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PAOLO CRISTOFOLINI

Spinoza e a Alegria1

Com esta comunicação desejo apresentar os temas centrais de uma pesquisa que tenho em curso sobre a
imaginação e a alegria na filosofia de Spinoza. Estes temas demandam uma individuação em sua tensão
dilemática e dinâmica: cada questão representa mais de uma face (normalmente, duas faces e duas direções
de desenvolvimento e solução). Trata-se, logo, de trabalhar sobre dicotomias, e de não se deixar, nem mesmo
por um instante, afastar da imagem do espinosismo como hortus conclusus2: imagem que ainda se manifesta
como um dos perigos ocultos mais freqüentes, sobretudo para os interpretes que encaram os temas da
beatitudo, da acquiescentia, e do amor Dei intelectuais.

1. Questões Terminológicas
Afetos. No tratamento dos três principais affectus (cupiditas, laetitia e tristitia3) o latim de Spinoza foge
constantemente de qualquer expressão que possa sugerir referência a uma vida emocional e sentimental.
Esses são, para Spinoza, três dinamismos peculiares do homem. O primeiro, constitutivo da essência
humana em si mesma, os outros dois, constitutivos do aperfeiçoamento ou da degradação de tal essência.
São considerados, parece-nos, dissonantes e não aceitáveis, uma série de traduções da palavra affectus,
reafirmada por intérpretes muitos autorizados, que levam naquela direção v.g.: “sentimento” (Guzzo),
“sentiment” (Alquié), “Gefühl” (Höffding), “feeling” (Joachim). Embora com os problemas que geram as
traduções que, simplesmente, reproduzem o termo affectus, permanecem sendo as mais corretas
tecnicamente.
Alegria. O par dos opostos laetitia-tristitia reproduz, em termos idênticos, na Ética, aquela contida nas
Passions cartesiana traduzidas para o latim, como já fora demonstrado por Wolfson. Em francês, Descartes
havia escrito “joye”, mas para passar para o latim, a mudança de étimo era inevitável. A língua italiana pode,
neste caso, gabar-se de uma riqueza lexical superior à do latim e do francês, dispondo seja do fraco “laetizia”
(letícia), seja do forte “gioia” (alegria). Podendo escolher, nós nos distanciaremos daqueles tradutores e
intérpretes que preferem copiar os termos latinos, e por dois motivos traduziremos laetitia por “gioia”
(alegria). Primeiro: porque assim fazendo nos parece ficar melhor amarrada a continuidade com a
problemática cartesiana; segundo: porque aquela de que se trata é uma paixão dominante, a qual bem se
adequa uma expressão forte.

2. Relação com Descartes e com o estoicismo. Primeiras dicotomias


Falemos de continuidade e de tensão com relação ao cartesianismo. Spinoza, de fato, ao tratar destes temas,
tem, em comum com Descartes, seja a posição central acordada (caeteris mutatis) quanto ao proveitoso par:
alegria-tristeza; seja o referimento crítico ao estoicismo e o explícito projeto de superar aquele horizonte que
Justo Lipsio definiu, em princípios do século, para a contenção das paixões e a conquista da beatitude. Mas,
se Descartes propunha a superação do estoicismo em termos de uma recondução, mais radical que em Justo
Lipsio, de todo o mundo das paixões para dentro do campo da ciência dos mecanismos pscio-somáticos
(tanto que, depois das discussões com Elizabeth sobre De vita beata de Sêneca, o tema estóico da beatitude e
do sumo bem é marginalizado e excluído do tratamento da Passions), Spinoza reabre o confronto direto com
o estoicismo justamente sobre o tema da beatitude, e “saltando”, nesse caso, todas as mediações
psicossomáticas. Alegria e beatitude são, em Spinoza, mesmo depois da lição cartesiana, novamente conexas;
o confronto crítico com o estoicismo muda o registro, muda o timbre.
Notou-se a polêmica Spinozana contra o ideal estóico do sábio isolado e, em geral, contra todo modelo
aristocrático e não comunitário de sabedoria, na parte IV da Ética (em particular IV, 35, escólio, e V, 36). Mas,

