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Notas e Observações
1. O presente texto, com os resultados da pesquisa Mudanças Climáticas na Imprensa Brasileira: uma análise de
50 Jornais no período de julho de 2005 a junho de 2007, é uma versão para discussão. No próximo ano, a ANDI,
com apoio do Programa de Comunicação em Mudanças Climáticas da Embaixada Britânica no Brasil, preparará
uma edição ampliada dessas reflexões. Nesse sentido, todas as contribuições e sugestões dos leitores e leitoras
para o aprimoramento da obra são mais do que bem vindas. Mensagens podem ser enviadas para o endereço
mudancasclimaticas@andi.org.br.
2. O uso de um idioma que não discrimine e nem marque diferenças entre homens e mulheres ou meninos e meni-
nas é uma das preocupações da ANDI e da Embaixada Britânica no Brasil. Porém, não há acordo entre os lingüis-
tas sobre a maneira de como fazê-lo. Dessa forma, com o propósito de evitar a sobrecarga gráfica para marcar a
existência de ambos os sexos em língua portuguesa, optou-se por usar o masculino genérico clássico na maioria
dos casos, ficando subentendido que todas as menções em tal gênero representam homens e mulheres.
SUMÁRIO
RESUMO EXECUTIVO 04
INTRODUÇÃO 08
CONCLUSÃO 50
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 52
ANEXO I 55
ANEXO II 57
FICHA TÉCNICA 59
RESUMO EXECUTIVO
A partir do último trimestre de 2006, as redações de 50 importantes diários brasileiros
começaram a dedicar um espaço mais expressivo de suas páginas ao agendamento do
debate sobre um tema que vem ganhando destaque no cenário internacional nos últimos
anos: as Mudanças Climáticas. Esta é uma das conclusões apontadas pelo estudo Mudanças
Climáticas na Imprensa Brasileira: uma análise de 50 jornais no período de julho
de 2005 a junho de 2007, realizado pela ANDI – Agência de Notícias dos Direitos da
Infância, com o apoio do Programa de Comunicação em Mudanças Climáticas da Embaixada
Britânica no Brasil.
A pesquisa avaliou uma amostra de 997 editoriais, artigos, colunas, entrevistas e matérias
veiculadas entre 1º de julho de 2005 e 30 de junho de 2007. Para efeitos comparativos,
além dos textos relacionados ao debate sobre as Mudanças Climáticas, foi também
contabilizado um segundo conjunto de textos. Este material utilizado para comparação
poderia ter sido composto por qualquer tema veiculado nos mesmos dias da amostra de
Mudanças Climáticas. Optou-se por avaliar os conteúdos relacionados à agenda ambiental
mais extensa (excluindo-se o debate sobre as alterações climáticas). Tal escolha foi pautada
pela proposta de se verificar como a cobertura ambiental evolui paralelamente àquela
relacionada às alterações climáticas e vice-versa.
Nos primeiros cinco trimestres da análise, identificou-se um texto publicado pelos jornais a cada
cinco dias. Essa média cresce para uma matéria a cada dois dias nos últimos três trimestres.
A agenda principal
• A imprensa refere-se mais à expressão “aquecimento global” (70% dos casos) do
que à idéia de Mudanças Climáticas (30%), isto é, toma a parte pelo todo.
• Metade dos textos analisados revela o agendamento das principais temáticas que
estão na órbita do debate mais amplo sobre as Mudanças Climáticas: efeito estufa;
questões energéticas; conseqüências/impactos das mudanças/aquecimento global.
Outros 22 assuntos dividem a segunda metade da cobertura, dentre eles: desmata-
mento, ação coletiva internacional, agricultura, indústria, eventros climáticos extre-
mos, consumo, questões tecnológicas, vulnerabilidades.
• Em geral, os veículos dão muito mais atenção à agenda da mitigação (41,7%) do que
à adaptação (2,7%). As estratégias de mitigação, por sua vez, concentram-se no tema
da oferta de energia (quase 50% das que falam de mitigação); já os aspectos relacio-
nados às florestas, centrais no caso do Brasil, vêm bem abaixo, com 23%.
O contexto da informação
As vastas implicações geradas para as sociedades pelas Mudanças Climáticas ampliaram
os contextos que devem ser trazidos à baila quando o tema está em discussão. Assim,
se por um lado, há um volume não desprezível de elementos gerais de contextualização
– 40% mencionam estatísticas, 36% legislação, 32% dados científicos; por outro, falha-se
na apresentação dos contextos específicos.
• Ainda que cerca de 20% dos textos tenham enquadrado a discussão sobre Mudanças
Climáticas a partir de uma ótica econômica, os dados apontam para uma baixa con-
textualização no que se refere a este tipo de perspectiva: 9,7% centram-se nos cus-
tos, 8% sublinham oportunidades, 7% abordam benefícios econômicos, 6% trazem
uma reflexão sobre os padrões de consumo das sociedades contemporâneas, 2,2%
dos textos relacionam o tema com impactos no PIB e 2,3% mencionam modelos
econômicos.
• Ao trabalhar a questão dos gases geradores do efeito estufa (45%), por exemplo,
apenas 3,9% dos textos salientam as diferenças no volume de emissões entre os
países e 0,3% atenta para as diferença no volume de emissões entre os estados bra-
sileiros, questões de fundo da agenda política.
• Além das iniciativas públicas terem sido abordadas de forma lateral, os dados salien-
tam que elementos fundamentais (por exemplo, menção ao orçamento, à avaliação
e monitoramento de políticas públicas e à responsabilidade dos governos) para se
construir um noticiário que colabore efetivamente para garantir a accountability dos
governos não estavam presentes nos textos investigados.
• Da mesma forma, cobrou-se pouco dos poderes públicos e discussões sobre questões or-
çamentárias foram mínimas, bem como sobre a avaliação e monitoramento das políticas.
• Uma hipótese que pode explicar esse comportamento é a efetiva escassez de políticas
públicas para a área no contexto brasileiro – o que, entretanto, não exime a imprensa de
apontar essas eventuais lacunas.
Preocupação com a diversidade de vozes
• De maneira geral, os diários diversificaram as fontes ouvidas, consultando diferentes
categorias de atores (poderes públicos, especialistas, técnicos e universidades, em-
presas não estatais, governos estrangeiros são os mais ouvidos), o que representa um
ponto positivo da cobertura. Por outro lado, menos de 10% dos textos trazem opi-
niões divergentes e um volume não desprezível (quase 30%) não explicita as fontes
de informação consultadas.
Ao longo das próximas páginas, buscamos apontar as oportunidades que foram perdidas
pela cobertura, mas que ainda compõem uma agenda de trabalho que pode – e deve – ser
levada a cabo pela imprensa brasileira. Contribuir para qualificar esse debate é, sobretudo,
uma das razões que justificam a realização da presente pesquisa.
INTRODUÇÃO
Agir agora não é apenas uma questão de vontade política, é uma questão de
responsabilidade, de compromisso, de visão, de ética e de sobrevivência,
Marina Silva, ministra do Meio Ambiente
Este texto analisa o tratamento editorial dispensado por 50 jornais diários brasileiros ao debate
sobre as chamadas Mudanças Climáticas. O estudo abrange veículos de todos os estados do
País, trazendo uma radiografia da cobertura produzida entre julho de 2005 e junho de 2007.
Os resultados da pesquisa – fruto de um esforço coordenado pela ANDI, com o imprescindível
apoio da Embaixada Britânica no Brasil – constituem, como veremos a seguir, subsídios relevan-
tes para uma leitura mais aprofundada sobre o papel desempenhado pela grande mídia na ampla
discussão que vem sendo travada, em nível mundial, acerca das alterações registradas no clima
do planeta e das possíveis conseqüências desse fenômeno no futuro.
Trata-se de um debate central para as políticas de desenvolvimento das diversas nações e, não
é exagerado afirmar, para toda a humanidade. Essa é, certamente, a primeira premissa a partir
da qual o presente estudo foi elaborado. Isso porque não é possível pensar sob a perspectiva
do desenvolvimento sem que se leve em conta o processo de degradação ambiental gerado,
nos últimos séculos, a partir da expansão da economia mundial. Por outro lado, vale lembrar
que esse cuidado com a sustentabilidade, tão difundido nas décadas mais recentes, traz em
sua essência uma preocupação que está na raiz do trabalho desenvolvido pela ANDI desde sua
fundação: construir um contexto favorável à qualidade de vida das novas gerações.
