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Maio 2005 Revista Adusp

POLÍTICA EXTERNA DO
GOVERNO LULA:
CONTINUIDADES E RUPTURAS
Rafael Duarte Villa
Professor de Relações Internacionais do Departamento de Ciência Política da USP

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Revista Adusp Maio 2005

O Governo Lula parece operar uma nova alteração no paradigma


da política externa brasileira, ao afirmar insistentemente que o
país está buscando o espaço que lhe cabe, o qual deve ser bem
maior quando comparado à percepção atual dos Estados mais
importantes no sistema internacional contemporâneo. Podemos
caracterizar a nova fase como de autonomia pela afirmação: o
governo decidiu tornar o Brasil um dos principais protagonistas no
sistema internacional, disposto a assumir todo o tipo de custo

N
o marco estritamen- a hegemonia do enfoque americanis- Com a redemocratização, a
te analítico e menos ta. Enquanto que nos anos de 1955 reinserção internacional do Brasil
doutrinário, a partir da até 1964 e de 1974 a 1990 o paradig- passou a ser pensada à base dos
gestão de Rio Branco ma globalista domina as orientações seguintes pressupostos: a) o reco-
(1902-1912) até o iní- quanto à inserção externa do Brasil. nhecimento de que desde meados
cio do governo Collor O fim da Guerra Fria também dos 80 já seria visível o esgotamento
de Mello (1990-91), a política externa marca para a ação diplomática de um modelo de crescimento eco-
brasileira, entendida como a ação brasileira, e o seu paradigma (o nômico sob bases cepalinas (ou de
diplomática em torno da visão da globalismo), um questionamento forte crescimento para dentro) que enfa-
natureza do sistema internacional, de suas possibilidades de responder tizava a industrialização por substi-
tem oscilado entre dois paradigmas eficazmente ante as novas realidades tuição de importações. Isso já era
básicos: o americanismo (tese do que se inauguravam. O esgotamento visível em fins do governo Sarney e
aliado preferencial) e o globalismo do globalismo pragmático, de gerou a percepção da necessidade
e/ou universalismo. O americanismo Geisel a Sarney, se explicaria em de um novo modelo de inserção.
foi definido como o paradigma que razão das transformações na ordem Com a chegada de Collor de Mello
concebia os Estados Unidos como o mundial que minaram o poder dos ao poder em 1990, de tendência
eixo da política externa, donde uma países do Sul e o discurso terceiro- fortemente liberal, b) a inserção da
maior aproximação de Washington mundista calcado nas denúncias do política externa num mundo globa-
elevaria os recursos de poder do país, uso do poder assimétrico e de um lizado e de polaridades indefinidas
aumentando assim sua capacidade de multilateralismo a serviço também volta ao paradigma americanista
negociação. O globalismo, concebido desses poderes (FONSECA JUNIOR, ideológico, também chamado de
como uma alternativa ao anterior, 1998). Começa-se então a falar modernização pela internaciona-
elegia a diversificação das relações da chamada crise de paradigmas lização. Uma condição necessária
exteriores do Brasil como condição na ação diplomática brasileira. para esse objetivo c) era a constru-
para o aumento de sua barganha no Sem polaridades definidas como ção de uma agenda positiva com os
mundo, inclusive junto aos Estados na época da Guerra Fria (nem no Estados Unidos removendo áreas
Unidos (SOARES, 1994; PINHEIROS, sentido Leste-Oeste nem Norte- de atrito que haviam caracterizado
2000). Do ponto de vista histórico, Sul), vale indagar: como isso o intervalo 1974-1990, tais como li-
os anos de 1940 até 1955 e logo de afetou o paradigma dominante da beralização comercial, propriedade
1964 até 1974 correspondem aos pe- política externa e quais foram suas intelectual, tratados de não-proli-
ríodos onde melhor fica delimitada manifestações concretas? feração nuclear e meio ambiente.