1
Tradução de Bernardo Bianchi. Paulo Cristofolini é professor da Scuola Normale Superiore di Pisa. Nota do tradutor:
O termo original “gioia” é correlato aos termos “joye” (do francês) e “joy” (do inglês).
2
N. t.: É bastante difícil, para mim, traduzir esta expressão latina. Contudo, vale lembrar que tal expressão
significaria, literalmente, jardim secreto, recluso, ou fechado. Ocorre, todavia, que no Oxford latin dictionary, editado
por P. G. W. Glare em 1996, consta que o termo hortus serve também para designar sistema filosófico – isto porque
Epicuro realizava seus encontros educativos num jardim (hortus). Há ainda aqueles que entendem esta expressão
como algo que, sendo hermeticamente fechado, isola-se da realidade. De fato, tal termo era freqüentemente utilizado,
especialmente no medievo, para designar o jardim no qual a virgem Maria teria recebido a anunciação. Isto, segundo
o site “www.assisinc.ch/articlesarchives.html”.
3
N.T.: É possível traduzir estes termos de forma literal para: cupidez, letícia e tristeza.
no fundamento daquele importante desenvolvimento deve-se atentar, em antítese seja a respeito da tradição
estóica, seja a respeito da cartesiana, a superação da separação entre auto-aperfeiçoamento e satisfação.
Descartes se impôs o problema de superar a dicotomia virtude-prazer da filosofia clássica e, com olhar
crítico dirigido aos epicuristas, encontrara, segundo o seu costume, um exemplo eloqüente e a caracterizar a
heteronomia daquela moral: quem joga tiro ao alvo mira no escopo pensando no prêmio. O alvo não tem em
si nada de interessante, o prêmio sim; mas é no alvo que se deve prestar atenção caso se queira o prêmio
(Carta a Elizabeth de 10 de agosto de 1645)4. Descartes quer superar a cisão entre virtude como fim e prazer
como meio (ou incentivo), e, de fato, a substitui com uma outra: a virtude, ou sabedoria, vem posta por ele
no governo (maîtrise) das paixões, destinado a determinar a prevalência da alegria sobre a tristeza. Estes são
tratados como mecanismos controláveis.
Do ponto de vista do desenvolvimento que Spinoza dá depois ao problema, interessa, aqui, sublinhar que a
nova dicotomia introduzida por Descartes dá-se entre um momento ativo (a maîtrise), e um passivo (as
passions de l’âme). A alegria, em particular, é concebida por Descartes, mesmo naquele nível superor que é a
“alegria intelectual”, como mera fruição de uma posse. Spinoza parte exatamente da dicotomia ativo-
passivo, por ele posta no início do tratamento dos afetos, e reproduzida ao interno da dinâmica mesma dos
afetos. Daqui ele desenvolve uma série própria de dicotomias.