Apontadas tais considerações, surge ainda outra importante questão que também embasa a
configuração do presente estudo: por que nos dedicarmos a uma análise aprofundada sobre a
relação entre a atuação da mídia e o debate acerca das Mudanças Climáticas? Afinal, a constatação
de que esse tema importa para a agenda da infância e da adolescência poderia justificar, por
exemplo, que se priorizasse um estudo sobre as políticas com foco na garantia dos direitos das
populações infanto-juvenis que vivem em áreas de alto risco (como as pequenas ilhas).
Nossa opção, entretanto, foi por dedicar esforços na compreensão de como um ator central
para a democracia – a imprensa – vem atuando frente a esse importante debate. Para sustentar
Pauta relevante para a infância e a adolescência
Cabe ressaltar, porém, que os dados apresentados nas próximas páginas não re-
presentam um fim em si mesmos. Seu objetivo último é promover, a partir do
monitoramento da mídia brasileira, uma cooperação com os agentes da notícia
(jornalistas e fontes de informação), possibilitando que contribuições concretas
possam ser ofertadas para minimizar os efeitos das Mudanças Climáticas e, conse-
qüentemente, favorecer a implementação de um modelo de desenvolvimento que
leve em conta a qualidade de vida das novas gerações.
a necessidade de compreendermos melhor essa relação Mídia – Mudanças Climáticas, vale
apontar cinco outras premissas fundamentais:
• O tema Mudanças Climáticas conforma uma questão da mais alta relevância para as so-
ciedades contemporâneas.
• Exatamente por isso, precisa ser agendado de forma prioritária entre a população em ge-
ral, mas, sobretudo, entre os chamados tomadores de decisão e formadores de opinião.
• Precisa ainda ser informado de maneira contextualizada.
• Da mesma forma, necessita ser alvo de políticas públicas monitoradas pelos atores que
conformam o sistema de freios-e-contrapesos, peça fundamental para a boa governança
e para a transparência nas sociedades democráticas.
• Por fim, ressaltamos que o jornalismo tem como funções fundamentais, exatamente:
o agendar os temas prioritários para as democracias contemporâneas;
o prover informação contextualizada sobre esses mesmos temas;
o atuar como watchdog dos formuladores e executores de políticas públicas, colabo-
rando para elevar o nível de accountability dos mesmos.
Independentemente das respostas a tais questões, seria interessante apontarmos uma hipótese
que nos parece relevante. Mesmo desconhecendo os dados estatísticos que serão apresentados
nas próximas seções, quaisquer leitores – ainda que leigos – convidados a tecer comentários ba-
seados em seu próprio conhecimento (em uma espécie de educated guess) diriam que o tema das
Mudanças Climáticas tem ocupado nos últimos meses, de forma abundante, as páginas dos jornais
brasileiros. O que não fica muito evidente nesse cenário são os motivos que teriam levado esse
debate a ganhar tamanha visibilidade, questão que iremos discutir na seqüência.
Por fim, antes de refletirmos propriamente sobre os resultados da pesquisa, será necessá-
rio conceituar melhor os três fios condutores que definem a atuação da imprensa em uma
sociedade democrática: agendamento, informação contextualizada e função de watchdog.
Além de serem relevantes para se compreender o papel desempenhado pelos jornalistas, tais
Uma pesquisa no sistema Scielo (www.scielo.br) – a maior base de artigos acadêmicos publicados em revistas científicas brasileiras – com as
expressões “mudanças climáticas”, “aquecimento global” e “efeito estufa” não retornou artigos que relatem resultados de investigações relacio-
nadas à cobertura da mídia brasileira sobre as Mudanças Climáticas. 10
aspectos foram centrais na organização do expressivo volume de informações resultantes do
mapeamento da cobertura.
O economista britânico Nicholas Stern, logo nas primeiras páginas do seu (agora) famoso re-
latório – Stern Review – sentencia de forma decisiva: “a evidência científica é avassaladora: as
mudanças climáticas apresentam riscos globais muito sérios e demandam uma resposta global
urgente” (Stern, 2006:i).
Como veremos adiante, o Relatório Stern foi tornado público no mesmo momento em que
a mídia impressa brasileira deu início a um aumento sem precedentes – ao menos no último
biênio – no número de textos dedicados à cobertura dos temas relacionados às Mudanças
Climáticas. A afirmação de Stern, bem como o contexto no qual ela foi produzida, nos ajuda a
compreender os diversos fatores que podem ter contribuído para esse decisivo “despertar” da
imprensa brasileira.
Essa recente atenção dedicada pelas empresas jornalísticas do País a esse debate não se-
guiu o mesmo histórico de cobertura demonstrado pela mídia dos países desenvolvidos.
Estudos internacionais (Ungar, 1992; Bell, 1994; Weingart, Engels e Pansegrau, 2000; Boykoff
e Boykoff, 2004) demonstram a presença significativa, a despeito de críticas quanto ao con-
teúdo, da discussão sobre Mudanças Climáticas na mídia internacional desde, pelo menos, o
final dos anos 1980.
Mais do que isso, esses mesmos estudos rememoram que já na década de 1960 a Conservation
Foundation organizou um importante evento sobre o tema. Na mesma década, a comissão
consultiva para a ciência do presidente dos Estados Unidos alertava para as causas humanas
das Mudanças Climáticas (Ungar, 1992:488). Na década de 1970, Weingart, Engels e Pansegrau
(2000) relataram diversas declarações da comunidade científica alemã acerca dos problemas
concretos relacionados às alterações climáticas. Em 1988, o cientista James Hansen, da NASA,
deu um testemunho à comissão do Senado norte-americano – “coincidentemente” comandada
pelo então senador Al Gore – afirmando que as causas das Mudanças Climáticas eram também
antropogênicas (Boykoff e Boykoff, 2004: 127). Já em 1990, durante a Conferência Mundial do
Clima, em Genebra, 700 cientistas conclamaram por ações imediatas dos países no tocante ao
enfretamento das causas responsáveis pelas mudanças climáticas.
Como se vê, os alertas produzidos por cientistas sobre a influência das atividades humanas nas
alterações climáticas, por um lado, e sobre a gravidade destas, por outro, não é algo recente na
história. Novamente, levanta-se a dúvida, por que só agora a imprensa brasileira demonstrou
um interesse mais sólido pelo tema?
Os dados que dispomos são específicos para o período compreendido entre julho de 2005 e junho de 2007; não obstante, em palestra
realizada durante o evento Mudanças Climáticas: o Cenário Brasileiro, a COP-13 e a Cobertura da Imprensa. Um Workshop para Jornalistas,
o editor de ciência Cláudio Ângelo, do jornal Folha de S. Paulo, apresentou dados que comprovam um forte crescimento (de 50 para 350) no
número de textos, publicados pela Folha no período 1995-2007, que traziam a expressão “efeito estufa”. 11
Uma breve comparação com o ano de 1988 pode contribuir para compreendermos melhor esse
cenário. Naquele ano, os jornais norte-americanos, por exemplo, começaram sua escalada na co-
bertura sobre as Mudanças Climáticas (Boykoff e Boykoff, 2004). Naquele período, além do já men-
cionado depoimento de James Hansen para o Senado dos Estados Unidos, outros fatos também
convergiram para ampliar a atenção dedicada ao tema. Um deles foi o discurso da então primeira-
ministra britânica, Margareth Tatcher, pronunciado na Royal Society, em Londres, reconhecendo
a relevância do debate acerca das alterações do clima. O verão de 1988 foi um dos mais quentes
– até então – nos Estados Unidos e gerou enormes problemas tanto para o meio ambiente quanto
para a agricultura daquele país. Tais circunstâncias levaram o vice-presidente dos EUA, George Bush
(pai), candidato presidencial, a declarar, na contra-mão de toda a política do governo Reagan, que o
greenhouse effect (efeito estufa, em inglês) seria combatido com um white house effect.
Retomando a análise do cenário atual, vale perguntar como o Relatório Stern e o seu contexto
podem nos ajudar a explicar o interesse mais direto da mídia brasileira em relação à agenda
das Mudanças Climáticas, a partir de 2006? Em parte, porque talvez, assim como em 1988, o
estudo buscou reforço nas “avassaladoras evidências científicas”. Contudo, a pauta científica
por si só não explica a expansão da cobertura. Na mesma época, o documentário Uma verdade
inconveniente, de Al Gore, colaborou ofertando poderosas imagens – da mesma forma que no
verão de 1988 – que contribuíram para deslocar a idéia abstrata das Mudanças Climáticas para
fatos bastante concretos (desde o derretimento de geleiras até o furacão Katrina, passando
pelas histórias de personagens reais e de ocorrências negativas).
