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uma análise de 50 jornais no período

de julho de 2005 a junho de 2007

Realização: Apoio:
Notas e Observações
1. O presente texto, com os resultados da pesquisa Mudanças Climáticas na Imprensa Brasileira: uma análise de
50 Jornais no período de julho de 2005 a junho de 2007, é uma versão para discussão. No próximo ano, a ANDI,
com apoio do Programa de Comunicação em Mudanças Climáticas da Embaixada Britânica no Brasil, preparará
uma edição ampliada dessas reflexões. Nesse sentido, todas as contribuições e sugestões dos leitores e leitoras
para o aprimoramento da obra são mais do que bem vindas. Mensagens podem ser enviadas para o endereço
mudancasclimaticas@andi.org.br.

2. O uso de um idioma que não discrimine e nem marque diferenças entre homens e mulheres ou meninos e meni-
nas é uma das preocupações da ANDI e da Embaixada Britânica no Brasil. Porém, não há acordo entre os lingüis-
tas sobre a maneira de como fazê-lo. Dessa forma, com o propósito de evitar a sobrecarga gráfica para marcar a
existência de ambos os sexos em língua portuguesa, optou-se por usar o masculino genérico clássico na maioria
dos casos, ficando subentendido que todas as menções em tal gênero representam homens e mulheres.
SUMÁRIO

RESUMO EXECUTIVO 04

INTRODUÇÃO 08

ANÁLISE DOS RESULTADOS


• Agendamento 19
• Informação contextualizada 32
• Enquadramentos 40
• A mídia como watchdog 46
• Questões jornalísticas 48

CONCLUSÃO 50

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 52

ANEXO I 55

ANEXO II 57

FICHA TÉCNICA 59
RESUMO EXECUTIVO
A partir do último trimestre de 2006, as redações de 50 importantes diários brasileiros
começaram a dedicar um espaço mais expressivo de suas páginas ao agendamento do
debate sobre um tema que vem ganhando destaque no cenário internacional nos últimos
anos: as Mudanças Climáticas. Esta é uma das conclusões apontadas pelo estudo Mudanças
Climáticas na Imprensa Brasileira: uma análise de 50 jornais no período de julho
de 2005 a junho de 2007, realizado pela ANDI – Agência de Notícias dos Direitos da
Infância, com o apoio do Programa de Comunicação em Mudanças Climáticas da Embaixada
Britânica no Brasil.

A pesquisa avaliou uma amostra de 997 editoriais, artigos, colunas, entrevistas e matérias
veiculadas entre 1º de julho de 2005 e 30 de junho de 2007. Para efeitos comparativos,
além dos textos relacionados ao debate sobre as Mudanças Climáticas, foi também
contabilizado um segundo conjunto de textos. Este material utilizado para comparação
poderia ter sido composto por qualquer tema veiculado nos mesmos dias da amostra de
Mudanças Climáticas. Optou-se por avaliar os conteúdos relacionados à agenda ambiental
mais extensa (excluindo-se o debate sobre as alterações climáticas). Tal escolha foi pautada
pela proposta de se verificar como a cobertura ambiental evolui paralelamente àquela
relacionada às alterações climáticas e vice-versa.

A partir de um extenso trabalho de sistematização dos dados coletados, foi elaborado um


mapa bastante detalhado do tratamento editorial dispensado pelos jornais às alterações
climáticas. Os resultados dessa radiografia da cobertura podem contribuir diretamente
para avanços ainda mais pujantes na estratégia até hoje conduzida pelos veículos para cobrir
o tema. Ao mesmo tempo, são relevantes para que as fontes de informação aprimorem o
seu diálogo com os meios em relação a essa discussão.

Perfil geral da cobertura


A análise do noticiário revela que foi a partir do último trimestre de 2006 que a abordagem so-
bre as Mudanças Climáticas ganhou expressão nas páginas dos diários brasileiros. Tal tendência
guarda relação com eventos marcantes nesse período – lançamento do Relatório Stern, do filme
Uma Verdade Inconveniente, dos relatórios do Painel Intergovernamental sobre Mudanças do
Clima (IPCC, na sigla em inglês) e a ocorrência de fenômenos naturais vistos como prováveis
conseqüências das alterações no clima.

Nos primeiros cinco trimestres da análise, identificou-se um texto publicado pelos jornais a cada
cinco dias. Essa média cresce para uma matéria a cada dois dias nos últimos três trimestres.

A presença da cobertura nos veículos de abrangência nacional (Folha de S. Paulo, Estado


de S. Paulo, O Globo e Correio Braziliense) e econômicos (Valor e Gazeta Mercantil) é
mais significativa do que aquela encontrada nos jornais regionais, revelando que o
tema, de maneira geral, possui um agendamento de caráter mais abrangente. Esse re-
sultado demonstra a necessidade de que esse debate também passe a ser enfocado a

partir da perspectiva local, não raro, ofertada pelos diários de capitais fora do eixo
Rio-São Paulo-Brasília.

Enquanto os 44 jornais de circulação regional contribuíram, na média individual, com 1,46%


dos textos veiculados no período, os quatro veículos nacionais somados aos dois de cunho
econômico contribuíram, também na média individual, com 5,95% dos textos publicados
– uma diferença de mais de quatro vezes.

A agenda principal
• A imprensa refere-se mais à expressão “aquecimento global” (70% dos casos) do
que à idéia de Mudanças Climáticas (30%), isto é, toma a parte pelo todo.

• A cobertura sobre as alterações climáticas possui um foco geográfico internacional.


Cerca de 50% das matérias que apresentam uma localidade – número que se acentua
se considerarmos apenas os jornais nacionais e econômicos – trata do cenário inter-
nacional ou o relaciona ao contexto brasileiro; as restantes focam exclusivamente o
território nacional.

• Metade dos textos analisados revela o agendamento das principais temáticas que
estão na órbita do debate mais amplo sobre as Mudanças Climáticas: efeito estufa;
questões energéticas; conseqüências/impactos das mudanças/aquecimento global.
Outros 22 assuntos dividem a segunda metade da cobertura, dentre eles: desmata-
mento, ação coletiva internacional, agricultura, indústria, eventros climáticos extre-
mos, consumo, questões tecnológicas, vulnerabilidades.

• Em geral, os veículos dão muito mais atenção à agenda da mitigação (41,7%) do que
à adaptação (2,7%). As estratégias de mitigação, por sua vez, concentram-se no tema
da oferta de energia (quase 50% das que falam de mitigação); já os aspectos relacio-
nados às florestas, centrais no caso do Brasil, vêm bem abaixo, com 23%.

O contexto da informação
As vastas implicações geradas para as sociedades pelas Mudanças Climáticas ampliaram
os contextos que devem ser trazidos à baila quando o tema está em discussão. Assim,
se por um lado, há um volume não desprezível de elementos gerais de contextualização
– 40% mencionam estatísticas, 36% legislação, 32% dados científicos; por outro, falha-se
na apresentação dos contextos específicos.

• A perspectiva ambiental é a principal forma pela qual a mídia reporta a questão


(35,8%), seguida pelo enfoque econômico (19,7%) – o que, contudo, não implica,
necessariamente, um aprofundamento da discussão a partir destes mesmos ângulos,
conforme veremos. Enquadramentos que estão presentes no debate internacional
(tecnológica, sociocultural, individual/mudança de comportamento) praticamente
não fizeram parte do raio de atenção da imprensa brasileira no período.


• Ainda que cerca de 20% dos textos tenham enquadrado a discussão sobre Mudanças
Climáticas a partir de uma ótica econômica, os dados apontam para uma baixa con-
textualização no que se refere a este tipo de perspectiva: 9,7% centram-se nos cus-
tos, 8% sublinham oportunidades, 7% abordam benefícios econômicos, 6% trazem
uma reflexão sobre os padrões de consumo das sociedades contemporâneas, 2,2%
dos textos relacionam o tema com impactos no PIB e 2,3% mencionam modelos
econômicos.

• Ao trabalhar a questão dos gases geradores do efeito estufa (45%), por exemplo,
apenas 3,9% dos textos salientam as diferenças no volume de emissões entre os
países e 0,3% atenta para as diferença no volume de emissões entre os estados bra-
sileiros, questões de fundo da agenda política.

• Contextualiza-se pouco a relação das mudanças climáticas com os indivíduos ou gru-


pos específicos de indivíduos (12,7%). Somente 2% dos textos salientam, por exem-
plo, os impactos diferenciados que já atingem as populações de baixa renda.

• Na apresentação de causas, soluções e conseqüências, os jornais valorizam os impac-


tos e oferecem menos espaço para compreender o que levou e continua levando às
mudanças e quais são os caminhos para enfrentar o problema.

Desenvolvimento fora da pauta


• As discussões e fatos sobre as Mudanças Climáticas podem – e devem – ser enqua-
dradas a partir de diferentes perspectivas. Em parte, foi essa a tendência que a mídia
demonstrou na cobertura do tema. Contudo, deixou-se de fazer uma conexão fun-
damental relacionada a essa discussão: não chegam a 15% os textos que vinculam o
debate sobre as alterações climáticas à agenda mais ampla do desenvolvimento (in-
dependentemente do adjetivo que lhe seja acoplado) e até mesmo do crescimento.

Espírito investigativo restrito


• As políticas públicas governamentais estiveram sub-representadas na cobertura da
imprensa sobre as mudanças climáticas (24%).

• Além das iniciativas públicas terem sido abordadas de forma lateral, os dados salien-
tam que elementos fundamentais (por exemplo, menção ao orçamento, à avaliação
e monitoramento de políticas públicas e à responsabilidade dos governos) para se
construir um noticiário que colabore efetivamente para garantir a accountability dos
governos não estavam presentes nos textos investigados.

• Da mesma forma, cobrou-se pouco dos poderes públicos e discussões sobre questões or-
çamentárias foram mínimas, bem como sobre a avaliação e monitoramento das políticas.

• Uma hipótese que pode explicar esse comportamento é a efetiva escassez de políticas
públicas para a área no contexto brasileiro – o que, entretanto, não exime a imprensa de
apontar essas eventuais lacunas. 
Preocupação com a diversidade de vozes
• De maneira geral, os diários diversificaram as fontes ouvidas, consultando diferentes
categorias de atores (poderes públicos, especialistas, técnicos e universidades, em-
presas não estatais, governos estrangeiros são os mais ouvidos), o que representa um
ponto positivo da cobertura. Por outro lado, menos de 10% dos textos trazem opi-
niões divergentes e um volume não desprezível (quase 30%) não explicita as fontes
de informação consultadas.

• Paralelamente à baixa pluralidade de opiniões nos textos, verificou-se um volume


expressivo de material opinativo na amostra analisada: 26,7% é composta por edito-
rais, artigos, colunas e entrevistas.

Na trilha das oportunidades


Uma preocupação certamente ronda as redações e os atores mais vinculados às Mudanças
Climáticas: como fazer para que um tema que ganhou a pauta a partir de eventos tão es-
pecíficos continue como foco das pautas?

Ao longo das próximas páginas, buscamos apontar as oportunidades que foram perdidas
pela cobertura, mas que ainda compõem uma agenda de trabalho que pode – e deve – ser
levada a cabo pela imprensa brasileira. Contribuir para qualificar esse debate é, sobretudo,
uma das razões que justificam a realização da presente pesquisa.


INTRODUÇÃO
Agir agora não é apenas uma questão de vontade política, é uma questão de
responsabilidade, de compromisso, de visão, de ética e de sobrevivência,
Marina Silva, ministra do Meio Ambiente

Demoramos muito para perceber que as mudanças climáticas já haviam


passado do ponto em que era possível revertê-las 100%. Agora todos os países
têm a obrigação de buscar alternativas para minimizar os impactos. O Brasil
precisa assumir um compromisso de longo prazo com as gerações futuras e
buscar um novo modelo de desenvolvimento que minimize as emissões de
CO2.Também deve mapear as nossas vulnerabilidades para criar uma política
nacional de enfrentamento das mudanças climáticas - da mesma forma que há
planos para acabar com o analfabetismo ou com a fome.
Carlos Nobre, doutor em meteorologia e coordenador-geral do
Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC)

Este texto analisa o tratamento editorial dispensado por 50 jornais diários brasileiros ao debate
sobre as chamadas Mudanças Climáticas. O estudo abrange veículos de todos os estados do
País, trazendo uma radiografia da cobertura produzida entre julho de 2005 e junho de 2007.
Os resultados da pesquisa – fruto de um esforço coordenado pela ANDI, com o imprescindível
apoio da Embaixada Britânica no Brasil – constituem, como veremos a seguir, subsídios relevan-
tes para uma leitura mais aprofundada sobre o papel desempenhado pela grande mídia na ampla
discussão que vem sendo travada, em nível mundial, acerca das alterações registradas no clima
do planeta e das possíveis conseqüências desse fenômeno no futuro.

Trata-se de um debate central para as políticas de desenvolvimento das diversas nações e, não
é exagerado afirmar, para toda a humanidade. Essa é, certamente, a primeira premissa a partir
da qual o presente estudo foi elaborado. Isso porque não é possível pensar sob a perspectiva
do desenvolvimento sem que se leve em conta o processo de degradação ambiental gerado,
nos últimos séculos, a partir da expansão da economia mundial. Por outro lado, vale lembrar
que esse cuidado com a sustentabilidade, tão difundido nas décadas mais recentes, traz em
sua essência uma preocupação que está na raiz do trabalho desenvolvido pela ANDI desde sua
fundação: construir um contexto favorável à qualidade de vida das novas gerações.

Apontadas tais considerações, surge ainda outra importante questão que também embasa a
configuração do presente estudo: por que nos dedicarmos a uma análise aprofundada sobre a
relação entre a atuação da mídia e o debate acerca das Mudanças Climáticas? Afinal, a constatação
de que esse tema importa para a agenda da infância e da adolescência poderia justificar, por
exemplo, que se priorizasse um estudo sobre as políticas com foco na garantia dos direitos das
populações infanto-juvenis que vivem em áreas de alto risco (como as pequenas ilhas).

Nossa opção, entretanto, foi por dedicar esforços na compreensão de como um ator central
para a democracia – a imprensa – vem atuando frente a esse importante debate. Para sustentar

Pauta relevante para a infância e a adolescência

Desde 1996, a ANDI tem-se notabilizado pela produção de um conjunto expres-


sivo – e publicamente reconhecido – de análises de mídia sobre os mais distintos
temas, sobretudo aqueles relacionados ao universo imediato da infância e da ado-
lescência. Os resultados desses estudos estão sistematizados em um conjunto de
publicações produzidas pela Agência. Além de conteúdos sobre temas relevan-
tes para as novas gerações, alguns desses produtos reúnem reflexões sobre ou-
tras questões centrais para a agenda social brasileira. Desenvolvimento Humano,
Responsabilidade Social Empresarial, Tecnologias Sociais e Direitos Humanos es-
tão entre os assuntos abordados.

Nesse sentido, a produção deste estudo sobre a cobertura jornalística do tema


Mudanças Climáticas representa uma contribuição que a ANDI busca oferecer
para o aprimoramento de um debate cuja relevância para o futuro de crianças e
adolescentes é evidente.

