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Dans le courant d'une onde pure. neiras de considerar o falo em questão seja anterior ou superior às outras.
Un Loup survient àjeun qui cherchail avenlure, (Saussure, I%t): I ~)
Et que Ia faim en ces lieux atlirai\.
Qui te rend si hardi de troubler mon breuvage? Quando Saussure comenta que a palavra nu corresponde ao latim nudlllll, l'stn
Dil cet animal plein de rage:
Tu seraschâlié de ta témérité. .lIlIIlisando a língua em suas mudanças históricas, já que, a partir de uma semelhança 10
- Sire, répond I' Agneau, que volre Majesté IIIl'a entre nudum e nu e da informação histórica da antecedência do latim, ele establ'll'l'l'
Ne se metle pas en colere; 11lI1arelação entre elas. No entanto, quando analisa a palavra nu como som ou como a l'X
Mais plulôt qu'elle considere pl'l:ss;ío de uma idéia, o ponto de vista histórico deixa de ser pertinente. Como som, tOI
Que je me vas désaltérant
nlllll-se pertinentes informações fonéticas, e, como expressão de uma idéia, tornall1 'l'
Dans le courant,
Plus de vingl pas au-dessous d'Elle,
pI'tlinentes informações semânticas. Assim, dependendo do enfoque com o qual Sl' \1'11111
EI que par conséquent, en aucune façon, 11111 dado lingüístico, temos um objeto de estudo diferente.
Je ne puis troubler sa boisson. O Curso de lill~üística geral teve sua primeira edição em 1916, três anos dcpols
- Tu Ia troubles, repril celte bête cruelle, dll lIIorte de Saussure, em 1913. Ao contrário do que se poderia imaginar, tratal1do-sl' dl'
Et je sais que de moi tu médis I' an passé.
1111111 das obras mais importantes da Lingüística, o volume não foi escrito por SallSSlll'l'
- Comment I'aurais-je fait si je n'élais pas né?
Reprit I' Agneau, je tetle encore ma mere.
I'l'IIta .se de uma edição elaborada a partir de anotações de aula de seus alunos, Sallsslll'l'
- Si ce n'est toi, c'esl donc ton frere. IIllIIistrou três cursos na Universidade de Genebra. O primeiro data de 1907, o segllndo,
- Je n'en ai poin\. - C'esl donc quelqu'un des liens: dI' IlJOHe o terceiro, de 1910. Os editores do Curso de lill~iiís(icll ~l'/YIIforam Ch, Bally,
Car vous ne m'épargnez guere, '\ Sl'chehaye e A. Riedlinger.
Vous, vos bergers, et vos chiens.
Embora não haja menção ao termo dicotomias no texto do Curso, é assilll <llIl' SI'
On me I'a dit: il faut que je me venge.
Là-dessus, au fond dos forêts l'OI,1I1II1II
chamar os quatro pares de conceitos, que fazem lima sfntese das propostas dI'
Le Loup I'emporte, et puis le mange, ~IIlISSllll' para a criação de um novo objeto teórico para a Lingilfstica.A palnvl'ltdlmlo
Sans .mlre forme de proces. lIIill lk'riva do grl'W1 di('//O(oll1;a, lJue quer dizcr "divis:iol'lIl parll:s iguais", Nlto SI' dl'w
p1'nSlU', nOl'lISO dl' UIIIIIdkollllllia presl'l1te notl'xto sallSSllll'UI10, qm' SI' Imta dI' ull/.o <1111'
r dlvldidol'lII dOIS, dl'W'Sl' pl'nsur dI' olllro modo, I JI1I1Idkolollllal'lII SUIISSIIIl' dll n's
78 A IIngua coma objoto da lingüística 79
Introdução 6 lingülstico
peito a um par de conceitos que devem ser definidos um em relação ao outro, de modo A partir disso, pode-se chegar a duas conclusões. A primeira diz respeito ti (il'tl'r
que um só faz sentido em relação ao outro. IIIIIHIÇãode um ponto de vista com o qual se estabelece um objeto de estudos. Estuda Sl' 11
Há quatro dicotomias em Saussure: sincronia versus diacronia (1969:94-116), língua, só que o que se observa nela são as suas mudanças. A mudança é, então, o Ohjl'lO
língua versus fala (p. 26-28), significante versus. significado (p. 79-93) e paradigma ver- Il'I)rico.
sus sintagma (p. 142-147).Vamosestudar uma de cada vez. A segunda conclusão diz respeito aos resultados dessa Lingüística Comparatival'
Illslórica. Ainda com o exemplo do latim e de suas "línguas-filhas", deve-se considl'l"IlI
que o latim, por sua vez, tem as suas "irmãs". Também pelo método comparativo, pode,sl'
Sincronia versus Diacronia wrilicar semelhanças entre o latim, o grego e o sânscrito, por exemplo. Ainda com a pa
(Saussure, 1969:94-116) IlIvra pai, temos estes dados:
semelhanças e as diferenças entre essas línguas, pode-se chegar a uma língua anterior, "sll'ma em que um elemento se deline pelos demais elementos. No estudo sinn(lnÍl'o,
com base na qual essas'diferentes línguas se originam. Essa língua anterior é como se fos- um determinado estado de uma língua é isolado de suas mudanças alravés do Il'mpo l'
se a "língua-mãe" daquelas "línguas-filhas". Assim, pelo trabalho comparativo, é possí- pllssa a ser estudado como um sistema de elementos lingiiísticos. Esses elemenlos sno l'S
vel reconstruir o percurso histórico dessas línguas, ou seja, é possível determinar como ludndos nno mais em suas mudanças históricas, mas nas relações qUl' eles contral'm, 110
uma língua muda através do tempo, transformando-se em outras línguas, No I'Xl'lIIploda- IlIl'SInOIl'mpo, uns com os outros, Vamos eXl'mplilicar.