Por fim, é importante salientar que o fato de a imprensa brasileira ter despertado para o
tema em tempos diferentes do histórico trilhado pela mídia internacional não nos autoriza
a afirmar que os veículos dos países desenvolvidos não tenham influenciado, até mesmo
decisivamente, no despertar da cobertura brasileira. O elevado percentual dos textos que
focalizam o cenário internacional, o volume não desprezível de material claramente iden-
tificado como sendo distribuído pelas agências de notícias e jornais estrangeiros (13,1%)
e a intensificação da cobertura da mídia internacional em função dos mesmos fatos acima
mencionados – para o período recente – são indícios da influência que os diários analisados
podem ter recebido dos meios de comunicação de outros países.
Hoje, não resta dúvida de que as Mudanças Climáticas estão, muito em função dessas contin-
gências, na pauta da mídia brasileira. Os dados que serão apresentados no presente documento
buscam, portanto, esmiuçar a forma como esse debate vem sendo reportado. A partir dos
resultados apontados neste texto preliminar alguns desdobramentos futuros, necessariamente,
serão gerados: a pergunta que ficará é “o que se pode fazer para qualificar a cobertura nos
aspectos em relação aos quais ela precisa ser aprimorada?” O presente documento não busca
responder a essa indagação, ainda que alguns elementos que contribuam para esclarecer tais
aspectos estejam presentes nas linhas que se seguem. Por certo, essa radiografia da cobertura
ajudará jornalistas e fontes de informação a desenvolverem suas estratégias com vistas a esse
salto de qualidade.
Conforme apontado anteriormente, as três importantes funções da mídia noticiosa nas socie-
dades democráticas – agendamento; informação contextualizada; e fiscalização das políticas
públicas –constituem os fios condutores da presente pesquisa. Na prática, isso significa que
buscamos organizar as centenas de dados disponíveis a partir da idéia central que subsiste
por detrás de tais características do jornalismo (veja a metodologia de pesquisa na página 16).
Por isso, entendemos ser relevante apresentá-las muito brevemente.
De acordo com o célebre aforismo de Bernard C. Cohen, a mídia “pode não ser bem sucedida,
a maior parte do tempo, em fazer com que as pessoas pensem de determinado modo, mas ela é
extremamente bem sucedida em fazer com que o público pense sobre determinados assuntos”.
O pensamento resume a idéia básica acerca da capacidade da mídia de colaborar fortemente na
construção ou eleição, a partir daquilo que ela veicula e/ou omite, dos temas que estarão no topo
da lista de prioridades da população, em geral, e dos tomadores de decisão, em particular.
Com a rápida expansão das possíveis áreas de interferência do Estado – em muito relacionada
com o reconhecimento de diferentes ordens de direitos aos cidadãos e às gerações futuras – foi
se tornando cada vez mais urgente a necessidade de priorizar apenas algumas das demandas
que são cotidianamente colocadas na esfera pública.
13
Estamos, portanto, assumindo que a mídia tem um poder central nas democracias contemporâ-
neas: definir a agenda pública. A hipótese (do agenda-setting) que está por detrás disso salienta:
[...] em conseqüência da ação dos jornais, da televisão e dos outros meios de infor-
mação, o público sabe ou ignora, presta atenção ou descura, realça ou negligencia
elementos específicos dos cenários públicos. As pessoas têm tendência para incluir
ou excluir dos seus próprios conhecimentos aquilo que os mass media incluem o
excluem do seu próprio conteúdo. Além disso, o público tende a atribuir àquilo que
esse conteúdo inclui uma importância que reflete de perto a ênfase atribuída pelos
mass media aos acontecimentos, aos problemas, às pessoas.
Mesmo os mais desconfiados analistas do alcance proposto pelas teorias do agendamento hão
de concordar que, dado que uma eleição de prioridades será necessária e que um critério ou
mais de escolha deverá ser utilizado, a focalização mais intensa da mídia em determinados te-
mas colaborará para a inclusão ou retirada de um assunto da pauta da sociedade.
Contextualização e enquadramento
Por outro lado, um jornalismo de qualidade não pode ter por função apenas introduzir o tema na
agenda. É preciso que a informação transmitida seja adequadamente contextualizada. Grifamos
“adequadamente” para realçar que não há aqui nenhuma motivação ideológica, o advérbio
apenas indica que é papel da imprensa prover aos leitores o maior volume de elementos pos-
síveis para que o tema seja amplamente compreendido, inclusive no que se refere à absorção
Sobre estudos que buscam comprovar os impactos da mídia na agenda pública cf. Protess et. al. (1987), Iyengar (1990); para críticas à teoria
do agendamento, cf. Soroka (1999; 2002)
Shaw (1979), apud Wolf (1999:144). Para uma discussão mais ampla sobre a teoria do agendamento, cf. McCombs e Shaw (1990).
Para algumas condições que interferem na forma do agendamento, cf. Soroka (2002). 14
de posturas antagônicas. Em outras palavras, é preciso medir os atributos da agenda, ou seja, o
“como” a questão está posta pela mídia noticiosa.
Outra forma de analisar “como a agenda está colocada” é atentar para o útil conceito de enqua-
dramento. Um mesmo tema pode ser “enquadrado” pelas redações de diferenciadas maneiras.
Pode-se ler a questão das Mudanças Climáticas pelo viés ambiental, mas também por uma ótica
econômica ou política e, até mesmo, de saúde pública.
Para Kweon (2000: 166-7), “um enquadramento conecta idéias dentro de uma notícia de tal
modo que sugere uma interpretação particular de um assunto”. Nesse sentido, continua o
autor, “uma importante função do enquadramento é definir um problema ou solução. Que
aspectos do tema são mais importantes e como eles são apresentados?”
Cão de guarda
Por fim, toda política pública, em regimes democráticos, supõe que os atores por ela res-
ponsáveis demonstrem algum grau de accountability, isto é, de transparência e resposta
junto ao eleitorado. Entretanto, essa característica é tão mais crível quanto mais externos
ao processo forem as organizações responsáveis pela fiscalização das variadas políticas em
formulação e execução.
15
Metodologia de Pesquisa
A presente pesquisa teve como meta central traçar o perfil quantitativo, as principais
tendências e as prováveis implicações qualitativas da cobertura sobre Mudanças
Climáticas realizada por 50 jornais impressos brasileiros. Para tanto, lançamos mão
de um método de avaliação da produção jornalística conhecido como “análise de
conteúdo” (cf. tb. McCombs e Shanahan, 2000: 34).
Amostragem
Para realização desta pesquisa foram selecionados eletronicamente textos
jornalísticos (editoriais, colunas, artigos de opinião e notícias) com mais de 500
caracteres que contivessem pelo menos uma das 10 palavras-chave referentes a
questões ambientais de maneira geral ou pelo menos uma das 79 palavras-chave
16
diretamente relacionadas ao amplo guarda-chuva das Mudanças Climáticas (veja a
lista de palavras-chave no Anexo I).
Este segundo conjunto poderia ter sido composto por qualquer tema veiculado nos
mesmos dias da amostra de Mudanças Climáticas. Propositalmente, optou-se em
avaliar os conteúdos relacionados à agenda ambiental mais extensa (excluindo-se o
debate sobre as alterações climáticas). Tal escolha foi pautada pela proposta de se
verificar como a cobertura ambiental evolui paralelamente àquela relacionada às
alterações climáticas e vice-versa.
Dessa forma, foram construídos dois instrumentos de análise: um, mais simples,
para a contabilização dos textos sobre questões ambientais mais amplas e outro,
mais complexo, com 141 questões, às quais todos os textos foram submetidos.
Mês Composto
Existem diferentes métodos de amostragem passíveis de serem utilizados para uma
pesquisa envolvendo o conteúdo noticioso de veículos de comunicação. Dentre
os mais comumente utilizados, estão aqueles que fazem uma composição de um
número pré-definido de dias ao longo de todo o período disponível. Tal metodologia
é denominada Mês Composto e consiste no sorteio de 31 dias ao longo de um ano
pesquisado.
17
Evidentemente que este raciocínio não é válido para as coberturas que só podem
ser entendidas em uma seqüência temporal específica: por exemplo, se o objetivo
é estudar o tratamento editorial acerca de uma campanha de vacinação, não é
possível utilizarmos uma amostra sorteada aleatoriamente, é necessário que os
dias específicos e adjacentes à campanha façam parte do universo analisado. Da
mesma forma, se o intuito é verificar como foi a cobertura do lançamento de um
determinado Relatório do IPCC, é fundamental que sejam escolhidos os dias que se
remetem ao período da divulgação.