Cabe ressaltar, porém, que os dados apresentados nas próximas páginas não re-
presentam um fim em si mesmos. Seu objetivo último é promover, a partir do
monitoramento da mídia brasileira, uma cooperação com os agentes da notícia
(jornalistas e fontes de informação), possibilitando que contribuições concretas
possam ser ofertadas para minimizar os efeitos das Mudanças Climáticas e, conse-
qüentemente, favorecer a implementação de um modelo de desenvolvimento que
leve em conta a qualidade de vida das novas gerações.

Dessa forma, o diálogo público em torno da realidade ambiental do planeta


converge fortemente para o campo mais específico de atuação da ANDI: a pro-
moção e a defesa dos direitos de crianças e adolescentes. E é baseada nessa
convergência que a Agência buscou se somar ao esforço que vem sendo desen-
volvido pela Embaixada Britânica no Brasil em relação às Mudanças Climáticas,
oferecendo sua experiência técnica no monitoramento, na mobilização e na qua-
lificação da imprensa.


a necessidade de compreendermos melhor essa relação Mídia – Mudanças Climáticas, vale
apontar cinco outras premissas fundamentais:
• O tema Mudanças Climáticas conforma uma questão da mais alta relevância para as so-
ciedades contemporâneas.
• Exatamente por isso, precisa ser agendado de forma prioritária entre a população em ge-
ral, mas, sobretudo, entre os chamados tomadores de decisão e formadores de opinião.
• Precisa ainda ser informado de maneira contextualizada.
• Da mesma forma, necessita ser alvo de políticas públicas monitoradas pelos atores que
conformam o sistema de freios-e-contrapesos, peça fundamental para a boa governança
e para a transparência nas sociedades democráticas.
• Por fim, ressaltamos que o jornalismo tem como funções fundamentais, exatamente:
o agendar os temas prioritários para as democracias contemporâneas;
o prover informação contextualizada sobre esses mesmos temas;
o atuar como watchdog dos formuladores e executores de políticas públicas, colabo-
rando para elevar o nível de accountability dos mesmos.

Essas cinco afirmações constituem os pilares da presente investigação. A um só tempo, elas


jogam luz sobre duas questões fundamentais: por que se faz importante um estudo sobre a
cobertura jornalística acerca das Mudanças Climáticas? E o que devemos nos perguntar em
relação aos textos jornalísticos analisados?

Nosso objetivo, portanto, é apresentar um mapa bastante detalhado e, provavelmente, pioneiro


acerca do tratamento editorial oferecido pelas redações brasileiras aos assuntos relacionados às
Mudanças Climáticas. Nesse sentido, cabe apontar algumas perguntas que nortearam a elabo-
ração da pesquisa: a imprensa agendou o tema no período? Se sim, como? Ao prover informa-
ções sobre o tema, a mídia o contextualizou? Ouviu uma diversidade de atores envolvidos com
o assunto? Buscou abordar o assunto a partir de variadas perspectivas? Os diferentes veículos
noticiosos desempenharam seu papel de fiscalização dos formuladores e executores de políticas
públicas?

Independentemente das respostas a tais questões, seria interessante apontarmos uma hipótese
que nos parece relevante. Mesmo desconhecendo os dados estatísticos que serão apresentados
nas próximas seções, quaisquer leitores – ainda que leigos – convidados a tecer comentários ba-
seados em seu próprio conhecimento (em uma espécie de educated guess) diriam que o tema das
Mudanças Climáticas tem ocupado nos últimos meses, de forma abundante, as páginas dos jornais
brasileiros. O que não fica muito evidente nesse cenário são os motivos que teriam levado esse
debate a ganhar tamanha visibilidade, questão que iremos discutir na seqüência.

Por fim, antes de refletirmos propriamente sobre os resultados da pesquisa, será necessá-
rio conceituar melhor os três fios condutores que definem a atuação da imprensa em uma
sociedade democrática: agendamento, informação contextualizada e função de watchdog.
Além de serem relevantes para se compreender o papel desempenhado pelos jornalistas, tais

  Uma pesquisa no sistema Scielo (www.scielo.br) – a maior base de artigos acadêmicos publicados em revistas científicas brasileiras – com as
expressões “mudanças climáticas”, “aquecimento global” e “efeito estufa” não retornou artigos que relatem resultados de investigações relacio-
nadas à cobertura da mídia brasileira sobre as Mudanças Climáticas. 10
aspectos foram centrais na organização do expressivo volume de informações resultantes do
mapeamento da cobertura.

Mudanças Climáticas sob a ótica do valor-notícia

O economista britânico Nicholas Stern, logo nas primeiras páginas do seu (agora) famoso re-
latório – Stern Review – sentencia de forma decisiva: “a evidência científica é avassaladora: as
mudanças climáticas apresentam riscos globais muito sérios e demandam uma resposta global
urgente” (Stern, 2006:i).

Como veremos adiante, o Relatório Stern foi tornado público no mesmo momento em que
a mídia impressa brasileira deu início a um aumento sem precedentes – ao menos no último
biênio – no número de textos dedicados à cobertura dos temas relacionados às Mudanças
Climáticas. A afirmação de Stern, bem como o contexto no qual ela foi produzida, nos ajuda a
compreender os diversos fatores que podem ter contribuído para esse decisivo “despertar” da
imprensa brasileira.

Essa recente atenção dedicada pelas empresas jornalísticas do País a esse debate não se-
guiu o mesmo histórico de cobertura demonstrado pela mídia dos países desenvolvidos.
Estudos internacionais (Ungar, 1992; Bell, 1994; Weingart, Engels e Pansegrau, 2000; Boykoff
e Boykoff, 2004) demonstram a presença significativa, a despeito de críticas quanto ao con-
teúdo, da discussão sobre Mudanças Climáticas na mídia internacional desde, pelo menos, o
final dos anos 1980.

Mais do que isso, esses mesmos estudos rememoram que já na década de 1960 a Conservation
Foundation organizou um importante evento sobre o tema. Na mesma década, a comissão
consultiva para a ciência do presidente dos Estados Unidos alertava para as causas humanas
das Mudanças Climáticas (Ungar, 1992:488). Na década de 1970, Weingart, Engels e Pansegrau
(2000) relataram diversas declarações da comunidade científica alemã acerca dos problemas
concretos relacionados às alterações climáticas. Em 1988, o cientista James Hansen, da NASA,
deu um testemunho à comissão do Senado norte-americano – “coincidentemente” comandada
pelo então senador Al Gore – afirmando que as causas das Mudanças Climáticas eram também
antropogênicas (Boykoff e Boykoff, 2004: 127). Já em 1990, durante a Conferência Mundial do
Clima, em Genebra, 700 cientistas conclamaram por ações imediatas dos países no tocante ao
enfretamento das causas responsáveis pelas mudanças climáticas.

Como se vê, os alertas produzidos por cientistas sobre a influência das atividades humanas nas
alterações climáticas, por um lado, e sobre a gravidade destas, por outro, não é algo recente na
história. Novamente, levanta-se a dúvida, por que só agora a imprensa brasileira demonstrou
um interesse mais sólido pelo tema?

  Os dados que dispomos são específicos para o período compreendido entre julho de 2005 e junho de 2007; não obstante, em palestra
realizada durante o evento Mudanças Climáticas: o Cenário Brasileiro, a COP-13 e a Cobertura da Imprensa. Um Workshop para Jornalistas,
o editor de ciência Cláudio Ângelo, do jornal Folha de S. Paulo, apresentou dados que comprovam um forte crescimento (de 50 para 350) no
número de textos, publicados pela Folha no período 1995-2007, que traziam a expressão “efeito estufa”. 11
Uma breve comparação com o ano de 1988 pode contribuir para compreendermos melhor esse
cenário. Naquele ano, os jornais norte-americanos, por exemplo, começaram sua escalada na co-
bertura sobre as Mudanças Climáticas (Boykoff e Boykoff, 2004). Naquele período, além do já men-
cionado depoimento de James Hansen para o Senado dos Estados Unidos, outros fatos também
convergiram para ampliar a atenção dedicada ao tema. Um deles foi o discurso da então primeira-
ministra britânica, Margareth Tatcher, pronunciado na Royal Society, em Londres, reconhecendo
a relevância do debate acerca das alterações do clima. O verão de 1988 foi um dos mais quentes
– até então – nos Estados Unidos e gerou enormes problemas tanto para o meio ambiente quanto
para a agricultura daquele país. Tais circunstâncias levaram o vice-presidente dos EUA, George Bush
(pai), candidato presidencial, a declarar, na contra-mão de toda a política do governo Reagan, que o
greenhouse effect (efeito estufa, em inglês) seria combatido com um white house effect.

Retomando a análise do cenário atual, vale perguntar como o Relatório Stern e o seu contexto
podem nos ajudar a explicar o interesse mais direto da mídia brasileira em relação à agenda
das Mudanças Climáticas, a partir de 2006? Em parte, porque talvez, assim como em 1988, o
estudo buscou reforço nas “avassaladoras evidências científicas”. Contudo, a pauta científica
por si só não explica a expansão da cobertura. Na mesma época, o documentário Uma verdade
inconveniente, de Al Gore, colaborou ofertando poderosas imagens – da mesma forma que no
verão de 1988 – que contribuíram para deslocar a idéia abstrata das Mudanças Climáticas para
fatos bastante concretos (desde o derretimento de geleiras até o furacão Katrina, passando
pelas histórias de personagens reais e de ocorrências negativas).

Além disso, a voz de um economista do establishment, Nicholas Stern, transformando um proble-


ma até então exclusivamente ambiental em um imbróglio econômico, foi igualmente relevante.
Da mesma forma, os altos preços do petróleo e a concreta agenda das chamadas energias limpas
também foram de grande valia. Por fim, a percepção de que vivemos um problema global que
demanda soluções globais também colaborou para sedimentar a idéia de que não se trata de uma
questão ambiental, localizada nesta ou naquela região do planeta (Goldemberg, 2000:77) .

As evidências científicas, as fortes imagens, a conexão da questão com a agenda do desenvolvi-


mento econômico, o inevitável compartilhar de responsabilidades acabaram, portanto, por de-
linear o valor-notícia desse debate, chamando a atenção da mídia brasileira. Adicionalmente,
essas e outras razões também colaboraram para o envolvimento mais incisivo – para além, ob-
viamente, de cientistas e organizações ambientalistas – de outros atores importantes: o setor
privado e os governos de outros países, obrigados a se pronunciar sobre a questão, ainda que
  Conforme descreve o mais recente Relatório de Desenvolvimento Humano do Pnud, “A atmosfera da Terra não distingue os gases com
efeito de estufa por país de origem. Uma tonelada de gases com efeito de estufa emitida pela China tem o mesmo peso que uma tonelada de
gases com efeito de estufa emitida pelos Estados Unidos – e as emissões de um país são o problema climático de outro. Além disso, nenhum
país consegue vencer a batalha contra a mudança climática agindo sozinho. A ação coletiva não é uma opção mas um imperativo” (p. 5).
  Originalmente desenvolvida por dois pesquisadores noruegueses, Johan Galtung e Mari Ruge (1965), a teoria dos valores-notícia busca
explicar por que alguns temas se transformam em notícia e outros não. Posto de outra forma, isso significa analisar quais são os valores con-
tidos em determinado acontecimento que podem levá-lo a “galgar o degrau” que o torne “digno” de ser considerado como uma notícia pelas
empresas jornalísticas.
  Em 30 de novembro de 2007, 150 das mais importantes empresas do planeta divulgaram carta, por meio de anúncio pago no jornal
Financial Times, reforçando, a propósito da Conferência das Partes em Bali, que: “Se as mudanças climáticas não diminuírem, os custos
econômicos e geopolíticos podem ser muito severos e ter efeitos globais. Todos os países e economias serão afetados, mas serão os países mais
pobres que vão sofrer mais e mais cedo. Os custos de ações para reduzir as emissões de gás carbônico para evitar os piores efeitos das mudan-
ças climáticas são administráveis, especialmente se guiados por uma visão internacional comum.” Ainda que o exemplo que aqui utilizamos
tenha ocorrido em data não coberta pelo período amostral analisado, entendemos que tal posicionamento é fruto de uma gestação prévia. Ou
seja, tais empresas, isoladamente, já vinham, bem antes de novembro de 2007 e, portanto, dentro de nosso período de análise, ofertando sinais
claros de suas preocupações com a temática. 12
para negar a sua gravidade. Por certo, a entrada mais contundente desses setores na discussão
reforça a presença do tema entre as preocupações da imprensa.

Por fim, é importante salientar que o fato de a imprensa brasileira ter despertado para o
tema em tempos diferentes do histórico trilhado pela mídia internacional não nos autoriza
a afirmar que os veículos dos países desenvolvidos não tenham influenciado, até mesmo
decisivamente, no despertar da cobertura brasileira. O elevado percentual dos textos que
focalizam o cenário internacional, o volume não desprezível de material claramente iden-
tificado como sendo distribuído pelas agências de notícias e jornais estrangeiros (13,1%)
e a intensificação da cobertura da mídia internacional em função dos mesmos fatos acima
mencionados – para o período recente – são indícios da influência que os diários analisados
podem ter recebido dos meios de comunicação de outros países.

Hoje, não resta dúvida de que as Mudanças Climáticas estão, muito em função dessas contin-
gências, na pauta da mídia brasileira. Os dados que serão apresentados no presente documento
buscam, portanto, esmiuçar a forma como esse debate vem sendo reportado. A partir dos
resultados apontados neste texto preliminar alguns desdobramentos futuros, necessariamente,
serão gerados: a pergunta que ficará é “o que se pode fazer para qualificar a cobertura nos
aspectos em relação aos quais ela precisa ser aprimorada?” O presente documento não busca
responder a essa indagação, ainda que alguns elementos que contribuam para esclarecer tais
aspectos estejam presentes nas linhas que se seguem. Por certo, essa radiografia da cobertura
ajudará jornalistas e fontes de informação a desenvolverem suas estratégias com vistas a esse
salto de qualidade.

Imprensa: papel central para as democracias

Conforme apontado anteriormente, as três importantes funções da mídia noticiosa nas socie-
dades democráticas – agendamento; informação contextualizada; e fiscalização das políticas
públicas –constituem os fios condutores da presente pesquisa. Na prática, isso significa que
buscamos organizar as centenas de dados disponíveis a partir da idéia central que subsiste
por detrás de tais características do jornalismo (veja a metodologia de pesquisa na página 16).
Por isso, entendemos ser relevante apresentá-las muito brevemente.

De acordo com o célebre aforismo de Bernard C. Cohen, a mídia “pode não ser bem sucedida,
a maior parte do tempo, em fazer com que as pessoas pensem de determinado modo, mas ela é
extremamente bem sucedida em fazer com que o público pense sobre determinados assuntos”.
O pensamento resume a idéia básica acerca da capacidade da mídia de colaborar fortemente na
construção ou eleição, a partir daquilo que ela veicula e/ou omite, dos temas que estarão no topo
da lista de prioridades da população, em geral, e dos tomadores de decisão, em particular.