do, o lalim é a "língua-mãe" do português, do espanhol, do francês l' do 1IIIIIIInoque, en- () Loho da flíllllla"tinha a harrigavazia,nnocoml'ra o dia inll'iro" Em sl'Ul'Sllldo
Ill' outrus línguas romiinicas, s1l0suas "línguas-filhas", sohll' os mOlll'mas do portllltUl'S, Vllltl'l I\l'hdi (ll)!)(I:I<I» IInllllllllo vl'lho "l'OIlII"" lUIS
80 Introdução à lingüística 81
A IIngua corno objl!ltodo Lingülstka
dois pontos de vista, diacrônico e sincrônico. Diacronicamente, o verbo "comer" vem do Os falos diacrônicos são imperativos, já que se impõem à língua. Conlinuando
latim edere, cujo radical é ed-. Como no presente do indicativo suas formas se confun- 10m o exemplo dos substantivos em lalim e em português, constata-se a perda da nUII'l'1I
diam com o verbo esse, no latim vulgar da península Ibérica o verbo edere passou a se IlIolfológil:a de l:aso. Esse fato de língua é um fato de mudança lingüística que se rercll' a
realizar acompanhado do prefixo cum-, que designa companhia. Assim, cum edere pas- 1111111lIIarca morfológica que está presente em uma língua, mas não está mais presentc 1'111
sou a cumedere e, a partir dessa realização, a "comer" em língua portuguesa. Do ponto de \IIllra do mesmo modo. Como as línguas também têm um caráter sistemático, esse falo SI'
vista diacrônico, o com- de comer não é um radical, mas um prefixo. II'lIliza em todo o sistema, por isso ele é imperativo. Nenhum substantivo do porluglll's
Sincronicamente, à medida que se deve isolar o português de seu processo de mu- h'llI caso e todos os substantivos latinos o têm, pois, quando se dá a mudança, ela rl'aliza
danças históricas, essa informação a respeito da origem latina dessa palavra deixa de ser 'o"l'm lodo o sistema, recobrindo tudo o que é classificado como substantivo nessas dUlls
pertinente, já que no ponto de vista sincrônico, os elementos lingüísticos são estudados lill~uas. Assim, o fato diacrônico é imperativo.
dentro de um mesmo recorte temporal. Considerando esse com- um elemento lingüístico, Não se deve pensar que Saussure acrescentou um ponto de vista sincrônico a 01111'11
que se define em relação aos demais elementos lingüísticos que formam a língua portu- ponto de vista já existente, o diacrônico. Saussure, ao definir a língua como sistema I' ao
guesa, ele define-se como um radical, já que "comer" se define em relação aos demais 1"'lIsar a sincronia como o estudo de um sistema num dado momento do tempo. abrc l'a
contextos morfológicos em que ele funciona como um radical, como em "comilança", 1IIIIIhopara a redefinição também do conceito de diacronia, que vai ser entendida COIIIOa
"comilão", "comida", e em relação aos radicais dos demais verbos da mesma língua, co- ',ul'cssão de diferentes sistemas ao longo do tempo. Imaginemos, por exemplo, quc. 1'111
mo em "beber", "pitar" e "cair". '1II1aséculo, haja um estado de língua. Faz-se um estudo sincrônico do português do SI'
Saussure (1969: 103-104) lança mão de uma metáfora para fazer a relação entre 1'1110XIII,do do século XIVetc. A diacronia é, então, a sucessão dessas sincronias,
sincronia e diacronia. A língua comporta-se como o tronco de uma árvore em crescimen- A definição de um ponto de vista sincrônico não está restrita somente à proposla
to, de modo que um corte transversal em seu lenho revela uma relação sincrônica entre os d,' uma metodologia de trabalho em Lingüística. A partir dela, define-se um novo Ohjl'IO
elementos que o compõem e um corte longitudinal revela um desenvolvimento diacrôni- dt, l'studos que é a língua como um sistema. Os alcances dessa definição, porém, são lIIais
co desses estados sincrônicos. 111'111compreendidos na dicotomia língua versusfala.
A partir da dicotomia sincronia versus diacronia, Saussure determina uma distin-
ção entre fatos sincrônicos e fatos diacrônicos (1969: 107-111).Os fatos sincrônicos, co-
mo são de natureza sistemática, são gerais mas não têm caráter imperativo. Isso quer di- Ungua versus Fala
zer que os fatos sincrônicos estabelecem princípios de regularidade. Em português, por ("Iaussure, 1969:26-28)
exemplo, todo verbo possui morfemas de modo e tempo e de número e pessoa, assim co-
mo todos os substantivos possuem morfemas de gênero e número. Isso é uma regularida- No item anterior, há uma definição importante que foi comentada muilo rapidll
de sistemática dos verbos e dos substantivos dessa língua. O verbo comer, por exemplo, 11I,~nle.Trata-se da definição da língua como sistema. Ela é importante porque é a pllllll
conjugado na primeira pessoa do plural do pretérito mais-que-perfeito do indicativo, tem dl'la que Saussure define um novo objeto de estudo para a Lingüística. Ela foi cOlIIl'nladll
a forma "comêramos", em que o com- é o radical, o -e é vogal temática de segunda conju- .lImariamente porque o que interessava, então, era discutir as orientações sincr(HIIl'a I'
gação, o -ra é o morfema de tempo pretérito mais-que-perfeito do modo indicativo e o - dlill'l'Ônica do estudo da língua. As dicotomias saussureanas, embora possam ser CSllldll
mos é o morfema de I~pessoa do número plural. O substantivo lobos, por exemplo, tem das uma de cada vez, só fazem sentido quando relacionadas umas com as oulras.
como radicallob-, o -o como morfema de gênero masculino e o -s como morfema de nú- Na fábula de La Fontaine, há um diálogo entre o Lobo e o Cordeiro. É juslaml'lIlt'
mero plural. I,,-Ia argumenlação do Cordeiro e pelas réplicas e acusações do Lobo que se demollstrn o
Trata-se de um fato geral, mas não imperativo, o que quer dizer que essa regulari- II'IIUIde que contra a força não há argumentos. Na fábula, a argumentação é inúlil porqll"
dade pode ser modificada em uma mudança de língua. Os substantivos do latim, a partir , onlra a força não há argumentos e não porque o Lobo não entenda os argumelllos tio
dos quais se originou boa parte dos substantivos do português, possuem em sua morfolo- ( ',u'tleiro. Suas réplicas mostram que ele entende o que o Cordeiro diz, já que, para l'mlll
gia marcas de gênero, número e caso. Em latim, lobo é lupus, de modo que lupus tem gê- d,'ll'sa do Cordeiro, o Lobo encontra uma acusação diferente. Assim, o que as duas pt'rso
nero masculino, número singular e caso nominativo, o que significa que lupus é a forma 1lIll.:l'nscompartilham, ao dialogar, é a mesma língua, embora cada uma delas tenha Ullla
empregada para expressar o sujeito da oração em que essa palavra ocorre. Para a função I.du di fl'renle.