3. Dicotomia do affectus
Alegria e tristeza são “passagens” (transitiones), não sentimentos da passagem. Um homem que aumenta o
próprio saber é afeto da alegria; mas, além do uso corrente da palavra, este fato é, a rigor, independente do
seu estado emocional. Assim, pode-se chamar, em termos rigorosamente Spinozanos, tristeza, o afeto dos
hebreus de que fala o Tratado Teológico-Político no capítulo V, quando por causa do cativeiro no Egito, devém
corruptos e incapazes de se autogovernarem. Os clássicos atestam5 uma acepção da palavra laetus, que, de
fato, corresponde àquela Spinozana de laetitia como transitio de uma perfeição menor para um maior,
objetiva e não emotivamente vivida.
Em Spinoza, todavia, as coisas são mais complexas, uma vez que latitia e tristitia são conhecidas não como
afetos de todos os indivíduos6 enquanto animados (Ética, II, Pr. 13, escólio), mas unicamente do homem
(Ética, III, af. def. 2-3), cuja essência é dada a partir da cupiditas, e cujo proprium é dado na Ética, II, axiomas, 2:
“Homo cogitat”( o homem pensa). Logo, a laetitia como transitio compõe-se de uma affectio corporis e, com uma
correspondência simultânea rigorosa, de uma idéia de afecção mesma (Ética, III, def. 3).
A dicotomia, então, é esta. De um lado, estamos frente a um processo objetivo, e o abandono do ponto de
vista psico-fisiológico cartesiano se justifica sob esta luz. Do outro, os processos discursivos da mente são
análogos a este processo e dele fazem parte integrante. Justamente em virtude desta integração é possível a
passagem, inteiramente humana, do afeto passivo ao afeto ativo. Mas, para permanecer no nível dos afetos
passivos, a distinção essencial posta por Spinoza, (Ética, III, 57, escólio) entre os afetos humanos e aqueles
dos animais irracionais, está no fato de que, para os indivíduos diferentes do homem a idea seu anima, que
neles constitui a essência, se identifica com o gaudium, ou melhor dizendo, com a sensação de satisfação
própria da sua natureza; enquanto para o homem a idéia está, de qualquer modo, num nível mais complexo
daquele de um mero feeling: também no caso de um homem cujas idéias sejam inteiramente inadequadas,
será a imaginação a juntar-se à transitio, e a imaginação, diferentemente do feeling, é um processo discursivo.

