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RETRATO DO BRASIL | setembro 2007 | nO 3  ENERGIA 1

setembro 2007 | nO 3 | www.oficinainforma.com.br

ENERGIA: O DEBATE DO
AQUECIMENTO GLOBAL
A quem interessa uma apresentação simplória
da questão das mudanças climáticas?
DESCONSTRUINDO
RETRATO DO BRASIL | setembro 2007 | nO 3  ENERGIA 3

GORE
 Nas páginas seguintes

Reprodução Uma VerdadeInconveniente, Al Gore, 2007


O clima e suas contradições Devemos incluir na
análise também os desequilíbrios sociais, diz o
professor Sauer p.4
Na Amazônia, em busca do CO2 Não é fácil: de
madrugada o famigerado gás esconde-se, correndo
por baixo, na grande mata p.6
Para entender o IPCC Como funciona a mais famosa
entidade do debate das mudanças climáticas. E o
que significa o seu “consenso” p.10
O modelo do consenso Um cientista brasileiro acha
que o IPCC obteve a grande prova de que o
aquecimento global tem causa antropogênica p.16
O gráfico do pânico São duas séries de medidas: uma
oscila, bem-comportada, por milênios; outra, recente,
dispara para o alto e apontaria a catástrofe p.18
O sol em primeiro lugar O dissidente Molion, com o
esquema do IPCC em mãos, propõe um modelo
alternativo p.20
Mais do que prever, agir Não se trata apenas de
diferentes interpretações do que vai acontecer. Na hora
do que fazer é que as posições se distinguem p.22
IMAGEM DA CAPA: Adaptação de charge de Angeli para a
Folha de S.Paulo / Folhapress

O filme do ambientalista americano que vende a


prova do aquecimento global não tem ciência: é
uma tese interesseira e simplória

 Expediente
ponto mais espetacular de Uma Ver- estufa ao impedir que o raiozinho de sol

Redação
Mino Carta • Sergio Lirio [ supervisão editorial ]
O
dade Inconveniente, o filme do ex-vice-presi-
dente americano Al Gore premiadocom o
Oscar de Hollywood em 2007, é aquele no
deixe a Terra. O recado do conjunto é
claríssimo: a Terra está esquentando porque
os gases de efeito estufa, o gás carbônico prin-
Raimundo Rodrigues Pereira [ coordenador ]
Armando Sartori [ editor ] qual ele é alçado do chão para extrapolar, cipalmente, estão retendo a energia que nos
Leandro Saraiva • Lia Imanishi Rodrigues • Rafael até o fim do século, o gráfico com a relação chega do Sol. E pode-se prever um futuro
Hernandes • Sônia Mesquita • Tânia Caliari • entre a quantidade de gás carbônico na at- apocalíptico se as tendências atuais não fo-
Verônica Bercht [ redação ]
Ana Castro • Pedro Ivo Sartori [ edição de arte ] mosfera e a temperatura da Terra. Gore rem revertidas.
Áli Onaissi • Genulino Santos • Hassan Ayoub • está num auditório diante de um telão São duas as simplificações maiores que
Marilda Rodella • Rita Leite [ revisão ] enorme, onde aparece o gráfico. Este tem Gore faz e com as quais transforma um de-
Vendas as oscilações da temperatura do planeta e bate científico complexo numa “verdade”
Paulo Barbosa [ representante em São Paulo ]
Joaquim Barroncas [ representante em Brasília ] das emissões de gás carbônico na atmos- improvável. A primeira: ele utiliza, basica-
Administração fera no eixo vertical. No horizontal, mos- mente, dois tipos diferentes de medição das
Neuza Gontijo • Maria Aparecida Carvalho • tra o tempo, de 650 mil anos para cá. Gore temperaturas e do CO2 da atmosfera terres-
Gabriel Carneiro fala rapidamente de uma correlação entre tre. Combina uma série obtida a partir de
Retrato do BRASIL é uma publicação mensal da as oscilações da temperatura e do nível de bolhas de ar primitivas encontradas em
Editora Manifesto S.A. e distribuída com CartaCapital
Editora Manifesto S.A.
CO2. Depois mostra que, no último sécu- amostras de gelo de épocas passadas com
Roberto Davis [ presidente ] lo, o CO2 descola e começa a subir. outra, recente, de medições diretas na atmos-
Escritório de administração Em seguida, uma espécie de grua o eleva fera, nos anos pós Revolução Industrial.
Rua do Ouro, 1.725 - conj. 2 • Belo Horizonte MG para além do ponto máximo de CO2 na épo- Evidentemente, uma coisa é medir a
CEP 30210 000 • Telfax 31 32814431
administracao.bh@oficinainforma.com.br
ca atual e o carrega para o fim deste século e temperatura e os componentes da biosfe-
Escritório comercial e redação
para o alto, onde o nível de CO2 então se ra terrestre diretamente, em inúmeros pon-
Rua Fidalga, 146 - conj. 42 • São Paulo SP situaria, para simular o que acontecerá se as tos, hora a hora, por exemplo, para cons-
CEP 05432 000 • Telfax 11 38149030 emissões deste gás não forem contidas. Essa truir médias de diversos tipos. Outra coi-
administracao.sp@oficinainforma.com.br
cena se liga com outra, já referida no número sa é usar esses parâmetros para bolhas de
Representação comercial em Brasília
SCN Quadra 01 - Bloco F • Edifício American Office
1 de nossa série sobre energia (CartaCapital ar de milênios passados, situar no espaço
Tower - sala 1.408 • Brasília DF • CEP 70711 905 no 458, 22/8/2007), na qual, num desenho e no tempo essas medições e compará-las,
Tel. 61 3328 8046 • barroncas@poranduba.com animado, o gás carbônico malvado cria o efeito com um mínimo de rigor científico, com
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as atuais. Voltaremos a falar sobre esse infravermelha”, diz Ildo Sauer, professor à formação do Sol, da Terra e, posteriormen-
tema na sexta parte desta história com con- titular de Energia na Universidade de São te, da nossa biosfera correspondeu a um gi-
siderações mais precisas, em “O gráfico do Paulo, cuja prova de erudição Retrato do Bra- gantesco aquecimento local, que deu origem
pânico”. sil-CartaCapital (RBCC) vem utilizando na ao miolo do Sol e ao miolo da Terra, com
A segunda: para tentar simplificar o en- sua série sobre o tema. “Se armazenasse suas temperaturas muito altas – de 15 mi-
tendimento do “efeito estufa”, Gore suge- mesmo que apenas parte da brutal energia lhões e 5 mil graus respectivamente.
re vários absurdos, o maior dos quais é o que recebe do Sol diariamente há muito Outra contradição aparente: a maior par-
de que a Terra retém a energia recebida do tempo a biosfera da Terra já estaria te da matéria conhecida do Universo é for-
Sol. “A longo prazo, a Terra não retém ener- destruída.” mada por átomos leves, como hélio e hidro-
gia do Sol. Ela recebe energia sob uma for- Sauer acha que se deve colocar o debate gênio, que são os elementos básicos do pro-
ma, basicamente de luz visível, transforma sobre a temperatura da Terra e o aparente cesso de fusão nuclear no miolo do Sol. Mas
essa energia e emite de volta a mesma quan- aquecimento global numa perspectiva am- nós, e a biosfera de onde surgimos e que
tidade para o espaço, na forma de radiação pla. A seguir, ele desenvolve essa idéia. nos sustenta, somos formados por átomos
mais pesados como os de carbono, ferro,
cálcio, oxigênio, nitrogênio. Os átomos leves
surgiram depois que a radiação se desentra-
nhou da matéria e a temperatura do univer-
O CLIMA E SUAS CONTRADIÇÕES so caiu dos trilhões iniciais para a casa dos
300 milhões de graus, apenas 20 vezes mais
quente que o atual núcleo do Sol. Já os áto-
mos mais pesados da biosfera não se for-
maram nela nem no processo de organiza-
Devemos incluir na análise também os ção do sistema solar. São restos de explo-
desequilíbrios sociais, diz o professor Sauer sões de estrelas, em cujo miolo hélio e hi-
drogênio são compactados em estruturas
omos parte de um Universo que formou muito mais recentemente, quando maiores. Essas estrelas, as chamadas super-
“S
evoluiu por fases. A temperatura é um indi-
cador do movimento, da agitação das molé-
culas e dos átomos, e também um indicador
o Universo era adolescente – tinha cerca de
4,5 bilhões de anos.
Ou seja: dentro do processo geral de
novas, explodem espalhando esses átomos
pesados pelo espaço.