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Em compensação estar-se-ia prepa- internacional. Uma autonomia que administrações de Itamar Franco
rando o caminho para melhorar a refletisse o novo mainstream do sis- (1992-1993) e do social-democrata
imagem do Brasil, para renegociar tema internacional, no qual o novo Fernando Henrique Cardoso no
em melhores condições a dívida ex- regionalismo era um elemento im- primeiro mandato (1994-1998) fa-
terna e ter acesso ao mercado de portante bem como a participação riam uma tentativa de aproximar
créditos e de tecnologia de ponta. em organismos multilaterais mais o projeto de inserção externa a um
Com o impeachment de Collor poderosos como o Conselho de Se- posicionamento medido pela con-
de Mello em 1992, num primeiro gurança e a OMC. Isso significou dição de pais em desenvolvimento.
momento o que aparece como uma ter uma visão positiva dos regimes Desta maneira, tentaram reconci-
mudança de orientação conceitual internacionais (como o de não-pro- liar dois projetos que vinham sen-
(ou de paradigmas como sugerem liferação de armas atômicas e os do debatidos desde a segunda me-
alguns) seguiu-se de uma readequa- comerciais e financeiros), abrindo a tade dos anos 80: a construção de
ção do paradigma globalista, vis-a-vis uma identidade de pais continental
as mudanças operadas pela globa- com ênfase no regionalismo como
lização e o fim da Guerra Fria, mas nova forma de inserção internacio-
sem uma alteração significativa nos nal, com a de um país aspirante a
objetivos a serem contemplados. Es- A global trader, com interesses múlti-
sa readequação foi o que, em círcu- plos na dinâmica da globalização.
los da diplomacia brasileira,
autonomia pela Assim, definiram-se três
passou a chamar-se integração substituiu frentes de atuação
matriz emergente específicas para
que frisava a idéia
o multilateralismo terceiro-mundista por atingir os objetivos
da autonomia pela par- um reconhecimento positivo dos regimes da autonomia pela
ticipação. Na verdade, integração:
internacionais como ONU, OMC, FMI;
essa matriz emergente da • De um multilatera-
política externa brasileira, a combinou, nas relações com os lismo terceiro-mundista, de
partir do governo Itamar, era estilo contestatário, as prefe-
EUA, a busca de autonomia e uma
uma saída de meio termo que rências orientaram-se para um
tinha a vantagem de preservar “agenda positiva”; e priorizou o reconhecimento positivo dos
a autonomia de suas escolhas fortalecimento do Mercosul regimes internacionais mais ex-
frente aos Estados Unidos sem pressivos. De uma denúncia dos
intentos desagregadores do rela- regimes internacionais de poder
cionamento entre ambos países. como assimétricos passou-se en-
Essa matriz emergente pre- tão a uma reivindicação na parti-
gava o abandono da autonomia pela possibilidade da construção de uma cipação no Conselho de Segurança
distância que havia caracterizado a agenda positiva em torno de temá- da ONU como membro permanente
política externa brasileira frente aos ticas como meio ambiente, direitos e a uma participação mais ativa no
Estados Unidos desde o tempos do humanos e democracia, temas nos GATT e posteriormente na OMC,
pragmatismo responsável de Geisel quais por longas décadas a diplo- e à procura de melhores termos de
(1974-79) até o governo de José macia brasileira invocou o princípio entendimento com o FMI.
Sarney (1985-1989); e a procura da de não-intervenção. • No tocante às relações com os
autonomia pela participação. Em Assim, face à matriz emergente, Estados Unidos, estas seguiram mar-
outras palavras: ao invés de uma que na verdade consistia em sinto- cadas pelos objetivos de procura de
autonomia isolacionista, uma au- nizar o paradigma globalista/uni- uma autonomia na política hemisfé-
tonomia em sintonia com o meio versalista com os novos tempos, as rica. Desde os tempos de Itamar, a