de objeto direto, por exemplo, emprega-se a forma lupum. Ao passar para o português, Se na dicolomia sillcmllill verSlI,\'dillcmllill se estabelecem duas nHIIII'irasdtOl'slll
portanto, os substantivos latinos conservaram as marcas morfológicas de gênero e núme- dllr a HlIgua. na dicolomia líll~lIlI v"rslIs/ala há a delinição do conceito til' 1f1l~1I1I. 1'11111
ro, mas não conservaram as de caso. Assim, na mudança do latim para o português, essa lIlsSllrt..líll~1I1IopÜe-se a.fei/a. porque a 1í1l~1/(1 é colcliva e a.fCi/aé parlil'ular. portanto, 11
regularidade dos substantivos latinos é modificada para uma outra regularidade dos subs- I' UIIIdado sOl'ial c a.fÚIIIé UIIIdado individual. Além disso. a líll~lIaI' sisll'llIlIll'lI
IIIIJ.(I/II
tantivos do português. A regularidade sincrônica é, portanto, geral, mas ni10I' imperaliva, , Ilflllll I' assisll'mfilil'a, Pl~ssoas quI' ralalll a mcsma/íll~I/(/ l'Onst'gul'ml'Ollulllil'1II SI' p\ll
já que pode ser modificada na diacronia. '1"1" alll'SIII das dil"'!'l'nll's/ei/II.\'. hú o uso da 1111'
S111
a /f1l~I/(/,
82 Inll'oduç(IO ó llngülslica
A língua como objolo do lingüislico 83
Na fábula, quando o Lobo acusa o Cordeiro com afala "COlIJOlu ousas sujar a IIIIIUid~ia, um pensamento que serve para interpretar o mundo. Uma imagem acúslka L' 11
água que estou bebendo?" e o Cordeiro responde com afala "Senhor (...) encareço a Vos- IlIlpressão psíquica de uma seqüência articulada de sons (vogais, consoantes e semivo
sa Alteza que me desculpeis, mas acho que vos enganais: bebendo, quase dez braças abai- VIIIS).A palavra lobo, por exemplo, é um signo, pois nela o conceito de "mamífero cllrni
xo de vós, nesta correnteza, não posso sujar-vos a água", nota-se que ambos usam a mes- VOI'O,da família canidae, que habita grandes regiões da Europa, Ásia e América do Nor
ma Ungua, já que as duas falas compartilham do mesmo vocabulário e das mesmas regras h'" esl;1 associado à seqüência de vogais e consoantes que forma a imagem aClístka
gramaticais: há o uso de palavras comuns, como ,fujar, bebendo, água; nas orações, o /Iolm/. Ao conceito, Saussure chamou significado e à imagem acústica, significantl'
complemento é colocado depois do verbo, como nafala do Lobo "tu ousas (verbo) + su- ( I %9:H I). O significado e o significante são as duas faces do signo lingüístico.
jar a água que estou bebendo (complemento)" e na fala do Cordeiro "não posso sujar Não se deve confundir signo com palavra. A palavra "comer", por exemplo,l' UIII
(verbo) + vos a água (complemento)"; há o uso das mesmas vogais e das mesmas con- \Igno, já que é formada pela imagem acústica Ikomerl relacionada com o conceito de "in
soantes em ambas asfalas. Enfim, o Lobo e o Cordeiro falam a mesma língua porque am- ~'I'rlralimentos sólidos". No entanto, essa palavra é formada por signos menores, ou Sl'.IU,
bos dominam o mesmo sistema de elementos lingüísticos, ou seja, palavras, ordem da co- os lIIorfemas.Há em "comer" três morfemas: o radical com-; o morfema -e, que signilku
locação das palavras na frase, vogais, consoantes, entre outras propriedades. Asfalas são qlll' o verbo pertence à segunda conjugação; e o morfema -r, que indica que o verho l'slf\
diferentes, mas o sistema lingüístico usado para formá-Ias é o mesmo. 110mlinitivo. Um morfema também é um signo, já que possui um significado e um signi
Para Saussure, o objeto de estudos da Lingüística é a língua (Saussure, 1969:28), IIcunle.No morfema -r, por exemplo, o significado é o conceito de infinitivo e o signih
e não afala, de modo que uma língua é definida como um sistema de elementos. Para en- , ,lIIte é a imagem acústica da consoante 11'/.Atenção, a imagem acústica 11'1só é um 111m
tender essa definição, deve-se definir o que é um sistema e o que são os elementos que h'ma quando a ela está associado um significado, o 11'1
na palavra "rato", por exemplo, 1'111
formam um sistema lingüístico. purte do radical rat- só como uma consoante, sem ter nenhum significado isoladamente.
Pode-se definir um sistema como um conjunto organizado em que um elemento se A língua, para Saussure (1969:23-24), é um sistema de signos, em que um signo
define pelos outros. Um conjunto é uma totalidade de elementos quaisquer. Se eles estão 'I' define pelos demais signos do conjunto. Por isso, ele desenvolveu o conceito de vaIo,.,
organizados, isso quer dizer que um elemento está em função dos outros, de modo que a Isto é, o sentido de uma unidade, que é definida por suas relações com outras da mesllJu
sua função se define em relação aos demais elementos do conjunto. IIlIlureza (Saussure, 1969:130-141). Em "comer", o radical só tem o seu valor lingUístil'O
Em todas as fábulas, os animais representam funções sociais humanas, por isso é ('111relação aos demais radicais da língua portuguesa, como o beb- de beber, o viv- de VI
comum, em decorrência do período histórico a que as fábulas se referem, haver uma corte Vl'retc.; o morfema -e, que indica a segunda conjugação, só tem esse valor em relação aos
em que há um rei e seus súditos. O rei, geralmente, é um leão e seus súditos podem variar lIIorfemas -a de primeira conjugação e -i de terceira conjugação. Em "'oba", por eXl'1II
de bois a hienas e chacais. Uma corte é um conjunto organizado em que seus elementos pio, há também um morfema -a, só que é um morfema cujo significado é o de gênero Il'
estão definidos uns em relação aos outros. O que faz do rei ser um rei é o fato de ele não mmino, porque se define como feminino em relação ao morfema -o, de gênero mascuh
ser um de seus súditos, o que faz o bobo da corte ser um bobo da corte é ele não ser o rei, 110.Além do mais, o que define um morfema como radical é a sua relação l'Om os
e assim por diante, na totalidade do conjunto. IlIorfemas desinenciais e vice-versa.
Esse conjunto organizado em que um elemento se define pelos demais é um siste- Saussure disse que na língua só há diferenças. Portanto, não só os signos se dl'll
ma, ou seja, uma estrutura. Pode-se definir uma língua desse ponto de vista e foi essa 111'111uns em relação aos outros, mas também os elementos que compõem os signilkantl's.
contribuição teórica de Saussure que definiu um objeto de estudos dentro da Lingüística. Islo é, os sons, bem como os significados. Assim, o valor do III só é dado em razão dl' SUII
Se a língua pode ser estudada como um sistema, ela deve ser definida nos mesmos ('posição com o 11'/.O primeiro só tem um valor dentro do sistema, porque serve para 0111 11
termos que um sistema. Portanto, uma língua deve ser definida como um conjunto orga- signos como lata e rata. Os significados de ira, ódio, rancor e raiva ganham seu vlllol
nizado em que um elemento se define em relação aos demais elementos. Deve-se, em se- dl'ntro do sistema porque uns se opõem aos outros, cada um tem uma diferença SellJÜnlll'a
guida, definir esses elementos que pertencem a esse conjunto da língua. ('m relação aos outros.