Nesse sentido, como nosso objetivo era auferir as características gerais da abordagem
dispensada pela mídia noticiosa ao tema das Mudanças Climáticas, o sistema de
amostragem escolhido foi o do Mês Composto. Para cada um dos 12 meses foco de
nosso estudo (julho de 2005 a junho de 2006 e julho de 2006 a junho de 2007) foram
sorteados 31 dias. As datas sorteadas foram representativas dos dias da semana (ou
seja, um número equivalente de segundas, terças, quartas, quintas, sextas, sábados
e domindos) e dos meses do ano (meses com 31 dias, possuem mais presença na
amostra). Assim, foram aleatoriamente escolhidos 62 dias, nos quais foi realizada a
busca pelos textos dos jornais enfocados pela pesquisa que continham pelo menos
uma das palavras-chave inicialmente definidas.
O universo analisado
Observados todos esses procedimentos, foram analisados 997 textos localizados
sob o extenso guarda-chuva das Mudanças Climáticas e 2.811 textos referentes à
cobertura geral sobre meio ambiente. Os textos foram obtidos a partir da busca
eletrônica realizada em 50 jornais brasileiros (veja lista de jornais e a distribuição
percentual de matérias sobre mudanças climáticas para cada um deles no Anexo II).
18
ANÁLISE DOS RESULTADOS
Agendamento
O primeiro parâmetro a ser observado quando estamos interessados em avaliar o papel de
“agendadores” dos meios de comunicação em relação a um tema é a quantidade de textos vei-
culados em um determinado período. Para isso, é necessário estabelecer alguma medida que
indique o espaço concedido a um debate específico.
Como se pode deduzir, um volume X ou Y de texto pode nos oferecer pouca ou nenhuma
informação sobre a nossa pergunta de fundo: a mídia agenda a questão de maneira mais ou me-
nos consistente? No entanto, algumas comparações, ainda que não resolvam definitivamente a
dúvida, certamente colaboram para esboçar uma resposta.
A análise da curva da cobertura sobre meio ambiente é igualmente interessante. Exceto para
o 5º trimestre (período em que houve operações do Ibama e da Polícia Federal para apreen-
são de madeira ilegal), o espaço destinado à temática parece ser paulatinamente substituído
por aquele dedicado às Mudanças Climáticas. Como os jornais, provavelmente, não amplia-
ram seus cadernos e/ou seu número diário de páginas, tal constatação é bastante razoável e
indica uma prioridade estabelecida pelas publicações. Assim, os dados nos levam a crer que à
medida que era ampliada a atenção destinada às alterações no clima, questões como ambien-
te urbano, biodiversidade, extrativismo, educação ambiental, fauna e recursos pesqueiros
foram perdendo espaço.
19
Mudanças Climáticas na imprensa brasileira
Gráfico 1
500
450
400
Número de textos
350
300 Meio-
250 ambiente
200 Mudanças
Climáticas
150
100
50
0
1 2 3 4 5 6 7 8
Trimestres (07/2005 a 06/2007)
No caso do presente estudo, essa tendência é verificada para a cobertura mais ampla sobre
meio ambiente (na qual os jornais regionais respondem por 80% do conteúdo analisado), mas
não apresenta a mesma intensidade em relação às Mudanças Climáticas. Quanto a este assunto,
os jornais de âmbito nacional e os de enfoque econômico (6 veículos) respondem por quase
40% da cobertura, enquanto os regionais (44 veículos) produzem 60% do material.
Os números globais da pesquisa – 997 textos sobre Mudanças Climáticas – permitem inferir
que a produção do conjunto de jornais no período foi de um texto jornalístico (editorial, co-
luna, artigo, entrevista ou notícia) a cada três dias. Ao analisarmos os três últimos trimestres,
no entanto, a produção cresce para um texto a cada dois dias. Já ao focarmos a avaliação nos
jornais de referência, a freqüência registrada é de 1,5 textos a cada dia.
20
Mudanças Climáticas na imprensa brasileira
Gráfico 2
90
80
70 Jornais Regionais
% de textos
60
50 Jornais de Abrangência
40 Nacional
30 Jornais Econômicos
20
10
0
Mudanças Climáticas Meio-ambiente
Amostras
Os dados demonstram que textos mais ou menos densos – ou seja, parte ou totalmente
dedicados, em termos de espaço, à cobertura de Mudanças Climáticas, independentemente
da qualidade – seguem a mesma lógica trimestral apresentada acima. Isto é, nos primeiros
três meses temos um volume semelhante de textos nas quatro categorias analisadas. Já nos
últimos trimestres, verifica-se um descolamento positivo das categorias “média” e “alta”. No
entanto, as três categorias de jornais (regionais, de referência e econômicos), na média, não
apresentam diferenças substanciais quanto ao que estamos rotulando por densidade, com
um leve ganho na categoria “alta” para os jornais econômicos.
21
Mudanças Climáticas na imprensa brasileira
Gráfico 3
120
100
Número de textos
80 Mínima
Mínima-Média
60
Média
40 Alta
20
0
1 2 3 4 5 6 7 8
Trimestres (07/2005 a 06/2007)
Diferenças regionais
A distribuição da cobertura pela região original de cada um dos jornais consiste em uma verten-
te analítica relevante, especialmente quando analisamos o contexto de um país com as dimen-
sões territoriais do Brasil. A Amazônia (Norte) e o Semi-Árido (Nordeste), por exemplo, são
as regiões brasileiras que serão mais afetadas pelos impactos das mudanças climáticas.
Apesar disso, os jornais de tais regiões – especialmente os do Norte – dedicam menor atenção
às alterações climáticas do que os da Região Sudeste, especialmente quando comparamos com
a cobertura sobre meio ambiente em geral, via de regra mais equilibrada.
Isso não quer dizer, entretanto, que a Amazônia receba pouca atenção por parte da impren-
sa escrita. A região aparece em 8% de todos os textos jornalísticos pesquisados, para além
das menções conjuntas com outras áreas, das menções a estados e municípios específicos e
das menções à Região Norte. Ou seja, os jornais de referência e econômicos (editados em
Brasília, Rio e São Paulo) dedicam-se com maior intensidade a debater a questão das Mudanças
Climáticas com foco nessa região do que propriamente os veículos ali sediados.
Gráfico 4
50
45
40
S
35
% de textos
30 SE
25 NE
20 N
15
CO
10
5
0
Mudanças Climáticas Meio-ambiente
Amostras
10 Como esta é uma análise de conteúdo e não de construção da notícia, não temos dados suficientes para explicar porque isto ocorre,
entretanto, o fato de que a pesquisa cientifica, as políticas públicas e a agenda geral ao redor do assunto estão mais consolidadas nos países
desenvolvidos configura uma hipótese explicativa bastante plausível acerca das razões que levam a imprensa diária de abrangência nacional a
apresentar tal concentração de textos no cenário internacional. 23
Mudanças Climáticas na imprensa brasileira
Concentração temática
Ainda que com nuances importantes entre os diferentes jornais pesquisados, fica evidente a
partir da análise dos resultados quantitativos que a mídia impressa brasileira agenda de forma
significativa temas vinculados ao extenso guarda-chuva das Mudanças Climáticas.
À medida que avançamos na análise dos dados, faz-se cada vez mais necessário, no entanto, um
olhar acerca de como esse agendamento se dá. Um primeiro elemento relevante consiste em
identificar – a partir dos inúmeros subtemas que podem compor a cobertura ampla sobre as
alterações climáticas – quais acabaram por ser prioritariamente agendados pela mídia.
A Tabela 2 indica que três temas (Efeito estufa, Energia e Conseqüências/impactos das mudan-
ças ou aquecimento) somam cerca de 50% do material pesquisado, sendo a metade restante
distribuída entre outras 20 questões também relevantes. Assuntos como a ação coletiva inter-
nacional, a agricultura, o desenvolvimento, as causas do aquecimento e a adaptação ganham
pouco ou nenhum destaque como temáticas centrais – ainda que possam aparecer lateralmen-
te, como veremos adiante.
Se, por um lado, tais resultados denotam uma visão limitada da imprensa nacional sobre a
complexidade da agenda em questão, por outro, preocupações quanto a uma suposta superex-
posição do tema podem ser dirimidas por uma constatação que salta aos olhos na Tabela 2: há
muitas pautas ainda por explorar.