Com a rápida expansão das possíveis áreas de interferência do Estado – em muito relacionada
com o reconhecimento de diferentes ordens de direitos aos cidadãos e às gerações futuras – foi
se tornando cada vez mais urgente a necessidade de priorizar apenas algumas das demandas
que são cotidianamente colocadas na esfera pública.
13
Estamos, portanto, assumindo que a mídia tem um poder central nas democracias contemporâ-
neas: definir a agenda pública. A hipótese (do agenda-setting) que está por detrás disso salienta:

[...] em conseqüência da ação dos jornais, da televisão e dos outros meios de infor-
mação, o público sabe ou ignora, presta atenção ou descura, realça ou negligencia
elementos específicos dos cenários públicos. As pessoas têm tendência para incluir
ou excluir dos seus próprios conhecimentos aquilo que os mass media incluem o
excluem do seu próprio conteúdo. Além disso, o público tende a atribuir àquilo que
esse conteúdo inclui uma importância que reflete de perto a ênfase atribuída pelos
mass media aos acontecimentos, aos problemas, às pessoas.

Os pesquisadores noruegueses Galtung e Ruge (1965:64) também salientam essa capacidade


da mídia, ao reforçar que “a regularidade, a intensidade e a perseverança da mídia noticiosa fará
deles [temas quaisquer retratados por ela], em qualquer caso, competidores de primeira hora
para a posição número um como formadores da imagem do cenário internacional”.

Vale ressaltar que investigadores que se ocuparam especificamente da cobertura jornalísti-


ca sobre Mudanças Climáticas igualmente ressaltaram o poder de agendamento da mídia.
Boykoff e Boykoff (2004:125) afirmam que as “pessoas retiram sua informação sobre ques-
tões científicas, basicamente da mídia”. Em outro estudo, Stamm, Clark e Eblacas (2000)
descobriram que os jornais, para moradores da área metropolitana de Washington, eram as
principais fontes de informação sobre o aquecimento global. Por sua vez, Trumbo e Shanahan
(2000:202) lembram que o público confere mais ou menos importância ao tema do aqueci-
mento global de acordo com a cobertura.

Mesmo os mais desconfiados analistas do alcance proposto pelas teorias do agendamento hão
de concordar que, dado que uma eleição de prioridades será necessária e que um critério ou
mais de escolha deverá ser utilizado, a focalização mais intensa da mídia em determinados te-
mas colaborará para a inclusão ou retirada de um assunto da pauta da sociedade.

O volume de informações sobre determinado tema, aparentemente, garante o seu agenda-


mento. Isto é, uma expressiva quantidade de notícias sobre Mudanças Climáticas, de acordo
com a teoria do agendamento, terá como resultado uma maior preocupação dos eleitores e,
logo, dos decisores em relação à questão.

Contextualização e enquadramento
Por outro lado, um jornalismo de qualidade não pode ter por função apenas introduzir o tema na
agenda. É preciso que a informação transmitida seja adequadamente contextualizada. Grifamos
“adequadamente” para realçar que não há aqui nenhuma motivação ideológica, o advérbio
apenas indica que é papel da imprensa prover aos leitores o maior volume de elementos pos-
síveis para que o tema seja amplamente compreendido, inclusive no que se refere à absorção

  Sobre estudos que buscam comprovar os impactos da mídia na agenda pública cf. Protess et. al. (1987), Iyengar (1990); para críticas à teoria
do agendamento, cf. Soroka (1999; 2002)
  Shaw (1979), apud Wolf (1999:144). Para uma discussão mais ampla sobre a teoria do agendamento, cf. McCombs e Shaw (1990).
  Para algumas condições que interferem na forma do agendamento, cf. Soroka (2002). 14
de posturas antagônicas. Em outras palavras, é preciso medir os atributos da agenda, ou seja, o
“como” a questão está posta pela mídia noticiosa.

Outra forma de analisar “como a agenda está colocada” é atentar para o útil conceito de enqua-
dramento. Um mesmo tema pode ser “enquadrado” pelas redações de diferenciadas maneiras.
Pode-se ler a questão das Mudanças Climáticas pelo viés ambiental, mas também por uma ótica
econômica ou política e, até mesmo, de saúde pública.

Para Kweon (2000: 166-7), “um enquadramento conecta idéias dentro de uma notícia de tal
modo que sugere uma interpretação particular de um assunto”. Nesse sentido, continua o
autor, “uma importante função do enquadramento é definir um problema ou solução. Que
aspectos do tema são mais importantes e como eles são apresentados?”

Distintas fases no desenvolvimento de uma política ou tema público demandam


o conhecimento de diferentes níveis de informação (estatísticas, legislações, posições de atores
diversos, boas prática, etc). A mídia é um potencial investigador e fornecedor dessas informa-
ções, inclusive conferindo voz a fontes alternativas e contestadoras de dados oficiais.

Cão de guarda
Por fim, toda política pública, em regimes democráticos, supõe que os atores por ela res-
ponsáveis demonstrem algum grau de accountability, isto é, de transparência e resposta
junto ao eleitorado. Entretanto, essa característica é tão mais crível quanto mais externos
ao processo forem as organizações responsáveis pela fiscalização das variadas políticas em
formulação e execução.

A imprensa, desde as discussões travadas pelos Federalistas para a constituição da democra-


cia norte-americana, é entendida como uma das principais instituições de controle social dos
governos eleitos. Isso representa, em termos práticos, o acompanhamento, não apenas do
lançamento oficial de projetos, mas de sua continuidade, da sua execução em acordo com os
padrões legais e éticos estabelecidos e de seus resultados. Esse tipo de atuação é – ou deveria
ser –, portanto, tarefa a ser conduzida cotidianamente pelos profissionais da notícia.

15
Metodologia de Pesquisa

A presente pesquisa teve como meta central traçar o perfil quantitativo, as principais
tendências e as prováveis implicações qualitativas da cobertura sobre Mudanças
Climáticas realizada por 50 jornais impressos brasileiros. Para tanto, lançamos mão
de um método de avaliação da produção jornalística conhecido como “análise de
conteúdo” (cf. tb. McCombs e Shanahan, 2000: 34).

A aplicação deste tipo de metodologia permite avaliar as tendências quantitativas dos


objetos de análise. Diferentemente dos modelos de estudo sobre o discurso, a análise
de conteúdo não busca identificar subjetividades, intencionalidades e potencialidades
possivelmente presentes nos recursos lingüísticos empregados. A questão aqui, vale
ressaltar, não é apontar se um ou outro método é ou não pertinente, mas apenas
ressaltar que eles se prestam a objetivos diferentes.

De acordo com Hansen et. al (1998, p. 123), o método da análise de conteúdo:

[...] segue um conjunto claro de passos, o que é uma de sua


características mais atrativas, ainda que também vulnerável a abusos.
Fundamentalmente, aqueles que optam pela análise de conteúdo
para o estudo da mídia devem reconhecer que tal método não é nada
mais que um conjunto de diretrizes sobre como analisar e quantificar
o conteúdo midiático de forma sistemática e confiável.

Nesse sentido, este estudo se orientou a partir das seguintes etapas:


• Definição das listas de palavras-chave utilizadas (realizada com o auxílio de um
grupo de consultores).
• Definição das amostras pesquisadas.
• Definição de um instrumento para análise das matérias (com apoio dos
consultores).
• Treinamento dos profissionais responsáveis pela classificação dos textos.
• Classificação dos textos jornalísticos segundo o instrumento elaborado.
• Checagem aleatória, para avaliação, da produção dos classificadores.
• Inserção no banco de dados.
• Produção dos resultados agregados.
• Análise dos resultados.

Amostragem
Para realização desta pesquisa foram selecionados eletronicamente textos
jornalísticos (editoriais, colunas, artigos de opinião e notícias) com mais de 500
caracteres que contivessem pelo menos uma das 10 palavras-chave referentes a
questões ambientais de maneira geral ou pelo menos uma das 79 palavras-chave

16
diretamente relacionadas ao amplo guarda-chuva das Mudanças Climáticas (veja a
lista de palavras-chave no Anexo I).

Como já foi ressaltado, o principal objeto de análise no presente estudo é a cobertura


da mídia noticiosa impressa sobre as Mudanças Climáticas. Sem embargo, para
efeitos comparativos, inclusive no que tange a estabelecer proporções quantitativas
da cobertura sobre o tema enfocado, verificou-se a necessidade de analisar um
segundo conjunto de textos.

Este segundo conjunto poderia ter sido composto por qualquer tema veiculado nos
mesmos dias da amostra de Mudanças Climáticas. Propositalmente, optou-se em
avaliar os conteúdos relacionados à agenda ambiental mais extensa (excluindo-se o
debate sobre as alterações climáticas). Tal escolha foi pautada pela proposta de se
verificar como a cobertura ambiental evolui paralelamente àquela relacionada às
alterações climáticas e vice-versa.

Dessa forma, foram construídos dois instrumentos de análise: um, mais simples,
para a contabilização dos textos sobre questões ambientais mais amplas e outro,
mais complexo, com 141 questões, às quais todos os textos foram submetidos.

Para a construção das amostras, três definições foram fundamentais:


1. O método de clipagem (eletrônico).
2. Os jornais pesquisados (sempre que possível, os dois principais de cada estado,
mais os jornais econômicos).
3. O método de seleção aleatória dos dias pesquisados (Mês Composto).

Mês Composto
Existem diferentes métodos de amostragem passíveis de serem utilizados para uma
pesquisa envolvendo o conteúdo noticioso de veículos de comunicação. Dentre
os mais comumente utilizados, estão aqueles que fazem uma composição de um
número pré-definido de dias ao longo de todo o período disponível. Tal metodologia
é denominada Mês Composto e consiste no sorteio de 31 dias ao longo de um ano
pesquisado.

Esse tipo de método de seleção de amostras parte do pressuposto de que a


cobertura dos distintos veículos apresenta características gerais semelhantes ao
longo dos dias da semana. Ou seja, se observarmos um número infinito de segundas,
terças, quartas, quintas, sextas, sábados e domingos, verificaremos que os perfis
quantitativos da cobertura dentro de cada um desses dias – levando-se em conta as
características gerais – é muito parecido.

17
Evidentemente que este raciocínio não é válido para as coberturas que só podem
ser entendidas em uma seqüência temporal específica: por exemplo, se o objetivo
é estudar o tratamento editorial acerca de uma campanha de vacinação, não é
possível utilizarmos uma amostra sorteada aleatoriamente, é necessário que os
dias específicos e adjacentes à campanha façam parte do universo analisado. Da
mesma forma, se o intuito é verificar como foi a cobertura do lançamento de um
determinado Relatório do IPCC, é fundamental que sejam escolhidos os dias que se
remetem ao período da divulgação.

Entretanto, se a intenção é analisar a cobertura de saúde como um todo ou a


cobertura acerca de Mudanças Climáticas em geral, não há necessidade de se
acompanhar um período seqüencial ou determinado de dias. Se há a impossibilidade
operacional de se avaliar o universo total de matérias (dado o volume de textos
publicados), a melhor alternativa é a análise de uma seleção aleatória, porém,
representativa de dias ao longo do período estudado. Uma avaliação seqüencial
e não aleatória (por exemplo, de uma semana corrida dentro de determinado
mês) poderia conferir, dentro da cobertura geral, um peso desproporcional a
determinado tema que só tenha tido repercussão ao longo daquela semana.

Nesse sentido, como nosso objetivo era auferir as características gerais da abordagem
dispensada pela mídia noticiosa ao tema das Mudanças Climáticas, o sistema de
amostragem escolhido foi o do Mês Composto. Para cada um dos 12 meses foco de
nosso estudo (julho de 2005 a junho de 2006 e julho de 2006 a junho de 2007) foram
sorteados 31 dias. As datas sorteadas foram representativas dos dias da semana (ou
seja, um número equivalente de segundas, terças, quartas, quintas, sextas, sábados
e domindos) e dos meses do ano (meses com 31 dias, possuem mais presença na
amostra). Assim, foram aleatoriamente escolhidos 62 dias, nos quais foi realizada a
busca pelos textos dos jornais enfocados pela pesquisa que continham pelo menos
uma das palavras-chave inicialmente definidas.

O universo analisado
Observados todos esses procedimentos, foram analisados 997 textos localizados
sob o extenso guarda-chuva das Mudanças Climáticas e 2.811 textos referentes à
cobertura geral sobre meio ambiente. Os textos foram obtidos a partir da busca
eletrônica realizada em 50 jornais brasileiros (veja lista de jornais e a distribuição
percentual de matérias sobre mudanças climáticas para cada um deles no Anexo II).

Todos os textos identificados foram classificados por um grupo de analistas


previamente treinados na metodologia. Posteriormente, um conjunto aleatório
dessas matérias passou pela revisão de analistas não envolvidos na primeira fase de
classificação. Por fim, os questionários foram submetidos à análise de inconsistências
do programa estatístico utilizado.

18
ANÁLISE DOS RESULTADOS

Agendamento
O primeiro parâmetro a ser observado quando estamos interessados em avaliar o papel de
“agendadores” dos meios de comunicação em relação a um tema é a quantidade de textos vei-
culados em um determinado período. Para isso, é necessário estabelecer alguma medida que
indique o espaço concedido a um debate específico.

Como se pode deduzir, um volume X ou Y de texto pode nos oferecer pouca ou nenhuma
informação sobre a nossa pergunta de fundo: a mídia agenda a questão de maneira mais ou me-
nos consistente? No entanto, algumas comparações, ainda que não resolvam definitivamente a
dúvida, certamente colaboram para esboçar uma resposta.

Meio ambiente e Mudanças Climáticas: sobe-e-desce da cobertura


O Gráfico 1 traz a distribuição das duas coberturas (meio ambiente em geral e Mudanças
Climáticas) durante os oito trimestres que compõem o período analisado. Os dados apontam
para a estabilidade da cobertura referente às Mudanças Climáticas entre os 1º e 5º trimestres,
com um leve salto no 2º (período imediatamente posterior ao furacão Katrina). Entretanto, a
partir do 6º trimestre, a cobertura sobre Mudanças Climáticas registra uma escalada expressi-
va, que se mantém até o final do período analisado.

Esse salto no volume de matérias – e a manutenção de sua freqüência – parece ancorar-se, no


entanto, em fatos muito específicos ocorridos no período. Em outubro de 2006, por exem-
plo, foi lançado o Relatório Stern. No mês seguinte, estréia no Brasil o filme-denúncia Uma
Verdade Inconveniente, protagonizado pelo ex-vice-presidente dos EUA, Al Gore. Em fevereiro
de 2007, a película é agraciada com o Oscar e um novo relatório do Painel Intergovernamental
sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês) é tornado público. Nos meses de abril e
maio, outros levantamentos sobre o tema são apresentados.

A análise da curva da cobertura sobre meio ambiente é igualmente interessante. Exceto para
o 5º trimestre (período em que houve operações do Ibama e da Polícia Federal para apreen-
são de madeira ilegal), o espaço destinado à temática parece ser paulatinamente substituído
por aquele dedicado às Mudanças Climáticas. Como os jornais, provavelmente, não amplia-
ram seus cadernos e/ou seu número diário de páginas, tal constatação é bastante razoável e
indica uma prioridade estabelecida pelas publicações. Assim, os dados nos levam a crer que à
medida que era ampliada a atenção destinada às alterações no clima, questões como ambien-
te urbano, biodiversidade, extrativismo, educação ambiental, fauna e recursos pesqueiros
foram perdendo espaço.
19
Mudanças Climáticas na imprensa brasileira

Gráfico 1

Distribuição por trimestres

500
450
400
Número de textos

350
300 Meio-
250 ambiente
200 Mudanças
Climáticas
150
100
50
0
1 2 3 4 5 6 7 8
Trimestres (07/2005 a 06/2007)

As apostas dos diferentes jornais


Diversas pesquisas realizadas pela ANDI acerca da cobertura das mais diversas políticas públi-
cas atestam comportamentos diferenciados entre os jornais regionais, os jornais de referência
(abrangência nacional) – Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo, O Globo e Correio Braziliense – e
os jornais de cunho econômico (Valor e Gazeta Mercantil).