geral dessas fases. Nas frações de segundo resfriamento do Universo, a etapa que levou A biosfera e o ciclo do carbono
após o Big Bang, a gigantesca explosão que E, se tratamos da temperatura da bios-
deu origem a tudo, as temperaturas eram de A BIOSFERA E SUAS VIZINHANÇAS fera, e em particular do ciclo do carbono, os
trilhões e trilhões de graus. O Universo foi aspectos contraditórios multiplicam-se. Na
se expandindo e esfriando. Hoje, tem cerca Entre as emissões de luz do Sol a biosfera formaram-se as estruturas orgâni-
6.000 graus e o quase zero absoluto
de 15 bilhões de anos. E a sua temperatura da radiação de fundo do universo cas, à base de carbono. Estas são entidades
média, digamos assim, se a medimos pela muito mais sofisticadas que os átomos mais
radiação de fundo, que é uma espécie de eco RADIAÇÃO pesados: reúnem centenas e centenas desses
do Big Bang, é de 4 graus numa escala a DE FUNDO átomos, organizados em moléculas, células,
4K
partir do zero absoluto (graus Kelvin). organismos – estes, inclusive, como no nosso
SOL
Mas a evolução não é linear. A biosfera, Núcleo
15.000.000 K
caso, capazes de ação consciente, coletiva.
o ambiente agradável e relativamente estável A biosfera é um fino envoltório terres-
onde vivemos, tem temperaturas entre 220 Fotosfera tre, de pouco mais de 100 quilômetros de
e 300 graus Kelvin, que correspondem a - 40 6.000 K altitude. É formada basicamente por dois
e a +40 graus centígrados. E não se formou gases, o nitrogênio e o oxigênio. Entre os
num processo de esfriamento contínuo, Termosfera outros gases que completam a sua composi-
150 < T < 1.000 K
como o do Universo em geral. A evolução é TERRA ção deve ser destacado, em primeiro lugar, o
um processo contraditório, envolve forças ozônio, uma molécula especial de oxigênio,
gigantescas, que não comandamos e nem Biosfera com três átomos (O3). É a camada de ozô-
220 < T < 300 K
bem conhecemos. À Terra chegam continua- nio, como se sabe, que impede a entrada na
mente os sinais desse fundo geral muito frio Terra da radiação ultravioleta, muito pene-
Núcleo PLUTÃO
do Universo. De fato, é a radiação que se se- 5.000 K trante e muito danosa para os seres vivos
parou da matéria numa das mudanças de (nos animais, afeta os mecanismos de orga-
fase do Universo, quando ele era um bebê, Superfície
nização dos tecidos e provoca câncer).
digamos assim, tinha cerca de 1 milhão de 35 < T < 45 K O outro destaque é para os gases do
anos. Mas chega, também, em muito maior chamado efeito estufa. Estes devem ser se-
quantidade e em pouco tempo, cerca de 8 parados em dois blocos principais: o da
FONTE: Anotações para prova de erudição,
minutos, a radiação luminosa do Sol, que se Ildo Sauer, 2005
1 água, uma molécula com dois átomos de
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 Sauer e, na tela do computador, o

Julia Moraes
Messias Gore: dois tipos de atitude

hidrogênio e um de oxigênio, na forma de


vapor; e o dos óxidos de nitrogênio e dos
gases com carbono – em especial o gás
carbônico ou dióxido de carbono (CO2) e o
metano (CH 4). Primeiro, não se pode
criminalizar o efeito estufa. Ele é funda-
mental. Funciona como uma espécie de re-
presa: não impede o fluxo de energia Sol-
Terra-espaço. E criou na Terra um ambien-
te de temperaturas relativamente uniformes,
onde puderam formar-se as estruturas or-
gânicas maiores.
É claro que a temperatura da Terra varia no
tempo e no espaço, de acordo com as estações
do ano e a posição no globo. Mas essa variação restre era bem diferente da de hoje. Predo- complexas que criaram as bases para a for-
poderia ser muito mais drástica sem o efeito minavam o hélio e o hidrogênio, que, por mação dessa camada de proteção da biosfe-
estufa, pois toda a energia recebida pela face do serem muito leves, escaparam do campo ra. Num primeiro momento, sem a camada
planeta de frente para o Sol durante o dia seria gravitacional terrestre em direção ao espaço. de ozônio, os raios solares ultravioleta atua-
dissipada para o espaço durante a noite, tor- Erupções provocadas pelo material em ebu- ram sobre os gases primitivos da atmosfera
nando o ambiente terrestre extremamente inós- lição no núcleo da Terra, por sua vez, lança- e parecem ter tido papel primordial na cria-
pito, como o que existe num corpo celeste sem ram na sua superfície vapor d’água, metano, ção de complexas moléculas de aminoácidos
atmosfera, como a Lua. amônia e CO2, dando início à formação da que se acumularam nos oceanos, onde, por
O efeito estufa, no entanto, não nasceu atmosfera. sua vez, a água as protegia da radiação solar.
com a Terra. É um dos responsáveis pela O surgimento da camada de ozônio Mutações posteriores, estimuladas possivel-
manutenção da vida no planeta e foi, ao mes- mostra como é contraditório e complexo o mente pela radiação, teriam levado ao desen-
mo tempo, produzido pela vida que se de- processo de formação da biosfera: foram ele- volvimento, ainda nos oceanos, de formas
senvolveu aqui. A atmosfera primordial ter- mentos danosos para as formas de vida mais primitivas de vida vegetal, como as algas.

O MESSIAS DE HOLLYWOOD Se Ele podia perder seu


filho, nós podíamos perder o planeta

UMA VERDADE INCONVENIENTE, o filme de Al Gore, apesar de seu filho, nós também podemos perder o Planeta...
seu pretenso apelo científico, está estruturado como uma narrati- O diretor do filme é o competentíssimo David Guggenhein, ex-
va mitológica. Inscreve-se num padrão muito disseminado na in- diretor do eletrizante megassucesso televisivo 24 horas, série
dústria cultural americana que, a partir de Guerra nas Estrelas, de onde Jack Bauer, agente americano antiterrorismo, salva o mun-
George Lucas (1977), teve grande influência do estudioso de mi- do semanalmente. Ele usa “filminhos”, com a infância, as aulas
tos, Joseph Campbel, convertido em assessor das grandes empre- com o Mentor, o acidente do filho etc., para dar “humanidade à
sas cinematográficas. O modelo narrativo é pretensamente uni- mensagem”. E formata a narrativa dentro do modelo messiânico,
versal. Está centrado nas fases que um personagem deve enfren- mitológico. O desdobramento plástico disso é um enorme telão
tar para que mereça ser chamado de protagonista, o herói no de plasma que serve de fundo à palestra. Graças à combinação
mundo comum. Há o chamado à aventura, a recusa do chamado, entre o palco-cenário, construído com este fim, para o eficiente
o encontro com o Mentor, a provação suprema etc. etc. posicionamento das câmeras e o telão, Gore aparece recorren-
O jovem Gore leva uma “vida comum”, em meio à natureza. temente contra um fundo cósmico ou planetário, reforçando
Encontra-se com o Mentor, seu professor na universidade, que essa imagem de líder universal, o Moisés que nos guiará neste
seria pioneiro nas medições de emissão de carbono. Recusa o cha- grave momento.
mado e vai por um “desvio”, a campanha presidencial de 2000. A O filme-catástrofe ambiental termina com os simpáticos, batidos e
derrota nessa campanha o ajuda a se focar em sua missão. Tem restritíssimos conselhos do tipo “revise seus pneus” e “use menos
então uma melodramática “provação suprema”, na convalescen- água quente”. No horizonte universal do messiânico herói não estão
ça de seu filho. E daí extrai a “mensagem” de que, se podia perder visíveis os mecanismos da dinâmica capitalista.
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O oxigênio que encontramos hoje na at- O VERDE DO MAR tos e periódicos. De 11 em 11 anos, por
mosfera surgiu da fotossíntese, a partir de 2 exemplo, o Sol torna-se mais brilhante e en-
bilhões de anos atrás. A fotossíntese é geral- A absorção de energia solar pela fotossíntese se dá via mais energia para o espaço. Algo que tam-
principalmente nos oceanos
mente associada ao mundo mais visível das ÁREA CARBONO TOTAL DE
bém deve ser levado em conta na questão do
REGIÃO
pastagens, plantações, árvores. Mas esses ve- [milhões FIXADO CARBONO FIXADO aquecimento global.
de km2] [ton/km2/ano] [ bilhões de ton/ano]
getais mais complexos são apenas a fração Floresta 44 250 11
E, por último, mas não as menores das
menor dos organismos fotossintetizadores. Terra cultivada 27 160 4,3
contradições: as sociais. Se o que pretende-
Estima-se que cerca de 90% da fotossíntese Grama 31 36 1,0 mos, de fato, é dizer o que será o mundo
é executada nos mares, por diversos tipos de Deserto 47 7 0,3 daqui a cem anos, não podemos nos deter
microrganismos, entre os quais bactérias e Total de terra 149 16,6 numa explicação do que pode acontecer, de
algas. À medida que as moléculas de oxigê- Total de oceano 361 340 122,6 acordo com tais e quais modelos matemáti-
nio (O2) se acumulavam nas partes mais al- co-computacionais, como fazem os ultrali-
tas da atmosfera, a radiação ultravioleta, FONTE: Bioenergetics, de Albert Lehninger, página 11 3 berais no campo da economia que buscam
muito penetrante, cortava a relação entre os adequar os interesses dos grandes empresá-
dois átomos. E os átomos isolados recom- sentido inverso, as fotossintetizadoras extra- rios aos consumidores. Ou ficar, como Gore,
binavam-se em trincas, formando o ozônio em dióxido de carbono e água de suas vizi- dando conselhos cosméticos, tais como:
(O3). A forte capacidade de absorção da radi- nhanças, produzem novas cadeias de carbo- ‘Tome menos banho de água quente e com-
ação ultravioleta pelo O2 e pelo O3, então, no e devolvem o oxigênio para a atmosfera. pre o DVD com meu filme, para salvar o
passou a impedir que ela chegue às camadas A quantidade de água na Terra é muito planeta’. Devemos ver que o mundo é um
mais baixas da atmosfera. grande, assim como é grande também a conjunto de nações com enormes desequilí-
quantidade de oxigênio na atmosfera. No brios, entre elas e internamente. E lutar para
Fotossíntese & Respiração entanto, o gás carbônico é muito pouco. A criar um mundo mais justo, seja ele mais
Na discussão atual sobre o aquecimento atmosfera contém apenas 0,03% dele. Esti- frio, seja mais quente”.
global, além de se destacar apenas as flores- ma-se que, se o ciclo do carbono cessasse, A atitude proposta pelo professor Sauer
tas e vegetais superiores como organismos em dois ou três anos as plantas existentes na é tema da parte final desta história. Vamos
do bem, ao se criminalizar os processos que Terra consumiriam todo o CO2. começá-la acompanhando os pesquisadores
liberam CO2, por exemplo, esconde-se o fato Por fim, é preciso destacar mais duas gran- envolvidos no LBA, o projeto de estudos
de que a eliminação do gás carbônico para a des contradições. A primeira, a respeito do climáticos que procura entender como nossa
atmosfera pelos seres vivos, plantas e ani- Sol. Apesar de relativamente estável, a su- grande floresta tropical funciona no sistema
mais, é o contraponto necessário da fotos- perfície solar é sujeita a fenômenos violen- climático do planeta.
síntese: é a outra etapa do ciclo do carbono,
indispensável à vida.
A fotossíntese pode ser descrita como
um processo em três etapas: a absorção de
energia solar pela clorofila e outros pigmen- NA AMAZÔNIA, EM BUSCA DO CO2
tos das plantas, a conversão dessa energia
de radiação em energia química, e a utiliza-
ção dessa energia para a reação que, de um
lado, transfor ma moléculas de gás
carbônico e de água numa molécula
Não é fácil: de madrugada, o famigerado gás esconde-se,
estruturada em torno de uma cadeia de áto- correndo por baixo, na grande mata
mos de carbono, e, de outro, libera para a
atmosfera oxigênio molecular (O2). hegar ao topo da K-34, a quase 60 tos, a radiação solar, a concentração de CO2.
A respiração é o oposto da fotossíntese.
Na respiração, os animais usam o oxigênio
C
metros do chão, subindo degrau a degrau a
escada dessa estrutura metálica mais pareci-
da com um descomunal andaime de obras,
É um ecossistema gigantesco e misteri-
oso, eles explicam. Há solos arenosos e argi-
da atmosfera para liberar a energia química losos, com maior ou menor riqueza de nu-
das cadeias de carbono que ingerem – é um alívio. Do alto da torre, plantada no trientes. Há diferentes climas, com regimes
carboidratos, proteínas, gorduras – e, assim, coração da Floresta Amazônica, a mais de de chuva variados em cada região da Ama-
ter força mecânica para trabalhar, mover-se, 80 quilômetros de Manaus, vê-se um ocea- zônia Legal. Chove mais no alto rio Negro,
bem como reconstruir seu organismo no verde das copas das árvores. nas proximidades de São Gabriel da Cacho-
desgastado no dia-a-dia. O repórter do RBCC está acompanha- eira (AM) e bem menos no baixo Tapajós,
O fluxo de carbono, com certeza, é mais do dos pesquisadores Fabrício Zanchi e nas proximidades de Santarém (PA), que se
importante que o estoque de carbono na at- Carlos Alexandre Querino. Eles examinam pode comparar com a seca Brasília. E há pelo
mosfera. Pela respiração, as células animais, medidores colocados ao longo da estru- menos 19 tipos de vegetação, desde campi-
por exemplo, tomam oxigênio do ar e nutri- tura metálica para estudar o funcionamen- nas e campinaranas, cujas árvores são mais
entes orgânicos de seu entorno e descarregam to do organismo vivo que é a floresta. Me- baixas, de até 15 metros, com copas de me-
na atmosfera dióxido de carbono e água. No dem-se temperaturas, a umidade, os ven- nor densidade, até florestas de platô, com
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 A K-34: quando o Sol retorna, o CO já