Um dado adicional – e que ajuda a construir a hipótese de que a mídia ainda pode se aprofundar
mais na cobertura sobre o tema – é a constatação de que os jornais, em geral, tomam a parte
pelo todo. Ou seja, conforme salienta o Gráfico 5, apresenta-se mais a expressão “aquecimento
global” (um tipo de Mudança Climática) do que a expressão “Mudança Climática” (que inclui o
aquecimento, mas também outros tipos de alterações no clima).
Gráfico 5
29,4
mudanças climáticas
aquecimento global
70,6
24
Mudanças Climáticas na imprensa brasileira
Tema
Efeito estufa 21,6%
Energia 15,8%
Conseqüências/impactos da mudança/aquecimento 10%
Mitigação 7,2%
Aquecimento global em geral 6,8%
Legislação 4,3%
Desmatamento 4%
Mudança climática em geral 3,6%
Ação coletiva internacional 3,1%
Pesquisas científicas 2,7%
Agricultura 1,9%
Desenvolvimento 1,5%
Camada de ozônio 1,4%
Indústria 1,4%
Eventos climáticos extremos/ catástrofes 1,3%
Consumo 1,2%
Desertificação 1,2%
Serviços 1,2%
Vítimas do aquecimento global/mudança climática 1,1%
Fenômenos naturais 0,9%
Causas da mudança/aquecimento 0,8%
Questões tecnológicas 0,8%
Vulnerabilidades 0,8%
Adaptação 0,7%
Migração/ deslocamento humano 0,4%
Outros 4,1%
Total 100%
* Apenas para a amostra de Mudanças Climáticas
25
Mudanças Climáticas na imprensa brasileira
Novamente, aqui se encontra uma limitação da cobertura pesquisada. Por outro lado, no en-
tanto, indica uma oportunidade para possíveis enfoques que podem ser dispensados à questão
em períodos futuros. A relevância desse debate fica evidente, por exemplo, em relatórios
como o de Stern e do Pnud:
As políticas de adaptação são cruciais para lidar com os inevitáveis impactos das
mudanças climáticas, mas têm sido subenfatizadas em muitos países. A adaptação
é a única resposta disponível para os impactos que irão ocorrer ao longo das próxi-
mas décadas, antes que as medidas de mitigação tenham efeito. (Stern, 2006:xxi)
A mitigação, por sua vez, contou com uma preocupação mais volumosa da mídia impressa
brasileira no período analisado. Ainda que tenha sido abordada de maneira central por 7,2%
dos textos, o assunto acabou ocupando espaço, mesmo que lateral, em 41,7% dos editorais,
artigos, colunas, entrevistas e notícias analisados. Por certo, parte dessa presença está vincula-
da à atenção que se tem dispensado ao tema – fruto de sua inerente importância, inclusive nos
fóruns internacionais. Assim aponta o relatório do Pnud:
Essa relativa presença de discussões sobre mitigação foi, no entanto, influenciada pelo debate re-
alizado no Brasil em torno da oferta de energia. Etanol, biocombustíveis, biodiesel e similares re-
ceberam uma atenção constante dos jornais no período analisado – certamente impulsionada pela
visibilidade que o tema vem ganhando no âmbito do governo federal. Neste ponto, é importante
ressaltar que apenas analisamos os textos veiculados, no período amostral, que guardavam relação
direta entre essas fontes de energia e o tema das Mudanças Climáticas. Isto é, menções exclusivas à
26
Mudanças Climáticas na imprensa brasileira
construção de usinas e à política de exportação de etanol, por exemplo, não foram contabilizadas.
Nesse sentido, das tecnologias e práticas de mitigação apontadas pelo relatório do IPCC
(2007:16-17), a oferta de energia corresponde a quase 50% dos textos que abordam ações
mitigadoras na mídia impressa brasileira. Com quase metade das menções aparece o tema
das florestas e uso do solo – mesmo esse item sendo responsável por 75% das emissões de
dióxido de carbono no Brasil. Com menor presença, são mencionadas as iniciativas na área
de transportes, indústrias, resíduos, agricultura e edificações (veja Tabela 3).
Tecnologias/práticas
Oferta de energia 48,6%
Florestas e uso do solo 23,1%
Transporte 9,4%
Indústria 6,5%
Resíduos 6,5%
Agricultura 3,1%
Edificações 0,5%
Outros 2,4%
Total 100%
* Apenas para a amostra de Mudanças Climáticas
** 41,7% trazem tecnologias e práticas de mitigação
Uma última análise sobre os conteúdos que tratam especificamente da questão da mitigação
pode ser relevante. Em 66% desses textos, os diários analisados trouxeram os responsáveis
pelas estratégias mitigadoras.
Setor privado, governo brasileiro e governos estrangeiros, nesta ordem e com pequenas va-
riações percentuais entre si, aparecem como os principais autores das estratégias de mitiga-
ção. Não obstante, quando focalizamos tecnologias ou práticas específicas – oferta de energia,
transporte, etc. – encontramos diferenças não desprezíveis entre esses atores. Assim, o go-
verno brasileiro aparece como o principal responsável pelas estratégias relacionadas ao uso
do solo (33,8%), enquanto os governos estrangeiros têm a liderança no tocante à oferta de
energia (28,6%) e o setor privado nas tecnologias e práticas relacionadas à agricultura (71,4%)
e à indústria (47,1%).
27
Mudanças Climáticas na imprensa brasileira
Atores
Oferta Florestas
mencionados Trans- Edifi- Indús- Agricul- Resí-
de e uso do Outros Total
como porte cações tria tura duos
energia solo
responsáveis
Governo
20,6% 22,2% - - 14,3% 33,8% 21,1% 28,6% 22,7%
brasileiro
Governos
28,6% 11,1% - 17,6% - 13,2% 5,3% 28,6% 19,8%
estrangeiros
Organismos
7,9% 3,7% 50,0% 5,9% - 4,4% 5,3% 14,3% 6,6%
internacionais
Setor
21,4% 14,8% 50,0% 47,1% 71,4% 17,6% 36,8% 14,3% 23,8%
Privado
Sociedade civil
- 7,4% - - - 8,8% - 14,3% 3,3%
organizada
Sociedade
1,6% 3,7% - - - 4,4% 5,3% - 2,6%
em geral
28
Mudanças Climáticas na imprensa brasileira
Da mesma forma que não é bom jornalismo apenas dizer que mais uma campanha contra a
pólio vai ocorrer – ainda que não seja necessário colocar em dúvida sua pertinência –, não é
bom jornalismo apenas propagar, instrumentalmente, a existência das Mudanças Climáticas e
a urgência em resolvê-las. As campanhas precisam ser questionadas quanto à sua amplitude,
quanto ao método, quanto ao custo, quanto a estarem ou não atingindo as populações mais
distantes do País e quanto a aproveitar o momento para socializar junto à população outros
esclarecimentos sobre saúde pública. Agendar, portanto, as alterações climáticas – e seus prin-
cipais temas correlatos – é uma forma limitada de conduzir, jornalisticamente, a construção da
pauta. Mas, isso ocorre?
Conforme revelam os indicadores apontados pela presente pesquisa, somente 1,1% dos tex-
tos analisados apresenta um conceito de Mudanças Climáticas. É preciso destacar, no entanto,
que a complexidade da temática não permite supor que os mais variados interlocutores de um
texto jornalístico (inclusive os tomadores de decisão e os formadores de opinião) estão fami-
liarizados com o seu significado.
Cabe a indagação: sendo esses os números médios, muitos veículos não estariam deixando de
assumir as Mudanças Climáticas como um dado concreto e, portanto, uma questão que dispen-
saria um nível mais aprofundado de detalhamento?
29
Mudanças Climáticas na imprensa brasileira
O que explicaria, portanto, esse tipo de cobertura? Certamente, muitos são os fatores que
podem ser apontados. Um dos aspectos freqüentemente levantados pela literatura é que
a ciência trabalha com probabilidades, enquanto a mídia com certezas. Logo, enquanto no
campo científico se produz um discurso de possibilidades – dentro de margens de erros e
acertos –, no âmbito da imprensa se produzem afirmações (Weingart, Engels e Pansegrau,
2000:273). A hipótese é compreensível. Entretanto, não está livre de uma análise mais aten-
ta. A percepção de que a mídia tende a trabalhar com certezas não estaria vinculada a uma
idéia de jornalismo científico fortemente focado nas chamadas ciências duras?