Dentro dos limites deste texto, vamos definir esses elementos como os signos lin- Pode-se utilizar a metáfora da rede para descrever esse ponto de vista sistenu11lco.
güísticos. A língua é, portanto, um conjunto de signos em que um signo se define pelos ( ) sistema lingüístico pode ser entendido como uma rede, em que cada nó eSlá relacionudo
demais signos do conjunto. Deve-se, em seguida, definir o que é um signo lingüístico. 1'0111os demais nós que formam a rede, assim como os signos que formam um sistema lin
A essa altura do texto, repete-se o mesmo que ocorreu quando da definição de língua ..,Olstico eslão relacionados entre si. Concehendo a líll,l:m/ como um sistema de sigilos,
como sistema no item sincronia versus diacronia. A definição de signo será estudada com mais "lIussure (1969:23-24) define um novo objeto de estudos para a LingUística. É dl'SSl' lIIodo
atenção na dicotornia significante versus significado, de modo que ela será tratada, agora, su- qUI' um ponto de vista delermina um objelo de estudos: quando se ohservu a I{II!-I//IIdo
mariamente. No entanto, sem ela, não é possível compreender a definição sistemática de lín- ponlo dl' vista sistemático, o que se reconhece nela é uma eslrulura. Esse conjunto d(' 1'1'111
,1://(/,
justamente porque é com a definição de signo que se definem os elementos lingiiísticos. l',)(,SqUl' us unidudl's IingUístkas muntêmenlrl' si constilui ulllu./il/'lllll. Por isso, Suussun'
Um signo lingüístico, como já se viu no capítulo sobre a leoriu dos signos, é uma dll qUl' a Irnguul' 1'01'll\Ul'ní10suhslflnl'ÍlI. Esse l'on';Unlo dl' difl'l'l'nçlls l'slalwll'l'(' os l'OIl
relação entre um conceito e uma imagem acústica (Saussure, II)()I):XI!I11," conceilo l{ \'l'llos I' os SOIlS 1111nlllSSIl 11111011'11
do 1!l'lIslIllIl'nlo I' no pluno f()lIil'o IIIdl'll'l'lIIinlHlo qlll' o
84 Introdução à lIngülstlca
A lingua cama objeto do lIngülstlccl 8!)
aparelho fonador pode produzir. Para explicar melhor esse conceito, SUlIssureusa uma
metáfora, a do jogo de xadrez. O que define o que é uma rainha, não é seu formato nem o Significante versus Significado
(SlIussure, 1969:79-93)
material de que a peça é feita, mas seu valor no jogo, ou seja, sua oposição em relação às
demais peças: os movimentos que ela pode fazer e as outras não podem. Não importa o
material de que a peça é feito, nem seu formato. No limite, pode-se atéjogar xadrez de me- Se no estudo da dicotomia sincronia versus diacronia o conceito de língua foi l'S
mória, sem as peças. O que tem relevância é o valor das peças. Na língua, isso também IIIdado rapidamente, para ser mais bem desenvolvido no estudo da dicotomia I(II~II(/1'1"
ocorre. O que importa é o valor das unidades, ou seja, sua diferença em relação às demais. \/1.\'.Iit/a, no estudo dessa última dicotomia o conceito estudado sumariamente foi o 1'011
Na dicotomia língua versusfala, Saussure separa os fatos de língua dos fatos de ll'llo de signo. Vamos estudá-Io com mais atenção.
fala: os fatos de língua dizem respeito à estrutura do sistema lingüístico e os fatos defala Em princípio, a definição de signo lingüístico parece simples. Saussure dclilll' ~i!1
dizem respeito ao uso desse sistema. Nos diálogos do Lobo com o Cordeiro o que interes- 110l'Omo a relação entre uma imagem acústica, que ele chamou significa11le, e um conCl'1
sa, para o estudo da língua, é o sistema lingüístico usado pelas duas personagens. Na acu- 10, que denominou significado (1969:81). Com essa definição de signo, ele estabelecI' os
sação do Lobo "Como tu ousas sujar a água que estou bebendo?" e na defesa do Cordeiro I'!ementos que formam o sistema da língua, de modo que a definição de língua passa a SI'I
"Senhor (...) encareço a VossaAlteza que me desculpeis, mas acho que vos enganais: be- IIdi' um sistema de signos (idem:23-24).
bendo, quase dez braças abaixo de vós, nesta correnteza, não posso sujar-vos a água", o A definição de signo, porém, traz implicações no que diz respeito ao estalulo dll
fato de as duas personagens usarem o radical beb-, na palavra bebendo, é um fato de lín- IIlIguagem e a seu papel entre os fatos humanos. Há uma concepção de língua que, emho
gua, enquanto é fato defala o radical ocorrer em uma acusação najala do Lobo e em uma 1I1seja consensual entre muitos falantes, está completamente errada. Pensa-se, comuml'lI
defesa nafala do Cordeiro. h', que se vive em um mundo repleto de coisas e que nos referimos a elas com palavras,
De acordo com Saussure (1969:27), a dicotomia língua versusfala é pertinente à -\ssim, há primeiro as coisas do mundo e depois aparecem as palavras para nos referir
medida que os fatos de língua podem ser estudados separadamente dos fatos de fala. IIIIISa elas. Nessa concepção, há uma relação direta entre palavras e coisas, de modo lJUl'
Contudo, se nessa oposição entre língua e fala aponta-se para a diferença entre um fato IllIngua é entendida como uma nomenclatura.
de língua e um fato de fala (idem:26-27), Saussure não deixa de considerar, também, as Na tradução de Ferreira Gullar, a fábula de La Fontaine começa com uma descri
interferências entre os dois tipos de fatos. Para ele, uma mudança no sistema pode advir 11)0:"Na água limpa de um regato, matava a sede um Cordeiro, quando, saindo do mato,
de fatos de fala (idem:26-27), como as mudanças de produção dos sons que ocorrem na 1'1'10um Lobo carniceiro". Na história, portanto, há um regato, onde o Cordeiro mala 11
fala e alteram o sistema fônico. Só são pertinentes para o estudo do sistema da língua 'l'de, e um mato, de onde sai o Lobo. Entendendo a língua como uma nomenclatura,
quando interferem diretamente nas relações internas entre seus elementos sistematizados. qlllllldo lemos "mato" e "regato", o que se deve pensar é que há coisas no mundo, entrl'
O aparecimento no sistema lingüístico do português dos sons palatais Ilhl e Inhl e l'las matos e regatos, e que a língua serve para nos referirmos a elas, como acontece qU1I1I
o resultado da ação de uma semivogal lil sobre as consoantes 111e In/. Quando essas con- do lemos a fábula. Assim, há um regato, que é uma coisa, e a palavra "regato", quI' Sl'rVl'
soantes eram seguidas de uma semivogal lil, elas palatalizavam-se na fala e, aos poucos, pllra designar essa coisa, por isso, como uma nomenclatura, a língua é entendida COIIIO
essa palatalização passou a fazer parte do sistema da língua: filiu > .filho; mulier- . mu- IIllIa relação entre palavras e coisas.
