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Ao percurso - período heróico, chegada ao poder, crise, rejeição, crítica ontológica - completa-
se esta seqüência acrescentando-se uma releitura e reapropriação que definem uma nova
relação, menos fóbica, com a já não tão “incômoda” herança da modernidade. Esta nova
relação passa pela reavaliação da concepção do objeto arquitetônico e o pensamento do
urbano, referentes à questão da linguagem formal-espacial, à conceituação da idéia de
ordem, e à interpretação do “corpo” arquitetônico.
Se antigamente a cidade era o mundo e hoje o mundo é uma cidade, como diz Lewis
Mumford, para atuar neste novo cenário é necessário o auxilio de novos conceitos (tais como
o de rizoma, espaço liso-espaço estriado, não-linearidade, estruturas de não-equilíbrio,
espaço topológico, etc.) visando dar conta de fenômenos provocados pelo capitalismo em
estado turbilhonar, para o qual as antigas noções de escala, medida e proporção já não são
suficientes.
No aspecto urbano verificam-se hoje numerosas iniciativas, nos mais variados países, com o
objetivo de melhorar a qualidade de vida por meio da ênfase na revitalização do espaço
público como meio de “lugarizar” a cidade. Isto é, de reforçar a singularidade de cada
localização e das características culturais locais como contrapartida ao processo geral de
“globalização”, através da revitalização das áreas centrais, da criação de novos espaços de
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participação e convivência, e da introdução de “germes de urbanidade” nas extensas
periferias.
Na América do Sul, várias intervenções realizadas nestas duas últimas décadas oferecem uma
rica base de referência para novas iniciativas.
Buenos Aires se encontra num momento do seu processo metropolitano no qual se discute a
reconversão, complementação e atualização tecnológica de suas infra-estruturas urbanas
obsoletas e, junto com isto, a mobilização e colonização das suas “periferias centrais”. A
questão da forma do espaço público e da arquitetura como determinante da identidade da
cidade, está no centro dos estudos, projetos, debates e realizações. Indo contra a
globalização de todo espaço como mercadoria, isto é, contra a idéia de um “espaço público-
espetáculo” que converte a cidade em uma “Celebration City” ou num “fast food plaza”, o que
se propõe é o tratamento urbano das grandes peças de infra-estrutura, junto com a re-
identificação dos cenários locais (centralidades de bairros) capazes de atuar como focos de re-
significação urbana, pensando a cidade como uma rede espacial na qual se intervém desde
espaço público considerado como elemento ordenador.
Em Rosario, na Argentina, a arquitetura urbana pública contemporânea conta com uma sólida
massa crítica de reflexões teóricas e metodologias, através de um estreito vínculo entre o
ensino na Faculdade de Arquitetura e as intervenções públicas. Quase quinze anos de atuação
urbanística municipal continuada, permitiram a reconstrução do sistema público da cidade
onde os projetos de arquitetura e “land architecture” assumiram um papel fundamental.
Como disse Oriol Bohigas com respeito ao projeto para o Parque Espanha, “foi a nossa
primeira encomenda fora do meu país; esta preocupação pela abertura da cidade ao rio (e ao
mar) começou em Rosario e depois a temos também concretizado em Barcelona e outras
cidades. É uma linha que aqui foi intuída prematuramente e que neste momento é a
preocupação de todas as cidades”.
Nos últimos anos, o tratamento das superfícies, incluindo as “peles” de revestimento dos
edifícios, passou a receber uma atenção crescente como meio de relacionamento e de
inserção no entorno, deslocando a atenção dada anteriormente ao “lugar”. Cada sítio
específico de atuação implica agora empírica, histórica e intelectualmente, um ponto de
partida diferente para cada projeto. A expressividade semiótica perde importância dando
lugar a um tratamento abstrato da “caixa” arquitetônica, seja na versão “translúcida” de Peter
Zumthor, na versão “brilhante” de Frank Gehry, na versão colorida e “fractile” de Daniel
Libeskind, na versão “contrastada” (contraponto entre opacidade, transparência e
translucidez) de Toyo Ito, na versão “texturizada” de Herzog e de Meuron (sede vinícola em
Napa Valley) ou ainda nas versões tipo “silk-screen” de arquitetos como Jean Nouvel, Francis
Soler, ou Iñaki Abalos e Juan Herreros, entre outros. Nestes últimos evidencia-se uma
retomada do interesse no tratamento das superfícies no seu aspecto “figurativo” (quando o
ornamento se transforma em textura, perdendo a tridimensionalidade e virando “tatuagem”)
na linha de uma releitura das experiências realizadas por Mies no Pavilhão de Barcelona,
edifício que continua ocupando o lugar de obra prima da arquitetura moderna, ainda pleno de
ressonâncias 8.
Paira no campo da arquitetura uma oscilação entre duas posições extremas e igualmente
negativas: a aceitação sem discussão do que vem de fora autorizado pelas “publicações”, e o
acovardamento na análise e julgamento de propostas que fujam do consensual, do “gosto
médio”, de um medíocre “profissionalismo”. É neste campo da linguagem onde deverá se
travar ainda uma luta profunda para a abertura de novos rumos a partir de uma posição
intelectual e de responsabilidade cultural muito mais aberta e ao mesmo tempo consistente,
capaz de explicitar os princípios referenciais.
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Vista aérea Vidigal
Sabemos que a arte (e a arquitetura enquanto arte) não é apaziguadora e não é sua função
suavizar os conflitos. Ela deve mostrar o que deve ser exposto e fazer o que deve ser feito,
sem buscar agradar a ninguém. É necessário construir conexões (maiores ou menores) com
os movimentos do mundo, e não buscar se adequar a elas.
Nesta fase do capitalismo, é mais imperioso ainda considerar os efeitos dos “investimentos”
sobre o ambiente em todas as suas conseqüências e extensão, no sentido de incluir as
variáveis “eco” tanto nas análises não só da relação custo-benefício quanto das
transformações (negativas e positivas) a serem impostas a um determinado entorno.
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atitude de imersão ou elevação em relação ao que está contíguo ou próximo, a escolha de
aproximações ou afastamentos, de pontos de observação e de comparação, são operações
produtoras de sentido que marcam a vontade de independência ou de relação com o
contexto, segundo cada caso. Isto mostra um novo estatuto na leitura fenomenológica do
contexto na direção de uma maior conectividade, de uma maior interatividade entre os
edifícios e o entorno.
Esta topologia conectiva busca criar as condições de captura de ordens espaciais potenciais
contidas nas paisagens urbanas contemporâneas, tornando mais aguda a consciência da
especificidade de cada enclave, provocando diferenciação mediante o manejo das
intensidades 11.