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Entra aqui a noção de crença proposta pela filosofia. Para a filosofia, as crenças são estados
mentais com conteúdo, ou intencionais, que estão dirigidos para fora da mente (Miguens,
2003). Segundo a ideia anterior da convicção da existência do objecto percebido (eu acredito
naquilo em que acredito), as crenças comportam também uma pretensão de verdade em
relação ao seu conteúdo.
As crenças são matéria da cognição: não se observam via directa, mas podem ser inferidas
indirectamente através da observação das acções.
Ao situar as crenças no domínio do cognitivo, novamente não se quer com isto dizer que são
do domínio do cerebral. Segundo o modelo de descrição das perturbações do
desenvolvimento de Morton e Frith (1995) o cognitivo são as teorias que preenchem o hiato
entre os outros dois níveis de análise: o biológico e o comportamental. É no cognitivo que
reside a interpretação das acções. Por outro lado, afirmar que o cognitivo não é da ordem do
biológico não é de todo pressupor que as crenças e a cognição não têm correlatos biológicos
ou físicos. Quer-se antes dizer que as crenças são produto complexo de um conjunto
alargado de processos que podem ser individualmente descritos, mas cuja totalidade
complexa não pode ser fisicamente observada, nem derivada.
Traduzir fisicamente os fenómenos psicológicos resulta numa perda deles. Como diz Morton,
“There will be neither causal adequacy nor descriptive adequacy at the biological level. With
behaviour and no cognition one cannot get a proper story. With biology alone there will be no
story at all”.
Neste sentido, as crenças cumprem também a função de seleçcão dos estímulos sensoriais a
processar, o que por sua vez resulta na modelação das acções humanas.
No mundo social as crenças têm a função de nos permitir compreender e inferir a acção dos
outros. Na literatura psicológica a noção de crenças está associada à capacidade de atribuir
estados mentais a si próprio e aos outros ou ter uma teoria da mente a que se chama no
inglês mentalising (Leslie, 1987). É esta capacidade de aceder à mente dos outros que nos
permite entender e situarmo-nos no mundo social. Estamos pois face a um campo de
subjectividades que coincidem e desembocam num campo de intersubjectividade comum,
que é da ordem da cognição social.
Numa perspectiva desenvolvimental, as crianças adquirem inicialmente representações da
realidade, e num plano posterior não só são capazes de representar a realidade como
também construí-la porque desenvolvem a capacidade de inferir aquilo que as outras pessoas
pensam e querem comunicar. Como diz Frith, as representações trazem o mundo à mente
(2003).