lher; vinia > vinha. Esses sons palatais integraram o sistema da língua, quando adquiri- Com a definição de signo, Saussure demonstra que a relação não é esta, ellln' 11"
ram um valor diferencial, passando a distinguir signos diferentes: mala versus malha; lavras Ccoisas, mas sim entre uma imagem acústica e um conceito, ou seja, entre um siV
mana versus manha. IIllIcanle e um significado (1969:80). Isso implica que a língua não é uma nomendallllll,
IIIIISum princípio da classificação (1969: 17). Vamos examinar isso melhor.
Em certas regiões do país, algumas palavras com Ilhl perderam a palatalização.
Pronuncia-se mulé em lugar de mulher. Nem, por isso, o som Ilhl desapareceu do sistema SI' existe um mundo repleto de coisas e cabe à língua apenas nomeá-Ias, ela al'lIhll
do português, nem mesmo nessas regiões. Esse é um fato de fala que não afetou o siste- por reduzir-se a um reflexo das coisas. Desse ponto de vista, a língua não tem um dom!
ma. À medida que o sistema é estudado em suas relações internas, uma vez ocorrida a 1110próprio, pois, como um reflexo das coisas do mundo, é entendida apenas como l'Ok
ll)() de nomes.
mudança oriunda dafala, ela passa das ocorrências particulares dafala aos domínios ge-
rais da língua, e é no sistema que ela passa, sincronicamente, a ser considerada. No ponto de vista de Saussure isso não acontece. Antes de tudo, ao alirmar qlll' 11
Dirigindo novamente a atenção aos elementos lingüísticos que formam o sistema 1l'llI,ão é entre um sigll(/icantee um significado(1969:80-81),a relaçãoentreas coislls
lingüístico, retoma-se ao estudo do signo (Saussure, 1969:79-93), que será mais bem do IlIlIndo c as palavras deixa de ser considerada na definição de uma língua. O millido I'
examinado na dicotomia significante versus significado (Saussure, 1969:81),por meio da .IIIIScoisas passam para um domínio que está fora dos estudos lingUísticos e a lrngllll ~II
qual ele é definido. 111111lima espeeilieidade própria. Um sigllificallte e um significado (1969:X I) fOl'lllllmUIII
~I~IIO,qUI', por SUIIvez, é delinido dentro de um sistema (1969:2J.24), ou Sl'jll, um SI~IIO
VIIIIIIIIvalor lia rcla,Üo com OlltroS signos. Esse conceito de signo traz a sigllifil'lu,'oO fllI"l
dl'llIro dll Ifllgllll I' dl' sua eslrutllra. O qUI' significa são os sigilos 1'111
suas rl'!:u;ol's IIII~
10111os olllros I' luio 1I1'l'IIIÇilo1'1111'1'
IIS IIIII/lvl'IIsI' IIScoislIs dOllllllldo,
86 Introdução ó Lingüistico A IInguo corno obj810 dol.ingülslico 01
Se os signos significam dentro de um sistema lingüístico, esse sistema compreen- Saussure afirma que o signo é arbitrário, já que não há uma rclaç.l0 de causa I'
de uma visão de mundo, ou seja, um princípio de classificação que, projetando-se sobre l'Idto que mOlive a relação que une um significado e um significante. No signo C'IJ/lU'/',
as coisas do mundo, classifica-as de acordo com sua estrutura interna. Um conceito, ou por exemplo, nada há na imagem acústica formada pela seqüência de vogais e consoantes
seja, um significado, é uma idéia que modela um determinado modo de compreender as /kolller/, o sigllificante, que leve a uma relação direta com o conceito "comer", o signili
coisas. Esse conceito deve, necessariamente, estar relacionado a um meio de expressá-Io. I mio. Arbitrário significa, portanto, não motivado. O significante não é motivado pl'lo
É preciso, então, relacionar o conceito a uma imagem acústica, ou seja, a um significante. ~Ignilicado. No entanto, Saussure afirma que há signos absolutamente arbitrários e signos
Essa maneira de ver o mundo varia de língua para língua, já que cada uma delas é defini- rl'l:llivamentearbitrários. A motivação relativa é a que se estabelece entre um signo l' ou
da por um sistema próprio de signos. Além do mais, se é pela linguagem que se vêem os II'OSsignos do mesmo sistema (1969: 152-155). Saussure dá dois exemplos dessa moliva
fatos humanos, se definem esses fatos, eles podem ser modificados por meio dela. Isso ,'/10 relativa do signo (1969: 152-153). Diz ele que o signo vinte não é motivado. enquanto
não quer dizer que se pode modificar o mundo físico por meio da linguagem, mas que ca- t!1':'I'lIoveo é. Dezenove é relativamente motivado pelos signos dez e nove e por UIIIprin
be a essa linguagem dar um sentido para as interpretações desse mundo. É esse mundo de llpio de numeração decimal próprio do português. Dezenove significa "dez mais now",
sentido, formado pela linguagem, que pode ser modificado por ela. Ik modo que o signo dezenove é motivado por dois signos, dez e nove, que já fazem partI'
Desse modo, pode-se afirmar que é a partir de uma língua que se vêem as coisas do sislema lingüístico do português. Com vinte não se dá a mesma coisa, já que não cx is
do mundo e não o contrário. Enquanto na concepção da língua como uma nomenclatura lI' o signo dezedez. A mesma coisa acontece com alguns dos signos que designam as plan
são as coisas do mundo que determinam as "coisas" da língua, na concepção da língua IIISa partir de seus frutos. Macieira e bananeira, que derivam de maçã e banana mais o
como um princípio de classificação é a língua que determina as coisas do mundo. Assim, ~lIlixo-eira, são motivados, mas eucalipto efreixo não o são, pois aqueles são rclaliva
o signo não une uma palavra e uma coisa, mas um significante e um significado (Saussu- IIIl~ntemotivados por' maçã e banana e pelo processo morfológico que, em portugucs,
re, 1969:80). lurma bananeira, cerejeira etc., a partir de banana, cereja etc.
