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Título original: Walden or life in the woods 1a edição 1984 ‐ Global Editora 6a edição 2001 ‐ Editora Aquariana 7a 

edição 2007 ‐ Editora Ground 

Revisão ‐ Yeda Jagle de Carvalho Antonieta Canelas 

Editoração eletrônica ‐ Sergio Gzeschnik 

Capa: Ilustração ‐ Henry Thoreau 

Arte final ‐ Carlos Guimarães 

CIP‐BRASIL. CATALOGAÇÃO‐NA‐FONTE 

SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ 

T411w 7.ed. 

Thoreau, Henry David, 1817‐1862 

Walden, ou, A vida nos bosques ; e, A desobediência civil / Henry D. Thoreau; tradução Astrid Cabral. ‐ 7.ed. ‐ São 
Paulo : Ground, 2007. 

288p.; 23cm 

Tradução de: Walden, or, Life in the woods ISBN 978‐85‐7187‐203‐5 

1.Thoreau,  Henry  David,  1817‐1862  ‐  Residências  e  lugares  habituais  ‐  Walden  Woods  (Massachusetts,  Estados 
Unidos). 2. Walden Woods (Massachusetts, Estados Unidos) ‐ Usos e costumes. 3. História natural ‐Walden Woods 
(Massachusetts, Estados Unidos). 4. Áreas silvestres ‐Walden Woods (Massachusetts, Estados Unidos). 5. Resistência 
ao governo. I. Cabral, Astrid, 1936‐. II. Título. III. Título: A vida nos bosques. IV. Título: A desobediência civil. 

07‐2011.  CDD:818 

CDU: 821.111(73)‐8 

25.05.07   28.05.07  001913 

Todos os direitos reservados à 

Editora Ground Ltda. 

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A DESOBEDIÊNCIA CIVIL 
De  todo  o  coração  aceito  o  lema:  "O  melhor  governo  é  o  que  governa  menos".  E  gostaria  de  vê‐lo  posto  em 
execução  de  modo  mais  rápido  e  sistemático.  Levado  a  efeito,  há  de  redundar  finalmente  noutro,  de  que 
também estou convicto: "O melhor governo é o que não governa de maneira nenhuma"; e quando os homens 
estiverem  preparados  para  essa  forma  de  governo,  será  a  que  terão  todos  eles.  Um  governo  é,  se  tanto,  um 
recurso  conveniente;  mas  muitos  governos  são  sempre,  e  todos  em  algumas  ocasiões,  inconvenientes.  As 
objeções  que  se  apresentam  contra  um  exército  permanente,  muitas  e  de  peso,  e  merecendo  prevalecer, 
podem  afinal  ser  também  apresentadas  contra  um  governo  permanente.  O  exército  permanente  é  apenas 
uma arma do governo permanente. O governo em si, que é tão só o modo que o povo escolheu para executar 
sua vontade, é igualmente suscetível de abuso e deturpação antes que o povo possa atuar por seu intermédio. 
Prova‐o a atual guerra mexicana23 1 , obra de um número proporcionalmente pequeno de indivíduos valendo‐
se do governo estabelecido como instrumento; pois, para começar, o povo não teria aprovado esta medida. 

Este  governo  americano,  o  que  é  senão  uma  tradição,  embora  recente,  tentando  transmitir‐se  inalterada  às 
gerações futuras, mas a cada instante perdendo algo de sua integridade? Ele não possui a vitalidade e a força 
de um único homem vivo, pois este pode dobrá‐lo a sua vontade. É uma espécie de arma de madeira para o 
próprio  povo.  Mas  nem  por  isso  é  menos  necessária,  pois  o  povo  deve  dispor  de  um  ou  outro  mecanismo 
complicado  e  ouvir  o  seu  estrépito,  a  fim  de  satisfazer  a  idéia  de  governo  que  tem.  Os  governos  mostram 
assim com que êxito os homens podem ser ludibriados, e até ludibriar a si mesmos, em seu próprio benefício. 
Ótimo, convenhamos. Contudo este governo nunca patrocinou qualquer empreendimento, a não ser com o 
entusiasmo com que se afastou do seu caminho. Ele não mantém livre o país. Ele não coloniza o Oeste. Ele 
não educa. O caráter inerente ao povo americano é que é responsável por tudo quanto tem sido feito, e ainda 
teria feito mais se o governo às vezes não se metesse no caminho. Pois o governo é um expediente diante do 
qual  os  homens  de  bom  grado  lograriam  deixar  um  ao  outro  em  paz;  e,  como  já  foi  dito,  ele  é  tanto  mais 
expedito  quanto  mais  deixa  em  paz  os  governados.  Se  não  fossem  elásticos  feito  borracha,  os  negócios  e  o 
comércio nunca conseguiriam saltar os obstáculos constantemente postos em seu caminho pelos legisladores; 
que a serem julgados tão só pelos efeitos de suas ações e não em parte por seus propósitos, mereceriam ser 
classificados e punidos junto com os malfeitores que obstruem as estradas de ferro. 

Mas, para falar de modo prático e como cidadão, diferentemente daqueles que se dizem homens de nenhum 
governo,  pleiteio,  não  a  imediata  ausência  de  governo,  mas  de  imediato  um  governo  melhor.  Que  cada 
homem  expresse  o  tipo  de  governo  que  lhe  inspiraria  respeito,  e  será  esse  o  primeiro  passo  no  sentido  de 
conquistá‐lo. 

Afinal  de  contas,  uma  vez  que  o  poder  está  nas  mãos  do  povo,  a  razão  prática  pela  qual  se  permite  que  a 
maioria governe e continue a governar por longo tempo, não é porque haja mais probabilidade de ela estar 
com o direito, nem porque assim pareça mais justo à minoria, porém porque é fisicamente mais forte. Mas 
um governo em que a maioria decide em todos os casos não pode estar baseado na justiça, mesmo na medida 
em  que  os  homens  a  concebem.  Será  impossível  um  governo  em  que  a  maioria  não  decida  por  assim  dizer 
sobre o que é certo e errado, mas sim a consciência? Um governo em que as maiorias decidam apenas aquelas 
questões para as quais o critério da conveniência se aplica? Deve o cidadão por um momento sequer, ou num 
grau  mínimo,  renunciar  à  sua  consciência  em  prol  do  legislador?  Então  por  que  terá  cada  homem  uma 

                                                      
1
 Guerra entre Estados Unidos e México (1846‐1848) que redundou na anexação do Texas e na compra do 
Novo México e da Califórnia. (N.T.) 


consciência? Acho que devemos em primeiro lugar ser homens, e só depois súditos. Não é desejável que se 
cultive um respeito à lei igual ao  que se cultiva  pelo  que é correto. A única obrigação que tenho direito de 
assumir é a de fazer a todo momento o que julgo correto. Diz‐se, é bem verdade, que uma corporação não 
possui consciência; mas uma corporação de homens conscienciosos é uma corporação que possui consciência. 
A lei nunca tornou os homens nem um pouquinho mais justos, e devido ao respeito que têm por ela, mesmo 
os bem intencionados tornam‐se no dia‐a‐dia agentes de injustiça. Resultado comum e natural do indevido 
respeito  à  lei  é  a  fila  que  se  pode  ver  de  um  destacamento  militar;  coronel,  capitão,  cabo,  soldados  rasos, 
artilheiros,  todos  marchando  em  admirável  ordem,  morro  acima  e  morro  abaixo  a  caminho  das  guerras, 
contra suas vontades, e também contra o bom senso e a consciência de cada um, o que torna aquela marcha 
uma escalada em verdade muito árdua e causa de palpitação cardíaca. Eles não têm a menor dúvida de que se 
acham envolvidos numa tarefa condenável; todos inclinados em prol da paz. Ora, o que são eles? Afinal são 
homens ou minúsculos fortins e depósitos ambulantes de munição a serviço de algum inescrupuloso detentor 
do poder? Visitai um estaleiro e contemplai um fuzileiro naval, aquilo que o governo americano pode fazer de 
um homem, o que pôde fazer dele com suas feitiçarias — mera sombra ou reminiscência de humanidade, um 
ser vivo, de pé, e já, pode‐se dizer, enterrado debaixo de armas com acompanhamentos funéreos, ainda que 

"Nenhum tambor, nenhuma nota fúnebre ouvida Quando 
seu cadáver à trincheira levamos; Nenhum soldado deu o 
tiro de despedida Sobre o túmulo onde nosso herói 
enterramos." 