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possibilidade de opor uma zona de visto como canal tanto para o instru- outras possibilidades dentro de uma
livre comércio da América do Sul mento propício ao desenvolvimento estratégia de “círculos concêntricos”.
(ALCSA) à iniciativa dos Estados nacional quanto um instrumento da O núcleo central desta política é o
Unidos foi um projeto perseguido legitimação da atuação externa do aprofundamento de etapas do Mer-
pela própria diplomacia presiden- Brasil no âmbito regional. E aqui cosul, tendo um primeiro entorno as
cial e pelos operadores da política deve ser destacado que a diplomacia negociações com os países sul-ame-
externa. No entanto, também não se brasileira tem feito um esforço de ricanos. O círculo seguinte seriam as
descuidou da construção da agenda conciliar os objetivos econômicos da negociações com a ALCA e, final-
positiva com os Estados Unidos: os integração junto com a procura da mente, as negociações com a União
principais símbolos dessa diplomacia estabilidade democrática nos países Européia. A prioridade concedida
positiva em relação aos Estados Uni- do Mercosul e da região sul-ameri- pelo Brasil a cada um desses círculos
dos foram o processo de abertura co- cana. Desta maneira, persiste a idéia viria das necessidades da política de
mercial e de privatização de estatais global trader. Com a noção de global
junto com a assinatura em 1998 do trader, a posição brasileira frente à
Tratado de Não Proliferação Nucle- integração hemisférica encontrava
ar (que desde os anos 60 havia sido um fundamento conceitual, que se-
denunciado pela diplomacia brasi- ria especificado e ampliado no go-
leira como injusto porque, nas pala- verno Itamar Franco, que, devido
vras do embaixador Araújo
A política às dificuldades internas que
Castro, congelava o externa “ativa e altiva” enfrentava desde sua
poder nuclear em posse e à pouca fa-
torno dos países que
do atual governo reuniu desde o início três miliaridade com as-
não haviam desenvol- elementos: a tentativa de ganhar a confiança suntos internacionais,
vido o ciclo do átomo nomeou Fernando Hen-
dos mercados globais, intensa atividade
até dezembro de 1967). A rique Cardoso como minis-
justificativa para esses atos diplomática e a exploração do forte tro das Relações Exteriores.
foram a consolidação do pro- Essa lógica manteve-se até
apelo simbólico da figura de Lula
cesso democrático no Brasil e o final do segundo mandato do
nos países sul-americanos, o governo FHC (2002). No início
fim da Guerra Fria e o que um de 2003 chega ao poder o ex-
dos ministros do governo FHC metalúrgico do Partido dos Tra-
chamou de procura pela inser- balhadores, de tendência de es-
ção no novo mainstream das re- querda, Luiz Inácio Lula da Silva.
lações internacionais contempo- De imediato, no tocante à política
râneas: reformas econômicas liberais de que o Mercosul é um instrumento externa, três elementos de curto pra-
no nível global, negociações comer- para tratar com a globalização e, por zo devem ser destacados nos inícios
ciais, política de meio ambiente e sua vez, aumentar a capacidade de do Governo Lula na tentativa de
de direitos humanos, propriedade barganha de poder internacional e ganhar a confiança dos mercados in-
intelectual e melhora do gap de cre- regional, especialmente na América ternacionais: primeiro, o reconheci-
dibilidade internacional. do Sul. Porém, o regionalismo do mento de que os constraints interna-
• Finalmente, no âmbito regional, Mercosul não constitui uma escolha cionais limitam as possibilidades de
dentro da estratégia de autonomia exclusiva e excludente para o país: una política doméstica plenamente
pela participação ou pela integração, seria essencialmente uma “reserva autônoma, deixando pouca margem
o maior objetivo sem dúvida tem de autonomia” para uma maior pro- de manobra para um pais emergen-
sido o fortalecimento do Mercosul, jeção global e, por isso, está aberto a te (potência média ou país periférico