Algumas dessas investigações – especialmente as realizadas mais recentemente – têm cons-


tatado um crescente interesse (agendamento) da mídia regional pelos temas analisados pela
Agência. Em 1999, 42% dos textos sobre educação eram gerados pelos grandes jornais; já em
2004, apenas 14,1% dos conteúdos sobre o assunto partiram dos diários nacionais.

No caso do presente estudo, essa tendência é verificada para a cobertura mais ampla sobre
meio ambiente (na qual os jornais regionais respondem por 80% do conteúdo analisado), mas
não apresenta a mesma intensidade em relação às Mudanças Climáticas. Quanto a este assunto,
os jornais de âmbito nacional e os de enfoque econômico (6 veículos) respondem por quase
40% da cobertura, enquanto os regionais (44 veículos) produzem 60% do material.

Os números globais da pesquisa – 997 textos sobre Mudanças Climáticas – permitem inferir
que a produção do conjunto de jornais no período foi de um texto jornalístico (editorial, co-
luna, artigo, entrevista ou notícia) a cada três dias. Ao analisarmos os três últimos trimestres,
no entanto, a produção cresce para um texto a cada dois dias. Já ao focarmos a avaliação nos
jornais de referência, a freqüência registrada é de 1,5 textos a cada dia.

20
Mudanças Climáticas na imprensa brasileira

Gráfico 2

Distribuição da cobertura pelo tipo de jornais

90
80
70 Jornais Regionais
% de textos

60
50 Jornais de Abrangência
40 Nacional
30 Jornais Econômicos
20
10
0
Mudanças Climáticas Meio-ambiente
Amostras

Densidade dos textos


Uma outra forma de analisar a distribuição da cobertura produzida pelos jornais ao longo do
período analisado é aquela que remete não apenas para o volume de textos, mas também
para sua “densidade”. Para isso, verificou-se em cada uma das matérias se sua menção a al-
gum dos temas vinculados às Mudanças Climáticas era “mínima” (1 linha do texto); “mínima-
média” (1 parágrafo); “média” (1 retranca) ou “alta” (todo o texto).

Os dados demonstram que textos mais ou menos densos – ou seja, parte ou totalmente
dedicados, em termos de espaço, à cobertura de Mudanças Climáticas, independentemente
da qualidade – seguem a mesma lógica trimestral apresentada acima. Isto é, nos primeiros
três meses temos um volume semelhante de textos nas quatro categorias analisadas. Já nos
últimos trimestres, verifica-se um descolamento positivo das categorias “média” e “alta”. No
entanto, as três categorias de jornais (regionais, de referência e econômicos), na média, não
apresentam diferenças substanciais quanto ao que estamos rotulando por densidade, com
um leve ganho na categoria “alta” para os jornais econômicos.

21
Mudanças Climáticas na imprensa brasileira

Gráfico 3

Dimensão da cobertura por trimestres

120

100
Número de textos

80 Mínima
Mínima-Média
60
Média
40 Alta
20

0
1 2 3 4 5 6 7 8
Trimestres (07/2005 a 06/2007)

Diferenças regionais
A distribuição da cobertura pela região original de cada um dos jornais consiste em uma verten-
te analítica relevante, especialmente quando analisamos o contexto de um país com as dimen-
sões territoriais do Brasil. A Amazônia (Norte) e o Semi-Árido (Nordeste), por exemplo, são
as regiões brasileiras que serão mais afetadas pelos impactos das mudanças climáticas.

Apesar disso, os jornais de tais regiões – especialmente os do Norte – dedicam menor atenção
às alterações climáticas do que os da Região Sudeste, especialmente quando comparamos com
a cobertura sobre meio ambiente em geral, via de regra mais equilibrada.

Isso não quer dizer, entretanto, que a Amazônia receba pouca atenção por parte da impren-
sa escrita. A região aparece em 8% de todos os textos jornalísticos pesquisados, para além
das menções conjuntas com outras áreas, das menções a estados e municípios específicos e
das menções à Região Norte. Ou seja, os jornais de referência e econômicos (editados em
Brasília, Rio e São Paulo) dedicam-se com maior intensidade a debater a questão das Mudanças
Climáticas com foco nessa região do que propriamente os veículos ali sediados.

 Para informações específicas, cf. Artaxo (2006). 22


Mudanças Climáticas na imprensa brasileira

Gráfico 4

Distribuição da cobertura pela região do jornal

50
45
40
S
35
% de textos

30 SE
25 NE
20 N
15
CO
10
5
0
Mudanças Climáticas Meio-ambiente
Amostras

Jornais nacionais, agenda internacional


Os veículos que tendem a influenciar mais decisivamente o debate político nacional (os de re-
ferência e os econômicos) apresentam uma agenda mais internacionalizada10 – seja totalmente
dedicada à cobertura de fatos que se passam na arena internacional, seja fazendo alguma vin-
culação com o Brasil – do que os jornais regionais. Nestes, a maior parcela da cobertura sobre
Mudanças Climáticas (53,5%) é dedicada ao território nacional, enquanto nos veículos de cir-
culação nacional o peso dos conteúdos com foco no contexto internacional é bastante superior
ao majoritariamente centrado na realidade brasileira.

Vale ressaltar, portanto, a relevância dos jornais regionais no agendamento da questão.


Historicamente, esses veículos tendem a trazer para a realidade local questões que em outros
diários tendem a assumir uma roupagem mais ampla – por sinal, diga-se de passagem, não há
nada de errado nisso.

Tabela 1 – Tipos de jornais e localidade mencionada no texto


Tipos de Jornais Localidade mencionada no texto
No Brasil Fora do Brasil Ambos NFPI**
Jornais Regionais 53,5% 22,5% 22,9% 1,2%
Jornais de Abrangência 36,8% 31,6% 29,5% 2,1%
Nacional
Jornais Econômicos 32,7% 30,8% 36,5% -
Total 46,8% 25,8% 26,3% 1,3%
* Apenas para a amostra de Mudanças Climáticas
** Não foi possível identificar

10 Como esta é uma análise de conteúdo e não de construção da notícia, não temos dados suficientes para explicar porque isto ocorre,
entretanto, o fato de que a pesquisa cientifica, as políticas públicas e a agenda geral ao redor do assunto estão mais consolidadas nos países
desenvolvidos configura uma hipótese explicativa bastante plausível acerca das razões que levam a imprensa diária de abrangência nacional a
apresentar tal concentração de textos no cenário internacional. 23
Mudanças Climáticas na imprensa brasileira

Concentração temática
Ainda que com nuances importantes entre os diferentes jornais pesquisados, fica evidente a
partir da análise dos resultados quantitativos que a mídia impressa brasileira agenda de forma
significativa temas vinculados ao extenso guarda-chuva das Mudanças Climáticas.

À medida que avançamos na análise dos dados, faz-se cada vez mais necessário, no entanto, um
olhar acerca de como esse agendamento se dá. Um primeiro elemento relevante consiste em
identificar – a partir dos inúmeros subtemas que podem compor a cobertura ampla sobre as
alterações climáticas – quais acabaram por ser prioritariamente agendados pela mídia.

A Tabela 2 indica que três temas (Efeito estufa, Energia e Conseqüências/impactos das mudan-
ças ou aquecimento) somam cerca de 50% do material pesquisado, sendo a metade restante
distribuída entre outras 20 questões também relevantes. Assuntos como a ação coletiva inter-
nacional, a agricultura, o desenvolvimento, as causas do aquecimento e a adaptação ganham
pouco ou nenhum destaque como temáticas centrais – ainda que possam aparecer lateralmen-
te, como veremos adiante.

Se, por um lado, tais resultados denotam uma visão limitada da imprensa nacional sobre a
complexidade da agenda em questão, por outro, preocupações quanto a uma suposta superex-
posição do tema podem ser dirimidas por uma constatação que salta aos olhos na Tabela 2: há
muitas pautas ainda por explorar.

Um dado adicional – e que ajuda a construir a hipótese de que a mídia ainda pode se aprofundar
mais na cobertura sobre o tema – é a constatação de que os jornais, em geral, tomam a parte
pelo todo. Ou seja, conforme salienta o Gráfico 5, apresenta-se mais a expressão “aquecimento
global” (um tipo de Mudança Climática) do que a expressão “Mudança Climática” (que inclui o
aquecimento, mas também outros tipos de alterações no clima).

Gráfico 5

Principal tema guarda-chuva abordado pelo texto

29,4

mudanças climáticas
aquecimento global

70,6

24
Mudanças Climáticas na imprensa brasileira

Tabela 2 – Foco Central

Tema
Efeito estufa 21,6%
Energia 15,8%
Conseqüências/impactos da mudança/aquecimento 10%
Mitigação 7,2%
Aquecimento global em geral 6,8%
Legislação 4,3%
Desmatamento 4%
Mudança climática em geral 3,6%
Ação coletiva internacional 3,1%
Pesquisas científicas 2,7%
Agricultura 1,9%
Desenvolvimento 1,5%
Camada de ozônio 1,4%
Indústria 1,4%
Eventos climáticos extremos/ catástrofes 1,3%
Consumo 1,2%
Desertificação 1,2%
Serviços 1,2%
Vítimas do aquecimento global/mudança climática 1,1%
Fenômenos naturais 0,9%
Causas da mudança/aquecimento 0,8%
Questões tecnológicas 0,8%
Vulnerabilidades 0,8%
Adaptação 0,7%
Migração/ deslocamento humano 0,4%
Outros 4,1%
Total 100%
* Apenas para a amostra de Mudanças Climáticas

25
Mudanças Climáticas na imprensa brasileira

Mitigação e Adaptação: dois pesos, duas medidas


Como vimos, a adaptação é praticamente ignorada como temática central dos textos analisados
(0,7%). O desempenho pífio se repete quando avaliamos os conteúdos em que essa questão é
mencionada de forma mais lateral: 2,7% dos textos fazem alguma menção ao assunto.

Novamente, aqui se encontra uma limitação da cobertura pesquisada. Por outro lado, no en-
tanto, indica uma oportunidade para possíveis enfoques que podem ser dispensados à questão
em períodos futuros. A relevância desse debate fica evidente, por exemplo, em relatórios
como o de Stern e do Pnud:

As políticas de adaptação são cruciais para lidar com os inevitáveis impactos das
mudanças climáticas, mas têm sido subenfatizadas em muitos países. A adaptação
é a única resposta disponível para os impactos que irão ocorrer ao longo das próxi-
mas décadas, antes que as medidas de mitigação tenham efeito. (Stern, 2006:xxi)

Devemos, também, pensar nas prioridades de adaptação. Durante muito tempo, a


adaptação às alterações climáticas tem sido tratada como uma questão periférica,
em vez de parte nuclear do programa internacional para a redução da pobreza. A mi-
tigação é um imperativo porque irá definir perspectivas com vista a evitar alterações
climáticas perigosas no futuro. Mas os pobres não podem ser deixados ao abandono
com os seus próprios recursos enquanto os países ricos protegem os seus cidadãos
com fortalezas “à prova de clima”. A justiça social e o respeito pelos direitos humanos
requerem um compromisso internacional para a adaptação. (Pnud, 2007:6)

A mitigação, por sua vez, contou com uma preocupação mais volumosa da mídia impressa
brasileira no período analisado. Ainda que tenha sido abordada de maneira central por 7,2%
dos textos, o assunto acabou ocupando espaço, mesmo que lateral, em 41,7% dos editorais,
artigos, colunas, entrevistas e notícias analisados. Por certo, parte dessa presença está vincula-
da à atenção que se tem dispensado ao tema – fruto de sua inerente importância, inclusive nos
fóruns internacionais. Assim aponta o relatório do Pnud:

Embora se almeje uma adaptação, temos que começar a reduzir as emis-


sões e a dar novos passos rumo à sua mitigação, para que as alterações climá-
ticas irreversíveis, e que já estão em curso, não sejam agravadas nas próximas
décadas. Se a mitigação não tiver início de imediato, e se não for levada com
seriedade, os custos de adaptação daqui a 20 ou 30 anos serão proibitivos
para os países mais pobres. (Pnud, 2006:6)

Essa relativa presença de discussões sobre mitigação foi, no entanto, influenciada pelo debate re-
alizado no Brasil em torno da oferta de energia. Etanol, biocombustíveis, biodiesel e similares re-
ceberam uma atenção constante dos jornais no período analisado – certamente impulsionada pela
visibilidade que o tema vem ganhando no âmbito do governo federal. Neste ponto, é importante
ressaltar que apenas analisamos os textos veiculados, no período amostral, que guardavam relação
direta entre essas fontes de energia e o tema das Mudanças Climáticas. Isto é, menções exclusivas à
26
Mudanças Climáticas na imprensa brasileira

construção de usinas e à política de exportação de etanol, por exemplo, não foram contabilizadas.
Nesse sentido, das tecnologias e práticas de mitigação apontadas pelo relatório do IPCC
(2007:16-17), a oferta de energia corresponde a quase 50% dos textos que abordam ações
mitigadoras na mídia impressa brasileira. Com quase metade das menções aparece o tema
das florestas e uso do solo – mesmo esse item sendo responsável por 75% das emissões de
dióxido de carbono no Brasil. Com menor presença, são mencionadas as iniciativas na área
de transportes, indústrias, resíduos, agricultura e edificações (veja Tabela 3).

Tabela 3 – Tecnologias e práticas de mitigação

Tecnologias/práticas
Oferta de energia 48,6%
Florestas e uso do solo 23,1%
Transporte 9,4%
Indústria 6,5%
Resíduos 6,5%
Agricultura 3,1%
Edificações 0,5%
Outros 2,4%
Total 100%
* Apenas para a amostra de Mudanças Climáticas
** 41,7% trazem tecnologias e práticas de mitigação

Uma última análise sobre os conteúdos que tratam especificamente da questão da mitigação
pode ser relevante. Em 66% desses textos, os diários analisados trouxeram os responsáveis
pelas estratégias mitigadoras.

Setor privado, governo brasileiro e governos estrangeiros, nesta ordem e com pequenas va-
riações percentuais entre si, aparecem como os principais autores das estratégias de mitiga-
ção. Não obstante, quando focalizamos tecnologias ou práticas específicas – oferta de energia,
transporte, etc. – encontramos diferenças não desprezíveis entre esses atores. Assim, o go-
verno brasileiro aparece como o principal responsável pelas estratégias relacionadas ao uso
do solo (33,8%), enquanto os governos estrangeiros têm a liderança no tocante à oferta de
energia (28,6%) e o setor privado nas tecnologias e práticas relacionadas à agricultura (71,4%)
e à indústria (47,1%).