Assim é que a massa de homens serve ao Estado, não como homens antes de tudo, mas como máquinas, com 
seus corpos. Formam o exército permanente, as milícias, os carcereiros, os policiais, o pelotão de guardas civis 
etc.  Na  maioria  dos  casos  não  há  nenhum  exercício  livre,  seja  do  juízo  ou  de  sentido  moral;  mas  todos  se 
colocam no mesmo nível do lenho, da terra e das pedras; e quem sabe homens de madeira podem vir a ser 
manufaturados  para  servir  a  tais  propósitos  igualmente  bem.  Tais  não  merecem  mais  respeito  que 
espantalhos  e  bonecos  de  barro.  Valem  apenas  como  cavalos  e  cachorros.  Contudo,  tipos  como  esses  são 
comumente estimados como bons cidadãos. Outros — como a maioria dos legisladores, políticos, advogados, 
sacerdotes  e  funcionários  —  servem  ao  Estado  sobretudo  com  a  cabeça;  e,  como  eles  raramente  fazem 
distinções  de  ordem  moral,  é  bem  provável  que  sirvam  ao  Demônio,  como  servem  a  Deus,  sem  a  menor 
intenção. Muito poucos, como os heróis, os patriotas, os mártires, os reformadores em sentido amplo, e os ho‐
mens, servem ao Estado também com a sua consciência, e assim necessariamente lhe oferecem resistência a 
maioria das vezes, passando em geral a ser considerados inimigos do Estado. Um homem sensato só será útil 
como homem, e não se submeterá a ser "barro" e "tapar buraco para impedir a passagem do vento", mas há de 
deixar essa função ao menos para seus restos mortais: 

"Sou muito bem‐nascido e abastado 
Para um lugar secundário no 
comando Ou para serviçal útil e 
instrumento De qualquer um estado 
soberano." 

Aquele que se entrega de todo aos seus companheiros é tido por estes como inútil e egoísta; mas quem se dá 
somente em parte é proclamado por eles como benfeitor e filantropo. 


Como convém a uma pessoa comportar‐se em relação a este governo americano de hoje? Respondo que não 
pode sem desgraça associar‐se a ele. Não posso por um instante sequer reconhecer como meu governo essa 
organização política que é também a do escravo. 

Todos  os  homens  reconhecem  o  direito  à  revolução,  isto  é,  o  direito  de  recusar  sujeição  ao  governo  e  de 
resistir quando sua tirania ou incompetência são em alto grau e insuportáveis. Mas quase todos dizem que tal 
não  é  o  caso  no  momento.  Mas  tal  era  o  caso,  julgam,  quando  da  Revolução  de  1775.  Se  alguém  viesse  me 
dizer  que  este  era  um  mau  governo  porque  aumentou  a  alíquota  de  certos  artigos  estrangeiros 
desembarcados  em  nossos  portos,  é  muito  provável  que  eu  não  fizesse  nada,  pois  posso  passar  sem  eles. 
Todas as máquinas têm seus atritos, e é possível que isso seja bastante bom para contrabalançar o mal. De 
qualquer forma, é um grande mal fazer agitação por causa disso. Mas na eventualidade de os atritos terem seu 
mecanismo, e a opressão e o roubo se organizarem, digo, não conservemos tal máquina por mais tempo. Em 
outras palavras, quando, num país que se propôs a ser o refúgio da liberdade, a sexta parte da população  é 
constituída de escravos, e quando uma nação inteira é injustamente invadida e conquistada por um exército 
estrangeiro e submetida à lei marcial, penso que não é cedo demais para que homens honestos se rebelem e 
façam a revolução. E o que torna esse dever ainda mais urgente é o fato de que o país assim invadido não é o 
nosso, mas pelo contrário, nosso é o exército invasor. 

Paley,  autoridade  conhecida  entre  outras  sobre  questões  morais,  em  seu  capítulo  "Dever  de  Submissão  ao 
Governo Civil", reduz toda a obrigação civil a nível de conveniência, e chega a dizer: "enquanto o interesse da 
sociedade  inteira  o  exigir,  isto  é,  enquanto  o  governo  estabelecido  não  puder  ser  resistido  e  mudado  sem 
inconveniência pública, é a vontade de Deus que se obedeça ao governo estabelecido, e nada mais... Admitindo‐
se esse princípio, a justiça de cada caso de resistência em particular reduz‐se de um lado à avaliação do perigo e 
sofrimento, e do outro ao cálculo da probabilidade e despesa ao remediá‐los." A este respeito, acrescenta, "cada 
homem julgará por si mesmo". No entanto parece que Paley nunca considerou os casos a que não se aplica a 
regra da conveniência, nos quais o povo, bem como o indivíduo, deve agir com justiça, custe o que custar. Se 
eu arranquei injustamente a prancha de um homem em vias de se afogar, devo devolver‐lhe ainda que eu me 
afogue. Isso, de acordo com Paley, seria inconveniente. Mas aquele que salvasse a vida em tal circunstância 
perdê‐la‐ia.  Este povo deve cessar de manter escravos e de  fazer guerra ao México,  embora isso lhe  custe a 
existência como povo. 

Na prática, as nações concordam com Paley; mas por acaso alguém pensa que Massachusetts faz exatamente 
o que é correto na atual crise? 

"Um estado prostituído, puta vestida de prata, 
A cauda lá no alto, e alma arrastando‐se na lama." 

A bem dizer, os adversários de uma reforma em Massachusetts não são os cem mil políticos do Sul, mas os 
cem mil comerciantes e fazendeiros daqui, que estão mais interessados em comércio e agricultura do que em 
humanidade, e não estão preparados para render justiça ao escravo e ao México, custe o que custar. Não brigo 
com inimigos remotos, mas com os que, bem pertinho de casa, cooperam e fazem o lance dos que se acham 
distantes, e sem os quais estes últimos seriam inofensivos. Costumamos dizer que a massa dos homens está 
despreparada;  mas  o  progresso  é  lento  porque  a  minoria  não  é  materialmente  mais  sábia  e  melhor  que  a 
multidão. Não é importante que muitos sejam tão bons como vós, e sim que haja uma absoluta bondade em 
algum  lugar,  pois  isso  levedará  toda  a  massa.  Há  milhares  que  sustentam  opinião  oposta  à  escravidão  e  à 
guerra,  e  que  no  entanto  não  fazem  nada  de  eficaz  para  pôr‐lhes  um  fim;  que  se  considerando  filhos  de 
Washington e Franklin, sentam‐se de braços cruzados e dizem que não sabem o que fazer, e nada fazem; que 
chegam  ao  ponto  de  antepor  a  questão  do  livre  comércio  à  questão  da  liberdade,  e  lêem  tranqüilamente 

depois do jantar sobre os preços do mercado e as últimas notícias do México, e talvez até peguem no sono 
com a leitura. Qual é hoje em dia o preço de um homem honesto e patriota? Eles hesitam, lamentam‐se, e às 
vezes  fazem  petição;  mas  nada  fazem  com  seriedade  e  resultado.  Esperarão  bem  dispostos  que  outros 
remedeiem o mal para que eles não mais tenham que se lamentar. No máximo, darão simplesmente um voto 
fácil, um fraco apoio e desejarão bom êxito ao que é justo, ao cruzar‐lhe o caminho. Há novecentos e noventa 
e nove patronos da virtude para cada homem virtuoso. Porém é mais fácil lidar com o verdadeiro possuidor 
de uma coisa do que com seu guardião temporário. 