Rafael Hernandes

2
se foi para as partes baixas

período de agosto de 2005 a julho de 2006.


O País perdeu 14.039 km² das florestas da
região, ante uma perda de 18.793 km² nos 12
meses anteriores e 27.379 km² entre meados
de 2003 e o fim do primeiro semestre de
2004. A expectativa é que caia mais este ano.
Flávio Luizão, coordenador regional do
LBA, e Fearnside não se animam com esses
números. Acham que boa parte da redução
se deve à queda do preço da soja e da carne
no mercado internacional, o que ocasionou
uma diminuição na procura de novos cam-
pos para plantação e criação de animais, ativi-
dades responsáveis pela maior parte dos des-
matamentos. Segundo eles, o mercado pode
se reanimar e há novas obras programadas
de grande impacto que farão voltar a devas-
tação ambiental, como as hidrelétricas do rio
Madeira e a BR-319, que ligará Manaus e
enormes árvores de mais de 30 metros. Não é fácil medir o gás carbônico, diz Porto Velho (RO).
Zanchi e Querino participam do Expe- Fearnside. De dia, ele se desloca impulsiona- Os impactos do aquecimento global so-
rimento em Larga Escala da Biosfera e At- do por correntes de ar, por sua vez causadas bre a Amazônia foram estudados pelo pes-
mosfera da Amazônia (LBA), projeto que pelo aquecimento da atmosfera pelo Sol. À quisador Carlos Nobre, do Inpe, e constam
tem outras 15 torres do mesmo tipo na noite, cessa o aquecimento e o CO2, mais do relatório apresentado neste ano pelo IPCC.
região. Criado em meados dos anos 1990, denso que outros gases do ar, desce. Segun- É de Nobre a teoria da “savanização”: a Flo-
o LBA era coordenado pelo Instituto Nacio- do Fearnside, no caso da região próxima a resta Amazônica pode mudar drasticamente
nal de Pesquisas Espaciais (Inpe). Há mais Manaus, um “tapete” de gás carbônico des- ao longo deste século, perdendo densidade e
de três anos é gerido pelo Instituto Nacio- loca-se de madrugada até chegar ao rio Ne- biomassa e tornando-se similar às savanas da
nal de Pesquisas da Amazônia (Inpa). E gro. Quando o Sol retorna pela manhã, vol- Venezuela. Ou seja, com poucas e espaçadas
tem a participação de cerca de 200 institui- tam também os ventos. Mas a massa de CO2 árvores e muitos arbustos e gramíneas.
ções, mais ou menos metade nacionais e já está muito longe dos instrumentos insta- Fearnside diz que, apesar de estudos ana-
metade estrangeiras. lados nas torres. Seria preciso instalar mais lisados pelo IPCC apontarem, caso se con-
O LBA atua em diversas áreas. Mas um torres e postos de medição, em lugares dife- firmem as estimativas de aquecimento, um
dos seus mais importantes estudos é o do rentes. “Não apenas em altos platôs como aumento na quantidade de chuvas em todo
ciclo do carbono. Zanchi diz que o trabalho atualmente”, diz Fearnside. o planeta, para a Amazônia a maioria dos
não é simples. Há diferentes balanços de cap- resultados saídos das simulações climáticas
tação e emissão de CO2 pela grande mata. Na A tese da “savanização” indica que haverá redução das precipitações.
parte oeste da Amazônia, nas proximidades As medições do LBA são cruciais para o Se essas estimativas se confirmarem, diz ele,
e também dentro dos territórios do Peru e Brasil. O Painel Intergovernamental sobre será desencadeado um processo de retroali-
Equador, os dados mais recentes apresentam Mudança do Clima (IPCC, na sigla em in- mentação: a escassez de água matará a vege-
saldo positivo de absorção entre 3 a 4 tonela- glês), o órgão mais importante no debate tação, ocorrendo assim uma maior liberação
das de carbono por hectare por ano. Na região do aquecimento global, diz que 75% das de gás carbônico na atmosfera. O que por
de Santarém há registros que mostram mai- emissões de dióxido de carbono do País são sua vez aumentará ainda mais a temperatura
or emissão do que captação do gás. As esti- causadas por queimadas e derrubadas de ár- e as secas, causando as mortes de plantas e
mativas mais recentes do LBA para toda a vores e apenas 25% pela queima de com- novamente mais emissões de CO2, e assim
Amazônia apontam uma captação de 0,5 a 1 bustíveis fósseis. É praticamente o inverso por diante. A vegetação não será capaz de se
tonelada de gás carbônico por hectare por ano. do resto do globo, onde 80% das emissões adaptar a essas mudanças abruptas de clima
Philip Fearnside, que há 31 anos estuda a vêm da queima de combustíveis fósseis e em poucos anos e os efeitos poderão ser
floresta, 29 deles pelo Inpa, diz que os estu- 20% do desmatamento de florestas. muito danosos.
dos mais recentes “vêm diminuindo a esti- Na primeira quinzena de agosto, a mi- Mas há vozes discordantes. Para o
mativa de quanto é o balanço de captação/ nistra do Meio Ambiente, Marina Silva, di- geógrafo Aziz Ab’Saber, é possível que o
emissão de gás carbônico”. Os resultados vulgou os dados do Projeto de Monitora- aumento da temperatura e da umidade pos-
atuais também não podem ser considera- mento do Desmatamento na Amazônia sa, em vez de transformar a Floresta Ama-
dos definitivos. Legal por Satélites, feito pelo Inpe, para o zônica em uma savana, beneficiá-la, assim
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 energia limpa. Furnas, a maior empresa do