Essa diferença de princípios de categorização da realidade, evidentemente, não im- Quando se fala em signo lingüístico, pensa-se na relação do conceito com ullla
pede a tradução de uma língua em outra, mas é justamente por sua causa que se discutem, IlIIagcmacústica. Há, porém, outras formas de expressão além da lingüística. Um desl'
entre os profissionais da tradução, os graus de tradutibilidadeentre diferentes línguas. nho, por exemplo, é um signo, só que não é lingüístico, mas visual. Se o significado fOI
Em uma de suas acusações, diz o Lobo ao Cordeiro da fábula: "Pois então foi teu dl'linido como um conceito e o significante como um meio de expressão que veicula eSSl'
irmão". Em francês, diz o Lobo: "Si ce n'est toi, c'est donc ton frére". No caso do portu- l'llllceito, a definição de signo torna-se mais abrangente, já que, além do significante l'n
guês e do francês, há uma correspondência de sentido entre os signos irmão e frére, no Il'ndido como imagem acústica, ela recobre outras formas possíveis de realizar um signi
entanto, essa correspondência deixa de existir se essas línguas são comparadas com o lI('anle. Pode-se, então, afirmar que os signos lingüísticos são apenas um tipo particulal
húngaro ou o malaio. O húngaro faz a diferença entre os sexos dos irmãos, como o portu- dI' signo, próprio da língua, dentro de um conjunto maior de tipos de signos.
guês e o francês, mas também faz uma diferença entre a ordem dos nascimentos, de modo Ao estudo do signo de um modo geral, Saussure (1969:23-24) chamou SCllliolo
que bátya significa "irmão mais velho"; Ôccs,"irmão mais novo"; néne, "irmã mais ve- Via,Mostrou que, em sua época, essa ciência geral dos signos ainda não existia, IlllISpn'
lha" e húg, "irmã mais nova". O malaio não faz nem a diferença de sexo nem a de idade: Ilsaria ser criada. Sem dúvida, muitos semiólogos, em especial Roland Barthes, l'uida
sudarà significa qualquer irmão, mais velho ou mais novo, homem ou mulher. 111111 de estabelecer as bases dessa ciência no decorrer do século xx. Para Saussurc ( 1()h()
',1), a Lingüística seria a ciência dos signos verbais, que, por sua vez, faria parte da SI'
húngaro francês português malaio nllologia, a ciência dos signos em geral.
irmão mais velho Há ainda uma última observação a respeito do signo lingüístico. Saussure ( 1(1).
bátya frére irmão sudarà
K.\)chama a atenção para o caráter linear do significante desse tipo de signo. O sigll(/i
irmão mais novo occs IIIII/t'da língua é uma imagem acústica, que, quando se realiza nafala, forma uma suhs
!ancia sonora. Sendo da ordem do som, sua realização acontece no tempo, tomando a fOI
irmã mais velha néne soeur irmã 11111de uma duração. Contrariamente aos significantes visuais, quc sc realizam no espa,'o,
irmã mais nova o~ sigll(ficalltes sonoros, como os significantes lingüísticos ou musicais. realizalll-sl' no
húg h'll1PO,de modo que dois sons só se realizam em uma succssão.
Essa propriedade linear dos signos da língua é imporlanle para descreVl'1'as Ida
Isso quer dizer que o português, o francês, o húngaro e o malaio são línguas com Ines que eles estabcleccm entre si. A questão da distribuição dos signos e de suas rl'la
princípios de classificação diferentes. Caso a fábula fosse traduzida para o malaio, não (1)I'S, à medida que também define um estado sincrônico de Ifngua, é exalllinada plII
"aussure. Elas são Iraladas no estudo da dicotomia pu/'{/dig/l/u IIS.sill/ug/l/u (SIIIISSUI'\',
haveria problemas na escolha da palavra, embora ela não expressasse lodos os significa-
dos da palavra francesa. No caso do húngaro, porém, qual escolher, 111;/\'11 ou/it'("s'! 1(1)'142 147).
88 Introdução à lingüística 89
A língua como objoto da lingüística
Paradigma versus Sintagma Saussure, a partir do signo ensinamento (1969: 145-147), exemplifica cada UIII
(Saussure, 1969:142-147) dl'sses três modos de associação. Por meio do signijicado, associa-se ensilla/lll'/lto 11
/IfI/'l'mlizaMem, educação etc. Por meio de seu significante, associa-se ensinal11l'lIloa 1'11"
Para Saussure, as relações entre os elementos lingüísticos podem ser estabelecidas 1IIt'IIIo,lenlo etc. E, por meio de outros signos, em processos morfológicos comuns, l'II.\'i
em dois domínios distintos. Vamos definir esses domínios. 1/(/11/1'1110
associa-se a ensinar, ensinemos etc., por ter o mesmo radical, e associa-se a di',\'
Na fábula de La Fontaine, uma parte da argumentação dos dois animais diz respei- II~I/ra/llenlo, armamento etc., por ter o mesmo sufixo. A essas relações enlrl' os
to aos graus de parentesco: l'll'mentos do sistema lingüístico Saussure chama relações assoei ativas (1969: 145), ('on
tlldo, para se referir às relações associativas entre os signos, a Lingüística consagrou o
- Não importa. Guardo mágoa 1\'1'1110relações paradigmáticas, do grego paradéigma, que significa modelo, exemplo,
de ti, que ano passado, Assim, estabelece-se a dicotomiaparadigma versus sintagma (Saussure, 1969:I,I}
me destratasle, tingido!
- Mas eu nem tinha nascido. 117), na qual se definem,respectivamente,as relações de seleção e as relações de comhinll
- Pois então foi leu irmão. ,,&10 entre os elementos lingüísticos.
- Não tenho irmão, Excelência. Saussure definiu, em sentido amplo, as relações paradigmáticas e sintagmáticll~.
- Chega de argumentação. Pllra tornar operacionais os conceitos de sintagma e de paradigma, a Lingüística poslcriOl
Estou perdendo a paciência!
I1Saussure vai precisá-Ios. O paradigma não é qualquer associação de signos pclo SOIl1l'
- Não vos zangueis, desculpai!