Toda votação é uma espécie de jogo, como o de damas e o de gamão, só que com um leve toque moral, um 
jogo com o certo e o errado, com questionamento moral e as apostas que de costume acompanham os jogos. 
O  caráter  dos  votantes  não  está  em  jogo.  Lanço  meu  voto,  talvez,  pelo  que  julgo  certo;  mas  não  estou 
visceralmente interessado em que aquele certo prevaleça. Estou disposto a deixar isso a cargo da maioria. Sua 
obrigação  portanto  não  vai  além  do  nível  de  conveniência.  Mesmo  votando  pelo  justo  não  se  está  fazendo, 
nada por ele. Nada mais é que expressar fracamente aos homens vosso desejo de que o bem prevaleça. Um 
homem  sábio  não  deixará  o  justo  à  mercê  da  sorte,  nem  desejará  que  este  prevaleça  devido  ao  poder  da 
maioria. Pouca é a virtude que há na ação das massas. Quando a maioria finalmente votar pela abolição da 
escravatura, é porque todos lhe estarão indiferentes, ou porque haverá apenas uma pequena escravidão para 
ser abolida com seu voto. Eles, a essa altura, serão os únicos escravos. Somente o voto de quem afirma com o 
direito do voto sua própria liberdade pode acelerar a abolição da escravatura. 

Ouço falar de uma convenção a se realizar em Baltimore, ou em outro lugar, para a seleção de um candidato à 
Presidência,  promovida  sobretudo  por  editores  e  políticos  profissionais;  mas  penso:  o  que  representa  a 
decisão  a  que  podem  chegar  para  um  homem  independente,  inteligente  e  respeitável?  Não  teremos  no 
entanto  a  vantagem  da  sabedoria  e  honestidade  desse  homem?  Não  podemos  contar  com  alguns  votos 
independentes? Não há neste país muitos indivíduos que não freqüentam convenções? Mas não: percebo que 
o pretenso homem respeitável abandonou imediatamente sua posição e se desespera de seu país, quando seu 
país tem mais razão para se desesperar dele. Incontinenti adota um dos candidatos assim selecionados como 
sendo  o  único  disponível,  demonstrando  dessa  maneira  que  ele  mesmo  está  disponível  para  qualquer 
propósito demagógico. Seu voto portanto não vale mais que o de qualquer forasteiro sem princípios ou de um 
nativo mercenário, que pode ser comprado. Viva o homem que é homem, e de quem, como diz meu vizinho, 
ninguém  pode  dobrar  a  espinha  dorsal!  Nossas  estatísticas  estão  erradas:  a  população  foi  recenseada  em 
número  muito  elevado.  Quantos  homens  há  neste  país  por  quilômetro  quadrado?  Quando  muito  um.  Será 
que a América não oferece nenhum atrativo para que homens nela se estabeleçam? 

O americano reduziu‐se a um Odd Fellows24, alguém que pode ser reconhecido pelo espírito gregário e pela 
evidente  falta  de  intelecto  e  a  prazenteira  autoconfiança;  cuja  preocupação  primordial  ao  tomar  posse  na 
congregação é verificar se os asilos se encontram em bom estado; e antes mesmo de envergar oficialmente o 
uniforme viril, coletar fundos para o sustento dos possíveis órfãos e viúvas; alguém que, em suma, se atreve a 
viver só por conta da Companhia de Seguro Mútuo, que se comprometeu a enterrá‐lo decentemente. 

Não é dever de um homem, como norma, devotar‐se à erradicação de um mal, por terrível que seja; ele pode 
muito bem ter outras preocupações com que se envolver; mas é sua obrigação, pelo menos, desinteressar‐se 
do mal, e caso não pense muito no assunto, não lhe dar em termos práticos seu apoio. Se me dedico a outras 
atividades  e  meditações,  antes  de  tudo  devo  verificar  ao  menos  se  não  as  exerço  montado  nos  ombros  de 
outra pessoa. Devo livrá‐la de mim primeiro, para que ela também possa dedicar‐se às próprias meditações. 
Vede quanta inconseqüência crassa se tolera! Tenho ouvido alguns de meus concidadãos dizerem: "Só queria 
que me mandassem sufocar uma rebelião de escravos, ou marchar contra o México. Vê lá se eu ia!" E no entanto 
esses  mesmos  homens,  diretamente  por  sua  sujeição,  ou  indiretamente  por  seu  dinheiro,  forneceram  um 
substituto. O soldado que se nega a servir numa guerra injusta é aplaudido por aqueles que não se negam a 


sustentar  o  governo  injusto  que  a  promove;  é  aplaudido  por  aqueles  cujos  atos  e  autoridade  ele  despreza  e 
ridiculariza, como se o Estado se penitenciasse a ponto de contratar alguém para flagelá‐lo enquanto pecasse, 
mas não a ponto de abster‐se de pecar por um só momento. Desse modo, em nome da ordem e do governo 
civil, somos finalmente levados a render homenagem a nossa própria baixeza além de sustentá‐la. Depois do 
primeiro rubor pelo pecado, sobrevém a indiferença; e o pecado de imoral torna‐se, por assim dizer, amoral, e 
não de todo desnecessário àquela vida que forjamos. 

O erro maior e mais difundido exige a mais desinteressante virtude para mantê‐lo. São os nobres os que com 
maior probabilidade incorrem na ligeira reprovação de que é comumente suscetível a virtude do patriotismo. 
Aqueles que, ao mesmo tempo que desaprovam o caráter e as medidas de um governo, dão‐lhe sua adesão e 
apoio  são,  sem  sombra  de  dúvida,  seus  mais  conscienciosos  defensores,  e  com  freqüência  os  mais  sérios 
obstáculos  à  reforma.  Alguns  requerem  que  o  Estado  dissolva  a  União  e  desatenda  às  exigências  do 
Presidente. Por que não a dissolvem eles mesmos — a união entre eles e o Estado ‐ e não se recusam a pagar 
sua  cota  ao  Tesouro?  Não  representam  para  o  Estado  o  que  este  representa  para  a  União?  E  não  foram  as 
razões que impediram o Estado de resistir à União as mesmas que os impediram de resistir ao Estado? 

Como pode um homem satisfazer‐se simplesmente em manter uma opinião e desfrutá‐la? Há algum prazer 
nisso, se em sua opinião ele é ofendido? Se alguém foi passado para trás por seu vizinho num só dólar, não se 
satisfaz  em  saber  disso,  ou  em  dizer  que  foi  enganado,  ou  mesmo  em  cobrar‐lhe  o  que  lhe  é  devido,  mas 
tomará providências eficazes para receber logo todo o dinheiro e defender‐se de ser passado para trás outra 
vez. A ação a partir de princípios, a percepção e a prática do que é correto, modifica as coisas e as relações; é 
essencialmente revolucionária, e não depende em seu todo do que havia antes. Não só divide estados e igrejas 
como também divide famílias; chega inclusive a dividir o indivíduo, separando nele o diabólico do divino. 

Existem  leis  injustas:  contentar‐nos‐emos  em  obedecê‐las  ou  lutaremos  por  emendá‐las,  obedecendo‐as  até 
que logremos êxito ou transgredindo‐as de uma vez por todas? As pessoas em geral, num governo como este, 
acham que devem esperar até que convençam a maioria a alterá‐las. Pensam que, se resistissem, o remédio 
seria pior que o mal. Porém é culpa do próprio governo se o remédio é pior que o mal. É ele que o torna pior. 
Por  que  não  prevê  e  providencia  as  reformas?  Por  que  não  valoriza  sua  sábia  minoria?  Por  que  grita  e 
esperneia antes de ser ferido? Por que não encoraja seus cidadãos a ficarem de vigilância apontando‐lhe suas 
faltas e não se comporta melhor que eles? Por que há de sempre se crucificar Cristo, excomungar Copérnico e 
Lutero, proclamar rebeldes Washington e Franklin? 