João Wainer/ Folha Imagem


Ab’Saber: ao contrário do que se diz,
a floresta pode ganhar sistema Eletrobrás, fez estudos aprofun-
dados com hidrelétricas do Cerrado que
como à Mata Atlântica. Para ele, ambas po- teriam provado que elas emitem até cem
deriam até crescer. Segundo Ab’Saber, quem vezes menos gases do efeito estufa do que
fala sobre uma possível redução da umidade uma termoelétrica de mesmo porte. E diz
na Amazônia esquece de contabilizar variá- que fará o mesmo com hidrelétricas da
veis como as correntes marítimas, que trazem Amazônia.
umidade para o continente. Se as correntes O tema passou a constar das preocu-
mais quentes que banham a costa brasileira se pações do IPCC, como explica a brasileira
mantiverem parecidas com as atuais, tese que Thelma Krugg, secretária Nacional de Mu-
ele defende, a umidade necessária às florestas danças Climáticas do Ministério do Meio
estará garantida. Ambiente. Ela ocupou um importante
Ab’Saber acredita que o clima na Terra, posto na estrutura do IPCC, possivelmen-
especialmente no Brasil, pode ficar parecido te devido a seu trabalho na produção do
com o que predominou há entre 5 mil e 6 inventário brasileiro de emissão de gases
mil anos, quando a temperatura média da de efeito estufa, iniciado em 1992 e con-
Terra era muito superior à atual e o nível do tidade de material orgânico, que com o passar cluído oito anos depois. O trabalho brasi-
mar era cerca de 3 metros mais alto que o de do tempo se decompõe, liberando o gás. Por leiro tornou-se referência para outros paí-
hoje. Nessa época, diz o geógrafo, o calor ser mais pesada, a água com o metano ficaria ses porque incluiu todos os relatórios ela-
produzia mais evaporação e mais chuvas, o nas partes mais fundas dos lagos, mas volta- borados para o levantamento das emis-
que permitiu uma grande expansão das áreas ria à superfície ao passar pelas turbinas, quan- sões no País e por ter considerado, pela
de florestas, inclusive da Floresta Amazôni- do liberaria o componente químico. primeira vez, as emissões originadas dos
ca e da Mata Atlântica. Fearnside opõe-se à definição da hidre- reservatórios das hidrelétricas como de
letricidade com grandes barragens como origem antropogênica.
A questão do metano
O debate a respeito da floresta ganhou
novos elementos recentemente. Pesquisado-
res do Instituto de Pesquisas Energéticas
Nucleares (Ipen) e do National Oceanic and PARA ENTENDER O IPCC
Atmospheric Administration (Noaa), dos
EUA, ligados ao próprio LBA, publicaram
artigo afirmando que cerca de 20% do
metano (CH4) emitido no mundo vem da
Amazônia. O metano é um dos gases-vi-
Como funciona a mais famosa entidade do debate das
lões do efeito estufa. Embora exista na at- mudanças climáticas. E o que significa o seu “consenso”
mosfera em quantidade bem menor que o
CO2 por exemplo, é bem mais poderoso. Painel Intergovernamental sobre Mu- ma época, no Reino Unido, a primeira-mi-
Cada molécula de metano vale por cerca de
20 das de dióxido de carbono na produção
do efeito estufa.
O
dança Climática foi criado em 1988 por duas
entidades da ONU, uma ambiental e outra
de meteorologia. Mais ou menos nessa mes-
nistra Margaret Thatcher estava às voltas com
uma longa crise política e energética gerada
por dramática greve de mineiros e decidiu
Flávio Luizão não acredita que se trate de promover uma mudança de matriz
algo alarmante. Ele diz que medições feitas energética, apontando para o uso do gás na-
Divulgação IISD

mostram que a quantidade global do metano tural e da energia nuclear, em detrimento do


se manteve estável nos últimos anos. Prova- carvão e do petróleo.
velmente, diz ele, a floresta sempre emitiu O Serviço Meteorológico do Reino Unido
essa quantidade de metano. O que ocorreu já era um dos mais avançados do mundo. E,
agora foi que os pesquisadores chegaram a em 1990, por iniciativa de Thatcher, foi criado o
um montante mais preciso das emissões, Hadley Centre, para realizar pesquisas climáti-
causadas principalmente pela decomposição cas, com financiamento do Departamento de
do material orgânico. Meio Ambiente e do Ministério da Defesa bri-
O debate existe também em relação às tânicos e onde se hospedou a Unidade de
emissões de metano pelas hidrelétricas da Apoio Técnico de parte dos trabalhos do IPCC.
Amazônia. Para Fearnside, as emissões de- Naquele ano, Thatcher declarou na
correntes da Hidrelétrica de Tucuruí são maio-
res que as da cidade de São Paulo. O lago for-  Krugg: do inventário do efeito estufa
mado pela barragem submerge grande quan- do Brasil, para a cúpula do IPCC
RETRATO DO BRASIL | setembro 2007 | nO 3  ENERGIA 11

Segunda Conferência Mundial do Clima: 

Tuca Vieira/ Folha Imagem


Nobre: de 7 mil comentários, nada
“Nós agora exigimos, por lei, que parte subs- contra a tese da savanização da Amazônia
tancial de nossa eletricidade venha de fon-
tes que gerem pouca ou nenhuma emissão ce a escolha por cooptação. Os outros cargos
de dióxido de carbono, e isso inclui uma são definidos por avaliação e escolha dos
importante contribuição da energia nucle- membros do próprio conselho que está sa-
ar”. No mesmo discurso, disse que uma indo. Composto o novo conselho, ele pede
grande tarefa do Reino Unido seria levar o aos governos novas indicações para a forma-
máximo de países à Convenção das Mu- ção dos três grupos de trabalho.
danças Climáticas em 1992 e afirmou que Os co-presidentes e seus vices responsá-
não se devia perder tempo em contestar o veis pelos grupos de trabalho escolhem os
relatório do IPCC, mas antes tomar a enti- cientistas que escreverão os capítulos de seus
dade como “nosso indicador”. volumes. Essas escolhas são então subme-
A discussão em torno da elevação da tem- tidas ao Conselho, que vai finalmente com-
peratura da biosfera e de suas causas era anti- por o painel buscando o equilíbrio para que
ga. Em 1935, o engenheiro Guy Callendar, haja cientistas do maior número de países
com base em milhares de dados colecionados possível e de países de diferentes níveis de
por anos de observação, concluiu ter havido tufa, um dos quais é a brasileira Thelma desenvolvimento.
um aumento de temperatura de quase meio Krugg, que trabalhou nesse tipo de inventá-
grau centígrado entre 1890 e 1935. Nas três rio para o Brasil e tem longa experiência com IPCC: o impacto dos relatórios
décadas seguintes, a temperatura média glo- o monitoramento de queimadas e desmata- Desde sua criação, em 1988, o IPCC lan-
bal baixou e começou a discussão sobre a pos- mento da Amazônia. çou quatro grandes relatórios sobre mudan-
sibilidade de o mundo caminhar para uma Thelma explica a RBCC que o IPCC tem ças climáticas. O de 1990 teve uma reper-
Idade Glacial. E, nos anos 1980, a polêmica um conselho eleito de seis em seis anos. Ao cussão política enorme. Concluiu que “o
mudou de sentido de novo: voltou ao deba- término de seu mandato, esse conselho pede aumento da concentração dos gases de efei-
te a elevação da temperatura, que ganhou en- aos governos a indicação de nomes de cien- to estufa resultará no aquecimento da su-
tão o nome de aquecimento global. tistas para a nova formação. Os governos perfície da Terra”. Em 1997 foi elaborado o
enviam nomes e currículos de seus cientistas Protocolo de Kyoto, sob a influência do
IPCC: eleição e cooptação e indicam os cargos que gostariam que eles segundo relatório do IPCC, divulgado em
No ensaio O IPCC Visto por Dentro, assumissem. Mas só a presidência é subme- 1995. Essencialmente, ficou estabelecido que
John Zillman, cientista australiano partici- tida à votação dos países membros. Prevale- os países ricos deveriam reduzir suas emis-
pante da entidade, diz que a idéia dos seus
relatórios, agora tão famosos, foi a de in-
fluir na Segunda Conferência Mundial do O CARVÃO ERA O MAL A Enron, com muito
Clima, a mesma na qual Thatcher pontifi-
cou. Os dirigentes do IPCC concluíram que dinheiro, e Thatcher uniram-se para o grande projeto
deveriam produzir três documentos. Eles do gás natural, então o combustível do bem
avaliariam as pesquisas sobre a questão cli-
mática sob três ângulos: a ciência física, os
impactos e as ações necessárias para evitar
ou diminuir os impactos negativos. Essa A CAMPANHA DE Margaret Thatcher contra o carvão teve na Enron, a famosa
divisão seria depois consagrada como a es- empresa de gás natural dos Estados Unidos, uma aliada. A história é contada por
trutura de trabalho do IPCC. Bethany McLean e Peter Elkind, os jornalistas que fizeram The Smartest Guys in the
Desde o início sabia-se também que o Room, the amazing rise and scandalous fall of Enron (Os caras mais espertos da sala, a
objetivo do IPCC não era desenvolver pes- espantosa ascensão e a escandalosa queda da Enron, Penguin Books, 2003). Nos anos
quisas próprias e, sim, fazer o levantamento 1980, o gás natural passou a ser visto como o combustível do bem, muito menos
das pesquisas feitas. E incorporar os pesqui- poluente que o carvão e o óleo combustível das usinas termoelétricas e muito menos
sadores citados como co-autores dos relató- danoso ao meio ambiente do que as grandes hidrelétricas de países como o Brasil.
rios do Painel. No final de período, a Enron empenhava-se pela construção de uma megausina de
O IPCC tem um presidente. A escolha é quase 2000 MW de capacidade, em Teeside, uma área industrial no Nordeste da
feita por eleição entre representantes dos paí- Inglaterra, onde a geração a gás era ilegal. Mas em 1989 o governo Thatcher
ses membros do IPCC. O presidente é as- finalmente passou no Parlamento uma lei para a desregulamentação do setor. E
sessorado por três vices. Abaixo deles vêm Teeside foi construída e tornou-se um caso modelo para mostrar os benefícios da
os co-presidentes e seus vices, que coman- privatização. Os negócios foram facilitados pela posição de John Wakehan, secretá-
dam os três grupos de trabalho. Há ainda rio de Energia de Margareth Thatcher que, ao deixar o serviço público, foi trabalhar
dois co-presidentes da Força Tarefa para In- na Enron. A Enron contribuiu com 1 milhão de dólares para o Prince Trust, organiza-
ventários Nacionais de Gases de Efeito Es- ção de caridade do príncipe Charles. E o príncipe esteve na inauguração da usina.
14 ENERGIA  RETRATO DO BRASIL | setembro 2007 | nO 3

sões de gases do efeito estufa a partir do Suzana contou como respondeu pelas CENÁRIOS DA TEMPERATURA
ano que vem. conclusões de seu capítulo, relacionado com
Todos os grupos de trabalho produzem o uso de hidrogênio como combustível de No cenário em que se mantém constante a concentração
de gás carbônico (em amarelo), um aumento de 0,4º C. No
três versões de relatórios: o Sumário para For- veículos, tecnologia desenvolvida pelo Ca- pior cenário (em vermelho), um aumento de 3,4º C
muladores de Políticas, o Sumário Técnico e nadá. “A gente não colocou o hidrogênio 4
o relatório propriamente dito, como o divul- como uma opção interessante para o setor Variação da temperatura
3
gado neste ano, com três volumes de cerca de de transporte a curto e médio prazo”, diz média da superfície global
(em relação ao período
900 páginas, um para cada grupo de trabalho. ela. “E houve uma pressão forte da delega- 2
1980-1999), em oC