Vale lembrar que na cobertura dos processos eleitorais, o jornalismo não se arrisca em
dizer quem vai ganhar ou perder, se limitando a reproduzir as incertezas levantadas pe-
las pesquisas eleitorais. Da mesma forma, ao entrevistar um criminologista que avalia as
chances de uma determinada política pública reduzir os índices de violência, o repórter
também busca pautar a abordagem dentro das limitações do modelo criado. É assim quan-
do se especula sobre o corte na taxa de juros, sobre o que vai acontecer com o PIB, entre
outros temas.
Em outras palavras, podemos dizer que é sim possível fazer jornalismo valendo-se de inter-
valos de interpretação. Se há certezas quanto a alguns pontos, excelente, vamos apresen-
tá-las. Porém, se há dúvidas, é necessário discuti-las. As probabilidades, deste modo, não
impedem nem o trabalho dos jornalistas, nem dos formuladores de políticas públicas, como
lembra o Pnud:
Opiniões divergentes
Partindo do pressuposto de que as mudanças climáticas, suas causas, seus principais efeitos e
várias das soluções de mitigação e adaptação estão identificados de maneira definitiva – e, logo,
30
Mudanças Climáticas na imprensa brasileira
O debate não é simplista. De um lado, utiliza-se a argumentação – nem sempre válida para
todos os perfis de noticiário – de que é princípio fundamental do jornalismo a apresentação de
um tratamento editorial equilibrado entre diferentes opiniões. De outro, pesquisadores como
Boykoff e Boykoff (2004:126) recordam que a tese da cobertura equilibrada – mesma quanti-
dade de linhas para um lado e para o outro – embute uma armadilha: é muito mais fácil explicar
o status quo do que as alterações no discurso corrente.
O debate pode estar fora de foco, por ambas as partes, quando levamos em conta os seguintes
aspectos:
É digno de nota que, dentre as poucas matérias que trazem opiniões divergentes (9,5%), essas
oposições dizem respeito a pontos sobre os quais, de fato, pode haver conflito: as soluções a
serem implementadas (44,2%) e a real dimensão das Mudanças Climáticas (28,4%).
Também no caso das informações científicas começa a existir uma preocupação quanto à
questão: 30% dos textos mencionam algum tipo de informação científica/técnica. Porém,
menos de 8% desse material traz as fontes de financiamento das pesquisas. Vale lembrar
que, recentemente, a The Union of Concerned Scientists (2007) publicou extenso relatório
demonstrando as estratégias da empresa ExxonMobil para gerar incertezas sobre o debate
acerca das Mudanças Climáticas.
31
Mudanças Climáticas na imprensa brasileira
Informação contextualizada
Avaliar se uma determinada cobertura oferece o contexto “ideal” para o mais abrangente en-
tendimento possível de uma dada temática é tarefa de difícil execução. Por outro lado, não
nos parece impossível indicar elementos que, uma vez presentes na cobertura, apontam para
a inegável oferta de um maior volume de informações ao público atingido. Em princípio, apre-
sentaremos duas categorizações já utilizadas em outras pesquisas realizadas pela ANDI, que
analisam, respectivamente, a dimensão e o tipo de abordagem do tema.
Para contornar esse desafio, foi criada a tipologia já comentada acima que identifica os textos
nos quais a menção às alterações no clima está em apenas uma linha, um parágrafo, uma retran-
ca ou em toda o conteúdo analisado. De acordo com esse método, dois terços da cobertura
(64,5%) dedicaram uma atenção considerável ou central às Mudanças Climáticas.
Mais do que identificar o espaço dedicado ao tema, é importante compreender qual o grau
de contextualização alcançado pelo texto. Nesse sentido, a cobertura foi dividida em cinco
níveis, sendo três relacionados a partir de uma perspectiva menos opinativa (factual ou prati-
camente sem contexto; contextual simples, com poucas informações adicionais; e contextual
explicativa, que são os textos que oferecem um conjunto abrangente de informações). Dois
outros níveis buscam identificar a contextualização a partir da relação com os conteúdos de
opinião (avaliativo e propositivo).
Na análise geral, é possível identificar que o material que traz uma abordagem contextual
explicativa ainda aparece com um percentual pequeno (7,8%), sendo a cobertura dominada
pelos textos com um menor volume de informações sobre a questão em pauta. Entretanto,
comparativamente a outras análises de ANDI, há um expressivo conjunto de textos com uma
perspectiva avaliativa, o que, como veremos, é decorrente do elevado percentual de textos
opinativos na amostra (editoriais, artigos, colunas, entrevistas).
Elementos de contexto
Há, complementarmente, um conjunto de parâmetros cuja presença aponta para uma maior
contextualização do tema centralmente abordado pelo autor do texto.
32
Mudanças Climáticas na imprensa brasileira
Dimensão
Mínima 13,4%
Mínima-Média 22,1%
Média 31,8%
Alta 32,7%
Total 100%
* Apenas para a amostra de Mudanças Climáticas
Fatual 17,0%
Contextual 56,1%
Avaliativo 19,0%
Propositivo 0,2%
Total 100%
* Apenas para a amostra de Mudanças Climáticas
No que se refere à menção a aspectos como legislação, documentos e relatórios, ocorre algo
semelhante: o volume de textos que os trazem são da ordem de 36% e, dentre esses, 38,7%
aprofundam a abordagem, sublinhando características específicas desses marcos legais e outros
tipos de documentação. Aqui, entretanto, encontramos um tipo de concentração que merece
atenção: as menções estão focadas nos diplomas legais e documentos internacionais.
33
Mudanças Climáticas na imprensa brasileira
O Protocolo de Quioto conta com 17,3% das menções e o Relatório do IPCC com 7,7%. Vale
salientar que, quando olhamos para os marcos legais nacionais, a Constituição Federal aparece
em 0,4% dos textos e a Legislação Ambiental do País em 0,2%. Estes dados reforçam a idéia já
exposta de que a mídia nacional centrou sua cobertura em aspectos consolidados – no cenário
internacional – do debate sobre as Mudanças Climáticas. De fato, nossa Constituição e nossa
legislação ambiental trazem pouca ou nenhuma especificidade sobre o tema. Tal característica
não seria, por si só, uma questão de interesse jornalístico?
Outros três parâmetros podem ajudar na caracterização da cobertura como mais ou menos con-
textualizada: enquanto 31,4% dos textos trazem fontes científicas/pesquisas, apenas 4% explicam
as terminologias científicas utilizadas e 3,2% apresentam referências bibliográficas. Com isso, limita-
se a capacidade de compreensão de parte do público e não se contribui para que uma outra parcela,
potencialmente interessada, acesse conteúdos nos quais poderiam se aprofundar na temática.
Partes do contexto
A inclusão – ou supressão – de determinados atores também pode indicar o nível de contextu-
alização dos conteúdos publicados pelas redações. Diferentes personagens não só apresentam
perspectivas ideológicas e interesses diversos, como, não raro, são portadores de conhecimen-
tos complementares sobre uma mesma questão.
O Poder Executivo brasileiro, como já ocorre em outras pesquisas conduzidas pela ANDI,
aparece à frente na lista de atores mais mencionados. Não obstante, é seguido de perto pelos
governos de outros países, o que reforça a já mencionada internacionalização do noticiário.
No caso do Setor Privado, há uma surpresa na análise desse aspecto, especialmente na compa-
ração com pesquisas sobre políticas públicas já conduzidas pela ANDI. Atores ligados ao seg-
mento empresarial aparecem à frente de Universidades e Instituições de Pesquisa, Organizações
Internacionais e, inclusive, das Organizações da Sociedade Civil12. No caso desse último grupo,
a presença nos textos foi, comparativamente a outros estudos coordenadas pela ANDI, uma
das menos expressivas.
11 Esta é uma medida que contabiliza a presença ou ausência destes atores nos textos a partir de quaisquer ângulos, isto é, o fato de estarem
presentes pode significar simplesmente uma menção ao ator ou que o mesmo tenha sido ouvido como fonte primária da notícia.