Qualquer  um  pensaria  que  a  única  ofensa  jamais  admitida  por  um  governo  é  a  negação  deliberada  de  sua 
autoridade; e mais, por que não terá ele determinado sua penalidade definitiva, adequada e proporcional? Se 
um homem que não tem bens se recusa não mais que uma vez a ganhar nove xelins para o Estado, é levado à 
prisão por um período não fixado por qualquer lei que eu conheça, e determinado apenas pelo arbítrio dos 
que o colocam ali; porém se roubar noventa vezes nove xelins do Estado, logo será solto. 

Se a injustiça faz parte do necessário atrito da máquina governamental, deixe estar: quem sabe se desgastará 
suavemente, a própria máquina acabando por se desgastar. Se a injustiça no entanto tem mola, polia, corda 
ou  manivela  exclusivas,  talvez  possais  considerar  se  o  remédio  não  será  pior  que  o  mal;  mas  se  é  de  tal 
natureza  que  exija  de  vós  ser  agente  de  injustiça  para  com  outra  pessoa,  digo‐vos  então,  rompei  a  lei.  Que 
vossa vida seja um atrito contrário para deter a máquina. O que me cumpre é ver se de algum modo não estou 
contribuindo para o erro que condeno. 

Quanto  a  adotar  os  meios  fornecidos  pelo  Estado  para  remediar  o  mal,  ignoro  quais  são.  Exigem  tempo 
demais,  e  a  vida  do  homem  é  breve.  Tenho  outros  afazeres  com  que  me  ocupar.  Eu  vim  ao  mundo  não 
especialmente para transformá‐lo num lugar bom de se viver, mas para viver nele, seja bom ou mau. Não cabe 
ao  homem  fazer  todas  as  coisas,  mas  alguma  coisa;  e  porque  ele  não  pode  fazer  todas  as  coisas,  não  é 

necessário  que  ele  faça  alguma  coisa  errada.  Não  é  minha  obrigação  ficar  solicitando  ao  Governo  ou  ao 
Legislativo mais do que lhes cabe solicitar‐me; e se não ouvissem minhas solicitações, o que deveria eu então 
fazer? Mas neste caso o Estado não proporcionou saída: a sua própria Constituição é o mal. Isso pode parecer 
duro, inflexível e pouco conciliador, mas é tratar com extrema delicadeza e consideração o único espírito que 
pode  apreciá‐la  ou  merecê‐la.  Assim  é  toda  mudança  para  melhor,  que  tal  como  o  nascimento  ou  a  morte 
convulsiona o corpo todo. 

Não  hesito  em  dizer  que  aqueles  que  se  chamam  de  Abolicionistas  deveriam  retirar,  imediatamente  e  de 
modo  efetivo,  todo  o  apoio  pessoal  e  material  ao  governo  de  Massachusetts,  e  não  ficar  esperando  até 
constituírem  maioria  de  cinqüenta  e  um  por  cento,  antes  que  se  permitam  prevalecer  por  meio  dela.  Acho 
que se têm Deus a seu lado basta, não precisam esperar por mais aquele um que perfaz a maioria. Ademais, 
qualquer homem mais justo que seus vizinhos já constitui maioria de um. 

Defronto‐me com este governo americano, ou com seu representante, o governo estadual, diretamente e face 
a face, uma vez por ano e não mais, na pessoa de seu coletor de impostos; eis a única maneira pela qual uma 
pessoa  na  minha  condição  social  se  encontra  necessariamente  com  ele;  e  diz‐me  então  de  modo 
inconfundível:  Reconhece‐me;  e  então  a  mais  simples,  a  mais  eficaz,  e,  na  atual  conjuntura,  a  mais 
indispensável  maneira  de  tratá‐lo  e  externar  a  pouca  satisfação  e  o  amor  por  ele  é  negá‐lo.  Meu  cortês 
semelhante, o coletor de impostos, é justamente a pessoa com quem tenho de lidar — pois no final de tudo é 
com  gente,  e  não  com  papéis,  que  eu  brigo,  —  e  foi  de  livre  escolha  que  se  tornou  um  agente  do  governo. 
Como saberá algum dia o que ele é e o que faz como funcionário do governo, ou como homem, até que seja 
obrigado  a  considerar  se  tratará  a  mim,  seu  semelhante  que  lhe  merece  respeito,  como  um  semelhante  e 
homem  bem  intencionado,  ou  como  um  maníaco  e  desordeiro,  e  tentar  vencer  esse  obstáculo  à  sua 
cordialidade sem um pensamento mais rude e impetuoso ou um discurso correspondente à sua ação? Sei bem 
que  se  mil,  cem  ou  dez  homens  que  eu  pudesse  nomear  —  se  apenas  dez  homens  honestos,  —  ai,  se  um 
homem HONESTO, neste Estado de Massachusetts, deixasse de manter escravos e se retirasse de fato desta 
sociedade,  sendo  por  isso  encarcerado  na  prisão  municipal,  teríamos  a  abolição  da  escravatura  nos  Estados 
Unidos. Pois não importa quão pequeno o começo possa parecer: o que se faz bem feito uma vez, faz‐se para 
sempre. Mas preferimos falar a respeito disso: essa, dizemos, é a nossa missão. A Reforma mantém uma série 
de jornais a seu serviço, mas nem um único homem. Se meu estimado semelhante, o embaixador do Estado, 
que empregará seus dias a solucionar a questão dos direitos humanos na Câmara do Conselho, em vez de ser 
ameaçado com as prisões de Carolina ficasse prisioneiro em Massachusetts, Estado tão ansioso por impingir o 
pecado da escravidão ao outro — embora no momento só possa apontar falta de espírito hospitaleiro na base 
da querela entre ambos — a Legislatura não abandonaria de todo o assunto no próximo inverno. 

Num governo que aprisiona qualquer um injustamente, o verdadeiro lugar para um homem justo é também a 
prisão. Hoje em dia o lugar apropriado, o único lugar que Massachusetts vem proporcionando a seus espíritos 
mais livres e menos desalentados está em suas prisões, onde ficarão encerrados e fora de circulação por força 
do  Estado,  da  mesma  forma  que  já  se  puseram  fora  de  circulação  por  força  dos  seus  princípios.  É  aí  que  o 
escravo fugitivo, o prisioneiro mexicano em liberdade condicional, e o índio que vem denunciar injustiças à 
sua raça, deverão encontrá‐los; ali, naquele chão isolado porém mais livre e honroso, em que o Estado coloca 
os que não estão com ele, mas contra ele, está o único recinto de um Estado escravocrata no qual um homem 
livre pode morar com brio. Se alguém pensa que a influência desses espíritos há de se perder aí, e suas vozes 
não mais atribularão os ouvidos do Estado, e que deixarão de ser inimigos dentro de seus muros, não sabe o 
quanto  a  verdade  é  mais  forte  do  que  o  erro,  nem  o  quanto  pode  combater  a  injustiça  de  modo  mais 
eloqüente e efetivo aquele que já a sofreu, um pouco que fosse, na própria pele. Dai vosso voto integral, não 
só a tirinha de papel, mas toda a vossa influência. Uma minoria só é impotente enquanto se amolda à maioria; 
não  é  então  nem  mesmo  uma  minoria.  E  irresistível  porém  quando  atravanca  com  seu  peso  total.  Se  a 
alternativa  que  resta  é  manter  na  prisão  todos  os  homens  justos  ou  renunciar  à  guerra  e  à  escravidão,  o 

Estado não hesitará na escolha. Se este ano mil homens se recusassem a pagar seus impostos, isso não seria 
uma  medida  violenta  ou  sangüinária,  como  seria  pelo  contrário  pagá‐los,  possibilitando  assim  o  Estado  a 
cometer violência e derramar sangue inocente. Esta é, na realidade, a proposta de uma revolução pacífica, se 
tal é possível. Se o coletor de impostos, ou qualquer outro funcionário público, me pergunta, como um já me 
perguntou:  "Mas  o  que  é  que  eu  vou  fazer?",  minha  resposta  é:  "Se  realmente  deseja  fazer  alguma  coisa, 
renuncie  ao  cargo."  Quando  o  súdito  negar  o  dever  de  obediência  e  o  funcionário  renunciar  a  seu  cargo, 
realizou‐se a Revolução. Suponde, inclusive, que se derrame sangue. Por acaso não se derrama uma espécie 
de  sangue  quando  a  consciência  é  ferida?  Através  dessa  ferida  escorre  a  verdadeira  humanidade  e 
imortalidade de um indivíduo, que sangra em morte constante. Vejo esse tipo de sangue escorrendo agora. 