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em desenvolvimento, como também do país, é claramente notável que econômicas” (LAFER, 2001:
se costumava chamar países como essa dimensão simbólica, fundada 231). No governo de Cardoso,
Brasil, China, Índia e África do Sul). na trajetória pessoal, sindical e de importantes vitórias parciais como
Sendo assim, ganhar credibilidade atuação política do presidente Lula, a disputa que envolveu a empresa
internacional transforma-se quase trate de ser explorada pela diploma- de aviação brasileira Embrear
que numa política de Estado, que cia do país numa tentativa de trans- com a gigante do ramo canadense,
disciplina e enrijece os intentos de formar prestígio pessoal em capital a Bombardier, e vitórias quase
movimentos bruscos. político. Essa meta não é ocultada, absolutas como a disputa com as
Uma segunda característica no- mas explicitada objetivamente pela empresas multinacionais fabricantes
tável da gestão Lula tem sido a in- mesma chancelaria brasileira. En- de remédios contra o vírus do
tensa atividade diplomática do Mi- fim, como discutiremos na última Aids, sustentaram a visão dos
nistério de Relações Exteriores e seção, o Governo Lula parece estar formuladores da autonomia pela
da diplomacia presidencial. O pre- operando uma nova alteração no integração de que organismos
sidente brasileiro, em algo mais de paradigma da política externa brasi- multilaterais com meios de
dois anos de governo, visitou mais leira ao afirmar insistentemente que arbitragem, tais como a OMC,
países do que todos os que visitou o o país está buscando o espaço que permitem que mesmo com a
presidente Fernando Henrique Car- lhe cabe, o qual, do ponto de vista assimetria de poderes entre Estados
doso (1994-2002) em seu período de Brasília, deve ser bem maior em se obtenham resultados favoráveis
de oito anos no comando do gover- comparação com a percepção dos eventualmente para os atores de
no brasileiro. Inúmeros projetos e Estados mais importantes no siste- menor poder relativo.
acordos bilaterais foram assinados ma internacional contemporâneo. No campo multilateral uma
nas viagens presidenciais a diferen- O Brasil tem uma ampla vitória importante da política
tes continentes: na América Latina participação em organismos externa brasileira foi a decisão da
(Argentina, Chile, Equador, Bolívia, multilaterais internacionais tais OMC, de finais de abril de 2004,
Peru, Venezuela, México, Cuba); como a ONU, a OEA, o Grupo favorável ao recurso que o Brasil
África (Angola, San Tomé e Prínci- dos 15, FMI, Banco Mundial, entre movia contra os subsídios que os
pe, Moçambique, Namíbia e África outros. No entanto, podemos dizer EUA concedem a 25 produtos,
do Sul); Oriente Médio (Síria, Líba- que, a partir dos 90, transformou originando concorrência desleal no
no, Emirados Árabes Unidos, Egito três fóruns multilaterais no centro mercado internacional. Quanto à
e Líbia); Europa (Portugal, Reino de sua preocupação: a OMC, o meta do ingresso do Brasil como um
Unido, França, Espanha, Alemanha Conselho de Segurança da ONU e membro permanente do Conselho
e Suíça); Estados Unidos (em varias as negociações em torno da Área de de Segurança, este não é um objetivo
ocasiões); e Ásia (Índia, China). O Livre Comércio para as Américas novo, vem sendo colocado desde o
presidente Lula esteve presente em (ALCA). Na lógica da defesa do governo de Itamar Franco (1992-
fóruns multilaterais, tais como Da- multilateralismo, a Organização 1994). Desde então, tanto porta-
vos, Porto Alegre, Eiva (G-8), ONU, Mundial do Comércio (OMC) vozes do Itamaraty quanto a própria
UNCTAD e a cúpula de Presidentes foi reconhecida pela gestão de diplomacia presidencial colocam
da Íbero-América e do Mercosul. Fernando Henrique Cardoso como a necessidade de uma reforma da
Um terceiro elemento destacado o núcleo duro da atuação econômica ONU que reflita as mudanças na
pela atual administração é a dimen- multilateral, levando em conta que distribuição do poder internacional,
são simbólica da figura presidencial. este é “o foro por excelência, e o que o que significa necessariamente
Se a reconhecida trajetória intelec- melhor atende a nossos interesses, incorporar novos atores estatais
tual do presidente Fernando Henri- no que tange à formulação de com um peso importante ao
que Cardoso foi importante para a regras de regulamentação, no menos nos assuntos regionais.
construção de uma imagem positiva plano internacional, das atividades Doutrinariamente, os operadores