- Não foi leu irmão? Foi o teu pai
1'I'Ios sentidos, mas uma série de elementos lingüísticos suscetíveis de figurar no mcsmo
ou senão foi teu avô - ponto do enunciado, se o sentido for outro. Assim, no enunciado foi teu avô, no lugar di'
1"11,poderiam figurar, se o sentido do enunciado fosse outro, os termos seu, 1111'11,
110,\',\'0,
Tanto os argumentos de defesa do Cordeiro quanto os de acusação do Lobo estão li, /1111
etc. Esses elementos constituem um paradigma, do qual o falante seleciona um tL'r.
baseados na seleção dos graus de parentesco. Observando as orações "foi teu irmão", "foi 1110para figurar no enunciado. Por outro lado, no sintagma não se combinam 4uaisqlll'r
teu pai" e "foi teu avô", é possível verificar que as relações entre os elementos lingüísti- I h'mcntos aleatoriamente. A combinação no sintagma obedece a um padrão definido 1)L'lo
cos dependem, basicamente, de uma seleção deles, que no caso do exemplo são irmão - .!'Iema. Assim, por exemplo, podem-se combinar um artigo e um nome e, nesse caso, o
pai - avô, e de uma combinação entre eles, que no caso é a seqüênciafoi teu - . Des- ,11ligo deve sempre preceder o nome. Em português, é possível a combinação o imll/o,
se modo, pode-se afirmar que a linguagem tem dois eixos, um eixo de seleção e um eixo IIIIISnão a combinação irmão o. Por essa razão, não se deve confundir paradiMlI1a l'onl
de combinação, que podem ser representados assim: 111/.1:1111
e ,\'inlagmacomfala. Tanto um quanto outro pertencem ao sistema, aquele por I"
hll!l'lccer os elementos que podem figurar num dado ponto da cadeia falada e CStl' pOI
.eixo de seleção ohl'dccer a um padrão rígido de combinação.
A diferença entre as relações sintagmáticas e as paradigmáticas não é a 1111"11111
qlll' cxiste entre língua efala (Saussure, 1969:26-28). Aquelas, por relacionar no mfnllllO
foi teu irmão eixo de combinação dOIs elementos lingüísticos, são um tipo de relação em que os elementos relacionados SI'
foi teu pai IlIl'onlram em presença um do outro, já as relações paradigmáticas, porque dizcm 1'L'~I!l'1
foi teu avô 10 I1sL'lcção entre elementos, são um tipo de relação em que o elemento selecionado l'X
1 IUIos demais elementos da relação. Assim, as relações paradigmáticas entre os ell'lIIl'n
Em virtude do caráter linear dos signijicantes, há a impossibilidade de que os sig- 1m IIngÜísticos ocorrem em ausência, ao contrário das sintagmáticas, que OCOlTl'm 1!l'11I
PII'Sl'IIça dos elementos relacionados (Saussure, 1969: 143). Já línMlla se distingue dl'./illlI
nos lingüísticos ocorram simultaneamente na cadeia da fala. Assim, enunciados um após
o outro, eles formam um alinhamento que os distribui em relações de combinação entre, I'0rqlle a definição de líllM1ta coincide com a de sistema de signos e a de flllll refL'rl' .Sl' li
no mínimo, dois elementos. Há, portanto, relações de combinação entre os signos. A es- 1I ,lIlIal,';)O desse sistema em um ato individual de fonação (Saussure, 1969:27), ASSIII!.
1.11110as relações paradigmálicas quanto as sintagmáticas estão no domínio da IIII~II/I, I'
sas relações, Saussure chama de sintagmáticas (1969: 142),do grego syntagma, que quer
dizer "coisa posta em ordem". lI,h I da ./fllll, porque dizem respeito às relações entre os elementos que formam o slsll'nlll
Além das relações sintagmáticas, baseadas na combinação, há também relações oI,I/III~//{/,Como a./fllllé urna realização do sistema lingÜístico,ela realiza as n'laçlw, d('
baseadas na seleção dos elementos que são combinados (Saussure, 1969:143).Apresen- I IIIIIIIIIIIIÇ;\Odetcrminadas por esse sistema.
tando algo em comum, um signo pode ser associado a outros signos por, pelo menos, três () segundo cquívoeo diz respeito ao estatuto dos ekmentos rl'lal'ionados, SI' "V'II I
modos: por meio de seu signijicado, com seus antônimos e sinÔnimos:por mcio de seu III1 l'ollhllldido com palavra, as rclaçiics paradigmáticas SL'diio l'nll'l' IIS plllllvrus dI' 1111111
IIIIVII/Il' IIS l'l'IIII,'(kS sinlagmÍltil'as SI\OIIS 1'l'IIIÇÜL'Ssinllitil'as dl'ssa Ifll~-Hln,('ollllldo, ("'11
signijicante, com imagens acústicas semelhantes; e por mcio di' Olltro~'i~nos, L'mpro-
cessos morfológicos comuns. 101lluslÍo 1'lIln' signo I' palavru nno dl'Vl' Sl'r feilll, Elllhorll UIIIIIplllnvl'lI SI'JIIUIII 'ljJlIO 11111
90 Introdução à lingülstico A IInguo como objeto da lingüísllccJ 91
signo não é, necessariamente, uma palavra. Os morfemas, que formam as palavras, tam- Embora Saussure defina as relações paradigmáticas e sintagmáticas basicamcnll' l'lIl
bém são signos. l!'l'mos lingüísticos: elas podem ser determinadas em outros sistemas de signos. 011 scja, a
Para os verbos regulares do português, Mattoso Câmara (1986:65-71) determina dl('otomia paradigma versus sintagma vale para outras semiologias além da Lingilfslica.
uma seqüência para a combinação de seus elementos morfológicos, que pode ser formu- Em seus Elementos de semiologia, Barthes discute essa aplicação dos dois eixos til'
lada assim: [radical] + [vogal temática] + [morfema de modo e tempo] + [morfema de nú- l'l'laçocs em outros sistemas de signos além da língua (1992:61-91). Entre eles, Barthcs l'O
mero e pessoa]. Em amaremos, por exemplo, o radical é amo, a vogal temática é -a, o IlIl'nla a refeição e o vestuário (1992:67). Para a refeição, o eixo sintagmático descreve a Sl'
morfema de modo e tempo é -re e o morfema de número e pessoa é -mos. Em nível mor- qlll'lIcia em que os pratos são servidos, como a seqüência antepasto + pratos frios + pralos
fológico, a combinação [radical] + [vogal temática] + [morfema de modo e tempo] + qlll'ntcs + sobremesa. Os tipos de antepastos, pratos frios, pratos quentes e sobremcsas qUt'
[morfema de número e pessoa] descreve um sintagma, e os radicais e seus afixos que po- potlcm ocupar os lugares da seqüência sintagmática são descritos pelo eixo paradigmál il'O,
dem ser selecionados, como amo, como, beb-; em -a, -e, -i; etc., são os paradigmas que I'lira o vestuário, o eixo sintagmático descreve a combinação das diversas peças dc rollpa
podem ocupar essa posição no sintagma. IIsadas por uma pessoa (calça, camisa, meia etc.). Os diversos tipos de calças, camisa ele.,
Tanto na frase, em nível sintático, quanto na palavra, em nível morfológico, podem dl'ntl'c os quais se pode selecionar um, pertencem ao eixo paradigmático.
ser determinadas relações sintagmáticas e paradigmáticas. Em uma representação gráfica, Nosso texto não termina com Saussure. Suas propostas foram comentadas c til'
costuma-se colocar o sintagma como um eixo horizontal e o paradigma como um eixo 'l'nvolvidas por outros lingüistas. Dentre esses desenvolvimentos, vamos expor apenas os
vertical. Assim, na frase João ama Teresae na palavra amaremos, há um eixo horizontal lonccitos de dupla articulação da linguagem e de norma, desenvolvidos, respectivamcnll',
sobre o qual se dispõem os elementos lingüísticos combinados em um sintagma, e há ei- por André Martinet e Eugenio Coseriu.
xos verticais, para cada posição do sintagma, sobre o qual se dispõem os elementos lin-
güísticos que podem, por meio de relações paradigmáticas,ocupar essa posição.
