Desenvolvimento sustentável – de um projeto. Este não pode se limitar
desafio do século XXI unicamente aos aspectos sociais e sua base José Eli da Veiga econômica, ignorando as relações Rio de Janeiro, Garamond, 2005, 200p. complexas entre o porvir das sociedades humanas e a evolução da biosfera ; na realidade, estamos na presença de uma IGNACY SACHS * co-evolução entre dois sistemas que se regem por escalas de tempo e escalas Na segunda metade do espaciais distintas. A sustentabilidade no século passado, impulsionado pelos tempo das civilizações humanas vai processos de descolonização e de depender da sua capacidade de se emancipação do Terceiro Mundo e pela submeter aos preceitos de prudência emergência do sistema das Nações ecológica e de fazer um bom uso da Unidas, o desenvolvimento, um avatar do natureza. É por isso que falamos em progresso iluminista, firmou-se como uma desenvolvimento sustentável. A rigor, a das idées-force das ciências sociais, adjetivação deveria ser desdobrada em configurando uma problemática ampla de socialmente includente, ambientalmente caráter pluri e transdisciplinar, atravessada sustentável e economicamente sustentado por polêmicas vivas de caráter ideológico no tempo. e teórico. Tudo indica que a idéia do Idéia, visão, conceito, desenvolvimento não perderá a sua utopia ? Não creio que devamos nos centralidade nas ciências sociais do século envolver neste debate semântico. O que que se inicia. Mais do que nunca importa é deixar bem claro que o precisamos enfrentar as abismais desenvolvimento não se confunde com desigualdades sociais entre nações e crescimento econômico, que constitui dentro das nações e fazê-lo de maneira a apenas a sua condição necessária porém não comprometer o futuro da humanidade não suficiente. Como bem disse Celso por mudanças climáticas irreversíveis e Furtado num dos seus derradeiros deletérias. pronunciamentos, « só haverá verdadeiro No entanto, a problemática desenvolvimento, que não se deve confundir do desenvolvimento passou de moda e o com crescimento econômico, no mais das seu status acadêmico é cada vez mais vezes resultado de mera modernização das marginal. As razões são múltiplas. elites – ali onde existir um projeto social A teologia do mercado, que subjacente » . faz hoje a cabeça de muitos economistas, Por isso, em última instância, torna redundante o conceito de o desenvolvimento depende da cultura, desenvolvimento. na medida em que ele implica a invenção Por sua vez, os adeptos da ecologia profunda teimam em considerar o crescimento econômico como um mal absoluto, quaisquer que sejam as suas * Professor Emérito da EHESS - Paris e criador do CRDC (Centro de Pesquisas sobre o Brasil modalidades e os usos sociais do seu Contemporâneo). produto.
214 RESENHA/BOOK REVIEW
Por fim existem os desencan- conceito que J. K. Galbraith considera com
tados do desenvolvimento, que apontam razãao como totalmente inócuo e por isso o fracasso bastante geral das políticas que tão difundido. 1 Em paralelo, devemos se reclamavam do desenvolvimentismo superar as barreiras que hoje separam as para justificar o abandono puro e simples diferentes disciplinas do saber, caminhando do conceito do desenvolvimento, visto por para a eco-socio-economia proposta por alguns como uma mera armadilha William Kapp. ideológica inventada por políticos do Mas estes já são temas para primeiro mundo para perpetuar seu um novo livro, que os leitores deste têm o domínio sobre os países periféricos. direito de esperar de José Eli da Veiga. Este fracasso é indiscutível, porém como avaliá-lo sem lançar mão do conceito normativo de desenvolvimento ou, ainda melhor, sem recorrer ao par desenvolvimento/mau-desenvolvimento que configura um contínuo de situações possíveis? Sobretudo, como definir políticas de saída do mau-desenvolvimento reinante na ausência de um projeto de desenvolvimento visionário e exequível? Convém apreciar o livro de José Eli da Veiga neste contexto difícil e confuso. Em quatro capítulos densos e eruditos, fruto de leituras bem escolhidas e de reflexão original, o autor discute os conceitos de desenvolvimento e de sustentabilidade e as diferentes maneiras de sua mensuração. Conclui, como era de se esperar, pela defesa do conceito de desenvolvimento sustentável como utopia para o século XXI, postulando a necessidade de buscar um novo paradigma científico, capaz de se substituir ao industrialismo. Concordo com o autor de que necessitamos de novos paradigmas, já que estamos sentados sobre as ruínas do socialismo real, do Consenso de Washington, do crescimento econômico socialmente perverso por se alimentar de desigualdades crescentes, da social- 1. J. K. GALBRAITH, Les mensonges de l’économie. Vérités pour notre temps, Grasset, Paris, 2004. democracia, que foi longe demais na (título em inglês, The Economics of Innocent aceitação da economia de mercado, um Fraud, Houghton Mittlin Company, New York, 2004)