pensando nisso a nova Lei
prevê possam os credores impor a substituição dos administradores, numa autêntica
intervenção.

Com ou sem novo controlador, todas as estruturas se tecem a partir dos mesmos
esquemas previstos no artigo 50, adiante referidos: reestrutura-se o endividamento,
mediante a alteração de suas condições, inclusive com a concessão de deságios (o
hair cut). Se houver dinheiro novo para reforço de capital de giro ou mesmo para
amortização da dívida, entrará ele através do aumento de capital ou da venda de parte
dos ativos, sem prejuízo da infreqüente concessão de novos financiamentos pelos
credores. A conversão de dívida em capital da sociedade devedora (ou capitalização
dos créditos) não costuma ocorrer como uma solução final (geralmente os credores,
especialmente bancários, não querem se tornar acionistas), mas sim como uma ponte
para a venda da companhia a terceiro.

De regra, a reestruturação societária acompanha a dos passivos. Dentre as


operações, há uma de presença quase obrigatória, embora não prevista na Lei das
S.A: aquela que ficou conhecida como "drop down". Consiste na criação de uma
subsidiária, para a qual se verte o próprio estabelecimento comercial. Desse modo, a
subsidiária passa a contar com bens corpóreos e incorpóreos de sua acionista, pondo-
os a serviço da atividade empresarial antes desenvolvida através dela, agora isolada
do passivo que a sufocava, o qual remanesce com essa última, mas garantido pelas
ações ou quotas do capital da primeira. As vantagens dessa operação são muito
evidentes: não correndo o risco de falência, mas apenas o de pertencer a uma
sociedade falida, melhor se haverá nos negócios, assim como mais facilitada ficará a
venda da unidade produtiva, se for esse o caso.

A assembléia geral de credores na nova lei


Por Rachel Sztajn

A aprovação da nova disciplina referente às empresas em crise - a nova Lei de


Falências - constitui ponto de inflexão no trato da questão, na esteira das legislações
européias recentes em que se visa preservar o negócio ao invés de liquidá-lo. Todavia,
para garantir a continuidade da atividade econômica impõe-se tanto a avaliação da
viabilidade econômica do negócio quanto sua aprovação pelos credores, interessados
que são em receber seus créditos, seja mediante a concessão de prazo de
pagamento, pelo abatimento do valor da dívida ou em virtude do rateio resultante da
venda de ativos.

É certo que a nova lei altera os modelos de solução da crise da empresa vigentes no
país, em que credores têm pouca - se alguma - participação no procedimento judicial,
quer quanto à concordata quer quanto à decretação da falência. Não que se retorne à
situação anterior à entrada em vigor do Decreto-lei nº 7.661/1945, em que credores
aprovariam, ou não, a concessão de prazo para pagamento das obrigações do
comerciante no caso de iliquidez. O sistema ora proposto é outro e, supõe-se, mais
eficiente.

Quanto à assembléia geral de credores - o colegiado integrado por todas as classes


de interesses afetados pela crise da empresa -, observa-se que a democratização da
deliberação não implica votos por cabeça. A importância da assembléia está em que
reúne pessoas que, embora tenham interesses individuais que podem ser diversos,
têm, também, interesse comum - o recebimento de créditos que, dependendo do plano
de recuperação da empresa, poderão ser integralmente pagos se for viável a
continuidade da empresa. Esta a decisão básica que compete à assembléia de
credores.

A nova lei prevê que, se houver plano de recuperação do negócio aprovado por
maioria dos credores, a atividade deve ser preservada. A inviabilidade da continuidade
das atividades é, desde logo, motivo para a liquidação da empresa. O período de
agonia da empresa em crise, que se espraia sobre os credores, deixa de existir.

Cabe indagar porque, no que diz respeito a manter as atividades, se abandonar o


sistema de favor legal, como na concordata ou no caso do artigo 79 do Decreto-lei nº
7661/1945, passando a decisão, em larga medida, para credores.