27
Mudanças Climáticas na imprensa brasileira

Tabela 4 – Principais responsáveis pelas estratégias de mitigação

Tecnologias e práticas de mitigação / atores responsáveis

Atores
Oferta Florestas
mencionados Trans- Edifi- Indús- Agricul- Resí-
de e uso do Outros Total
como porte cações tria tura duos
energia solo
responsáveis

Governo
20,6% 22,2% - - 14,3% 33,8% 21,1% 28,6% 22,7%
brasileiro

Legislativo 1,6% - - - - 4,4% - - 1,8%

Governos
28,6% 11,1% - 17,6% - 13,2% 5,3% 28,6% 19,8%
estrangeiros

Organismos
7,9% 3,7% 50,0% 5,9% - 4,4% 5,3% 14,3% 6,6%
internacionais

Setor
21,4% 14,8% 50,0% 47,1% 71,4% 17,6% 36,8% 14,3% 23,8%
Privado

Sociedade civil
- 7,4% - - - 8,8% - 14,3% 3,3%
organizada

Sociedade
1,6% 3,7% - - - 4,4% 5,3% - 2,6%
em geral

Famílias 0,8% - - - - - - - 0,4%

Indivíduos 1,6% 3,7% - 17,6% 14,3% 5,9% 10,5% - 4,8%

Outros 2,4% - - - - - - - 1,1%

NFPI 13,5% 33,3% - 11,8% - 7,4% 15,8% - 13,2%

* Apenas para a amostra de Mudanças Climáticas


** 41,7% do total de textos abordam tecnologias e práticas de mitigação;
*** 66% dos textos que abordam tecnologias e práticas de mitigação apontam responsáveis.

28
Mudanças Climáticas na imprensa brasileira

Mudanças Climáticas: assumir as evidências e aprofundar as explicações

As evidências científicas avassaladoras às quais faz referência os relatórios do IPCC – e muitos


outros – não permitem que os interlocutores mais variados sobre o tema, incluindo a imprensa,
coloquem em dúvida a existência das Mudanças Climáticas, suas causas e muitos dos seus efeitos.
É esse princípio que justifica, por exemplo, o comportamento da mídia impressa em não colocar
em questão a eficácia da campanha de vacinação contra a Poliomielite.

Nesse sentido, constitui-se elemento fundamental compreender se a cobertura da mídia im-


pressa brasileira já está de tal forma convencida da existência das alterações climáticas – e das
políticas públicas que devem ser adotadas, assim como das variadas causas do problema –, que
basta abordar o tema, sem maiores explicações. Tal comportamento deixa a entender que as
Mudanças Climáticas são tratadas como se fossem uma pauta em si mesma, um assunto que se
encerra com o seu próprio enunciado.

Da mesma forma que não é bom jornalismo apenas dizer que mais uma campanha contra a
pólio vai ocorrer – ainda que não seja necessário colocar em dúvida sua pertinência –, não é
bom jornalismo apenas propagar, instrumentalmente, a existência das Mudanças Climáticas e
a urgência em resolvê-las. As campanhas precisam ser questionadas quanto à sua amplitude,
quanto ao método, quanto ao custo, quanto a estarem ou não atingindo as populações mais
distantes do País e quanto a aproveitar o momento para socializar junto à população outros
esclarecimentos sobre saúde pública. Agendar, portanto, as alterações climáticas – e seus prin-
cipais temas correlatos – é uma forma limitada de conduzir, jornalisticamente, a construção da
pauta. Mas, isso ocorre?

Conforme revelam os indicadores apontados pela presente pesquisa, somente 1,1% dos tex-
tos analisados apresenta um conceito de Mudanças Climáticas. É preciso destacar, no entanto,
que a complexidade da temática não permite supor que os mais variados interlocutores de um
texto jornalístico (inclusive os tomadores de decisão e os formadores de opinião) estão fami-
liarizados com o seu significado.

Em 17,11% dos casos – percentual bem mais significativo – as redações se preocuparam em


apresentar evidências da ocorrência das Mudanças Climáticas. Comparados com os 1,1% acima,
temos um enorme diferencial. Porém, não estamos diante de um questionamento válido (deve
ser assim?) quando constatamos que em mais de 80% dos textos simplesmente se assume a exis-
tência do problema, sem serem apresentadas as informações que dão sustentação à afirmação.

O cenário melhora razoavelmente quando verificamos a preocupação dos veículos em sublinhar


a gravidade da questão: 23,6% dos textos trazem essa abordagem. Cerca de 27% do material
analisado busca deixar clara a necessidade de redução dos gases geradores do efeito estufa.

Cabe a indagação: sendo esses os números médios, muitos veículos não estariam deixando de
assumir as Mudanças Climáticas como um dado concreto e, portanto, uma questão que dispen-
saria um nível mais aprofundado de detalhamento?
29
Mudanças Climáticas na imprensa brasileira

Riscos, incertezas e probabilidades


Um dos riscos envolvidos nessa lógica da cobertura é que o debate se constitua em uma
bandeira de luta e não em um tema a ser abordado com todos os rigores demandados
pelo jornalismo. Por outro lado, a falta de profundidade e contextualização pode criar o
chamado “bode expiatório”, ou seja, aos olhos dos leitores, todos os problemas ambientais
passariam a estar conectados às Mudanças Climáticas: chuvas de granizo, enchentes, seca,
etc. E o que é pior: ao transformar as alterações climáticas em um problema circular – gi-
rando em torno de si mesmo – podemos perder de vista que, de fato, as modificações são
conseqüências de problemas que podem e devem ser trabalhados a partir da construção
de políticas públicas específicas, alterações no estilo de vida, entre outros.

O que explicaria, portanto, esse tipo de cobertura? Certamente, muitos são os fatores que
podem ser apontados. Um dos aspectos freqüentemente levantados pela literatura é que
a ciência trabalha com probabilidades, enquanto a mídia com certezas. Logo, enquanto no
campo científico se produz um discurso de possibilidades – dentro de margens de erros e
acertos –, no âmbito da imprensa se produzem afirmações (Weingart, Engels e Pansegrau,
2000:273). A hipótese é compreensível. Entretanto, não está livre de uma análise mais aten-
ta. A percepção de que a mídia tende a trabalhar com certezas não estaria vinculada a uma
idéia de jornalismo científico fortemente focado nas chamadas ciências duras?

Vale lembrar que na cobertura dos processos eleitorais, o jornalismo não se arrisca em
dizer quem vai ganhar ou perder, se limitando a reproduzir as incertezas levantadas pe-
las pesquisas eleitorais. Da mesma forma, ao entrevistar um criminologista que avalia as
chances de uma determinada política pública reduzir os índices de violência, o repórter
também busca pautar a abordagem dentro das limitações do modelo criado. É assim quan-
do se especula sobre o corte na taxa de juros, sobre o que vai acontecer com o PIB, entre
outros temas.

Em outras palavras, podemos dizer que é sim possível fazer jornalismo valendo-se de inter-
valos de interpretação. Se há certezas quanto a alguns pontos, excelente, vamos apresen-
tá-las. Porém, se há dúvidas, é necessário discuti-las. As probabilidades, deste modo, não
impedem nem o trabalho dos jornalistas, nem dos formuladores de políticas públicas, como
lembra o Pnud:

O fato de não conhecermos as probabilidades de tais perdas [decorrentes das


Mudanças Climáticas], ou quando terão lugar, não é um argumento válido para não
tornarmos medidas de precaução. Sabemos que o perigo existe. Sabemos que os
danos causados pela emissão dos gases com efeito de estufa serão irreversíveis por
muito tempo. Sabemos que os danos aumentarão por cada dia em que não atuarmos.
(Pnud, 2008: V)

Opiniões divergentes
Partindo do pressuposto de que as mudanças climáticas, suas causas, seus principais efeitos e
várias das soluções de mitigação e adaptação estão identificados de maneira definitiva – e, logo,
30
Mudanças Climáticas na imprensa brasileira

passível de pouca ou nenhuma divergência –, entendemos ser importante salientar como o


princípio básico do jornalismo – ouvir e apurar opiniões diversas e antagônicas – pode e deve
ser respeitado.

Apesar da relevância de se promover uma ampla discussão, a partir de diferentes enfoques,


chama a atenção o fato de que apenas 9,5% dos textos apresentam opiniões divergentes –
mesmo 39% tendo trazido mais de uma fonte. Sobre esse aspecto é preciso tecer algumas res-
salvas importantes. Primeiro, há uma polêmica gerada por posicionamentos críticos à evidência
científica em relação à existência das Mudanças Climáticas e suas conseqüências, bem de suas
causas antropogênicas.

O debate não é simplista. De um lado, utiliza-se a argumentação – nem sempre válida para
todos os perfis de noticiário – de que é princípio fundamental do jornalismo a apresentação de
um tratamento editorial equilibrado entre diferentes opiniões. De outro, pesquisadores como
Boykoff e Boykoff (2004:126) recordam que a tese da cobertura equilibrada – mesma quanti-
dade de linhas para um lado e para o outro – embute uma armadilha: é muito mais fácil explicar
o status quo do que as alterações no discurso corrente.

O debate pode estar fora de foco, por ambas as partes, quando levamos em conta os seguintes
aspectos:

• Apresentar opiniões divergentes não significa avalizá-las e muito menos descontextualizá-


las. Por exemplo, se são dez os artigos científicos contra a existência de causas antropo-
gênicas e 1.000 defendendo sua existência, é preciso alertar o leitor.
• A apresentação dessas opiniões, sempre que necessário, requer a discussão das creden-
ciais dos interlocutores. Por exemplo, quem financia as pesquisas conduzidas.
• Ainda que haja questões para as quais há bastante consenso entre a comunidade científi-
ca, há outras para as quais existe muita divergência, seja entre pesquisadores, seja entre
os tomadores de decisão. O convívio democrático implica registrar tais discordâncias.

É digno de nota que, dentre as poucas matérias que trazem opiniões divergentes (9,5%), essas
oposições dizem respeito a pontos sobre os quais, de fato, pode haver conflito: as soluções a
serem implementadas (44,2%) e a real dimensão das Mudanças Climáticas (28,4%).

Também no caso das informações científicas começa a existir uma preocupação quanto à
questão: 30% dos textos mencionam algum tipo de informação científica/técnica. Porém,
menos de 8% desse material traz as fontes de financiamento das pesquisas. Vale lembrar
que, recentemente, a The Union of Concerned Scientists (2007) publicou extenso relatório
demonstrando as estratégias da empresa ExxonMobil para gerar incertezas sobre o debate
acerca das Mudanças Climáticas.

31
Mudanças Climáticas na imprensa brasileira

Informação contextualizada

Avaliar se uma determinada cobertura oferece o contexto “ideal” para o mais abrangente en-
tendimento possível de uma dada temática é tarefa de difícil execução. Por outro lado, não
nos parece impossível indicar elementos que, uma vez presentes na cobertura, apontam para
a inegável oferta de um maior volume de informações ao público atingido. Em princípio, apre-
sentaremos duas categorizações já utilizadas em outras pesquisas realizadas pela ANDI, que
analisam, respectivamente, a dimensão e o tipo de abordagem do tema.

Em questões muito amplas e dotadas de um número potencialmente elevado de interfaces


com outras temáticas – caso das Mudanças Climáticas – é comum que a busca de textos por
meio de palavras-chave acabe por incluir na amostra conteúdos que não estejam focados ne-
cessariamente no tema em questão. Assim, é usual a presença de editorais, artigos, colunas,
entrevistas e notícias que discutem centralmente outros assuntos e que, em algum momento
da argumentação, incluem a reflexão que nos interessa mais de perto.

Quando tratamos de temas ainda não totalmente consolidados na cobertura, é importante


medir, inclusive, essas menções laterais. É inegável, vale o registro, que tais referências acabam
por incluir na amostra textos com menos contexto sobre o foco central da investigação.

Para contornar esse desafio, foi criada a tipologia já comentada acima que identifica os textos
nos quais a menção às alterações no clima está em apenas uma linha, um parágrafo, uma retran-
ca ou em toda o conteúdo analisado. De acordo com esse método, dois terços da cobertura
(64,5%) dedicaram uma atenção considerável ou central às Mudanças Climáticas.

Mais do que identificar o espaço dedicado ao tema, é importante compreender qual o grau
de contextualização alcançado pelo texto. Nesse sentido, a cobertura foi dividida em cinco
níveis, sendo três relacionados a partir de uma perspectiva menos opinativa (factual ou prati-
camente sem contexto; contextual simples, com poucas informações adicionais; e contextual
explicativa, que são os textos que oferecem um conjunto abrangente de informações). Dois
outros níveis buscam identificar a contextualização a partir da relação com os conteúdos de
opinião (avaliativo e propositivo).

Na análise geral, é possível identificar que o material que traz uma abordagem contextual
explicativa ainda aparece com um percentual pequeno (7,8%), sendo a cobertura dominada
pelos textos com um menor volume de informações sobre a questão em pauta. Entretanto,
comparativamente a outras análises de ANDI, há um expressivo conjunto de textos com uma
perspectiva avaliativa, o que, como veremos, é decorrente do elevado percentual de textos
opinativos na amostra (editoriais, artigos, colunas, entrevistas).

Elementos de contexto
Há, complementarmente, um conjunto de parâmetros cuja presença aponta para uma maior
contextualização do tema centralmente abordado pelo autor do texto.
32
Mudanças Climáticas na imprensa brasileira

Tabela 5 – Dimensão da Cobertura

Dimensão

Mínima 13,4%

Mínima-Média 22,1%

Média 31,8%

Alta 32,7%

Total 100%
* Apenas para a amostra de Mudanças Climáticas

Tabela 6 – Abrangência/Nível de Abordagem do Assunto

Abrangência / Nível de abordagem

Fatual 17,0%

Contextual 56,1%

Contextual explicativo 7,8%

Avaliativo 19,0%

Propositivo 0,2%

Total 100%
* Apenas para a amostra de Mudanças Climáticas

Dos conteúdos analisados, 40% mencionam dados e estatísticas – um número razoavelmente


elevado, porém revelador do percentual da cobertura que ainda pode se aprofundar na temática.
Desses, 34,6% compararam, de alguma forma, os percentuais ou números apresentados. É inte-
ressante notar que não há concentração em uma fonte estatística particular. Ou seja, as informa-
ções acabaram compondo a pauta a partir de variados pólos produtores de conhecimento.

No que se refere à menção a aspectos como legislação, documentos e relatórios, ocorre algo
semelhante: o volume de textos que os trazem são da ordem de 36% e, dentre esses, 38,7%
aprofundam a abordagem, sublinhando características específicas desses marcos legais e outros
tipos de documentação. Aqui, entretanto, encontramos um tipo de concentração que merece
atenção: as menções estão focadas nos diplomas legais e documentos internacionais.
33
Mudanças Climáticas na imprensa brasileira

O Protocolo de Quioto conta com 17,3% das menções e o Relatório do IPCC com 7,7%. Vale
salientar que, quando olhamos para os marcos legais nacionais, a Constituição Federal aparece
em 0,4% dos textos e a Legislação Ambiental do País em 0,2%. Estes dados reforçam a idéia já
exposta de que a mídia nacional centrou sua cobertura em aspectos consolidados – no cenário
internacional – do debate sobre as Mudanças Climáticas. De fato, nossa Constituição e nossa
legislação ambiental trazem pouca ou nenhuma especificidade sobre o tema. Tal característica
não seria, por si só, uma questão de interesse jornalístico?