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da política externa brasileira brasileira pelo Governo Lula, indo tratégia dos EUA de negociar caso a
identificam sua aspiração como parte além da autonomia pela integração, caso, o Brasil prefere a estratégia de
da “democratização das relações inaugurando um tipo de autonomia negociar por bloco, para aumentar o
internacionais”, o que sugere que a pela afirmação soberana dos poder de negociação; d) prazos mais
incorporação do país como membro interesses nacionais, inclusive, se amplos, como uma forma de ganhar
permanente, assim como de outros necessário, com o incremento do tempo para que as empresas brasi-
países em desenvolvimento, é hard power brasileiro. leiras e do Mercosul se adeqüem às
autopercebida como uma maneira Em relação à ALCA, a estra- novas realidades competitivas que
de solucionar o déficit de legitimidade tégia negociadora brasileira desde sugere a ALCA; e finalmente, e) o
da organização “de modo a torná-la os governos de Cardoso tem tido as Brasil tenta introduzir mudanças na
mais representativa e mais eficaz. seguintes características: a) liberali- estrutura de negociação: enquanto
A candidatura do Brasil a um zação comercial hemisférica condu- os EUA preferem una agenda cen-
assento permanente no Conselho trada na liberalização de serviços,
de Segurança parte dessa convicção” propriedade intelectual, meio am-
(SILVA, 2004). biente e compras governamentais, o
Congruente com a aspiração de Brasil mantém persistentemente una
ingressar no Conselho de Segurança agenda centrada nos subsídios agrí-
da ONU como membro permanente colas e regras antidumping.
foi interpretado o envio e A estratégia elaborada no
comando de tropas, O objetivo político de governo Cardoso pou-
em representação co mudou em com-
da ONU, em maio
fundo do envio de tropas ao Haiti é muito paração à atual ges-
de 2004. Se bem é explícito — uma cadeira permanente no tão, e pode dizer-se que
verdade que em anos aquela estratégia de cinco
Conselho de Segurança da ONU — e
recentes, nos governos pontos se mantém intacta.
de Cardoso, o Brasil juntou indica uma alteração na condução Não obstante, algumas altera-
esforços em missões de paz ções começam a emergir. Deu-
da política externa brasileira pelo
da ONU em Timor Leste e se no governo Lula um esforço
Angola, o objetivo político de governo Lula sobre o que seus decision makers
fundo do envio de tropas ao em política externa chamam de
Haiti no primeiro semestre de ALCA flexível por oposição ao
2004, sob o comando brasileiro, que os negociadores dos EUA
é muito mais explícito: uma chamam de ALCA ampla (que in-
cadeira permanente no Conselho cluiria uma totalidade de itens que
de Segurança da ONU. Como zida a partir os acordos regionais já iriam da liberalização comercial até
reconhece The Economist, “Esta é existentes (Mercosul, Comunidade subsídios e regras antidumping). No
uma pequena força, mas de uma Andina de Nações, Mercado Centro- que foi considerado uma das primei-
importância simbólica significativa Americano, Caricon). O objetivo é ras vitórias da política externa frente
(...) Brasil tem sido um introvertido fortalecer esses acordos para aumen- aos EUA na Reunião Ministerial de
gigante, limitando-se a ser um tar a posição negociadora frente aos Miami, de finais de 2003, o Brasil
espectador na política mundial. EUA; b) aprofundamento dos acor- conseguiu concretizar sua proposta,
Agora isso está mudando”... Em dos do Mercosul e progressividade, emergindo dessa reunião um formato
outras palavras, essa iniciativa procurando-se não substituir ou en- de acordo que começou a denomi-
indica uma alteração na forma fraquecer os acordos já assinados no nar-se de ALCA ligth (ou flexível).
de condução da política externa âmbito deste acordo; c) frente à es- A ALCA light define que haverá um