Tenho  meditado  sobre  a  prisão  do  infrator,  mais  do  que  sobre  o  confisco  de  seus  bens  —  embora  ambos 
sirvam ao mesmo propósito, — porque aqueles que defendem o direito mais puro, e são por conseguinte os 
mais  perigosos  para  um  Estado  corrupto,  em  geral  não  gastaram  muito  tempo  acumulando  posses.  A  essas 
pessoas o Estado presta relativamente pequeno serviço e um imposto de pouca monta costuma parecer‐lhes 
exorbitante, sobretudo se são forçadas a ganhá‐lo com o trabalho específico de suas mãos. No caso de alguém 
que vivesse totalmente sem o uso do dinheiro, o próprio Estado hesitaria em cobrar‐lhe. Mas o homem rico 
— sem fazer qualquer comparação invejosa — está sempre vendido à instituição que o enriquece. Em termos 
absolutos, quanto mais dinheiro, menos virtude; pois o dinheiro se interpõe entre o homem e seus objetivos, 
alcançando‐os  para  ele;  e  sem  dúvida  alcançá‐los  não  representa  grande  virtude.  O  dinheiro  põe  de  lado 
muitas questões que de outro modo o homem seria forçado a responder, ao passo que a única questão nova 
que coloca é a difícil, mas supérflua, de como gastá‐lo. Assim o chão da moral é arrancado de sob seus pés. As 
oportunidades de vida diminuem na proporção em que os chamados "meios" aumentam. A melhor coisa que 
um homem pode fazer em prol de sua cultura, ao ficar rico, é tentar realizar os projetos que abrigava quando 
pobre. Cristo respondeu aos súditos de Herodes, de acordo com a condição deles. "Mostrai‐me a moeda com 
que se paga o tributo", disse; — e alguém tirou‐a do bolso; — se usais dinheiro com a efígie do César, que o 
tornou corrente e valioso, isto é, se sois homens do Estado, e prazenteiramente desfrutais as vantagens do go‐
verno de César, então devolvei‐lhe algo do que é seu, quando for cobrado. "Dai pois a César o que é de César e 
a  Deus  o  que  é  de  Deus"  —  deixando‐os  na  mesma  quanto  a  saber  o  quê  era  de  quem,  pois  não  desejavam 
sabê‐lo. 

Quando  converso  com  meus  vizinhos  mais  livres,  dou‐me  conta  de  que,  digam  o  que  disserem  sobre  a 
magnitude e seriedade da questão, e sobre seu respeito pela tranqüilidade pública, tudo visto e considerado, 
concluem que não podem dispensar a proteção do governo existente, e temem as conseqüências que o fato de 
desobedecê‐lo possa acarretar a suas famílias e propriedades. De minha parte, não gostaria de pensar que de 
algum modo conto com a proteção do Estado, pois se nego sua autoridade quando me apresenta a guia do 
imposto, logo se apossará de toda a  minha propriedade, danificando‐a, e ainda apoquentando sem cessar  a 
mim  e  a  meus  filhos.  Isso  é  duro.  Faz  com  que  se  torne  impossível  para  um  sujeito  viver  honestamente, 
gozando  ao  mesmo  tempo  de  conforto  com  relação  a  aspectos  exteriores.  Não  valerá  a  pena  dar‐se  ao 
trabalho  de  acumular  bens,  que  por  sua  vez  certamente  se  perderiam.  Deve‐se  alugar  ou  invadir  algum 
terreno, não cultivar mais que uma pequena colheita e consumi‐la o quanto antes. Deve‐se viver restringido a 
si  mesmo,  dependendo  de  si,  sempre  de  mangas  arregaçadas,  disposto  a  um  recomeço,  e  não  ter  muitos 
negócios.  Um  homem  pode  enriquecer  até  na  Turquia,  se  for  em  todos  os  aspectos  um  bom  súdito  do 
governo turco. Disse Confúcio: "Se um Estado é governado pelos princípios da razão, a pobreza e a miséria são 
motivos  de  vergonha;  se  um  Estado  não  é  governado  por  esses  princípios,  a  riqueza  e  as  honras  é  que  são 
motivos de vergonha." Não: até que eu precise que a proteção de Massachusetts se estenda a mim em algum 
distante porto do Sul, onde minha liberdade corra perigo, ou até que esteja ocupado apenas em construir uma 
propriedade  mediante  empreendimento  pacífico,  posso  dar‐me  ao  luxo  de  recusar  submissão  a 
Massachusetts,  e  seu  direito  a  minha  propriedade  e  a  minha  vida.  Custa‐me  bem  menos  incorrer  na 


penalidade  de  desobediência  ao  Estado,  do  que  me  custaria  a  obediência,  pois  neste  caso  me  sentiria 
diminuído diante de mim mesmo. 

Há  alguns  anos  o  Estado  me  procurou  em  nome  da  Igreja,  intimando‐me  a  pagar  certa  importância  para  a 
manutenção de um clérigo a cuja pregação meu pai costumava assistir, mas não eu. "Paga ou serás posto no 
xadrez",  disseram‐me.  Eu  me  recusei  a  pagar,  mas,  lamentavelmente,  outra  pessoa  achou  por  bem  fazê‐lo. 
Não entendi porque o mestre‐escola deveria contribuir para sustentar o sacerdote, e não o contrário; porque 
eu não era professor estadual e me mantinha por contribuição voluntária. Não entendi porque  o Liceu não 
podia apresentar suas contas com o apoio do Estado, tal e qual a Igreja. Entretanto, a pedido dos conselheiros 
municipais,  condescendi  em  declarar  por  escrito  o  seguinte:  "Saibam  todos  pela  presente  declaração  que  eu, 
Henry  Thoreau,  não  desejo  ser  considerado  membro  de  nenhuma  sociedade  constituída,  à  qual  não  haja  me 
associado expressamente." Entreguei‐a ao secretário municipal, que a arquivou. O Estado, ficando desse modo 
ciente  de  que  eu  não  desejava  ser  considerado  membro  daquela  Igreja,  desde  então  nunca  mais  me  fez 
exigência parecida, embora dissesse naquela ocasião que devia se prender à sua presunção original. Se tivesse 
sabido o nome das sociedades em que nunca me inscrevera, teria a essa altura me excluído detalhadamente 
de todas, mas não soube onde encontrar uma lista completa. 

Durante seis anos não paguei imposto de capitação. Por conta disso certa ocasião passei uma noite no xadrez; 
e  enquanto  contemplava  os  muros  de  sólida  pedra  de  quase  um  metro  de  espessura,  a  porta  de  madeira  e 
ferro grossa de mais de um palmo, e a grade de ferro que filtrava a luz, não pude deixar de ficar chocado com 
a estupidez daquela instituição que me tratava como se eu fosse apenas de carne e osso e pudesse ser fechado 
à chave. Surpreendia‐me que por fim ela houvesse chegado à conclusão de que essa era a melhor coisa que 
podia fazer comigo, sem lhe passar pela cabeça valer‐se de algum modo dos meus préstimos. Vi que, se havia 
um  muro  de  pedras  entre  mim  e  os  meus  concidadãos,  havia  ainda  outro  bem  mais  difícil  de  galgar  ou 
romper para que eles pudessem chegar a ser tão livres como eu. Não me senti confinado em momento algum, 
e os muros me pareceram um grande desperdício de pedra e argamassa. Tive a impressão de que era o único 
dos  meus  concidadãos  que  havia  pago  o  imposto.  Eles  simplesmente  não  sabiam  como  me  tratar,  e  se 
comportavam  como  pessoas  pouco  educadas.  Em  cada  ameaça  e  em  cada  saudação,  havia  sempre  um 
equívoco, porque pensavam que meu maior desejo era estar do outro lado daquele muro de pedra. Não podia 
deixar de sorrir ao ver quão laboriosamente aferrolhavam a porta sobre minhas meditações, que os seguiam lá 
fora  sem  estorvo  nem  obstáculos,  sendo  elas  na  verdade  a  única  coisa  perigosa.  Como  não  podiam  me 
alcançar,  tinham  resolvido  castigar  meu  corpo;  tal  e  qual  garotos,  que  se  não  podem  tirar  desforra  contra 
alguém de quem têm raiva, maltratam seu cachorro. Vi que o Estado era um imbecil, tímido feito uma mulher 
solitária em meio às suas pratarias, não sabia sequer distinguir amigos de inimigos; acabei por perder o resto 
de respeito que ainda me inspirava, e me apiedei dele. 