O mais lido e discutido é o Sumário para ção do Canadá, pois o país investe muito
Formuladores de Políticas, que precisa ser nessa pesquisa. Tive de mostrar todos os 1

chancelado por todos os países que fazem par- documentos que usamos no relatório e que 0
te do IPCC. Em paralelo à publicação desses indicavam que o impacto do hidrogênio vai
resumos voltados para a formulação de políti- ser de 2050 para a frente, e não para agora.” -1
1900 2000 2100
cas, cada grupo divulga também seu sumário Mas, diz Suzana, os biocombustíveis fo-
técnico. E, por fim, sai a íntegra do grande rela- ram mencionados. Isso porque “a literatura FONTE: Quarto Relatório de Avaliação do GT1 do IPCC, 2007 4

tório. A do do Grupo 1, deste ano, já está na indicava que é uma opção interessante a mé-
internet (http://ipcc-wg1.ucar.edu/wg1/wg1- dio prazo, por causa da infra-estrutura já exis- savana, porque o aumento da temperatura
report.html). tente, da frota em circulação, da possibilida- ainda foi pequeno”, diz.
RBCC ouviu pesquisadores brasileiros de de mistura com outro combustível”. Um dos aspectos de mais destaque do
que nos últimos cinco anos participaram da trabalho do IPCC são as projeções de mu-
preparação dos relatórios do IPCC: Paulo Como se chega ao consenso danças climáticas futuras, simulações feitas
Artaxo, da USP, um dos 12 autores de um Segundo Suzana, a forma para chegar ao por modelos. No relatório deste ano essas
capítulo do Grupo 1; Carlos Nobre, do Inpe, consenso é tornar as afirmações mais flexí- simulações dividem-se em quatro “famílias
um dos dez autores de um capítulo do Gru- veis. “Nada é dito assim: isso vai acontecer. de cenários”, as quais procuram incorporar
po 2; e Suzana Khan, um dos dois autores- Fala-se: é provável, é muito provável. Prová- variáveis econômico-sociais aos processos
coordenadores de um capítulo do Grupo 3. vel quer dizer mais de 66% de probabilida- físicos envolvidos no clima do planeta.
O trabalho de Artaxo será apresentado mais de. Muito provável é mais de 90%. Quando A família A1, que se divide em três ra-
adiante em nossa história. Dos outros dois, aparece algo que vai contra a maioria, aí se mos, descreve um mundo futuro de cresci-
Suzana foi quem mais participou das ses- diz, ‘existe um nível baixo de evidência’.” mento econômico “muito rápido, com a po-
sões plenárias do IPCC que reúnem os re- Carlos Nobre é um entusiasta do pro- pulação global atingindo um pico em mea-
presentantes governamentais e onde se dis- cesso do IPCC. Para ele, a metodologia do dos do século e declinando em seguida”.
cute o Sumário para Formuladores de Polí- Painel sempre leva em consideração a ques- Estima também que haverá a introdução de
ticas linha por linha. tão da incerteza científica. E a análise feita novas e mais eficientes tecnologias. “As prin-
para se chegar ao consenso é profunda. cipais questões subjacentes são a convergên-
ESQUENTA, ESFRIA, ESQUENTA ... “Sugerimos no relatório final e no Resu- cia entre as regiões, a capacitação e o aumento
mo para Formuladores de Políticas que das interações culturais e sociais, com uma
Na imprensa americana, uma amostra do
alarmismo provocado pelas mudanças climáticas
havia confiança, 66% de probabilidade, de redução substancial das diferenças regionais
ocorrer uma savanização da Amazônia na renda per capita.”
1912: A Terra está esfriando com um certo aumento da temperatura na A família B1 fala de uma mudança “rá-
Los Angeles Times 7/10/1912
“QUINTA ERA GLACIAL ESTÁ A CAMINHO.
Terra. Primeiro houve um consenso entre pida nas estruturas econômicas em direção
RAÇA HUMANA TEM DE LUTAR POR SUA os autores do relatório. Depois de passar a uma economia de serviços e informações,
EXISTÊNCIA CONTRA O FRIO” pela revisão de cientistas e de governos, com reduções da intensidade material e a
1952: A Terra está esquentando esse item entrou no relatório principal. introdução de tecnologias limpas e eficien-
The New York Times 10/08/1952 Finalmente, passou pela plenária final e tes em relação ao uso de recursos”. A ênfa-
“NÓS APRENDEMOS QUE O MUNDO SE
TORNOU MAIS QUENTE NO ÚLTIMO MEIO foi para o Sumário.” se, diz o IPCC, está em “soluções globais
SÉCULO” Como se viu, a hipótese da savanização para a sustentabilidade econômica, social e
1975: A Terra está esfriando da Amazônia não é um consenso fora do ambiental, inclusive a melhoria da eqüida-
New Scientist 1975 âmbito do IPCC. Segundo Nobre, seu capí- de, mas sem iniciativas adicionais relaciona-
“A AMEAÇA DE UMA NOVA ERA GLACIAL
PRECISA AGORA SER COLOCADA AO
tulo recebeu nas três fases de revisão por ci- das com o clima.”
LADO DA GUERRA NUCLEAR COMO UMA entistas e governos mais de 7 mil comentári- A A2 descreve um mundo muito hete-
PROVÁVEL FONTE DE MORTE E MISÉRIA os e todos foram respondidos. “Em relação rogêneo, com um aumento crescente da po-
INDISCRIMINADAS PARA O GÊNERO à savanização da Amazônia, não houve um pulação global. Destaca-se a busca da auto-
HUMANO”
só comentário contra”, diz. Segundo ele, a suficiência e a preservação das identidades
2006: A Terra está enquentando
The Washington Post 18/01/2006 divergência na literatura científica internacio- “locais”. Assim, “o desenvolvimento eco-
“ALTA DAS TEMPERATURAS PODE, nal é saber se esse processo se dará de forma nômico é orientado primeiramente para a
LITERALMENTE, ALTERAR OS FUNDAMENTOS mais rápida ou mais lenta. “Ainda não há região, sendo que o crescimento econômi-
DA VIDA DO PLANETA” 3 observação de que a Amazônia está virando co per capita e a mudança tecnológica são
16 ENERGIA  RETRATO DO BRASIL | setembro 2007 | nO 3

mais fragmentados e mais lentos do que milhão de moléculas no ar seco há 350 de 60 watts). Dessa energia, descontam-se 107
nos outros contextos”. A família B2 vê um dióxido de carbono. Se a concentração se man- W/m², refletidos de volta para o espaço por
mundo em que “a ênfase está nas soluções tiver nesse patamar, por exemplo, a tempe- nuvens, aerossóis e outros gases da atmos-
locais para a sustentabilidade econômica, ratura se elevará até o fim deste século em fera. E sobram 235 W/m², que a Terra ain-
social e ambiental. (...) O cenário também relação à média do período 1980-1999 em da tem de mandar de volta ao espaço, para
está orientado para a proteção ambiental e a 0,6 grau (a melhor estimativa dentro de uma se manter em equilíbrio, e que saem na for-
eqüidade social, mas seu foco são os níveis faixa provável de 0,3 a 0,9 grau). ma de radiação.
local e regional”. Já no cenário B1, que prevê o menor au- Como também já dissemos no início, a
Para cada cenário há estimativas diferen- mento de emissão de CO2 para 600 ppm, Terra não devolve a mesma energia que che-
tes de emissão de CO2 e de elevação da tem- espera-se uma elevação de 1,8 grau (entre 1,1 ga. Ela devolve a mesma quantidade, mas
peratura média global do ar da superfície ter- e 2,9 graus). No pior dos cenários, o A1FI na forma de uma energia de outro tipo.
restre. A taxa de concentração de CO2 em (um dos três ramos da família A1), esti- Chega energia do Sol na forma de luz visí-
2000 foi de aproximadamente 350 partes por mam-se emissões da ordem de 1.550 ppm e vel pelo olho humano, no espectro de co-
milhão (ppm), o que significa que para cada uma alta de 4 graus (entre 2,4 e 6,4 graus). res, entre os limites do ultravioleta e do
infravermelho. Ou, dizendo o mesmo na
terminologia da física, chega uma energia
muito penetrante, de comprimento de onda
muito curto e freqüência de oscilação muito
O MODELO DO CONSENSO alta. E sai energia na forma de radiação
infravermelha, fora do espectro visível, de-
pois do infravermelho. Ou ainda, sai ener-
gia menos penetrante, de comprimento de
onda mais longo e freqüência de oscilação
Um cientista brasileiro acha que o IPCC obteve a grande prova mais baixa.
de que o aquecimento global tem causa antropogênica É o fato de a saída de energia da Terra se
dar através de uma energia menos pene-
ois cartazes na sala de Paulo Artaxo, nessa área. Selecionei os mais importan- trante em relação à atmosfera terrestre que
D
no Instituto de Física da USP, ilustram o
direcionamento que o físico deu à sua car-
reira. São ilustrações feitas no Earth
tes, uns 150. Fiz um apanhado de suas
conclusões e escrevi cerca de quatro pági-
nas para o meu capítulo. Os outros auto-
explica o efeito estufa. Para conseguir sair
da Terra, a radiação infravermelha vai e vol-
ta, entre os obstáculos que encontra para
Observing System da Nasa. Um apresenta res do meu capítulo fizeram o mesmo tra- sair e a superfície da Terra. Com isso, es-
os efeitos das nuvens sobre o clima, tema balho, cada um na sua área.” quenta a biosfera.
ao qual Artaxo dedicou grande parte de Do capítulo do professor Artaxo saiu A seguir, o leitor pode, então, ir para a ex-
seus estudos. O outro mostra um esque- o gráfico que ele considera um dos mais plicação do conceito necessário para entender o
ma da ação dos gases do efeito estufa, agen- importantes do IPCC, o que apresenta o