Empresa é negócio econômico desenvolvido em mercados e, por isso, vários são os


centros de interesse envolvidos. O titular da empresa é o mais evidente, conquanto
não se possa desprezar os interesses dos trabalhadores, de credores, consumidores
dos produtos e/ou serviços ofertados e do fisco ou da sociedade em geral. Por isso
que a continuidade da empresa deve ser analisada sob a ótica econômica. Daí que se
pense na assembléia de credores como o foro em que seja debatida a viabilidade
econômica da empresa, o interesse em mantê-la, desmembrá-la ou simplesmente
liquidá-la.

A quem considere que o interesse social deve preponderar nessa avaliação, lembra-se
a irrazoabilidade de se impor aos particulares riscos econômicos extraordinários,
assim como inadequado transferir aos particulares o interesse social, no sentido de
interesse público, uma vez que este é atribuição do Estado. Não convém estimular ou
manter atividades econômicas inviáveis porque o custo social que recai sobre a
sociedade beneficia alguns poucos.

A disciplina da preservação da atividade econômica das empresas em crise dá à


assembléia geral de credores fundamental papel, porque cabe a ela a escolha entre
manter ou não o negócio, e em que condições operacionais, se mantido. O sistema
assemblear, bem conhecido de todos porque usual na tomada de decisões quando
mais de duas pessoas devem manifestar-se, e a regra da maioria, tanto por cabeça
quanto por outro critério, prescinde do consenso para impor-se a todos. Quando se
trata de questões econômicas, em geral o critério de formação da maioria está ligado
ao interesse patrimonial em questão.

A solução da nova lei é dada pela classe de credores. Vale dizer, se duas das três
classes de credores, por maioria, aprovarem o plano, e uma delas o aprovar por mais
de um terço dos credores, desde que, no total, haja aprovação de mais de metade dos
créditos, o juiz poderá aprovar o plano. Retoma-se o critério patrimonial para cômputo
das maiorias.

A assembléia deliberará validamente desde que presentes, em primeira convocação,


credores titulares de mais da metade dos créditos computados pelo valor. Em segunda
convocação com qualquer número. Esta segunda convocação, entretanto, nem
sempre poderá ineficazmente deliberar por conta do quórum de aprovação mínimo se
houver discordância de uma das classes de credores presentes, sem considerar o fato
de que a supressão de direitos exige aceitação da maioria dos afetados. Dado que nas
deliberações de interesse exclusivo de cada classe somente seus membros poderão
votar, quanto maior o porcentual de créditos presentes à reunião mais representativa
dos interesses da maioria será a deliberação tomada.

O legislador foi prudente quando excluiu da formação da maioria certos credores,


partes relacionadas ao devedor, supondo conflito de interesses, o que dá maior
legitimidade às deliberações. Assim, a assembléia geral de credores, além de ser foro
de discussão, auxilia o juiz na apreciação dos interesses de pessoas que têm
pretensões creditícias exercitáveis contra o empresário em crise.

Críticas à disciplina da assembléia geral de credores não invalidam o esforço


legislativo no sentido de se preservar empresas economicamente viáveis mediante o
envolvimento dos credores no processo. Aperfeiçoamentos à lei poderão ocorrer se
ficar demonstrado haver comportamentos oportunistas que venham a prejudicar o
escopo da reforma - a preservação da atividade econômica. Apenas não se deve
impor à comunidade o ônus de suportar negócios inviáveis.

Poder de decisão e voto decisivo na assembléia geral de credores


Por Luis Cláudio Montoro Mendes e Felipe Ribeiro da Luz Camara

A intenção do legislador em proteger a classe dos empregados, quando da elaboração


da nova Lei de Falências, pode ter dificultado o acesso das empresas à recuperação
judicial. Isso porque a empresa em dificuldades que ajuizar seu pedido de recuperação
judicial terá que obter a aprovação dos termos de seu plano de recuperação de todos
os seus credores, os quais, conforme a nova lei, estarão divididos em três classes
distintas, a saber: a classe dos credores quirografários e com privilégios gerais; a dos
credores com direitos reais de garantia ou privilégios especiais; e, finalmente, a classe
dos credores trabalhistas.

Conforme estes dispositivos da nova Lei de Falências, a classe dos credores


trabalhistas foi privilegiada, tendo sido a ela resguardado o poder da decisão quando
da recuperação judicial, tanto pela classe figurar como a primeira em preferência na
ordem de recebimento dos créditos na falência como por meio da contagem de votos
que, nesta classe, se faz apenas por cabeça.