Desse  modo  o  Estado  nunca  se  confronta  intencionalmente,  com  o  sentido  moral  ou  intelectual  de  um 
homem,  mas  apenas  com  seu  corpo,  seus  sentidos  físicos.  Não  se  arma  de  espírito  superior  ou  de 
honestidade, mas de força física superior. Não nasci para que me forcem a coisa alguma. Respirarei à minha 
moda. Vejamos quem é o mais forte. Que força tem a multidão? Só podem me forçar os que obedecem a uma 
lei  superior  a  mim.  Forçam‐me  a  me  tornar  como  eles.  Não  sei  de  homens  forçados  a  viverem  desta  ou 
daquela  maneira  sob  ação  da  massa.  Que  espécie  de  vida  a  se  viver  seria  essa?  Ao  me  deparar  com  um 
governo que me diz: "A bolsa ou a vida", por que haveria de lhe dar logo meu dinheiro? Talvez se encontre em 
grande aperto e não saiba o que fazer: não posso evitar isso, nem ajudá‐lo. Ele é que deve ajudar a si mesmo; 
fazer  como  eu  faço.  Não  vale  a  pena  choramingar  por  isso.  Não  sou  responsável  pelo  funcionamento 
satisfatório da máquina social. Não sou o filho do engenheiro. Noto que ao caírem lado a lado uma bolota de 
carvalho e uma castanha, uma não fica inerte para dar vez à outra, mas ambas obedecem a suas próprias leis, 
e  brotam,  crescem  e  florescem  o  melhor  que  podem,  até  que  uma  delas,  porventura,  suplanta  e  destrói  a 
outra. Se uma planta não pode viver de acordo com a sua natureza, morre; e assim o homem. 

A noite que passei na prisão foi bem interessante e singular. Quando entrei, os prisioneiros, em mangas de 
camisa, conversavam e tomavam sereno em frente à porta. Disse‐lhes o carcereiro: "Vamos, rapazes, já é hora 
de fechar"; então eles se dispersaram e eu ouvi o ruído de seus passos retornando às celas vazias. Em seguida 
ele  me  apresentou  ao  companheiro  de  cela,  qualificando‐o  como  "um  cara  ótimo  e  inteligente".  Trancada  a 
porta,  o  companheiro  me  mostrou  onde  pendurar  o  chapéu  e  como  a  pessoa  se  virava  por  lá.  Os 
compartimentos eram caiados uma vez por mês; o que me coube era, pelo menos, o mais branquinho, o de 
mobília mais singela e provavelmente o mais arrumado de todos. É claro que meu companheiro quis saber de 
onde eu vinha e por que estava ali; e ao responder‐lhe por minha vez perguntei o que o levara ali, partindo, é 
claro, do pressuposto de que ele era um homem honesto, e, como andam as coisas, creio que era. Disse‐me: 
"Ora,  acusam‐me  de  ter  posto  fogo  num  celeiro,  mas  nunca  fiz  isso."  Conforme  pude  perceber,  tinha  ido 
dormir  bêbado  num  celeiro  e  lá  fumara  seu  cachimbo;  e  deu‐se  o  incêndio.  Tinha  fama  de  ser  um  homem 
inteligente. Havia uns três meses aguardava por julgamento, devendo ainda aguardar muito mais tempo; mas 
estava inteiramente domesticado e satisfeito, já que ganhava seu sustento a troco de nada e se julgava bem 
tratado. 

Ele ficava com uma janela e eu com a outra; e vi que se uma pessoa permanecia ali muito tempo, a sua maior 
ocupação haveria de ser olhar pela janela. Em pouco eu já havia lido todos os folhetos lá deixados, examinado 
os locais onde a grade havia sido serrada para que os prisioneiros anteriores escapassem, e ouvido a história 
dos vários ocupantes da cela, pois descobri que mesmo ali havia uma história e boatos que nunca circulavam 
fora  dos  muros  da  prisão.  E  provável  que  seja  esta  a  única  residência  da  cidade  onde  se  compõem  versos, 
impressos em seguida em forma de circular, embora nunca sejam publicados. Mostraram‐me longas listas de 
versos escritos por jovens ao tentarem fugir e que se vingaram cantando‐os. 

Dei corda no meu companheiro de cela até arrancar‐lhe o máximo de informações que pude, pois temia não 
voltar a vê‐lo; por fim ele me mostrou qual era minha cama e deixou a meu cargo apagar a lâmpada. 

Permanecer  ali  por  uma  noite  foi  como  viajar  num  país  distante,  como  eu  nunca  sonhara  ver.  Parecia‐me 
nunca ter ouvido antes as batidas do relógio público, nem os sons do anoitecer no povoado, pois para dormir 
deixávamos  abertas as janelas, que ficavam do lado de dentro das grades. Era  como  ver minha cidadezinha 
natal  à  luz  da  Idade  Média,  nosso  rio  Concord  convertido  numa  corrente  do  Reno,  visões  de  cavaleiros  e 
castelos  passando  diante  de  mim.  Eram  as  vozes  dos  antigos  burgueses  que  eu  ouvia  nas  ruas.  Eu  era 
espectador  e  ouvinte  involuntário  de  tudo  que  era  feito  e  dito  na  cozinha  da  estalagem  próxima  —  uma 
experiência inteiramente nova e rara para mim. Tinha uma visão mais íntima de minha cidade natal, pois eu 
estava justamente em seu interior. Antes nunca havia visto suas instituições, e esta é uma das mais peculiares, 
por se tratar de uma sede do condado. Comecei a compreender em que se ocupavam seus habitantes. 

Nossa refeição matinal foi colocada através de uma abertura apropriada na porta, em pequenas e retangulares 
marmitas de metal, feitas sob medida, e que vinham com uma porção de chocolate, pão preto e uma colher 
de ferro. Quando vieram recolher as vasilhas, fui bastante neófito para devolver a minha com o resto do pão; 
mas  meu  companheiro  apanhou‐o,  dizendo‐me  que  eu  deveria  guardá‐lo  para  o  almoço  ou  o  jantar.  Logo 
depois ele foi liberado para recolher feno num campo vizinho, aonde ia trabalhar todos os dias só voltando no 
começo da tarde; e assim desejou‐me bom‐dia, dizendo duvidar se ainda ia me ver. 

Quando  saí  da  prisão  —  pois  alguém  interferiu  e  pagou  o  imposto  —  não  me  dei  conta  de  que  grandes 
modificações  haviam  ocorrido  no  geral,  tal  como  as  observou  o  homem  que  partiu  jovem  e  só  regressou 
trôpego e de cabeça grisalha; e contudo uma modificação se processara debaixo dos meus olhos no cenário — 
a cidade, o Estado, o país — bem maior do que qualquer uma que o simples passar do tempo poderia operar. 
Eu via de maneira ainda mais nítida o Estado em que vivia, e até que ponto o pessoal no meio do qual eu vivia 
era  digno  de  confiança  como  bons  vizinhos  e  amigos;  que  a amizade  deles  durava  apenas  o  verão;  que  não 
estavam muito empenhados em agir corretamente; que constituíam uma raça tão diferente de mim quanto os 

chineses e malásios, por causa de seus preconceitos e superstições; que em seus sacrifícios pela humanidade 
não arriscavam seus bens nem a si mesmos; que no final não eram tão nobres mas tratavam o ladrão como 
este  os  tratava,  e  tinham  esperança  de  salvar  suas  almas  por  meio  de  práticas  exteriores  e  meia  dúzia  de 
orações, além de ocasionalmente percorrerem vias em particular retas, porém inúteis. Isso talvez seja julgar 
meus vizinhos de maneira cruel, pois creio que muitos nem sabem que dispõem de uma instituição como a 
cadeia do povoado. 