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acordo básico sobre temas de nego- sua ação o Mercosul, e a partir dali Em segundo lugar, existe uma
ciação para todos os países e que a as prioridades eram América do Sul, maior disposição em criar condi-
partir desse acordo cada país negocia ALCA e UE. Na conjuntura da polí- ções em nível regional para susten-
um aprofundamento nos temas que tica exterior brasileira a ALCA pas- tar um projeto de liderança política.
quiser e com as nações que desejar. sa a ter o último nível de priorida- Os meios para essa finalidade são
As negociações com os EUA na des, segundo as próprias palavras do diversificados, abarcando desde o
gestão Lula apresentam dois pontos chanceler Amorim (2004-b): “Para aprofundamento dos projetos de
de descontinuidade em comparação o governo brasileiro, as negociações integração regional na América do
à administração anterior de Fernan- na Organização Mundial do Comér- Sul até a atuação mais ativa em cri-
do Henrique Cardoso. Em primeiro cio (OMC) são o alvo número 1, e ses políticas em países sul-america-
lugar, do ponto de vista conceitual. com a União Européia (UE), o nú- nos e fora da região. Essa atitude
As negociações em relação à ALCA mero 2. A Alca fica para depois: não pode render duas vantagens signi-
têm sido dirigidas através do que a que seja menos relevante, não por ficativas para o Brasil: de um lado,
diplomacia brasileira chama de “três nosso desejo, mas só porque está toma iniciativas que, cientemente,
trilhos”, que consistem “em focalizar mais atrasada”. são esperadas de um aspirante a
as negociações no aspecto de acesso A política externa brasileira vive líder regional; e, de outro lado, ao
a mercados, sob o formato atual; um momento de transição, no qual usar como meio de solução de con-
deixar para a OMC os temas mais se conservam as grandes linhas tra- flitos a procura da estabilidade ins-
delicados para um ou outro lado (no çadas no período de Itamar Franco titucional democrática, em crises
nosso caso, regras para investimen- e Fernando Henrique Cardoso, isto políticas regionais, melhora a ima-
tos, serviços e propriedade intelectu- é, no chamado período da autono- gem de um país que durante um
al, entre outros); e manter no arca- mia pela integração, mas no qual são bom número de décadas foi visto
bouço da ALCA questões como re- visíveis alguns traços originais que com muita desconfiança, nas su-
gimes de origem, solução de contro- tendem a diferenciá-la de períodos as intenções, por seus vizinhos sul-
vérsias, fundos compensatórios etc.” precedentes, os quais parecem indi- americanos. Acrescente-se a isso o
(AMORIM, 2004-a). Em segundo lu- car um novo padrão de alinhamento desejo de passar a compartilhar res-
gar, tem havido ênfase na integração que estamos aqui caracterizando co- ponsabilidades em matéria de segu-
como processo associativo. Assim se mo autonomia pela afirmação. Quais rança regional como mostra o caso
tem dado prioridade às tentativas de são os parâmetros que nos permi- do Haiti, o que tem levado a susten-
integrar como membros associados tem afirmar isso? As evidências são tar que o país começa a acordar pa-
países da Comunidade Andina de várias. Em primeiro lugar, no âmbito ra uma política mais musculosa (ver
Nações (CAN) e à procura de acor- do discurso diplomático as metas, ao The Economist, 2004, op. cit.).
dos com a União Européia. Durante contrário do passado, são esboça- Existe também uma tentativa de
o Governo Lula, Peru e Venezuela das com um grau menor de ambi- coordenar ações coletivas com os
foram integrados como membros güidade. Termos como a aspiração países do Sul em desenvolvimento,
associados ao Mercosul e se adensa à liderança regional ou o ingresso como a Índia e a África do Sul. E
o processo de associação comercial como um global player no Conselho quiçá não se trate simplesmente do
com a União Européia (UE). de Segurança da ONU passaram a esboço de uma política calcada nos
Este interesse num acordo com a formar parte de uma metodologia velhos moldes do discurso Norte-
UE de alguma maneira induz a uma explicativa da política externa que Sul, mas da compreensão de que
mudança conceitual, dado que no não se esgota em si mesma, mas que uma “nova geografia comercial” só
governo Cardoso o Brasil dirigia sua é acompanhada por ações tendentes é possível de atingir se os países
ação integracionista dentro da estra- a guardar um mínimo equilíbrio en- na mesma condição que o Brasil
tégia dos “círculos concêntricos”, a tre aspirações, meios disponíveis e pensarem mecanismos políticos de
qual definia como o núcleo duro de circunstâncias. coordenação de políticas econômi-