12 Vale ressaltar que quando analisamos especificamente o papel destes atores enquanto fontes primárias temos resultados diferentes. Veja
tabela 16 à página 49. 34
Mudanças Climáticas na imprensa brasileira
Atores Presentes
Poder executivo (sem menção a órgãos específicos) 43,4%
Ministério do Meio Ambiente 10,2%
Ministério da Agricultura 2,3%
Ministério das Minas e Energia 2,1%
Ministério do Planejamento 1,2%
Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio 0,9%
Ministério da Fazenda 0,7%
Ministério do Desenvolvimento Agrário 0,4%
Agências Reguladoras 1,2%
Poder Judiciário 1,4%
Ministério Público 1,2%
Legislativo 10,1%
Governos estrangeiros 41,4%
Organizações Internacionais 28,2%
Setor Privado 34,1%
Fundações/Institutos Empresariais 8,2%
Universidades, Instituições de Pesquisa, Comunidade Científica 32,5%
Organizações da Sociedade Civil 22,3%
Contextos específicos
A investigação avaliou um conjunto bastante significativo de questões específicas fortemente
vinculadas à agenda das Mudanças Climáticas, aspecto que pode apontar para uma maior con-
textualização da discussão.
Adicionalmente, seria possível focar a atenção sobre um expressivo volume de dados acerca
dessas questões – possibilitando a realização de uma ampla gama de sub-pesquisas. A proposta
é que essa análise seja realizada em etapas posteriores do projeto.
35
Mudanças Climáticas na imprensa brasileira
Uma das particularidades avaliadas foi a menção aos gases geradores do efeito estufa. Em 45%
dos textos, há citação a um ou mais gases. Os “gases em geral” e o dióxido de carbono são os
mais mencionados e os aerossóis praticamente não fazem parte da cobertura.
Dos textos que mencionam gases, um pouco menos da metade (47,8%) aponta as fontes de
emissão. Os principais atores mencionadas pela literatura aparecem na cobertura da imprensa:
atividade industrial, combustíveis, queimadas, desmatamentos e meios de transporte.
Por outro lado, temas de alta relevância para o contexto das disputas no cenário internacional e
mesmo nacional acabaram passando ao largo da cobertura. Cerca de 4% dos textos salientam as
diferenças no volume de emissões entre os países e 0,3% atenta para as diferenças no volume
de emissões entre os estados brasileiros. Um percentual mais expressivo, no entanto, sublinha a
existência de obrigações ou metas de redução (10,8% daquelas que mencionam gases).
Fontes de energia
Não é somente para os textos que trouxeram a temática da mitigação, conforme já men-
cionado anteriormente, que a cobertura concentrou esforços não desprezíveis na discussão
envolvendo questões energéticas: 43% de todos os textos da amostra trazem algum tipo de
informação nesse sentido. Dentre esses conteúdos, há uma forte concentração nos combustí-
veis fósseis (70%). Além disso, discussões relacionadas ao etanol (26%) e aos biocombustíveis
(22%) também aparecem com algum destaque.
Estratégias abordadas
Outros 1%
NFPI 24,3%
Essa não é uma questão de menor envergadura, visto que os organismos internacionais e espe-
cialistas têm ressaltado que as populações pobres serão as que mais sofrerão os impactos das
alterações no clima (2,3% dos textos ressaltam este ponto). Segundo aponta o Pnud:
As alterações climáticas exigem neste momento uma ação urgente para lidar
com uma ameaça a dois grupos de eleitores com fraca voz política: os pobres do
mundo e as gerações futuras. (Idem, 2)
Cerca de 262 milhões de pessoas foram anualmente afetadas por desastres climáti-
cos entre 2000 e 2004, mais de 98% nos países em vias de desenvolvimento.
(Idem, p. 8)
37
Mudanças Climáticas na imprensa brasileira
Públicos
Outros 6,3%
Foco na economia
Por fim, não poderíamos deixar de analisar parâmetros que podem confirmar – ou negar – a
existência de uma cobertura preocupada em apontar as características econômicas da discussão
acerca das Mudanças Climáticas.
Os dados apontam para uma baixa contextualização no que se refere a esse item específico:
9,7% centram-se nos custos; 8% sublinham oportunidades; 7% abordam benefícios econômi-
38
Mudanças Climáticas na imprensa brasileira
cos; 6% trazem uma reflexão sobre os padrões de consumo das sociedades contemporâneas;
2,2% dos textos relacionam o tema com impactos no PIB; e 2,3% mencionam modelos
econômicos. Este é um debate fortemente introduzido pelo Relatório Stern e que se colo-
ca como mais um caminho para a diversificação da cobertura da imprensa brasileira sobre a
questão. Segundo Stern (2006:i e ii):
Recentemente, pesquisa divulgada pelo semanário britânico The Economist afirma que enquanto
53% dos democratas entendem que o principal problema ambiental do planeta são as Mudanças
Climáticas, apenas 9% dos republicanos fazem a mesma avaliação. Vale destacar que esta é uma
detecção – e, ao mesmo tempo, um resultado – dos interesses envolvidos nessa disputa. Logo,
omiti-los contribui, em muito, para reduzir a capacidade de compreensão da temática.
Viola (2002:29-30) também apresenta que o desejo de manutenção dos padrões de consumo
por parte das populações de países desenvolvidos e os conflitos de interesses entre os países
fazem parte do rol de informações necessárias para o entendimento do debate sobre o aqueci-
mento global. Mais uma vez, está em jogo a relevância dos interesses envolvidos.
Por fim, parece muito aquém do possível o percentual de textos que tecem interrelações com
o debate mais amplo da globalização (2,3%); o número é pouco expressivo especialmente por
estarmos diante de um regime internacional de tamanha complexidade (Viola, 2002:26).
39
Mudanças Climáticas na imprensa brasileira
Enquadramentos
Tal como ocorre com a função midiática de informar de maneira contextualizada o seu
público, o enquadramento dado a um determinado assunto também contribui para que seu
agendamento caminhe em uma ou outra direção.
Nesse sentido, esse eixo de análise buscará identificar a partir de quais ângulos foi repor-
tado, no período pesquisado, o debate sobre as Mudanças Climáticas.
40
Mudanças Climáticas na imprensa brasileira
Total 100%
Cerca de 13% dos textos apresentam alguma reflexão sobre o modelo de desenvolvimento.
Em 2,2% é sublinhado um debate relacionado à idéia de progresso – ainda que 6% chamem
a atenção para os padrões de consumo da sociedade atual. Por fim, somente 0,5% do ma-
terial destaca as Metas Milênio e 0,2% faz referência ao IDH. Nesse sentido, vale ressaltar
algumas questões destacadas pelo Relatório de Desenvolvimento Humano:
Calculamos neste relatório que, se todos os povos do mundo emitissem gases com
efeito de estufa ao mesmo nível de alguns países industrializados, precisaríamos
de nove planetas. (Pnud, 2007: 3)
Uma das lições mais difíceis que as alterações climáticas nos ensinam é que
o modelo económico subjacente ao actual crescimento, e o consumo imoral
nos países desenvolvidos que lhe é inerente, é ecologicamente insustentável.
(Idem,16)
41
Mudanças Climáticas na imprensa brasileira
Foco institucional
Outro aspecto avaliado diz respeito à perspectiva institucional dos textos jornalísticos.
A proposta desse item de análise é averiguar se o tema está sendo abordado, central-
mente, a partir das responsabilidades inerentes às grandes instituições que conformam as
democracias contemporâneas.
Em 20% do material sobre Mudanças Climáticas analisado, não foi possível sequer identificar
o enquadramento institucional existente. Muito provavelmente, por se tratarem de matérias
que abordam o assunto a partir de uma perspectiva temática e institucional – focada no meio
ambiente, por exemplo.
Aqui certamente reside outro caminho a ser trilhado pela cobertura: abordar o tema a
partir dos arranjos institucionais existentes nas sociedades pode colaborar, em muito, para
que a discussão saia do abstrato e passe a ser considerada a partir da ótica da formulação
e execução de políticas públicas.
O problema mais profundo é que falta ao mundo uma estrutura multilateral cla-
ra, credível e duradoura que estabeleça um percurso que evite as alterações climá-
ticas – um percurso que abarque a divisão entre os ciclos políticos e os ciclos de
carbono. Quando terminar o prazo, em 2012, do atual compromisso definido no
Protocolo de Quioto, a comunidade internacional terá oportunidade de materializar
essa estrutura. Será necessária uma liderança corajosa para aproveitar essa oportu-
nidade. Não a aproveitar irá deixar o mundo no caminho das alterações climáticas.