Outrora,  quando  um  pobre  devedor  era  posto  em  liberdade,  era  costume  em  nossa  cidadezinha  seus 
conhecidos saudá‐lo olhando‐o através dos dedos cruzados a imitarem a grade da prisão "Como vai?". Meus 
vizinhos não me cumprimentaram assim, mas me encararam a princípio e a seguir se entreolharam, como se 
eu  tivesse  retornado  de  uma  longa  viagem.  Puseram‐me  na  cadeia  quando  eu  ia  ao  sapateiro  pegar  um 
calçado que estava no conserto. Ao ser liberado na manhã seguinte, tratei de cumprir aquela incumbência, e, 
calçando o sapato consertado, juntei‐me a um grupo de colhedores de mirtilos que estavam impacientes para 
que  eu  os  guiasse;  e  em  meia  hora  —  pois  logo  se  arreou  o  cavalo  —  eu  estava  no  meio  de  um  campo  de 
mirtilos, numa de nossas colinas mais altas, a mais de três quilômetros do povoado, e então o Estado não era 
visto em parte alguma. 

Eis na íntegra a história de "Minhas Prisões". 

Nunca me neguei a pagar o imposto sobre estradas, pois desejo tanto ser um bom vizinho como desejo ser 
um mau súdito; e no que diz respeito à manutenção de escolas, contribuo com a minha parte para a educação 
de meus compatriotas. Não é por nenhum item em particular no regulamento do imposto, que me recuso a 
pagá‐lo.  Desejo  simplesmente  recusar  minha  adesão  ao  Estado,  afastar‐me  e  manter‐me  efetivamente  à 
distância  dele.  Não  me  interessa  seguir,  mesmo  se  fosse  possível,  o  rasto  do  meu  dólar  até  que  com  ele  se 
compre um homem ou um mosquete com que atirar — o dólar é inocente — mas me preocupo em investigar 
os efeitos da minha adesão. De fato, declaro tranqüilamente guerra ao Estado, à minha moda, embora ainda 
venha a usá‐lo e arrancar‐lhe qualquer vantagem possível, como é de costume em tais casos. 

Se outros, por simpatia para com o Estado, pagam o imposto que me é exigido, fazem apenas o que já fizeram 
em seu próprio caso, ou melhor, favorecem a injustiça numa escala maior que o Estado requer. Se pagam o 
imposto levados por um equívoco interesse pelo indivíduo tributado, a fim de salvar‐lhe as propriedades ou 
impedir‐lhe  a  prisão,  é  porque  não  ponderaram  com  sensatez  até  que  ponto  deixam  seus  sentimentos 
pessoais interferirem na coisa pública. 

Essa é portanto minha posição atual. Mas em tal caso ninguém pode se resguardar demasiado para que seus 
atos não sejam influenciados pela obstinação ou pelo respeito indevido às opiniões alheias. Que o indivíduo 
procure agir de acordo com sua personalidade e com o momento. 

Às  vezes  penso:  Ora,  essas  pessoas  são  bem  intencionadas,  só  que  ignorantes;  elas  agiriam  melhor  se 
soubessem como. Por que obrigar os próximos a vos tratar de maneira contrária à inclinação deles? Mas torno 
a pensar:  Não há razão  para que eu  proceda como eles, ou  permita que outros sofram ainda mais de outro 
modo.  E  ainda,  falando  comigo  mesmo,  em  certas  ocasiões:  Quando  muitos  milhões  de  homens,  sem 
entusiasmo,  sem  má  vontade,  sem  qualquer  sentimento  pessoal,  te  pedem  apenas  uns  poucos  xelins,  sem 
possibilidades, devido ao tipo de constituição que têm, de retirar ou modificar esse seu pedido, e, pelo que te 
diz  respeito,  sem  a  possibilidade  de  apelar  para  quaisquer  outros  milhões,  por  que  hás  de  te  expor  a  essa 
esmagadora  força  bruta?  Não  resistes  ao  frio  e  à  fome,  aos  ventos  e  às  vagas  assim  obstinadamente;  com 
mansidão te submetes a milhares de necessidades semelhantes. Não ponhas a cabeça dentro do fogo. Porém 
na mesma proporção em que encaro isso não como uma força bruta, mas em parte como uma força humana, 
e pondero que me relaciono com esses milhões da mesma forma que com outros tantos milhões de homens, e 
não de meras coisas brutas e inanimadas, compreendo que o apelo é possível, primeiro e instantaneamente, a 
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partir  deles  para  o  seu  Criador,  e  em  seguida  deles  para  si  mesmos.  Mas  se  coloco  minha  cabeça  no  fogo 
intencionalmente, não adianta apelar para o fogo, ou para seu Criador, pois sou o único culpado. Se pudesse 
me convencer de que me assiste o direito de contentar‐me com os homens tal e qual são, e tratá‐los de acordo 
com esse pressuposto, e não em alguns aspectos de acordo com as minhas exigências e expectativas do que 
eles e eu devemos ser, então, como um bom muçulmano, como um fatalista, tentaria me contentar com as 
coisas como são, e proclamar que é a vontade de Deus. E, acima de tudo, há uma diferença entre resistir a isso 
e  à  força  puramente  bruta  ou  natural,  e  a  diferença  consiste  em  que  posso  resistir  com  alguns  resultados, 
enquanto não espero, como Orfeu, mudar a natureza das pedras, das árvores e das feras. 

Não  desejo  querela  com  nenhuma  pessoa  ou  nação.  Não  desejo  discutir  ninharias,  fazer  distinções  sutis  ou 
colocar‐me  acima  dos  meus  próximos.  Posso  até  dizer  que  procuro  de  preferência  uma  desculpa  para  me 
ajustar às leis da terra. Estou inclusive muito disposto a me adaptar a elas. Na verdade tenho razões de sobra 
para me suspeitar nessa direção; e a cada ano, quando surge o coletor de impostos, descubro‐me inclinado a 
revisar os atos e atitudes dos governos federal e estadual, bem como o espírito do povo a fim de descobrir um 
pretexto para aceitação. 

"Devemos estimar nosso país como a nossos 
pais, E se em algum momento lhe retirarmos 
Nosso amor ou nosso empenho em honrá‐lo, 
Devemos acatar os efeitos e ensinar à alma 
Matéria de consciência e religião, E não desejo 
de lucro e dominação." 

Creio que breve o Estado será capaz de retirar‐me das mãos todo esse tipo de trabalho, e então eu não serei 
um patriota melhor que meus conterrâneos. De um ponto de vista inferior, a Constituição, apesar de todas as 
suas falhas, é muito boa; a lei e os tribunais muito respeitáveis; mesmo o Estado e o governo americano, em 
muitos  aspectos,  coisas  muito  raras  e  admiráveis,  dignas  de  agradecimento,  segundo  a  descrição  de  muitas 
pessoas importantes; já de um ponto de vista um pouco mais alto, são como os descrevi; de um ponto de vista 
ainda  mais  alto,  o  superior,  quem  dirá  que  são,  ou  que  sejam  afinal  dignos  de  nosso  olhar  e  de  nosso 
pensamento? 

Contudo  o  governo  não  me  preocupa  muito,  e  eu  lhe  dedicarei  o  menor  número  possível  de  pensamentos. 
Não são muitos os momentos em que vivo sob um governo, mesmo neste mundo. Se um homem é livre para 
pensar,  sonhar,  e  imaginar  que  não  é  nunca  por  muito  tempo  o  que  lhe  parece  ser,  os  governantes  e 
reformadores insensatos não podem fatalmente interrompê‐lo. 