Fábio Pozzeborn / ABr


tes centrais no debate do chamado aqueci- balanço das radiative forcing. A tradução,
mento global. num português meio estropiado, é for-
Pode-se dizer que Artaxo faz parte da çantes radiativas. O que isso quer dizer? Se
elite do IPCC, pois pertence ao Grupo de o leitor quiser, como nós, entender me-
Trabalho 1, que lida com as pesquisas no lhor o debate do aquecimento global, uma
campo das ciências físicas do clima, no qual tarefa é ler trabalhos do grupo de Artaxo
é mais difícil uma composição equilibrada que estão na internet. Como as “Pergun-
de cientistas de países pobres e ricos. Isso tas mais freqüentes” sobre o tema. Nesses
porque nesse campo a produção de pesqui- textos encontra-se uma explicação de ou-
sas e o número de trabalhos publicados são tra qualidade que a de Gore.
desproporcionalmente maiores nas nações Primeiro, mostra-se o que já dissemos
desenvolvidas. na introdução, que a Terra não retém ener-
“Meu trabalho específico foi descrever gia do Sol. A energia que chega é a mesma
o efeito dos aerossóis e das nuvens no que sai para o espaço. São apresentados,
sistema climático. Os aerossóis são as par- inclusive, os números: Chega à Terra, do
tículas que ficam em suspensão na atmos- Sol, o equivalente a 342 W/m² (watts por
fera e geralmente têm efeito de esfriamento metro quadrado – algo como se a Terra fos-
sobre a Terra. Analisamos uma longa lite- se iluminada, em cada metro quadrado de
ratura sobre esse tema. A escolha dos tra- sua superfície, por quase seis lâmpadas de
balhos a serem analisados é da competên-
cia de cada autor. Eu li uns 2 mil papers que  Artaxo: das ciências físicas do clima,
foram publicados nos últimos 5 anos só onde está a elite do Painel
RETRATO DO BRASIL | setembro 2007 | nO 3  ENERGIA 17

que Artaxo considera a grande descoberta do o mais abundante e o mais importante ção solar. Todos os outros fatores são
IPCC, o das forçantes radiativas. Forçante dos gases do efeito estufa – aparece na at- resultado de atividades humanas. O ar-
radiativa, diz o texto subscrito por ele, “é a mosfera em concentrações cerca de 30 ve- gumento do IPCC é o de que mudanças
medida de como o balanço de energia do sis- zes maiores que as do CO2, por exemplo do passado se deram de forma lenta e
tema Terra-atmosfera é influenciado quando –, sofre pouca influência direta da ativida- gradual, movidas por fatores naturais.
fatores que alteram o clima são alterados. A de humana. O IPCC sugere que o vapor Entre as eras glaciais e as interglaciais, as
palavra radiativa aplica-se porque esses fatores d’água aumenta porque os outros gases temperaturas médias da Terra subiram em
mudam o balanço entre a radiação solar que do efeito estufa que ele considera direta- 4 a 7 graus centígrados e esse aquecimen-
chega e a radiação infravermelha de saída den- mente – gás carbônico, metano, óxido to ocorreu lentamente, em cerca de 5 mil
tro da atmosfera da Terra. Esse balanço nitroso – esquentam a superfície da Terra. anos. O IPCC divide, portanto, a história
radiativo controla a temperatura da superfície. E daí as águas, também aquecidas, pas- do clima da Terra em dois períodos. O
O termo forçante é usado para indicar que o sam a produzir mais vapor d’água. Em natural, com mudanças lentas e graduais,
balanço radiativo está sendo pressionado para relação a esse aspecto vale notar que o IPCC que pertence ao passado, e o antropogê-
fora de seu estado normal”. admite que o metano pode se transformar nico, de mudanças rápidas e catastróficas,
Artaxo parece ser uma pessoa muito em vapor d’água por reações químicas na da atualidade.
ocupada. Enquanto atende à repórter do estratosfera. E que conhece pouco sobre Deve-se notar, finalmente, que, ao con-
RBCC, faz outras coisas: despacha algo para esse fenômeno. siderar 1750 como a data para medir a inter-
a Amazônia, responde a um e-mail, con-
versa em inglês com alguém que parece A MEDIÇÃO DOS FATORES DE MUDANÇA DO CLIMA DE 1750 A 2005
muito importante. O que fica da entrevista
é a consideração dele de que o mais impor- Fatores que exerceram pressão sobre as emissões de radiação infravermelha da Terra para o espaço
tante do trabalho do IPCC é a medição da
forçante radiativa entre 1750 e 2005. O re- 2,5
1700 e 2005 (W/m2)
Forçamento radiativo: valor da pressão de
emissão de radiação infravermelha entre

sultado está no gráfico que pode ser visto 2,0


nesta parte de nossa história: o balanço 2,0
1,5
radiativo da Terra foi pressionado para cima, 1,5
1,0
por 1,66 W/m². 1,0 CO2
Halocarbonos
Ozônio
Carbono
negro Radiação
N2O sobre Efeito do
0,5 Troposférico solar
0,5 a neve albedo das
CH4
“Confiança muito alta” 0
nuvens
0 Vapor
O gráfico, apresentado de forma mais -0,5
Ozônio
Estratosférico
d’água
Trilhas de
condensação
Total do
forçamento
Uso antrópico
técnica do que a nossa, é um dos destaques -0,5 da terra
lineares
(como as líquido
do Sumário para Formuladores de Políti- -1,0 -1,0 CO 2: Gás cabônico
Efeito
direto de
dos jatos na
aviação)
cas, do relatório do grupo de Artaxo. Ele -1,5 -1,5
CH 4 : Metano aerossóis

apóia a seguinte conclusão: “A compreen- -2,0 -2,0


são das influências antropogênicas no es-
quentar e esfriar do clima melhorou desde Informações adicionais dos relatórios do IPCC, de onde foram tirados os elementos do gráfico:
1) a radiação solar é o único fator natural considerado;
o terceiro relatório, levando a uma confian- 2) para cada um dos fatores o Painel define o seu grau de conhecimento do assunto. Nesse item
ça muito alta (90% de chance) de que o efei- destaca-se o efeito albedo – de reflexão da radiação solar – das nuvens. O conhecimento desse
to médio global das atividades humanas fator é definido como “baixo”. E a sua influência, pelo esfriamento do clima da Terra, é definida
desde 1750 foi de aquecimento, com uma como sendo cerca de -0,7 watt por metro quadrado, mas podendo estender-se até -1,8 W/m2. As
linhas finas nas barras mostram essa extensão
forçante radiativa de 1,6 W/m²”.
Para entender a discussão do modelo FONTE: Sumário para Formuladores de Políticas, GT1, IPCC, 2007 5

defendido por Artaxo, que se fará nas duas


partes seguintes, é preciso ainda deixar claras Terceira: o IPCC assume que seus mo- venção humana relevante sobre o clima da
as premissas das quais ele parte. Primeira, o delos de análise do clima partem de um Terra, o IPCC está dizendo que a devasta-
IPCC não faz as extrapolações extravagantes conhecimento desigual dos fatores que o ção das florestas ocorrida antes, principal-
de Gore, nem tenta explicar o efeito estufa influenciam. É um “conhecimento alto” mente na Europa Ocidental e parte dos atu-
da mesma forma simplória. Mas todas as para “os gases do efeito estufa de vida lon- ais Estados Unidos, é natural. O que não é
suas conclusões sobre o clima da Terra são ga” – onde inclui o dióxido de carbono, o verdade. A corrida pelo carvão começa nes-
derivadas, como as de Gore, da comparação metano, o óxido nitroso, por exemplo –, sas áreas em meados do século XVIII exa-
entre os dados da série histórica da concen- “médio” para a questão do uso da terra e tamente porque as florestas ali tinham sido
tração de gases do efeito estufa obtida pela “baixo”, como se disse, para a influência da destruídas e transformadas em lenha. Esse
análise das bolhas de ar primitivas de amos- transformação do metano em vapor d’água é um fato que deve ser lembrado, já que o
tras de gelo, com os dados de concentrações na estratosfera. IPCC serve de base para a definição das res-
mais recentes obtidos em Mauna Loa, Havaí, Quarta: o único fator natural que o ponsabilidades nacionais na questão das
desde 1956, e de outros postos de medição. IPCC considera quando mede o força- mudanças climáticas também do ponto de
Segunda: o vapor d’água, embora seja mento radiativo é o da variação na radia- vista histórico.
18 ENERGIA  RETRATO DO BRASIL | setembro 2007 | nO 3