Outros três parâmetros podem ajudar na caracterização da cobertura como mais ou menos con-
textualizada: enquanto 31,4% dos textos trazem fontes científicas/pesquisas, apenas 4% explicam
as terminologias científicas utilizadas e 3,2% apresentam referências bibliográficas. Com isso, limita-
se a capacidade de compreensão de parte do público e não se contribui para que uma outra parcela,
potencialmente interessada, acesse conteúdos nos quais poderiam se aprofundar na temática.

Partes do contexto
A inclusão – ou supressão – de determinados atores também pode indicar o nível de contextu-
alização dos conteúdos publicados pelas redações. Diferentes personagens não só apresentam
perspectivas ideológicas e interesses diversos, como, não raro, são portadores de conhecimen-
tos complementares sobre uma mesma questão.

A análise da presença (ou ausência)11 de um conjunto bastante diversificado de atores na co-


bertura sobre Mudanças Climáticas ainda aponta a necessidade de ampliar o rol de perspectivas
trabalhadas pelos meios de comunicação, além de revelar algumas surpresas.

O Poder Executivo brasileiro, como já ocorre em outras pesquisas conduzidas pela ANDI,
aparece à frente na lista de atores mais mencionados. Não obstante, é seguido de perto pelos
governos de outros países, o que reforça a já mencionada internacionalização do noticiário.

Dentre os Ministérios com potencial de produção de reflexões, políticas e discursos sobre a


questão, há uma presença não desprezível – mas também não avassaladora – do Ministério do
Meio Ambiente (MMA) e uma quase ausência das demais pastas. A presença de outros poderes
ainda não se dá de maneira significativa. A exceção é o Poder Legislativo que, a despeito das
diferentes ações que conduziu e tem conduzido sobre o tema, recebe um volume de menções
um pouco inferior ao do MMA.

No caso do Setor Privado, há uma surpresa na análise desse aspecto, especialmente na compa-
ração com pesquisas sobre políticas públicas já conduzidas pela ANDI. Atores ligados ao seg-
mento empresarial aparecem à frente de Universidades e Instituições de Pesquisa, Organizações
Internacionais e, inclusive, das Organizações da Sociedade Civil12. No caso desse último grupo,
a presença nos textos foi, comparativamente a outros estudos coordenadas pela ANDI, uma
das menos expressivas.

11  Esta é uma medida que contabiliza a presença ou ausência destes atores nos textos a partir de quaisquer ângulos, isto é, o fato de estarem
presentes pode significar simplesmente uma menção ao ator ou que o mesmo tenha sido ouvido como fonte primária da notícia.
12 Vale ressaltar que quando analisamos especificamente o papel destes atores enquanto fontes primárias temos resultados diferentes. Veja
tabela 16 à página 49. 34
Mudanças Climáticas na imprensa brasileira

Tabela 7 – Atores presentes nos textos

Atores Presentes
Poder executivo (sem menção a órgãos específicos) 43,4%
Ministério do Meio Ambiente 10,2%
Ministério da Agricultura 2,3%
Ministério das Minas e Energia 2,1%
Ministério do Planejamento 1,2%
Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio 0,9%
Ministério da Fazenda 0,7%
Ministério do Desenvolvimento Agrário 0,4%
Agências Reguladoras 1,2%
Poder Judiciário 1,4%
Ministério Público 1,2%
Legislativo 10,1%
Governos estrangeiros 41,4%
Organizações Internacionais 28,2%
Setor Privado 34,1%
Fundações/Institutos Empresariais 8,2%
Universidades, Instituições de Pesquisa, Comunidade Científica 32,5%
Organizações da Sociedade Civil 22,3%

*Apenas para a amostra de Mudanças Climáticas


** A questão permitia mais de uma marcação, logo os resultados podem somar mais de 100%
*** Nos casos em que não havia menção exclusiva a um dos outros órgãos do Poder Executivo mencionados na
tabela.
**** O Ministério dos Transportes foi pesquisado, mas não recebeu nenhuma menção no período analisado.

Contextos específicos
A investigação avaliou um conjunto bastante significativo de questões específicas fortemente
vinculadas à agenda das Mudanças Climáticas, aspecto que pode apontar para uma maior con-
textualização da discussão.

Adicionalmente, seria possível focar a atenção sobre um expressivo volume de dados acerca
dessas questões – possibilitando a realização de uma ampla gama de sub-pesquisas. A proposta
é que essa análise seja realizada em etapas posteriores do projeto.

35
Mudanças Climáticas na imprensa brasileira

Uma das particularidades avaliadas foi a menção aos gases geradores do efeito estufa. Em 45%
dos textos, há citação a um ou mais gases. Os “gases em geral” e o dióxido de carbono são os
mais mencionados e os aerossóis praticamente não fazem parte da cobertura.

Dos textos que mencionam gases, um pouco menos da metade (47,8%) aponta as fontes de
emissão. Os principais atores mencionadas pela literatura aparecem na cobertura da imprensa:
atividade industrial, combustíveis, queimadas, desmatamentos e meios de transporte.

Por outro lado, temas de alta relevância para o contexto das disputas no cenário internacional e
mesmo nacional acabaram passando ao largo da cobertura. Cerca de 4% dos textos salientam as
diferenças no volume de emissões entre os países e 0,3% atenta para as diferenças no volume
de emissões entre os estados brasileiros. Um percentual mais expressivo, no entanto, sublinha a
existência de obrigações ou metas de redução (10,8% daquelas que mencionam gases).

Fontes de energia
Não é somente para os textos que trouxeram a temática da mitigação, conforme já men-
cionado anteriormente, que a cobertura concentrou esforços não desprezíveis na discussão
envolvendo questões energéticas: 43% de todos os textos da amostra trazem algum tipo de
informação nesse sentido. Dentre esses conteúdos, há uma forte concentração nos combustí-
veis fósseis (70%). Além disso, discussões relacionadas ao etanol (26%) e aos biocombustíveis
(22%) também aparecem com algum destaque.

No que se refere à apresentação de estratégias para a redução do uso de combustíveis fósseis,


vale ressaltar que as redações se preocuparam em colocar em debate um conjunto razoavel-
mente amplo de possibilidades. Os resultados da pesquisa revelam uma distribuição equili-
brada – com exceção do tema “substituição do carbono por outros combustíveis” – entre as
diferentes estratégias quando, inicialmente, considerava-se a hipótese de que o comércio de
emissões/mercado de carbono apareceria com mais destaque. De certa forma, o debate foi
influenciado pelas discussões envolvendo o etanol e os biocombustíveis.

Tabela 8 – Estratégias para a redução de combustíveis fósseis

Estratégias abordadas

Substituição do carbono por outros combustíveis 30,3%


Comércio de emissões/ mercado de carbono 16,3%
Desenvolvimento de tecnologias limpas 12,6%
Estratégias gerais para a redução da demanda 9%
Desenvolvimento de tecnologias com baixo consumo de carbono 4,7%
Substituição do carvão e petróleo por gás natural 4,7%
Aumento da eficiência no consumo de carbono/ 3,3%
combustíveis fósseis
36
Mudanças Climáticas na imprensa brasileira

Transporte alternativo/ coletivo 3,3%

Repensar modelo atual de produção e consumo 3,0%

Alteração no preço do carbono/ combustíveis fósseis 2,3%


Limites obrigatórios para emissão de carbono 2,3%

Mecanismo de Desenvolvimento Limpo 2%

Taxação/ impostos elevados para combustíveis fosseis 1,3%

Outros 1%
NFPI 24,3%

* Apenas para a amostra de Mudanças Climáticas


** A questão permitia mais de uma marcação, logo os resultados podem somar mais de 100%

A ótica de cidadãos e cidadãs


Neste item talvez resida uma das maiores surpresas da cobertura: a baixa presença de grupos
populacionais específicos. De modo geral, a imprensa brasileira dedica pouca atenção a indi-
víduos e grupos determinados (12,7%). (veja tabela 9)

Essa não é uma questão de menor envergadura, visto que os organismos internacionais e espe-
cialistas têm ressaltado que as populações pobres serão as que mais sofrerão os impactos das
alterações no clima (2,3% dos textos ressaltam este ponto). Segundo aponta o Pnud:

Os primeiros sinais de alerta são já perceptíveis. Hoje, testemunhamos em


primeira-mão o que pode ser o início do maior retrocesso em desenvolvim-
ento humano durante o nosso período de vida. Nos países em vias de desen-
volvimento, entre as populações mais pobres do mundo, milhões de pes-
soas são já obrigadas a lidar com os impactos das alterações climáticas.
(Pnud, 2007:1)

As alterações climáticas exigem neste momento uma ação urgente para lidar
com uma ameaça a dois grupos de eleitores com fraca voz política: os pobres do
mundo e as gerações futuras. (Idem, 2)

Cerca de 262 milhões de pessoas foram anualmente afetadas por desastres climáti-
cos entre 2000 e 2004, mais de 98% nos países em vias de desenvolvimento.
(Idem, p. 8)

37
Mudanças Climáticas na imprensa brasileira

Tabela 9 – Públicos mencionados

Públicos

População urbana 17,3%

População litorânea 9,4%

População rural 7,9%

População de países em desenvolvimento 6,3%

População ribeirinha 6,3%

Povos das florestas 3,9%

População em áreas atingidas pela seca 3,1%

População de cidades baixas 1,6%

População de periferias urbanas 0,8%

Povos indígenas 0,8%

Outros 6,3%

Há públicos mencionados, porém sem um recorte claro 36,2%

* Apenas para a amostra de Mudanças Climáticas


** 12,7% do total de textos mencionam a população de alguma forma

Foco na economia
Por fim, não poderíamos deixar de analisar parâmetros que podem confirmar – ou negar – a
existência de uma cobertura preocupada em apontar as características econômicas da discussão
acerca das Mudanças Climáticas.

Conforme veremos em detalhes abaixo, na discussão sobre enquadramentos, não são


poucos os textos que trazem como principal ângulo da reflexão sobre Mudanças Climáticas a
perspectiva econômica (cerca de 20%). Sem embargo, afirmar que o tema está relacionado
principalmente com o debate econômico não é o mesmo que oferecer aos leitores elementos
que concretamente esclareçam e contextualizem esta relação.

Os dados apontam para uma baixa contextualização no que se refere a esse item específico:
9,7% centram-se nos custos; 8% sublinham oportunidades; 7% abordam benefícios econômi-
38
Mudanças Climáticas na imprensa brasileira

cos; 6% trazem uma reflexão sobre os padrões de consumo das sociedades contemporâneas;
2,2% dos textos relacionam o tema com impactos no PIB; e 2,3% mencionam modelos
econômicos. Este é um debate fortemente introduzido pelo Relatório Stern e que se colo-
ca como mais um caminho para a diversificação da cobertura da imprensa brasileira sobre a
questão. Segundo Stern (2006:i e ii):

A mitigação – tomada de medidas fortes para reduzir emissões – deve ser


vista como um investimento, um custo ao qual se incorre agora nas próximas
décadas para evitar os riscos de conseqüências muitos severas no futuro. Se
estes investimentos forem feitos sabiamente, os custos serão gerenciáveis, e
haverá um amplo espectro de oportunidades para o crescimento e desenvolvi-
mento ao longo do caminho.

A partir de todas estas perspectivas, a evidência coletada pelo Estudo leva a


uma conclusão simples: os benefícios de uma ação forte e rápida consider-
avelmente compensarão os custos. A evidência mostra que ignorar as mu-
danças climáticas irá, eventualmente, prejudicar o crescimento econômico
(p. ii)

Ainda no campo da contextualização econômica, é importante salientar que os textos omitem


um debate da maior relevância: aquele que identifica os interesses em jogo. Do total de textos
analisados, 8% trazem essa discussão.

É importante salientar a centralidade dessa questão, especialmente em coberturas compostas por


elementos complexos como é esta, inclusive do ponto de vista científico. Tomadores de decisão,
formadores de opinião e, especialmente, cidadãos necessitam compreender de que lado estão as
forças que organizam o jogo político e social quando um tema como este está na agenda.

Recentemente, pesquisa divulgada pelo semanário britânico The Economist afirma que enquanto
53% dos democratas entendem que o principal problema ambiental do planeta são as Mudanças
Climáticas, apenas 9% dos republicanos fazem a mesma avaliação. Vale destacar que esta é uma
detecção – e, ao mesmo tempo, um resultado – dos interesses envolvidos nessa disputa. Logo,
omiti-los contribui, em muito, para reduzir a capacidade de compreensão da temática.

Viola (2002:29-30) também apresenta que o desejo de manutenção dos padrões de consumo
por parte das populações de países desenvolvidos e os conflitos de interesses entre os países
fazem parte do rol de informações necessárias para o entendimento do debate sobre o aqueci-
mento global. Mais uma vez, está em jogo a relevância dos interesses envolvidos.

Por fim, parece muito aquém do possível o percentual de textos que tecem interrelações com
o debate mais amplo da globalização (2,3%); o número é pouco expressivo especialmente por
estarmos diante de um regime internacional de tamanha complexidade (Viola, 2002:26).

39
Mudanças Climáticas na imprensa brasileira

Enquadramentos

Tal como ocorre com a função midiática de informar de maneira contextualizada o seu
público, o enquadramento dado a um determinado assunto também contribui para que seu
agendamento caminhe em uma ou outra direção.

Para efeitos de comparação, tomemos como exemplo a cobertura de violência. Um mes-


mo fato – o assassinato de um jovem, por exemplo – pode ser abordado a partir de
uma perspectiva estritamente individual (aquele caso e seus contornos mais próximos)
ou a partir de um enquadramento de políticas de segurança pública (por que tantos jovens
morrem assassinados no Brasil? Em que pontos falham as políticas?).

Nesse sentido, esse eixo de análise buscará identificar a partir de quais ângulos foi repor-
tado, no período pesquisado, o debate sobre as Mudanças Climáticas.

Desenvolvimento em segundo plano


A Tabela 10 talvez apresente uma das principais revelações do estudo realizado pela ANDI
com o apoio da Embaixada Britânica no Brasil. Os dados analisados demonstram que a
imprensa brasileira costuma discutir as Mudanças Climáticas e seus temas correlatos sem
relacioná-los com a agenda mais ampla do desenvolvimento e do crescimento – em quais-
quer de suas vertentes. Do total de textos analisados, cerca de 13% buscaram traçar
esse paralelo.