Sei que a maioria dos homens pensa de modo diferente de mim; porém aqueles que por profissão dedicaram 
suas vidas ao estudo desses e de outros assuntos afins, satisfazem‐me tão pouco quanto os demais. Estadistas 
e  legisladores,  mergulhados  da  cabeça  aos  pés  dentro  da  instituição,  nunca  a  contemplam  de  maneira 
definida  e  franca.  Falam  de  mudar  a  sociedade,  mas  não  contam  com  nenhum  lugar  de  repouso  fora  dela. 
Podem  ser  homens  de  certa  experiência  e  critério,  que  sem  dúvida  inventaram  sistemas  engenhosos  e  até 
úteis, pelos quais lhes somos sinceramente gratos; mas todo o seu engenho e utilidade repousam dentro de 
limites  não  muito  amplos.  Costumam  esquecer  que  o  mundo  não  se  governa  com  astúcia  política  e 
conveniência.  Webster  nunca  investiga  as  causas  do  governo,  por  isso  não  pode  falar  dele  com  autoridade. 
Suas  palavras  são  sabedoria  para  aqueles  legisladores  que  não  têm  em  vista  nenhuma  reforma  essencial  no 
governo  em  vigor;  para  os  pensadores  porém,  e  aqueles  que  legislam  para  todas  as  épocas,  em  momento 
nenhum  ele  vislumbra  o  assunto.  Sei  de  pessoas  cujas  especulações  serenas  e  sábias  sobre  o  tema  logo 

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revelariam  as  limitações  de  alcance  e  abrangência  daquela  mente.  E  contudo,  em  comparação  com  as 
declarações  baratas  da  maioria  dos  reformadores  e  com  a  sabedoria  e  eloqüência  ainda  mais  barata  dos 
políticos em geral, as palavras de Webster são quase que as únicas sensatas e valiosas, e agradecemos aos céus 
por ele. Comparativamente, ele é sempre forte, original e sobretudo prático. No entanto, sua virtude não é a 
sabedoria, mas a prudência. A verdade do advogado não é a Verdade, mas coerência e conveniência coerente. 
A verdade está sempre em harmonia consigo mesma, e não está fundamentalmente interessada em revelar a 
justiça que pode consistir em fazer o mal. Ele bem merece ser chamado, como aliás tem sido, o Defensor da 
Constituição. Dele não se espera outros golpes além dos defensivos. Não é um líder, mas um seguidor. Seus 
líderes  são  os  homens  de  1787.  Diz  ele:  "Nunca  fiz  nenhum  esforço,  nem  propus  que se  fizesse  algum;  nunca 
apoiei  nem  pretendo  apoiar  nenhuma  tentativa  no  sentido  de  alterar  a  disposição  originalmente  aprovada, 
segundo a qual os vários Estados constituíram a União." Pensando ainda na sanção dada à escravatura pelas 
leis americanas em vigor, ele declara: "Porque integra o conjunto original, que permaneça." Não obstante sua 
especial agudeza e habilidade, ele é incapaz de destrinçar um fato de suas implicações meramente políticas e 
contemplá‐lo em termos absolutos a serem manejados pelo intelecto, — o que compete a um homem fazer na 
América de hoje no que diz respeito, por exemplo, à escravidão, da qual que código de deveres sociais novo e 
original  pode  se  inferir?  —  Mas  se  arrisca,  ou  é  levado  a  dar  alguma  resposta  desesperada  como  a  que  se 
segue,  enquanto  professa  falar  em  termos  absolutos  e  como  um  cidadão  comum:  "A  maneira  pela  qual  os 
governos  dos  Estados  onde  exista  a  escravidão  devem  regulá‐la  depende  da  consideração  deles,  sob  a 
responsabilidade dos seus constituintes, para com as leis gerais da propriedade, humanidade, justiça e Deus. As 
associações formadas em outros lugares, emanando de sentimentos humanitários, ou de qualquer outra causa, 
não têm nada a ver com a questão. Nunca receberam nem hão de receber nenhum estímulo de minha parte." 

Aqueles que não conhecem outros mananciais de verdade mais pura, que não localizaram seu curso d'água 
num  ponto  mais  elevado,  apóiam‐se  de  maneira  sensata,  na  Bíblia  e  na  Constituição,  aí  bebendo  com 
reverência  e  humildade;  mas  aqueles  que  vislumbram  de  onde  ela  vem  escorrendo  no  rumo  deste  lago  ou 
desta poça d'água, mais uma vez se preparam para a ação e continuam a romaria em direção à nascente. 

Não  surgiu  na  América  nenhum  gênio  da  legislação.  São  raros  na  própria  história  do  mundo.  Há  oradores, 
políticos e homens eloqüentes aos milhares; mas o orador capaz de resolver as questões cruciais do presente 
ainda  está  por  abrir  a  boca.  Amamos  a  eloqüência  em  si  mesma,  e  não  por  causa  da  verdade  que  pode 
expressar, ou do heroísmo que pode inspirar. Nossos legisladores ainda não aprenderam o relativo valor, para 
uma nação, do livre‐comércio e da liberdade, da harmonia e da honradez. Não possuem vocação ou talento 
para questões relativamente humildes como as de tributação e finanças, de indústria, comércio e agricultura. 
Se  fôssemos  entregues  unicamente  ao  espírito  demagógico  dos  legisladores  no  Congresso  para  nossa 
orientação, não contrabalançada pela experiência oportuna e as queixas eficazes do povo, os Estados Unidos 
não conservariam por muito tempo sua eminência entre as nações. Embora eu talvez não tenha o direito de 
me  referir  a  isso,  faz  mil  e  oitocentos  anos  que  o  Novo  Testamento  foi  escrito;  e  contudo,  onde  está  o 
legislador dotado de sabedoria e bastante talento prático para se valer da luz que esse texto derrama sobre a 
ciência da legislação? 

A  autoridade  do  governo,  mesmo  aquela  a  que  estou  disposto  a  me  submeter  —  pois  de  bom  grado 
obedecerei àqueles que sabem e podem fazer melhor que eu, e em muitas coisas até mesmo àqueles que nem 
sabem  nem  podem  fazer  tão  bem  —,  é  ainda  de  natureza  impura:  para  ser  estritamente  justa,  deve  ter  a 
aprovação  e  o  consentimento  dos  governados.  Não  pode  gozar  de  direito  sobre  minha  pessoa  e  meus  bens 
além do que eu lhe concedo. O progresso da monarquia absoluta para a limitada, e desta para a democracia, é 
um progresso rumo ao verdadeiro respeito pelo indivíduo. Mesmo o filósofo chinês foi suficientemente sábio 
para  ver  no  indivíduo  a  base  do  império.  Será  a  democracia,  tal  como  a  conhecemos,  o  último  grau  de 
aperfeiçoamento  possível  em  matéria  de  governo?  Não  será  possível  dar  um  passo  além  no  sentido  de 
reconhecer e organizar os direitos do homem? Nunca haverá um Estado realmente livre e esclarecido até que 
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este  reconheça  o  indivíduo  como  um  poder  superior  e  independente,  do  qual 
deriva  todo  o  seu  próprio  poder  e  autoridade,  e  o  trate  de  acordo  com  isso. 
Apraz‐me imaginar um Estado que por fim pode se permitir ser justo para com 
todos  os  homens,  e  tratar  o  indivíduo  com  o  respeito  que  lhe  merece  um 
vizinho;  que  até  não  julgaria  incompatível  com  seu  próprio  sossego  se  uns 
poucos sujeitos fossem viver à parte, não se imiscuindo com ele, não abarcados 
mas cumprindo todos os deveres de vizinhos e  companheiros. Um Estado que 
abrigasse  essa  espécie  de  fruto,  aceitando‐lhe  a  queda  mal  amadurecesse, 
haveria de abrir caminho para outro ainda mais perfeito e glorioso, que também 
já imaginei, mas ainda não vi em parte alguma.  

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