Reprodução
O GRÁFICO DO PÂNICO

São duas séries de medidas: uma oscila, bem-comportada, por


milênios; outra, recente, dispara para o alto e apontaria a catástrofe
ividir as teorias sobre o clima em dois ses Steven McIntyre e Ross McKitrick anali-
D
tipos, as antigas e as novas, pode decorrer de
um erro metodológico. No relatório do IPCC
divulgado em 2001 houve em certo escân-
saram o modelo matemático utilizado e che-
garam à conclusão de que, quaisquer que fos-
sem os dados introduzidos, a forma da cur-
dalo, provocado por conta da introdução, à va seria a mesma, na versão original. McIntyre
última hora, do famoso gráfico que ficou e McKitrick afirmaram que “a utilização do
conhecido pelo seu apelido em inglês, hockey hockey stick pelo IPCC não foi incidental” e
stick, taco de hóquei. O nome foi dado pela que o Painel nunca o submeteu “a verifica-  Mann, o autor do hockey stick: uma
forma, em L deitado, da curva que represen- ção independente”. peça a favor do alarmismo
ta as medições de temperatura do Hemisfé- RBCC foi ouvir em Alagoas um cientis-
rio Norte desde mil anos do passado até o ta que pode ser considerado um especialista ao método das medições para os gráficos
presente. Ela segue praticamente na horizon- não apenas em clima como também em que dão uma equação inusitada aos atuais
tal quando representa a temperatura ao lon- possíveis erros metodológicos do IPCC. níveis de CO2. Molion viu o filme de Al
go de quase todo o passado. E torna-se Luiz Carlos Molion nos falou durante seis Gore, que manipula esses índices. Mas apre-
abruptamente vertical ao representar os últi- horas, em sua casa, em Maceió. Formado senta os problemas dos próprios gráficos
mos cem anos. em física pela USP e doutorado em do IPCC. Ele diz que o erro mais gritante é o
O hockey stick foi publicado originalmen- climatologia pela Universidade de Wisconsin, da construção, por colagem, de gráficos dife-
te na revista Nature, considerada uma refe- EUA, Molion foi diretor de Ciências Espaci- rentes, cujos dados de origem foram obti-
rência mundial. Foi uma peça da campanha ais no Instituto Nacional de Pesquisas Es- dos por métodos distintos. Isso leva a mar-
que espalhou um certo alarmismo sobre o paciais (Inpe) até os anos 1980. Hoje é pro- gens de erro que podem ser muito diversas,
“aquecimento global”. Al Gore a utilizou na fessor no Instituto de Ciências Atmosféri- como se pode ver no caso das medidas feitas
sua campanha presidencial de 2000. cas da Universidade Federal de Alagoas. em bolhas de ar que conteriam amostras do
Uma das suas críticas ao IPCC refere-se ar primitivo.
A colagem de dados diferentes Tanto o gráfico de Gore no filme quan-
A questão é que o gráfico produzido por TEMPERATURA NO ÚLTIMO MILÊNIO to o gráfico do IPCC de 2007 que apresenta-
modelos matemáticos e publicado com des- mos neste trecho (“Gás carbônico e tempe-
taque pelo IPCC não foi capaz, na sua versão O hockey stick, polêmico gráfico divulgado raturas nos últimos 650 mil anos”) dão as
inicial, de reproduzir dois eventos climáticos pelo IPCC em 2001, com medições de concentrações de CO2 de até 650 mil anos.
temperatura do Hemisfério Norte
muito importantes e bastante conhecidos. Molion diz que essas séries são construídas
Desvio de temperatura, em °C, em relação à média entre 1961 e 1990

O primeiro foi o intervalo de aquecimento com a montagem de três outras. Uma, de


0,5
que durou dos anos 1000 a 1400 da era cris- amostras de gelo de até 420 mil anos. Outra,
tã, conhecido como Período Quente Medie- a mais antiga, é obtida a partir de corais, onde
val. O segundo, conhecido como Pequena também ficam registros do carbono presen-
Idade do Gelo, marcado por um agudo 0
te em atmosferas passadas. E uma terceira
esfriamento, que foi de cerca do início do vem de dados de medições diretas na atmos-
século XVI até perto de meados do século fera, mais recentes.
XIX. Quando o erro foi apontado, tornou- A de até 420 mil anos é de bolhas de ar
se embaraçoso para o Painel, pois os perío- -0,5
presas no gelo retirado da Antártida, num
dos haviam sido reconhecidos pelos relató- sítio experimental chamado Vostok. A pes-
rios do IPCC divulgados em 1995. Além quisa, diz Molion, consiste em retirar do gelo,
disso, o principal responsável pelo gráfico, com uma broca oca, um cilindro que, ao lon-
Michel Mann, foi um dos autores mais des- -1 go de seu comprimento, apresenta minúscu-
tacados do Grupo 1 de 2001. Mais tarde, las bolhas de ar aprisionadas durante o pro-
Mann publicou uma nova versão em que as cesso de acomodação de sucessivas camadas
inflexões correspondentes aos dois perío- 1000 1200 1400 1600 1800 2000
de neve ao longo da história. Quanto mais
dos tornaram-se visíveis. Dados obtidos com termômetros, em vermelho. Dados
obtidos de anéis de árvores, corais, amostras de gelo e
profunda a camada, mais velho é o ar que as
Qual o tipo de erro cometido na versão registros históricos, em azul bolhas contêm. Tanto o gelo como o ar são
inicial do gráfico? Os pesquisadores canaden- FONTE: Quarto Relatório de Avaliação do GT1 do IPCC, 2007 4 datados por métodos químicos e analisados.
RETRATO DO BRASIL | setembro 2007 | nO 3  ENERGIA 19

Os gases da atmosfera são obtidos pela aná- fera superficial não excedeu a marca de 300 Molion arrisca uma explicação: “Ocorre que
lise do ar das bolhas e a temperatura, da ppm entre 650 mil anos atrás e 2005, ano em a hipótese básica da qual o IPCC parte é de
análise do gelo. Os dados finais apresen- que disparou para 379 ppm e “excedeu de que a bolha de ar não sofre nenhuma mu-
tam ano a ano as concentrações dos gases e longe os limites naturais”. Molion argumen- dança em sua composição química, e isso
a temperatura. ta em contrário citando o trabalho do ale- não é verdade”. Ele argumenta que uma
Essa metodologia foi apresentada ao mão Ernst-Georg Beck, publicado em 2007, bolha aprisionada a 3 mil metros de pro-
mundo como sendo um tesouro de onde no qual foram catalogadas cerca de 90 mil fundidade sob uma pressão 300 vezes mai-
se poderiam tirar detalhes preciosos da his- medidas da concentração atmosférica de CO2 or que a atmosférica, durante 650 mil anos,
tória do planeta com alta confiabilidade, diz feitas por meio de métodos químicos con- não pode deixar de sofrer modificações.
Molion. E assim ela é apresentada pelo IPCC. vencionais, desde 1812, por cientistas espa- “Não há como não haver difusão. O ar es-
“A concentração do CO2 é agora conhecida lhados pelo planeta – Estados Unidos, Eu- capa pela estrutura cristalina do gelo. Além
de forma precisa para os 650 mil anos passa- ropa e Ásia. disso, nessa pressão, ocorrem reações com
dos através dos cilindros de gelo.” Esse grupo de cientistas, que inclui três outras substâncias como o sódio e o cálcio
Molion diz que a idéia é bonita. Mas, até prêmios Nobel, estava interessado, naque- existentes na neve.”
por ser uma metodologia relativamente re-
cente, há muita discussão em torno da qua- GÁS CARBÔNICO E TEMPERATURA NOS ÚLTIMOS 650 MIL ANOS
lidade e do significado preciso dos seus da-
dos. A suspeita de que algo estava errado Gráficos do IPCC com a montagem de dados obtidos de formas diferentes
com a metodologia surgiu quando a crono-
Gás Carbônico, em
partes por milhão

logia de eventos climáticos bem conhecidos 370ppm


Nível de CO 2,
do passado foi comparada com os dados 300 em partes por milhão

obtidos pelos cilindros de gelo. Havia uma 260


grande defasagem de tempo entre eles.
220

Cada ponto vale mil anos 180


Molion continua: desde 1999, os cientis-
Indicador de temperatura,

-360
tas avaliam a chamada resolução temporal, -380
isto é, o intervalo de tempo representado -400
em deutério 0/00

pelos dados obtidos com os cilindros de -420


gelo. A conclusão atualmente é de que há -440
fortes indícios de que a resolução temporal é
baixa. “E que cada ponto representa uma 600 500 400 300 200 100 0
Tempo em milhares de anos antes de 2005
média de cerca de mil anos!”, ele conclui.
A série com a concentração de CO2 que Os dois gráficos acima reproduzem os do IPCC. A legenda publicada diz que a concentração do gás
carbônico é obtida a partir de bolhas de ar retidas dentro de amostras de gelo retiradas da Antártida,
representa o período recente, diz Molion, foi por diversas pesquisas, e de medidas atmosféricas diretas recentes. As faixas verticais cinza indicam
construída com dados obtidos em Mauna períodos interglaciais quentes de até 420.000 anos. Nota-se, entre 110.000 e 130.000 anos, que a
Loa, na Ilha de Havaí. As medições começa- temperatura cai bastante, mas os níveis de CO2 se mantêm. O indicador da temperatura são variações
ram em 1957-1958 e são feitas com um de deutério, diz o IPCC.
cromatógrafo a gás. Esse instrumento, de Fonte: Relatório do IPCC de 2007, GT 1, cap. 6
5
resposta rápida, trabalha com radiação ele-
tromagnética. Sob a mesma fonte de radia- la época, em entender a relação entre a con- Há cinco anos, antes, portanto, da divul-
ção, são colocadas duas amostras: uma com centração do gás e o crescimento vegetal. O gação do trabalho de Beck, a astrofísica Sallie
uma atmosfera de concentração de CO2 co- resultado obtido por eles mostra que a con- Baliunas, do Centro Smithsonian para a
nhecido e outra com a atmosfera local, que centração de CO2 no Hemisfério Norte so- Astrofísica, na Divisão de Ciência Solar,
se quer conhecer. Compara-se, então, no freu flutuações desde então e chegou a ci- Estelar e Planetária de Harvard, também di-
mesmo comprimento de onda, a taxa de fras bem maiores que as atuais. O trabalho retora do Instituto Mount Wilson, já ques-
absorção de cada uma delas, inferindo-se a publicado em Energy & Environment é pos- tionava a associação estabelecida entre o au-
quantidade de CO2 presente na amostra que terior ao último relatório do IPCC e revela mento da concentração de CO2 e a elevação
se pretende conhecer. Fica evidente, portan- que a concentração do CO2 na atmosfera da temperatura registrada na superfície da
to, que os conjuntos de dados obtidos por apresentou, desde 1812, três picos de nível Terra. Ao contrário do estabelecido pelos re-
meio desses dois métodos são qualitativa- máximo por volta dos anos de 1825, 1857 latórios do IPCC, a doutora Baliunas, em
mente incomparáveis e representam escalas e 1942, esse último atingindo cifra bem artigo publicado em 2002 no site da
de tempo muito diversas, diz Molion. Não maior que 400 ppm. Technology, Commerce and Society, afirma
é correto, nem faz sentido, apresentá-los Alguns cientistas consideram que a cur- que o aumento e a redução das concentra-
como um sendo a continuidade do outro. va obtida com os dados extraídos dos ci- ções de CO2 ao longo dos últimos 650 mil
O relatório do IPCC afirma conclusiva- lindros de gelo, portanto, estaria como que anos não são causa, mas conseqüência das
mente que a concentração do CO2 na atmos- achatada e seus picos, subestimados. flutuações de temperatura que as precederam.
20 ENERGIA  RETRATO DO BRASIL | setembro 2007 | nO 3