Mesmo que a empresa em recuperação judicial seja obrigada a pagar a seus


empregados, no prazo máximo de 30 dias da aprovação do plano, os valores devidos
de natureza salarial e que tenham vencido nos três meses anteriores ao ingresso do
pedido, até o limite de cinco salários-mínimos, acabam restando outros créditos que
fornecerão a esses credores trabalhistas grande força em uma assembléia geral de
credores.

Ademais, não haverá empresa que arrisque ingressar em uma assembléia de credores
com uma proposta que venha a postergar o pagamento dos créditos trabalhistas, até o
limite legal de um ano, sob pena de desagradar a classe mais poderosa de seus
credores, que não se furtarão em votar contrariamente à aprovação do plano de
recuperação, voto que será contado por cabeça, portanto não influindo o montante e
nem a relevância dos créditos.

Se o voto por cabeça sobreveio da intenção original de resguardar os próprios


integrantes da classe trabalhista, evitando que aqueles que detivessem créditos
maiores viessem a prejudicar os demais, esta previsão acabará por criar disparidades
dentro da própria classe, acarretando na possibilidade de veto dos planos de
recuperação que não sejam profundamente benéficos aos interesses individuais dos
titulares destes créditos, pois os mesmos pouco têm a perder com o naufrágio do
plano, dado que serão os primeiros a receber na eventual falência da empresa.

Ainda que queiram manter seus empregos, pelo fato de a aprovação do plano de
reorganização implicar necessariamente na novação dos créditos, os detentores de
créditos trabalhistas podem não se sentir adequadamente incentivados a aprovar um
plano, ainda que benéfico, por receio de ficarem para trás em uma eventual liquidação.
Mesmo que o texto da nova Lei de Falências limite o valor da preferência a 150
salários-mínimos, uma empresa que possua muitos empregados ou que tenha uma
pequena reserva quando do ingresso do pedido de recuperação judicial deverá
ponderar com muito cuidado tal questão, para não ser surpreendida ao final do
processo.

A alternativa trazida pela nova lei é um formato assemelhado e mais simplificado do


instituto do "cram-down" previsto no Chapter 11 da Lei de Falências americana - que
trata da reorganização da empresas -, onde o juiz pode aprovar o plano mesmo que
este não conte com o quórum necessário para tanto. No formato estrangeiro, tendo a
empresa cumprido outras condições além das normais, deve-se observar um
percentual mínimo de aprovações de participantes e valores.

Em nosso sistema, o juiz deverá observar alguns requisitos de forma cumulativa,


sendo eles: o voto favorável de credores que representem mais da metade do valor de
todos os créditos de credores presentes à assembléia, independente de classes; a
aprovação de duas das classes de credores ou, caso haja somente duas classes, a
aprovação de uma delas; e o voto favorável de mais de um terço dos credores da
classe que rejeitou o plano de recuperação.

Ocorre que este modelo também não salvaguarda perfeitamente as pretensões da


empresa em crise, pois ela terá que contar com a sorte de possuir ao menos o quórum
mínimo para que se possibilite a aprovação pelo juiz e convencer este último das suas
condições de recuperação para que o plano seja aprovado. Assim, sem que haja
alarde ou que a maioria perceba, a nova Lei de Falências presenteia os credores
trabalhistas com o poder do voto decisivo.

Crime falimentar na nova Lei de Falências


Roberto Podval e Paula Kahan Mandel Hakim

A nova Lei de Falências parece ter dado pouca importância ao seu aspecto penal. Se
as leis são o retrato da sociedade e esta clama por penas mais duras, na esperança
de encontrar seu apaziguamento, caímos na armadilha exposta por Oscar Wilde: "A
forma e crítica mais elevada, como a mais baixa, é um gênero de autobiografia. (...) A
arte reflete o espectador e não a vida." (WILDE, Oscar, O Retrato de Dorian Gray, SP:
Martin Claret, 2004, prefácio do autor, página 13).