O Relatório de Desenvolvimento Humano 2007/2008, do Programa das Nações Unidas


para o Desenvolvimento (Pnud), trata exatamente dessas correlações. Ainda que te-
nha sido publicado em um período posterior ao analisado pela presente pesquisa,
o documento traz um conjunto de informações altamente relevantes que já poderiam
ter sido levantadas pela imprensa. Vamos aos pontos salientados pelo Pnud:

A longo prazo, as alterações climáticas são uma ameaça massiva ao desenvolvi-


mento humano e, em alguns lugares, já minam os esforços da comunidade inter-
nacional para reduzir a pobreza extrema. (Pnud, 2007:V)

Este progresso em desenvolvimento é, cada vez mais, interrompido pelas al-


terações climáticas. Por isso, devemos encarar a luta contra a pobreza e a
luta contra os efeitos das alterações climáticas como um conjunto de esforços
interrelacionados, que mutuamente se acentuam, pelo que o sucesso deve ser
alcançado em ambas as frentes. (Idem, VI)

40
Mudanças Climáticas na imprensa brasileira

Tabela 10 - Foco desenvolvimento


Estratégia de desenvolvimento mencionada

Desenvolvimento Sustentável 9,1%

Crescimento Econômico 2,6%

Desenvolvimento Econômico 1,2%

Desenvolvimento Humano 0,1%

Desenvolvimento Social 0,1%

Não menciona estratégia de desenvolvimento 86,9%

Total 100%

* Apenas para a amostra de Mudanças Climáticas

Cerca de 13% dos textos apresentam alguma reflexão sobre o modelo de desenvolvimento.
Em 2,2% é sublinhado um debate relacionado à idéia de progresso – ainda que 6% chamem
a atenção para os padrões de consumo da sociedade atual. Por fim, somente 0,5% do ma-
terial destaca as Metas Milênio e 0,2% faz referência ao IDH. Nesse sentido, vale ressaltar
algumas questões destacadas pelo Relatório de Desenvolvimento Humano:

Calculamos neste relatório que, se todos os povos do mundo emitissem gases com
efeito de estufa ao mesmo nível de alguns países industrializados, precisaríamos
de nove planetas. (Pnud, 2007: 3)

Uma das lições mais difíceis que as alterações climáticas nos ensinam é que
o modelo económico subjacente ao actual crescimento, e o consumo imoral
nos países desenvolvidos que lhe é inerente, é ecologicamente insustentável.
(Idem,16)

O combate às alterações climáticas exige que coloquemos imperativos ecológicos


no coração da economia. Esse processo tem que começar no mundo desenvolvido
– e tem que começar hoje. (Idem, 16)

Ao abdicar – ou ao perder o foco – de um debate sobre Mudanças Climáticas que pu-


xasse o fio do novelo pela ponta do desenvolvimento, a imprensa acabou por perder a
oportunidade de deslocar a discussão de seu lugar-comum e conectá-la a um conjunto de
elementos mais amplos. Essa atuação talvez fosse mais adequada para parte dos atores
potencialmente interessados e capazes de operá-la politicamente.

41
Mudanças Climáticas na imprensa brasileira

Foco institucional
Outro aspecto avaliado diz respeito à perspectiva institucional dos textos jornalísticos.
A proposta desse item de análise é averiguar se o tema está sendo abordado, central-
mente, a partir das responsabilidades inerentes às grandes instituições que conformam as
democracias contemporâneas.

Nesse sentido, um texto sobre alterações climáticas enquadrado a partir do


ângulo institucional do Poder Executivo, por exemplo, deveria estar vinculado
a uma discussão sobre políticas públicas governamentais – fundamental para o
aprofundamento do debate.

Na análise desse aspecto, os resultados do presente estudo ficaram, comparativamente,


atrás de outras 13 pesquisas coordenadas pela ANDI, em um total de 17 já realizadas.

Em 20% do material sobre Mudanças Climáticas analisado, não foi possível sequer identificar
o enquadramento institucional existente. Muito provavelmente, por se tratarem de matérias
que abordam o assunto a partir de uma perspectiva temática e institucional – focada no meio
ambiente, por exemplo.

Aqui certamente reside outro caminho a ser trilhado pela cobertura: abordar o tema a
partir dos arranjos institucionais existentes nas sociedades pode colaborar, em muito, para
que a discussão saia do abstrato e passe a ser considerada a partir da ótica da formulação
e execução de políticas públicas.

Chama a atenção nesse contexto o Tabela 11 – Enquadramento do foco central


fato dos organismos multilaterais Perspectiva institucional
não terem recebido atenção mais Poder Executivo 24,2%
expressiva por parte das redações
– somente 6,4% do material traz Instituições de ensino e pesquisa 14,4%
esse enquadramento. A perspec-
Setor Privado 12,5%
tiva institucional predominante
na cobertura é dividida entre go- Intersetorial 11,8%
vernos (24,2%), instituições de
Organismos Internacionais 6,4%
ensino e pesquisa (14,4%), setor
privado (12,5%) e o enfoque in- Organizações da Sociedade Civil 5,2%
tersetorial (11,8%). Nesse ponto,
Poder Legislativo 3,9%
encontra-se mais uma possibilida-
de de avanço, dado que sem uma Movimento social 1,9%
força multilateral mais coesa, os
Poder Judiciário 0,3%
acordos que precisam ser tecidos
demorarão mais a se concretizar. Não há enquadramento institucional 19,3%
É o que afirma o relatório do
Total 100%
Pnud:
* Apenas para a amostra de Mudanças Climáticas
42
Mudanças Climáticas na imprensa brasileira

O problema mais profundo é que falta ao mundo uma estrutura multilateral cla-
ra, credível e duradoura que estabeleça um percurso que evite as alterações climá-
ticas – um percurso que abarque a divisão entre os ciclos políticos e os ciclos de
carbono. Quando terminar o prazo, em 2012, do atual compromisso definido no
Protocolo de Quioto, a comunidade internacional terá oportunidade de materializar
essa estrutura. Será necessária uma liderança corajosa para aproveitar essa oportu-
nidade. Não a aproveitar irá deixar o mundo no caminho das alterações climáticas.
(Pnud, 2007:5)

Dentre os 24,2% dos textos que conferem um enquadramento governamental à questão,


cabe ressaltar que há, surpreendentemente, uma predominância das políticas desenvolvi-
das por governos estrangeiros (cerca de 45%). As ações relacionadas ao governo federal
brasileiro respondem por 28% do material pesquisado, seguida à distância pela atuação
dos poderes executivos estaduais e municipais. O que se infere, portanto, é que a impren-
sa escrita do País trata as Mudanças Climáticas mais como uma agenda externa do que
doméstica, e prioritariamente federal do que local – ao contrário do que acontece, por
exemplo, nos Estados Unidos, onde os estados têm mais força e, de fato, desempenham
políticas para o setor.

Tabela 12 – Nível governamental mencionado no enfoque principal


Nível de Governo

Governos estrangeiros 44,8%

União (Governo Federal) 27,8%

Estados (Governos Estaduais) ou


11,6%
Distrito Federal (GDF)

Parceria/Regime de colaboração
6,2%
entre governos nacionais

Municípios (Administrações Municipais) 5,0%

Parceria / Regime de Colaboração


1,7%
União/Estados

Parceria / Regime de Colaboração


0,8%
União/Municípios

Parceria / Regime de Colaboração


0,4%
Estados/Municípios

Parceria/ Regime de Colaboração nos três níveis 0,4%

Não está explícito/não foi possível identificar 1,2%

Total 100%
* 24,2% dos textos tinham um enquadramento de poderes executivos
**Apenas para a amostra de Mudanças Climáticas
43
Mudanças Climáticas na imprensa brasileira

A perspectiva temática
A análise dos enquadramentos temáticos dispensados aos focos centrais dos textos jor-
nalísticos analisados também aponta para um conjunto relevante de observações. Ainda
que o enquadramento ambiental tenha predominado (exceto para os jornais econômicos),
como era de se esperar, a perspectiva econômica/financeira também recebeu um expres-
sivo destaque, tendo sido a segunda mais presente no conteúdo pesquisado – alavancada,
principalmente, pelos jornais econômicos, pelos debates sobre energia e por colunistas das
áreas que deram destaque ao tema. O terceiro enquadramento mais comum foi aquele
relacionado à perspectiva política e só então aparece a abordagem de cunho científico, re-
sultado que certamente contradiz a idéia de que esse é um debate restrito aos especialistas
no assunto.

Tais resultados demonstram que a mídia vem, em parte, diversificando as formas de abordar o
debate sobre as alterações climáticas – ainda que o enquadramento sob o prisma econômico,
ainda seja, como vimos, superficial. Além disso, perspectivas comumente presentes no debate
internacional (tecnológica, sociocultural, individual/mudança de comportamento) praticamente
não fizeram parte do raio de atenção da mídia imprensa brasileira.

Tabela 13 – Enquadramentos temáticos por tipo de veículos


Amostra Amostra Amostra
Amostra
Enquadramentos temáticos Jornais Jornais Jornais
Total
Nacionais Econômicos Regionais
Ambiental 35,8% 31,9% 27,6% 38,8%

Econômica / financeira 19,7% 21% 35,4% 16,1%

Política 14% 18,8% 12,6% 12,6%

Científica 9,1% 10,9% 3,9% 9,5%

Agrícola 5,6% 3,9% 10,2% 5,3%

Sociocultural 4% 3,1% 0,8% 5%

Tecnológica 2,2% 1,7% 3,9% 2%

Individual ou comunitária
2,1% 1,7% - 2,7%
(mudança de comportamento)

Saúde pública 1,7% 2,2% 0,8% 1,7%

Educacional 1,7% 1,3% - 2,2%

Jurídica 0,5% 0,4% 2,4% 0,2%

NFPI 3,5% 3,1% 2,4% 3,9%

Total 100% 100% 100% 100%


*Apenas para a amostra de Mudanças Climáticas
44
Mudanças Climáticas na imprensa brasileira

Causas, conseqüências e soluções


Como sabemos, a apresentação de causas, soluções e conseqüências constitui um dos ele-
mentos mais importantes na construção de uma perspectiva diferenciada para a cobertura de
um determinado tema. Segundo os estudos do professor Shanto Iyengar, da Universidade de
Stanford, apresentar causas e soluções significa, acima de tudo, apontar os responsáveis pelas
questões em pauta. Esclarecimentos sobre as causas da ocorrência de um fenômeno ou pro-
blema necessariamente trarão os envolvidos (a natureza, a humanidade ou, mais importante,
atores específicos) nesta equação. Raciocínio semelhante se aplica às soluções.

Há uma tendência na cobertura jornalística sobre as Mudanças Climáticas – detectada inclusive


por estudos internacionais (Stamm, Clark e Eblacas, 1997; Bell, 1994) – de salientar as conseqü-
ências, geralmente negativas desse fenômeno, focalizando-se menos suas causas e soluções.

Na análise do tratamento editorial dispensado pela imprensa brasileira às alterações no clima,


as causas foram apresentadas em 30,4% dos textos. Vale ressaltar que essas responsabilidades
não são, necessariamente, apontadas para as Mudanças Climáticas, mas também para os temas
correlatos analisados: efeito estufa, falha nas negociações internacionais, etc.

Dentre os textos que apresentam causas, predomina o enfoque nos aspectos naturais (46,5%)
e em seguida aponta-se a atividade humana – reconhecendo-se como maiores responsáveis
pelo problema os governos estrangeiros (14,2%), a sociedade em geral (9,6%), o governo
brasileiro (7,3%) e o setor privado (7,3%).

Cobertura propositiva
As soluções aparecem em um volume um pouco mais expressivo de editoriais, artigos,
colunas, entrevistas e notícias: 39,1%. Há um grande volume de textos (51,5%) que não
trazem um debate sobre soluções, apesar de terem focalizado causas para os problemas
discutidos. Conseqüentemente, também é alto (62%) o número de matérias que abordam
soluções para questões acerca das quais não se apresentaram as causas.

Esse descompasso na abordagem do tema contribui para um outro desajuste: ao apresen-


tar as soluções, a mídia aponta como principais responsáveis pela implementação dessas
potenciais estratégias atores que não foram, na mesma proporção, identificados como
envolvidos na produção dos problemas em pauta.

Assim, enquanto o Setor Privado é visto como responsável pelas causas discutidas em 7,3% dos tex-
tos, é considerado parte das soluções em 20,3% – o que, de certa forma, cria uma imagem positiva
destes atores, que acabam sendo vistos menos como culpados do que como possíveis colaboradores
na solução do problema. O governo brasileiro (21%) e os governos estrangeiros (21%) dividem as
primeiras posições entre os principais responsáveis por tentar equacionar as questões discutidas.

Por fim, as conseqüências são abordadas em 49,5% dos textos analisados. Dentro des-
se universo de textos, houve uma expressiva concentração nas conseqüências ambientais
(71%), seguidas pelas econômicas.
45
Mudanças Climáticas na imprensa brasileira

Tabela 14 – Conseqüências
Áreas a que se referem as
consequências mencioandas

Ambiental 70,9%

Econômica (e.g. Agrícola) 17,0%

Saúde Pública 6,1%

Segurança 1,8%

Sociocultural 2,8%

NFPI 1,4%

Total 100%
* 49,5% dos textos apresentam conseqüências
** Apenas para a amostra de Mudanças Climáticas

A mídia como watchdog

Para além da ausência de uma discussão mais ampla sobre os modelos de desenvolvimen-
to, outro resultado preocupante deve ser destacado: a baixa presença de um tratamento
editorial consistente no que se refere ao acompanhamento aprofundado e investigativo das
políticas públicas.

Embora o governo brasileiro e os estrangeiros apareçam freqüentemente, é bastante re-


duzido o percentual de textos que os cobram pela implementação de políticas específicas
para a área (3% e 4,4% respectivamente). Como ilustração da idéia de cobrança dos
governantes, o economista Jeffrey Sachs, da Universidade de Columbia, nos oferece, na
edição de dezembro da revista Scientific American Brasil, um caso interessante de como se
pode, com contundência, cobrar as instâncias governamentais nas discussões referentes às
Mudanças Climáticas.

A corte [dos Estados Unidos] derrubou firmemente todas as defesas da agência


[Ambiental dos Estados Unidos] para sua inação: notou que ela é obrigada a regular
qualquer poluente deletério emitido por veículos motorizados; que o dióxido de car-
bono claramente se encaixa nesta categoria; que Massachusetts decidira processar
porque a mudança climática já estava erodindo parte de sua costa, e que o estado
era vulnerável a perdas costais consideravelmente maiores neste século se a mudança
climática não for mitigada. Além disso, enfatizou que mitigar as emissões de veículos
nos Estados Unidos teria um efeito significativo no ritmo da mudança climática. Por
todas essas razões, a Corte decidiu que a Agência era obrigada a agir.
46
Mudanças Climáticas na imprensa brasileira

Investigando as ações públicas?


A despeito de uma postura mais geral de cobrança por parte dos meios de comunicação, ou-
tros indicadores avaliados pelo presente estudo permitem apresentar um quadro relativamen-
te detalhado de como as iniciativas governamentais foram cobertas pela imprensa brasileira.

É importante ressaltar que 24% dos textos discutiram alguma política pública governa-
mental (do Brasil ou de outros países). Desses, 9,1% abordam questões orçamentárias,
3,3% apresentam elementos de avaliação e monitoramento das políticas públicas e 3,7%
trazem indicadores de resultados vinculados às ações mencionadas.

Por fim, cabe lembrar que mesmo 2006 tendo sido um ano de eleições nacionais no Brasil,
apenas 4% dos textos publicados naquele ano estabeleciam interrelações entre as altera-
ções climáticas e as propostas dos candidatos.