Esquematicamente, pode-se representar os exemplos assim: Martinet e a dupla articulação da linguagem
(Mal'tinet,1978:1O-17)
paradigma
, Martinet está na mesma tradição de pesquisas que Saussure, pois ambos com pari i
João ama Teresa
Ihlllll da concepção sistemática de língua. De suas propostas, vamos tratar da dupla ani
Raimundo odeia Maria sintagma llllaçfio da linguagem (Martinet, 1978:10-12),já que nela é discutida a natureza dos dl'
admira IlIl'nlos lingüísticos.
Joaquim Lili
Martinet afirma que a linguagem é duplamente articulada. O que quer dizer isso?
assiste I J. Pinto Fernandes '\llIcs de tudo, deve-se entender o que é articulação. Em latim, a palavra articulus signill
cigarro 1.1"parte, subdivisão, membro". Portanto, quando se diz que a língua é articulada o qlll'
,I' qucr dizer é que as unidades lingüísticas são suscetíveis de ser divididas, segmcnladlls,
chocolate
Il'('ortadas em unidades menores. Para Martinet, todo enunciado da língua articulasl' 1'111
dOIs planos. No primeiro, articulam-se as unidades dotadas de sentido. A menor tll'SS/lS
paradigma 1IIIltladcsé o morfema (chamado monema pelo lingüista francês). A frase Os lohos {/Iulll
i
\'11/11 pode ser segmentada nos seguintes morfemas: o, artigo definido; os,morfema dl' phl
beb e ria s 1111,loh- radical que significa "grande mamífero carnívoro da família dos canídeos"; o,
sintagma
IIlo/fL'ma de masculino; os, morfema de plural; ando, radical que significa "dar passos, l'a
part Ii I sse I is IIlIlIhal'''; -a, morfema que indica que o verbo pertence à primeira conjugação; -I'a, mo/"fL'
11111IIlodo-temporal que indica o pretérito imperfeito do indicativo; -m, morfema lIlíllll'l'O
Esse exemplo mostra que tanto as relações paradigmáticas quanto as sintagmáti- l"'ssoal que indica a 3! pessoa do plural. Essa é a primeira articulação da IinglHIgl'lI1.
cas ocorrem em todos os níveis da língua: o dos sons, o dos morfemas, o das palavras. ~~dll, as unidades são dotadas de matéria fônica e de sentido, ou seja, sfio compostas dc'
Além disso, é preciso notar que os elementos lingüísticos só contraem essas relações den- Wllrlkado c de significante. Portanto, nesse plano, o enunciado podc scr rccortado l'm
tro do nível a que pertencem: sons relacionam-se paradigmática e sintagmaticamente IIllIdatlcs mcnorcs dotadas de sentido, ou seja, morfemas, palavras, sintagmas (comhilla
com sons; morfemas com morfemas; palavras com palavras. Por exemplo, no lugar ini- L()('SdL'palavras). Cada uma dcssas unidades pode ser substituída por outra no L'ixo paf'll
cial da palavra mala poderiam tigurar os sons I, b, I; k, d etc. Esscs sons constituem um dl~m(\tiL'o 011podc comhinar-sc com olltras no eixo sintagmático.
paradigma. Por outro lado, há regras muito estritas de comhinlll;Üodos sons: por excm- Cadll morrcm/l podc, por SCIItllrno, artÍl'ular-sl', dividir,sL:, L'/IIIInidlldL's/l1l'110n'S
pio, n:lo sc podc comhinar cm português cm posiçfio(m<.vodli(,1Ios "IIIS/...h, ri.A mcs. dl"pmvidas dI' sl'lItido. Essas I1l1idlldl~S
silo os fOIll'I1I11S.
() morfL'IIHl/II/J podc' artkllllll SI'
IlIa ('oisa O(,OITl'no nfwl tios IlIorll'lI1aSl' tias palavras. 1111\1(lIIl'I\IIISII/,/o/l'/h/ ESSlIl' 11S(~t/.llIlllllallklllac;I\O dalill~IIII~L'111. Nl'SSl' plllllO as 11111
92 Introdução à lingüística A lingua como objoto da lingüística 93
dades têm apenas valor distintivo. Assim, quando se substitui o /lI do morfema lob- por h's de uso de diferentes grupos sociais de falantes: as diafásicas, que dizem respeilo /lS
/bl se produz um outro radical, bob-, que aparece na palavra bobo. varianles em sitm1ções de uso formal ou informal do discurso; e as diaerônieas, que l'OIl
A dupla articulação da linguagem é um fator de economia lingüística. Com poucas 1"I'l'IIell1
às diferenças lingüísticas que, em um determinado grupo, aparecem em decorren
dezenas de fonemas, cujas possibilidades de combinação estão longe de ser todas explora- 1111da faixa etária dos falantes. As variantes diatópicas são geográficas, as variantes dill
das em cada língua, formam-se milhares de unidades de primeira articulação. Com alguns '1'OlIicas são históricas e as variantes diastráticas e diafásicas, sociais.
milhares de unidades de primeira articulação forma-se um número ilimitado de enunciados. Com o conceito de norma, os estudos lingüísticos fundam uma SociolingUístka.
Se os homens produzissem um som diferente para expressar cada uma de suas experiências qlll' ohserva com atenção as relações entre a língua e os fatores sociais, geográficos e his
ou para designar cada elemento da realidade teriam uma sobrecarga na memória e, além IlIricos que determinam sua realização.
disso, o aparelho fonador não seria capaz de emitir a quantidade de sons diferentes necessá-
rios para isso nem o ouvido seria capaz de apreender todas essas produções fônicas.
Bibliografia
Coseriu e a noção de norma R. EIemel/to.\" de .\"emiologia. São Paulo: Cultrix, 1992.
1I,\lfI III'S.