A nova lei falimentar, em gestação no Congresso Nacional por mais de dez anos,
visava corrigir e atualizar o Decreto-lei nº 7.661, de 1945, mas acabou por criar uma
desproporcionalidade entre condutas e sanções, e entre suas disposições e o sistema
penal brasileiro como um todo. Analisemos o artigo 168 da nova lei, que tipifica a
conduta "fraude a credores" nas modalidades ali descritas. A pena cominada da lei é
de três a seis anos de reclusão, possibilitando ainda aumento de um sexto a um terço
nas hipóteses narradas.

Interessante analisar a desproporcionalidade da pena do caput em relação a outros


crimes descritos no Código Penal. A título de exemplo, a lesão corporal grave é punida
com um a cinco anos de reclusão no código, isso nos casos em que suas
conseqüências resultam, dentre outros, debilidade permanente de membro, sentido ou
função. Como se vê, continuamos tratando desproporcionalmente os bens jurídicos,
valorando mais o patrimônio do que a integridade física e até a vida.

Entendeu-se também por punir de forma mais gravosa os crimes falimentares do que
o estelionato e outras fraudes. A impressão que se tem é que determinaram as penas
não em função da reprovabilidade das condutas, mas para fugir dos benefícios que
poderiam ser aplicados em se tratando dos juizados especiais criminais. Via de regra,
os atos supostamente criminosos praticados no âmbito falimentar não trazem
periculosidade, sendo a esfera das mais adequadas para a aplicação da chamada
Justiça consensual.

Outro exemplo de desarrazoada desproporcionalidade pode ser encontrado no artigo


177, cuja conduta "violação de impedimento" tem pena de dois a quatro anos de
reclusão. É crime próprio, dirigido a juízes, representantes do Ministério Público,
gestores e administradores judiciais, peritos, avaliadores, escrivães, oficiais de Justiça,
enfim, a funcionários públicos no sentido estrito, ou aos agentes que exercem funções
que lhes possibilite ser considerados como tais nos termos do artigo 327 do Código
Penal.

Justamente por tutelar, além das relações do comércio e do patrimônio, a


administração pública, esta conduta teria justificativa para uma incriminação mais
rígida que as demais. Ao contrário do falido, os agentes mencionados são dotados de
uma expectativa de postura muito mais severa. O dever de moralidade é inerente aos
mesmos, diferentemente do que ocorre com o particular. Este último tem o dever de
respeitar a lei e, em não o fazendo, deve sofrer as sanções legais. Já o funcionário
público tem uma prévia expectativa de moralidade que não lhe pode ser subtraída.

A conduta tipificada no artigo 178 - "omissão dos documentos contábeis obrigatórios" -


é curiosa. O legislador visa punir, em um mesmo crime, a ausência de elaboração,
escrituração e autenticação de documentos de escrituração obrigatórios (vale dizer,
livro diário e livro registro de duplicatas, para as atividades que demandem a emissão
desses títulos).

Desde a década de 40 juristas e magistrados se voltaram contra a criminalização de


"administrativismos" da lavra do artigo 186 do Decreto-lei 7.661/45 (deixar de levar os
balanços à rubrica judicial). E qual não é a surpresa ao vermos a incriminação repetida
na nova lei. É de se notar que continuamos carregando o peso da burocracia de
nossos descobridores. Já passou da hora de abrandarmos essas regras que em nada
contribuem para a seriedade das relações comerciais. Nos atreveríamos a dizer que o
excesso de burocracia não só não contribui como atrapalha nosso desenvolvimento.

Tratou-se, portanto, com desdém a seara mais importante, já que pode levar
indivíduos ao encarceramento. Salutar seria que um grupo de juristas especializados
na área de direito penal falimentar fosse chamado para trabalhar tais aspectos nessa
nova Lei de Falências. Já que tanto tardou, esperava-se que não falhasse.

Se o intuito do legislador era imprimir uma evolução com a nova Lei de Falências,
adaptando a incriminação à atualidade e, conseqüentemente, afastando da incidência
do direito penal as condutas meramente administrativas, tudo o que a sociedade
ganhou foi uma legislação com redação gramatical mais moderna, mas ainda
defeituosa. O retrato de nossas imperfeições!

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