Outros atores
Não podemos deixar de reconhecer que não são apenas os governos que devem ser es-
crutinizados pela imprensa. Todos atores que podem interferir na esfera pública por meio
de suas “políticas” também podem e devem ser alvo de cobranças.

Esse é, no entanto, um aspecto pouco observado na produção do noticiário. Organizações


Multilaterais (0,2%), Organizações da Sociedade Civil (0,2%) e Setor Privado (0,9%) são
raramente cobrados nas matérias publicadas. A respeito dessa questão, o Pnud faz a se-
guinte análise:

Na elaboração de boas políticas, é necessário levar em consideração o peri-


go de uma cobrança excessiva nos controles burocráticos. Embora a lideran-
ça governamental seja essencial à correção da enorme exterioridade que as
alterações climáticas representam, há que colocar mercados e preços em fun-
cionamento, para que as decisões setoriais privadas possam levar, mais natu-
ralmente, a decisões ótimas de investimento e de produção. O carbono e ou-
tros gases equivalentes têm de ter um preço para que o seu uso reflita o seu
verdadeiro custo social. Esta deve ser a essência da política da mitigação.
(Pnud, 2007:Vii)

No que se refere ao Setor Privado, outras questões devem ser sublinhadas.


Apenas 1,2% dos textos aponta metas para a área e 2,2% trabalham a questão da
Responsabilidade Social Empresarial – conceito que vem sendo utilizado pelas empresas
para parte de sua política para o tema. Um único texto apresenta um indicador de res-
ponsabilidade social empresarial e nenhum menciona o Pacto Global das Nações Unidas,
compromisso mundial que agrega uma forte discussão sobre o papel das empresas frente
ao contexto sócio-ambiental.

47
Mudanças Climáticas na imprensa brasileira

Questões jornalísticas

Não resta dúvida de que todas as reflexões tecidas anteriormente possuem implicações
jornalísticas. No entanto, há alguns parâmetros analisados pela presente investigação que,
independentemente da temática, são fortemente conectados a pesquisas sobre coberturas
conduzidas pela imprensa.

Um primeiro aspecto que cabe ressaltar é que estamos diante de um material com um ele-
vado índice de textos opinativos (editoriais, colunas, artigos e entrevistas). A despeito da
relevância desses conteúdos, é principalmente por meio da reportagem que poderão ser
suplantadas muitas das falhas de contexto e de ausência de uma postura mais investigativa
na cobertura das políticas públicas.

Tabela 15 – Tipo de texto jornalístico


Tipo de texto

Matérias 73,3%

Artigos assinados 14,2%

Colunas ou notas de colunas assinadas 6,3%


Editoriais 3,3%

Entrevistas 2,8%

Total 100%
* Apenas para a amostra de Mudanças Climáticas

Fontes ouvidas
Há um volume expressivo de textos (28,5%) que não citam ou identificam as fontes con-
sultadas. Por outro lado, conforme já salientamos, também encontra-se um percentual não
desprezível de conteúdos que trazem mais de uma fonte (38,9%), ainda que sejam poucos
aqueles que apresentem opiniões divergentes (9,5%).

Dentre os que explicitam os atores ouvidos, um resultado positivo chama a atenção. De


maneira geral, não há uma concentração expressiva em uma ou duas fontes. Ou seja, na
análise das fontes primárias constata-se que os jornais buscaram uma certa diversidade de
referências. Mesmo assim, cabe ressaltar que, se forem somadas a presença dos poderes
públicos brasileiros (22,9%) com a dos governos estrangeiros (15%), a voz oficial está
presente em quase 40% dos textos.

48
Mudanças Climáticas na imprensa brasileira

Tabela 16 – Principal fonte ouvida pela matéria


Fonte agregada

Poderes públicos 22,9%

Especialistas, técnicos e universidades 22,9%

Empresas não estatais 16,4%

Governos estrangeiros 15%

Organizações da Sociedade Civil 11%

Organismos Internacionais 6,5%

Crianças e adolescentes 1%

Líderes Comunitários 0,8%

Empresas estatais 0,6%

Sindicados e federações de trabalhadores 0,4%

Outros 2,2%

Total 100%
* Apenas para a amostra de Mudanças Climáticas

49
CONCLUSÃO

Os resultados do presente estudo apontam claramente para um crescimento expressivo da


cobertura sobre Mudanças Climáticas a partir do último trimestre de 2006, especialmente
nos jornais nacionais e de cunho econômico.

Uma das grandes questões que se colocam está relacionada à capacidade da mídia de
manter esse volume mais amplo de cobertura, caso elementos semelhantes aos fatores
específicos que alavancaram o crescimento registrado em 2006 não voltem a ocorrer. É
sobretudo essa a hipótese considerada pelo presente texto de conclusão. Nesse sentido,
vale citar as reflexões dos pesquisadores noruegueses Johan Galtung e Mari Ruge:

[...] uma vez que algo atingiu as manchetes e foi definido como “notícia”, ele con-
tinuará a ser definido como notícia por algum tempo mesmo se a sua amplitude for
drasticamente reduzida. (Galtung e Ruge, 1965:13)

O canal foi aberto e permanece parcialmente aberto para justificar sua abertura em
primeiro lugar, parcialmente por conta da inércia no sistema e parcialmente porque
o que era inesperado agora se torna familiar. (Idem, 67)

O economista norte-americano Anthony Downs avalia que há cinco estágios para o que ele
chama de “ciclo de atenção a temáticas”:
1. O estágio pré-tema, que ocorre quando o problema existe, mas não recebeu muita
atenção pública, mesmo que alguns especialistas e grupos de interesse já tenham so-
ado o alarme.
2. A descoberta alarmada e o entusiasmo eufórico, que trata do período em que os
males de um determinado problema chega ao público.
3. A percepção do custo para que progressos (soluções) significativos sejam
alcançados.
4. O gradual declínio no interesse pelo tema, que está vinculado à percepção das difi-
culdades para saná-lo.
5. O estágio pós-problema, quando o assunto entra em uma espécie de limbo.

Essa referência à forma como três importantes estudiosos da mídia pensam a permanência
de temas no noticiário nos permitem inferir sobre em que fase a imprensa brasileira se
encontra na cobertura de Mudanças Climáticas. Certamente, o tema já foi definido como
notícia e os canais foram abertos, o que indica que passamos das fases 1 e 2 do modelo de
Downs. Nesse caso, fica a pergunta: o que vem daqui para frente?

Conforme salientamos ao longo deste documento, as limitações reveladas pela cobertura


podem ser transformadas em fortalezas, na medida em que sejam levadas em conta como
fatores para qualificação do debate sobre as Mudanças Climáticas. Nesse sentido, parece
que enfrentar esses desafios revelados pela análise pode agregar avanços qualitativos no
50
Mudanças Climáticas na imprensa brasileira

tratamento editorial dispensado ao tema, além de ser um caminho para a continuidade de


seu agendamento na sociedade.

Em síntese, podemos apontar alguns desses desafios que, na nossa visão, estão colocados
para os veículos e profissionais da imprensa:

• É preciso internalizar a pauta, ou seja, trazer a discussão do cenário interna-


cional para o contexto doméstico e, no âmbito do Brasil, abordar as diferentes
realidades regionais. Nesse sentido, um conjunto de pesquisas específicas sobre a
realidade brasileira que serão divulgadas ao longo de 2008 serão, certamente, ele-
mentos relevantes também para o debate jornalístico.
• Há a necessidade de ampliar os horizontes da cobertura sobre Mudanças Climáticas,
vinculando-a a um debate mais transversal sobre as estratégias de desenvolvimento
que queremos, inclusive elevando a presença de outros enquadramentos para além
do ambiental.
• As políticas públicas para a área estão sub-cobertas pela mídia. A imprensa precisa
exercer mais e melhor o seu papel de watchdog.

Enfim, para voltar a expressão de Galtung e Ruge, o canal foi aberto, falta explorar mais
atentamente as imensas possibilidades da pauta.

51
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54
anexo I – Palavras-chave

Questões ambientais amplas 29. “Dióxido de Carbono”;


30. “Emissões de Carbono”;
1. Ambiental* (variações ambienta- 31. Emissões fósseis”;
lismo, ambientalista, etc.); 32. “Eventos climáticos extremos”;
2. Biodiversidade; 33. HCFCs;
3. “Desenvolvimento Sustentável”; 34. “Hexafluoreto de Enxofre”;
4. Ecologia; 35. Hidrofluorcarbonetos;
5. Ecossistema; 36. Metano;
6. “Futuro da terra”; 37. “Oxido Nitroso”;
7. “Futuro do planeta terra”; 38. Perfluorcarbonetos;
8. “Meio ambiente”; 39. Queimada;
9. “Sócio-ambiental”; 40. Savanização;
10. “Sustentabilidade;
Mudanças climáticas e política
Questões gerais sobre nacional/ internacional
mudanças climáticas
41. Biblioclima;
11. “Aquecimento Global”; 42. “Climate Action Network”;
12. “Cenários Climáticos”; 43. “Conferência das Partes”
13. “Clima Global”; 44. COP;
14. “Efeito Estufa”; 45. “Cúpula da Terra”;
15. “Equilíbrio Climático”; 46. “Eco 92”;
16. “Fenômeno Climático”; 47. FBMC;
17. “Modelo Climático”; 48. “Inventário de Carbono”;
18. “Mudança Climática”; 49. “Inventário de Emissões”;
19. “Política Verde”; 50. IPCC;
20. “Sistema Climático”; 51. MDL;
52. “Mecanismo de
Geração/Efeitos Mudanças Desenvolvimento Limpo”;
Climáticas 53. Mitigação;
54. “Observatório do Clima”;
21. “Camada de Ozônio”; 55. “Pós-2012”
22. “Carbono Fóssil”; 56. “Pós-Kyoto”
23. “Carbono Intensivo”; 57. Proinfa;
24. CFC; 58. “Protocolo de Kyoto”;
25. CO2; 59. “Protocolo de Quioto”;
26. “Combustíveis Fósseis” 60. “Prototype Carbon Fund”;
27. Desertificação; 61. “Rio 92”;
28. Desmatamento; 62. UNEP;
55
Mudanças climáticas na imprensa brasileira:

63. UNFCCC; 74. “Energia Solar”;


64. “World Conservation 75. “Energia Verde”;
Monitoring Center”; 76. “Energias renováveis”;
77. “Estabilização de emissões”;
Mudanças climáticas e 78. Florestamento;
economia 79. “Intensidade de Carbono”;
80. “Matriz Energética Limpa”;
65. Biomassa; 81. “Mercado de Carbono”;
66. “Carbono Neutro”; 82. “Queima de Carvão”;
67. “Créditos de Carbono”; 83. “Redução compensada”;
68. “Descarbonização da 84. “Redução de emissões”;
Matriz Energética”; 85. Reflorestamento;
69. “Economia de Baixo Carbono”; 86. “Seqüestro de Carbono”;
70. “Eficiência energética” 87. “Tecnologia Limpa”;
71. “Emissões per capita”; 88. “Tecnologia Verde”;
72. “Energia Eólica”; 89. “Zoneamento Ecológico
73. “Energia Limpa”; Econômico”.

56
anexo II – Proporção de textos
da amostra por jornal pesquisado

Jornal

O Estado de S. Paulo - São Paulo 8,3%


Gazeta Mercantil - São Paulo 6,7%
Valor Econômico - São Paulo 6%
Folha de S. Paulo - São Paulo 5,9%
O Globo - Rio de Janeiro 5,8%
Estado de Minas - Minas Gerais 4,4%
Jornal do Brasil - Rio de Janeiro 3,9%
Diário do Nordeste - Ceará 3,8%
O Popular - Goiás 3,1%
Correio Braziliense - Distrito Federal 2,9%
Gazeta do Povo - Paraná 2,9%
Jornal do Commercio - Pernambuco 2,8%
A Tarde - Bahia 2,7%
Correio do Povo - Rio Grande do Sul 2,5%
O Povo - Ceará 2,4%
Diário de Pernambuco - Pernambuco 2,3%
Zero Hora - Rio Grande do Sul 2,3%
Diário da Manhã - Goiás 2,2%
Hoje em Dia - Minas Gerais 2,2%
Diário Catarinense - Santa Catarina 1,9%
Jornal de Brasília - Distrito Federal 1,8%
O Liberal - Pará 1,8%
A Gazeta - Espírito Santo 1,7%
Correio da Paraíba - Paraíba 1,7%
Jornal da Tarde - São Paulo 1,6%
Diário do Amazonas - Amazonas 1,5%
Correio do Estado - Mato Grosso do Sul 1,5%
A Crítica - Manaus - Amazonas 1,3%
Correio da Bahia - Bahia 1,3%

57
Mudanças climáticas na imprensa brasileira:

O Estado do Maranhão - Maranhão 1,3%


A Gazeta - Mato Grosso 1,1%
Diário do Pará - Pará 1,1%
Tribuna do Norte - Natal - Rio Grande do Norte 1,1%
Meio Norte - Piauí 1%
Diário de Cuiabá - Mato Grosso 0,9%
A Notícia - Santa Catarina 0,6%
O Rio Branco - Acre 0,5%
Folha de Londrina - Paraná 0,5%
Diário do Amapá - Amapá 0,4%
Jornal do Tocantins - Tocantins 0,4%
Gazeta de Alagoas - Alagoas 0,3%
Diário de Natal - Rio Grande do Norte 0,3%
Folha de Boa Vista - Roraima 0,3%
Tribuna de Alagoas - Alagoas 0,2%
O Norte - Paraíba 0,2%
A Gazeta - Acre 0,1%
O Dia - Rio de Janeiro 0,1%

O Estadão do Norte - Rondônia 0,1%


Total 100%
* Apenas para a amostra de Mudanças Climáticas

58
Ficha técnica

ANDI – Agência de Notícias Triagem do Material Clipado


dos Direitos da Infância Ana Néca
Fábio Senne
Presidente: Oscar Vilhena Vieira Assistentes de Pesquisa
Vice-presidente: Geraldinho Vieira Carolina da Cruz Martins
Secretário Executivo: Veet Vivarta Danielle Oliveira Valverde
Secretária Executiva Adjunta: Ely Juliana Maria de Almeida Barros
Harasawa Kátia Cristine Campos Sens
Marina de Sá Barreto da Cunha
Max Milliano Melo
Mudanças Climáticas na
Impresa Brasileira Processamento de dados
Wilson Rizzo
Realização
Digitação
ANDI
Diana Barbosa
Apoio Márcia Barbosa
Programa de Comunicação em
Diagramação
Mudanças Climáticas da Embaixada
Diogo Moraes
Britânica no Brasil
Jean Matos
Coordenador de pesquisa e texto
Guilherme Canela
Brasília, dezembro de 2007
Supervisão editorial
Veet Vivarta

Edição
Adriano Guerra
Assistente: Marília Mundim

Produção
Tainá Frota

Coordenador de coleta e
sistematização de dados SDS - Ed. Boulevard Center, Bl. A, sl. 101
Fábio Senne 70. 91-900 – Brasília, DF
Telefone: (61) 2102 -6508
Consultores Temáticos: Fax: (61) 2102 -6550
Eduardo Viola (UnB), Paulo Artaxo E-mail: mudancasclimaticas@andi.org.br
(USP), Paulo Moutinho (IPAM) Site: www.andi.org.br

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