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cas que levem em conta já não os rado em fóruns internacionais; e, por meio da afirmação intransigente
pressupostos de solidariedade da finalmente, o perfil e história polí- dos interesses nacionais no sistema
Guerra Fria que foram descaracte- tica dos principais formuladores de internacional contemporâneo.
rizados faz já algum tempo, mas sim política externa hoje instalados em Inclusive, caso necessário, estando
os pressupostos da globalização. lugares chaves como o Ministério de disposto a assumir tanto os custos
Em quarto lugar, um indicativo de Relações Externas e a Secretaria Po- econômicos e políticos quanto os
que algo de novo está acontecendo na lítica do Itamaraty. Em ambos casos militares-estratégicos.
política externa do Brasil é sugerido as posições atuais dos condutores
pelas reações na sociedade, que é ao dessas agências, que enfatizam um Referências bibliográficas
fim de contas o objeto de toda políti- estilo mais contestatário, autônomo ALMEIDA, Paulo Roberto de (2003). “A política inter-
nacional do Partido dos Trabalhadores”, Revista
ca pública. A indiferença a uma polí- e arrojado da política externa, já es- de Sociologia e Política, n° 20 (junho)
tica pode ser um indicativo de poucas tavam presentes bastante antes de AMORIM, Celso Luiz Nunes (2004-a). Texto da au-
mudanças operadas nos conteúdos assumir as atuais responsabilidades. la magna proferida na UFRJ, Rio de Janeiro,
12/03/04”. Disponível no site: http://www.mre.gov.
da política. Esse não é o caso da atual E qual é o ponto frágil da nova br/index.htm./
política externa que, como vimos em política externa do Brasil? O projeto AMORIM, Celso Luiz Nunes (2004-b). Entrevista conce-
dida pelo Senhor Ministro de Estado, Embaixador
páginas anteriores, registra níveis de incompleto de modernização do
Celso Amorim, ao programa Bom Dia Brasil - Celso
popularidade pouco vistos na história desenvolvimento interno, em que Amorim fala da decisão da OMC favorável ao Brasil
da política externa e talvez seja um convive o Brasil opulento com o Brasil e das relações com a União Européia. Disponível no
site: http://www.mre.gov.br/portugues/politica_externa/
dos poucos itens consensuais quanto social e economicamente desigual. discursos/discurso_detalhe.asp? , 29/04/2004.
às políticas públicas da gestão. A in- É certo que uma precondição para CARVALHO, Leonardo Arginiro de (2003). “Limites à
política externa brasileira: perspectivas para o go-
serção dessa política em setores dos agregar poder externo é a boa saúde verno Lula”. In: CARVALHO, Leonardo Arginiro
meios de comunicação, no debate entre seus cidadãos. Parece-nos que de et ali. Curitiba: Juruá Editora.

acadêmico e nos meios empresariais, uma das hipóteses com as quais CRUZ, Sebastião C. e STUART, Ana Maria (2004).
“Mudando de rumo: a política externa do governo
é bastante notável. trabalha a administração atual é que Lula”. Mimeo. São Paulo.
Como explicar essas característi- não há necessidade de atingir níveis FONSECA, Gelson Junior (1998). A legitimidade e
outras questões de política internacional. Rio de
cas que marcam a transição da atu- de modernização parecidos aos de Janeiro: Paz e Terra
al política externa? Quatro fatores países em desenvolvimento para LAFER, Celso (2001). A identidade internacional
nos parecem destacados: a) a atual posteriormente começar a projetar do Brasil e a política externa brasileira. Passado,
presente e futuro. São Paulo: Pespectiva
“diplomacia do concreto” (frase do o poder e os interesses nacionais. LIMA, Maria Regina Soares de (1994). “Ejes analíticos
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Celso Lafer) deve muito, justiça seja compatíveis de serem atingidas ao 1, no 2 2.
feita, aos formuladores de política mesmo tempo. MELLO, Flávia Campos de (2000). Regionalismo e
externa que vão desde o governo Se esta hipótese é correta, estamos inserção internacional: continuidade e transforma-
ção da política externa brasileira dos anos 90. Tese
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no de Fernando Henrique Cardoso, iniciada nos anos 90 e inaugurando PINHEIROS, Letícia (2000), “Traídos pelo desejo:
um ensaio sobre a teoria e prática da política
que criaram condições políticas ne- uma nova fase da política externa,
externa brasileira contemporânea”. In: Contexto
cessárias para uma política externa que ainda não foi batizada com nome internacional, Vol. 2, n. 2.
mais afirmativa e musculosa; b) as apropriado. Poderíamos caracterizá- SILVA, Luiz Inácio Lula da Silva (2004). ”Discurso
do Senhor Presidente da República, Luiz Inácio
origens políticas de esquerda, fun- la, ainda que provisoriamente, Lula da Silva, na Sessão de Posse, no Congresso
dadas nas doutrinas do Partido dos seguindo os conceitos de autonomia Nacional”. Disponível no site: www.mre.gov.br
SILVA, Alexandra de Mello e (1995). “O Brasil no con-
Trabalhadores (VELAZCO E STUART, pela distância e autonomia pela
tinente e no mundo: atores e imagens na política
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simbólico representado pela própria autonomia pela afirmação, pela qual o Históricos, Vol. 8, no. 15.
THE ECONOMIST: “Brazil is bidding for big-power status.
figura do presidente Lula, que o Ita- Governo Lula decidiu tornar o Brasil What sort of power does it want to be?” 10/06/2004.
maraty tem eficientemente explo- um dos principais atores protagônicos Disponível no site: www.economist.com, 10/06/2004.

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