(Pnud, 2007:5)
Parceria/Regime de colaboração
6,2%
entre governos nacionais
Total 100%
* 24,2% dos textos tinham um enquadramento de poderes executivos
**Apenas para a amostra de Mudanças Climáticas
43
Mudanças Climáticas na imprensa brasileira
A perspectiva temática
A análise dos enquadramentos temáticos dispensados aos focos centrais dos textos jor-
nalísticos analisados também aponta para um conjunto relevante de observações. Ainda
que o enquadramento ambiental tenha predominado (exceto para os jornais econômicos),
como era de se esperar, a perspectiva econômica/financeira também recebeu um expres-
sivo destaque, tendo sido a segunda mais presente no conteúdo pesquisado – alavancada,
principalmente, pelos jornais econômicos, pelos debates sobre energia e por colunistas das
áreas que deram destaque ao tema. O terceiro enquadramento mais comum foi aquele
relacionado à perspectiva política e só então aparece a abordagem de cunho científico, re-
sultado que certamente contradiz a idéia de que esse é um debate restrito aos especialistas
no assunto.
Tais resultados demonstram que a mídia vem, em parte, diversificando as formas de abordar o
debate sobre as alterações climáticas – ainda que o enquadramento sob o prisma econômico,
ainda seja, como vimos, superficial. Além disso, perspectivas comumente presentes no debate
internacional (tecnológica, sociocultural, individual/mudança de comportamento) praticamente
não fizeram parte do raio de atenção da mídia imprensa brasileira.
Individual ou comunitária
2,1% 1,7% - 2,7%
(mudança de comportamento)
Dentre os textos que apresentam causas, predomina o enfoque nos aspectos naturais (46,5%)
e em seguida aponta-se a atividade humana – reconhecendo-se como maiores responsáveis
pelo problema os governos estrangeiros (14,2%), a sociedade em geral (9,6%), o governo
brasileiro (7,3%) e o setor privado (7,3%).
Cobertura propositiva
As soluções aparecem em um volume um pouco mais expressivo de editoriais, artigos,
colunas, entrevistas e notícias: 39,1%. Há um grande volume de textos (51,5%) que não
trazem um debate sobre soluções, apesar de terem focalizado causas para os problemas
discutidos. Conseqüentemente, também é alto (62%) o número de matérias que abordam
soluções para questões acerca das quais não se apresentaram as causas.
Assim, enquanto o Setor Privado é visto como responsável pelas causas discutidas em 7,3% dos tex-
tos, é considerado parte das soluções em 20,3% – o que, de certa forma, cria uma imagem positiva
destes atores, que acabam sendo vistos menos como culpados do que como possíveis colaboradores
na solução do problema. O governo brasileiro (21%) e os governos estrangeiros (21%) dividem as
primeiras posições entre os principais responsáveis por tentar equacionar as questões discutidas.
Por fim, as conseqüências são abordadas em 49,5% dos textos analisados. Dentro des-
se universo de textos, houve uma expressiva concentração nas conseqüências ambientais
(71%), seguidas pelas econômicas.
45
Mudanças Climáticas na imprensa brasileira
Tabela 14 – Conseqüências
Áreas a que se referem as
consequências mencioandas
Ambiental 70,9%
Segurança 1,8%
Sociocultural 2,8%
NFPI 1,4%
Total 100%
* 49,5% dos textos apresentam conseqüências
** Apenas para a amostra de Mudanças Climáticas
Para além da ausência de uma discussão mais ampla sobre os modelos de desenvolvimen-
to, outro resultado preocupante deve ser destacado: a baixa presença de um tratamento
editorial consistente no que se refere ao acompanhamento aprofundado e investigativo das
políticas públicas.
É importante ressaltar que 24% dos textos discutiram alguma política pública governa-
mental (do Brasil ou de outros países). Desses, 9,1% abordam questões orçamentárias,
3,3% apresentam elementos de avaliação e monitoramento das políticas públicas e 3,7%
trazem indicadores de resultados vinculados às ações mencionadas.
Por fim, cabe lembrar que mesmo 2006 tendo sido um ano de eleições nacionais no Brasil,
apenas 4% dos textos publicados naquele ano estabeleciam interrelações entre as altera-
ções climáticas e as propostas dos candidatos.
Outros atores
Não podemos deixar de reconhecer que não são apenas os governos que devem ser es-
crutinizados pela imprensa. Todos atores que podem interferir na esfera pública por meio
de suas “políticas” também podem e devem ser alvo de cobranças.
47
Mudanças Climáticas na imprensa brasileira
Questões jornalísticas
Não resta dúvida de que todas as reflexões tecidas anteriormente possuem implicações
jornalísticas. No entanto, há alguns parâmetros analisados pela presente investigação que,
independentemente da temática, são fortemente conectados a pesquisas sobre coberturas
conduzidas pela imprensa.
Um primeiro aspecto que cabe ressaltar é que estamos diante de um material com um ele-
vado índice de textos opinativos (editoriais, colunas, artigos e entrevistas). A despeito da
relevância desses conteúdos, é principalmente por meio da reportagem que poderão ser
suplantadas muitas das falhas de contexto e de ausência de uma postura mais investigativa
na cobertura das políticas públicas.
Matérias 73,3%
Entrevistas 2,8%
Total 100%
* Apenas para a amostra de Mudanças Climáticas
Fontes ouvidas
Há um volume expressivo de textos (28,5%) que não citam ou identificam as fontes con-
sultadas. Por outro lado, conforme já salientamos, também encontra-se um percentual não
desprezível de conteúdos que trazem mais de uma fonte (38,9%), ainda que sejam poucos
aqueles que apresentem opiniões divergentes (9,5%).
48
Mudanças Climáticas na imprensa brasileira
Crianças e adolescentes 1%
Outros 2,2%
Total 100%
* Apenas para a amostra de Mudanças Climáticas
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CONCLUSÃO
Uma das grandes questões que se colocam está relacionada à capacidade da mídia de
manter esse volume mais amplo de cobertura, caso elementos semelhantes aos fatores
específicos que alavancaram o crescimento registrado em 2006 não voltem a ocorrer. É
sobretudo essa a hipótese considerada pelo presente texto de conclusão. Nesse sentido,
vale citar as reflexões dos pesquisadores noruegueses Johan Galtung e Mari Ruge:
[...] uma vez que algo atingiu as manchetes e foi definido como “notícia”, ele con-
tinuará a ser definido como notícia por algum tempo mesmo se a sua amplitude for
drasticamente reduzida. (Galtung e Ruge, 1965:13)
O canal foi aberto e permanece parcialmente aberto para justificar sua abertura em
primeiro lugar, parcialmente por conta da inércia no sistema e parcialmente porque
o que era inesperado agora se torna familiar. (Idem, 67)
O economista norte-americano Anthony Downs avalia que há cinco estágios para o que ele
chama de “ciclo de atenção a temáticas”:
1. O estágio pré-tema, que ocorre quando o problema existe, mas não recebeu muita
atenção pública, mesmo que alguns especialistas e grupos de interesse já tenham so-
ado o alarme.
2. A descoberta alarmada e o entusiasmo eufórico, que trata do período em que os
males de um determinado problema chega ao público.
3. A percepção do custo para que progressos (soluções) significativos sejam
alcançados.
4. O gradual declínio no interesse pelo tema, que está vinculado à percepção das difi-
culdades para saná-lo.
5. O estágio pós-problema, quando o assunto entra em uma espécie de limbo.
Essa referência à forma como três importantes estudiosos da mídia pensam a permanência
de temas no noticiário nos permitem inferir sobre em que fase a imprensa brasileira se
encontra na cobertura de Mudanças Climáticas. Certamente, o tema já foi definido como
notícia e os canais foram abertos, o que indica que passamos das fases 1 e 2 do modelo de
Downs. Nesse caso, fica a pergunta: o que vem daqui para frente?
Em síntese, podemos apontar alguns desses desafios que, na nossa visão, estão colocados
para os veículos e profissionais da imprensa:
Enfim, para voltar a expressão de Galtung e Ruge, o canal foi aberto, falta explorar mais
atentamente as imensas possibilidades da pauta.
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anexo I – Palavras-chave
56
anexo II – Proporção de textos
da amostra por jornal pesquisado
Jornal
57
Mudanças climáticas na imprensa brasileira:
58
Ficha técnica
Edição
Adriano Guerra
Assistente: Marília Mundim
Produção
Tainá Frota
Coordenador de coleta e
sistematização de dados SDS - Ed. Boulevard Center, Bl. A, sl. 101
Fábio Senne 70. 91-900 – Brasília, DF
Telefone: (61) 2102 -6508
Consultores Temáticos: Fax: (61) 2102 -6550
Eduardo Viola (UnB), Paulo Artaxo E-mail: mudancasclimaticas@andi.org.br
(USP), Paulo Moutinho (IPAM) Site: www.andi.org.br
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