4. Dicotomias da imaginação e da alegria


A imaginação é o primeiro nível da consciência humana. Uma linha mestra da Ética é aquela que mostra a
via da sabedoria como superação deste nível. Não nos deteremos sobre estas coisas notadas, mas sobre
aquilo que introduz elementos de discussão. Em geral, nos parece ser possível dizer que a imaginação, toda
vez que entra em relação coma alegria, perde o seu caráter de consciência inferior e se transforma em uma
grande força expansiva da natureza humana.
Com efeito, no que diz respeito à sociabilidade humana, esta, antes mesmo de encontrar o próprio
fundamento inteiriço no ductus rationis (Ética, IV, 35), encontra, na imaginação ligada à alegria, o próprio
incentivo (Ética, III, 29). Ademais, a imaginação é causa de aumento da alegria (Ética, III, 53) e, por
4
Ed. Ch. Adam e G. Milhaud, Paris, 1936-63, vi, p. 289.
5
Verg. Georg.,I,1
6
N. tr.: tal termo deve ser entendido no seu sentido mais lato, qual seja, referindo-se a organismo vivente singular e
indiviso.
conseguinte, concorre de modo decisivo para o aumento de perfeição do homem. Em suma, naquele espaço
da Ética no qual as leituras mistificantes não a quereriam mais defrontar, a imaginação intervém como
momento de enriquecimento do amor Dei intellectualis graças ao chamado, mais uma vez, da sociedade (Ética,
V, 20).
Logo existe um dilema e um dinamismo no interior da concepção Spinozana de imaginação. Por um lado,
um acesso aos afetos ativos pressupõe o predomínio de idéias adequadas, e ser uma única coisa com a
consciência constituída por ela; por outro, não somente não se dá, a nenhum nível do itinerário do sábio, a
plena liberação de idéias inadequadas (vez que tais são os efeitos da imaginação); mas, as imagens explicam
uma função não negativa, mas antes positiva. Perceber o aspecto dinâmico desta incongruência é necessário
porque por esta via se percebe toda a importância da polêmica Spinozana contra o ideal estóico.
Os seguintes pontos são considerados solucionados: os homens são sempre sujeitos às paixões (Ética, IV, 4,
corolário: hominem necessário passionibus esse semper obnoxium). A proposição possui um valor universal, que
vai até mesmo além da última proposição da Ética: a condição existencial, permanente, de cada homem,
compresso seu saber, é aquela que o vê, predominantemente, submetido às causas externas.
O imaginar, o recordar e as paixões não têm lugar nisi durante corpore (Ética, V, 21 e 24); porém, a mente
humana, por sua própria definição genética (Ética, II, 11) tem, na existência do corpo, o fundamento
constitutivo. Nem, por outro lado, existe vida da mente depois de morto o corpo (Ética, V, 24, escólio). Tudo
que se segue à Ética, V, 21, não diz tanto respeito a novas dimensões existenciais da vida humana, quanto à
distinção entre a ciência, com o seu caráter de universalidade (aeternitas), e a contingência dos
acontecimentos da vida de cada homem, não excluído o sábio. Existem os outros homens: muitos,
frequentemente distantes, desconhecidos. Constituir com eles uma boa sociedade faz parte da sabedoria;
mas o único gênero de conhecimento que me torna capaz de coligar-me a eles é o primeiro.
Com Spinoza (Ética, V, 28) devemos negar que, a partir do primeiro gênero de conhecimento, se possa
alcançar diretamente o terceiro. Todavia, os passos considerados nos induzem a ver a imaginação sob duas
luzes diversas: de um lado como conhecimento inadequado, de outro como fundamento de uma Ética social
(Ética, III, 29) e, enquanto tal, como fonte de aprimoramento da ciência intuitiva. Um primado da razão
pratica in nuce, ou qualquer coisa de diferente? Parece-nos que o tema da alegria conecte Spinoza muito
estreitamente ao contexto intelectual e científico da Europa do século XVII.
Que a transitio tenha como meta a beatitudo é declarado por Spinoza (Ética, V, 33, escólio). Mas, deve-se
atentar para o quanto se deve percorrer da beatitudo dos estóicos (como status permanente de satisfação7 e
serenidade) a esta. Para Spinoza, a beatitudo contém em si, igualmente, satisfação e serenidade (Ética, V, 42 e
escólio), mas enquanto é Amor. E o Amor por um lado é laetitia (logo, ainda, transitio); por outro, depende de
uma causa externa, a qual não é outra senão o mundo inteiro, Deus seu natura. Ainda: a ciência intuitiva tem,
a um só tempo, caráter de universalidade (aeternitas) e de conhecimento das res singulares.
Todos estes elementos dão à nossa opinião fundamentada uma leitura não mistificante e não reduzida à
tradição clássica, dos conceitos Spinozanos até aqui considerados. A ciência intuitiva, assim como delineada
entre o elemento da particularidade e aquele da universalidade, reclama e transforma o esquema galileano
das experiências sensatas e das demonstrações certas. Em Galileu, estas asserções metodologias coligavam
com a consciência de um aperfeiçoamento em absoluto, que esta ciência dava ao homem. Agora, a teoria da
alegria como transitio, adquire para nós a sua luz mais verdadeira se considerada como a grande meditação
galileana de Spinoza. O homem do século XVII sabe, depois do Sidereu nuncius, que o seu conhecimento já se
estende a coisas “anteha conspectas numqaum”, vê aberto o caminho para prosseguir nesse aumento de
conhecimento, que é aumento da perfeição e, consequentemente, da realidade do homem.
A natura naturata é o mundo do homem, das suas paixões e dos seus semelhantes, que só a imaginação o faz
confusamente conhecer; a vida se passa neste mundo sob a pressão das causas externas. Mas, a experiência
histórica mostra também, ao homem do século XVII, que existem momentos nos quais pode dizer-se
partícipe da natura naturans. A passagem, nestes momentos, é aquela transitio que Spinoza chama de laetitia,
ou alegria.

7
N. tr.: tal termo deve referir-se, exclusivamente, à idéia de quitação, solvência de uma obrigação ou saciedade:
satisfação de um dever, e não á idéia de prazer

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