Ela apoiou-se em três trabalhos publicados concentração de CO2 permanece em níveis O Ciclo de Gleissberg estava no míni-
na revista Science. elevados ainda por mais alguns milhares de mo no início do século XX. Atingiu seu
Um deles mostra que as séries para o anos. E só depois a concentração de CO2 máximo em setembro de 1957. E começou
CO2 e a temperatura obtidas por meio de começa a cair e novamente parece acompa- a se reduzir novamente. Estamos, portan-
cilindros de gelo não são diretamente com- nhar a curva da temperatura. to, vivendo uma fase de redução da energia
patíveis. De acordo com esse trabalho, a “Pesquisadores do Instituto de Oceano- solar em relação ao Ciclo de Gleissberg, de
representatividade dos dados de temperatu- grafia Scripps esperam que os oceanos e as período mais longo. Mas de aumento de
ra registrados no Pólo Sul pode variar de plantas absorvam e liberem o dióxido de atividade solar em relação ao ciclo de 11 anos
acordo com uma escala local até regional, mas carbono em resposta à mudança na tempe- que começou em julho de 2006 e deverá
não global. Já as concentrações de CO2 re- ratura do ar”, explica Sallie Baliunas. Isso atingir seu máximo em 2010. Segundo as
presentam variações globais. A comparação porque a elevação de temperatura provoca, a previsões, nos 22 anos seguintes, o Sol es-
direta das duas curvas não teria, portanto, longo prazo, uma aceleração na circulação do tará produzindo menos energia.
rigor científico. mar e as águas profundas, ricas em CO2, atin- O professor Molion mostra o gráfico das
Sallie Baliunas como que nos convida a gem a superfície. Além disso, as águas su- forçantes radiativas do IPCC e propõe um
examinar com mais cuidado o gráfico do úl- perficiais, uma vez aquecidas, retêm menos exercício. Calcula, utilizando os mesmos cri-
timo relatório do IPCC. No geral, parece que gás carbônico dissolvido. “A solubilidade do térios do painel, o impacto de uma redução
a temperatura e a concentração de CO2 ten- gás carbônico na água fria é um pouco maior”, mínima da atividade solar sobre a tempera-
dem a variar de forma praticamente simultâ- explica Molion à repórter do RBCC. “Você tura atmosférica. Se a atividade solar dimi-
nea. Mas um olhar aguçado sobre o trecho vê isso nos refrigerantes, na cerveja. Quando nuir, por exemplo, apenas 1,4 W/m² e os
de curva compreendido, por exemplo, entre ela está fria, tem muitas bolhas de CO2. À parâmetros utilizados pelo IPCC para esse
130 mil e 110 mil anos atrás, mostra uma medida que esquenta, expulsa o CO2 que cálculo estiverem corretos, haverá uma redu-
queda abrupta da temperatura, enquanto a estava em solução.” ção de 0,7° Celsius na temperatura da Terra.

As nuvens podem anular o efeito CO2


Molion refere-se a um estudo científico
deste ano que mostra que a variação da ati-
O SOL EM PRIMEIRO LUGAR vidade solar entre um mínimo e um máxi-
mo pode chegar a 4 W/m². Caso um au-
mento desse tipo ocorra, a forçante radiativa
solar ficaria entre 1,9 e 2,6 W/m². Uma ener-
gia muito superior ao forçamento radiativo
O dissidente Molion, com o esquema do de todos os gases antropogênicos libera-
IPCC em mãos, propõe um modelo alternativo dos pelo homem nos últimos 250 anos,
calculado pelo IPCC em 1,6 W/m².
s observações e medições da ativida- de solar varia também segundo um outro O estudo, diz Molion, mostra também
A
de solar começaram com Galileu Galilei
(1564-1642). Ele foi o primeiro a apontar
um telescópio para o Sol. Descobriu que o
ciclo, sobreposto ao primeiro, chamado Ci-
clo de Gleissberg, em que a quantidade de
manchas dos picos de atividade aumentam
que houve uma influência grande da varia-
bilidade solar na primeira metade do século
XX, quando a forçante radiativa solar foi
astro rei tinha manchas, que passaram a ser lentamente e voltam a se reduzir num perío- amplificada por algum mecanismo ainda
registradas pelo observatório de Zurique, do de cerca de 90 anos. desconhecido. Isso explica a elevação de tem-
na Suíça, a partir de 1700. Nesses 300 anos peratura que ocorreu entre 1925 e 1943 e
de registros, viu-se que o Sol tem um ciclo coloca em xeque o valor da forçante radiativa
Roberto Castro / Agência IstoÉ

de produção de manchas de mais ou me- solar assumida pelo IPCC. Se a forçante


nos 11 anos. Ele se inicia com nenhuma radiativa solar desde 1750 foi de fato maior
mancha e atinge um máximo de 200 a 300 do que a estabelecida pelo IPCC, então a
manchas em quatro anos. As manchas são temperatura observada teria de ser maior,
regiões mais frias que, devido ao contraste o que não foi. Resta a possibilidade de os
de temperatura com seu entorno, apresen- cálculos das forçantes radiativas dos outros
tam em suas bordas labaredas enormes, ver- fatores terem sido superestimados, para o
dadeiras tempestades, explosões. lado negativo ou para o lado positivo.
Quando as manchas se multiplicam, o No gráfico das forçantes radiativas do
campo magnético do Sol é mais intenso, IPCC lê-se que o entendimento sobre o
domina o sistema solar inteiro. E o Sol pro- efeito albedo – a reflexão da radiação solar
duz mais energia. A intensidade da ativida- – das nuvens é “baixo”, mas seu valor, ne-
gativo, pode chegar até a menos 1,8 W/m².
 Molion: as núvens podem ser como “Isso significa que, se o valor das nuvens
chaminés, para jogar calor para o espaço for realmente menos 1,8 W/m², ele anula
RETRATO DO BRASIL | setembro 2007 | nO 3  ENERGIA 21

o efeito do CO2 no aquecimento da atmos- aquecimento muito maior da superfície vido pelos movimentos da atmosfera e das
fera”, diz Molion. O próprio IPCC admite desse oceano, diz Molion. correntes oceânicas, o clima nessas regiões
que isso poderia acontecer, quando assume E outro ponto crucial é, exatamente, o seria bem diferente do existente.
que conhece pouco sobre o assunto. transporte do calor. “É a nossa grande ig- O papel dos oceanos no transporte de
“Ocorre que as nuvens têm um papel norância hoje em termos de sistema climá- calor é evidente, diz Molion. Afinal, 70%
crucial no clima do planeta”, diz Molion. tico-terra-oceanos-atmosfera. Quanto do da superfície da Terra é constituída de ocea-
Além de controlar a quantidade de radiação calor é transportado pelos oceanos?”, per- nos. E entre os oceanos a extensão do Pací-
solar refletida de volta para o espaço – o gunta-se Molion. fico ocupa 35%. A Terra tem 510 milhões
albedo planetário –, elas são verdadeiras A energia não chega à Terra de forma de quilômetros quadrados e o Pacífico, so-
chaminés que jogam energia para fora do homogênea. A região dos trópicos recebe zinho, tem 180 milhões. Assim, o Pacífico
sistema climático da Terra, ele diz. muito mais energia que as regiões polares. deve ter um peso relevante no transporte
Sua explicação: quando as nuvens se E, não fosse um sistema de transporte de de calor.
formam pela evaporação da água, absor- calor de uma região para as outras, promo- Molion explica que dois aspectos devem
vem energia. E quando se condensam em
gotas de chuva, liberam a energia que havi-
am absorvido do processo de evaporação. NA PARTE DE CIMA DO EQUADOR A grande
No caso das nuvens do tipo cumulonim-
bus, esse processo ocorre em torno de maioria das estações que medem a temperatura
1.000 metros acima da superfície terrestre fica no Hemisfério Norte. E em terra firme
e em torno de 500-600 metros acima dos
oceanos. E o calor é liberado a 3 mil, 4 mil
, 5 mil metros, dependendo das circuns-
tâncias, altura em que a temperatura já está
próxima de zero e o efeito estufa é fraco.
“Nós já vimos, aqui pelo radar, nuvens
que atingiram 3 quilômetros de altura. À
medida que a nuvem vai crescendo, ela li-
bera esse calor no entorno. Como o efeito

GHCN
estufa é fraco naquela altura, a radiação de
infravermelho escapa para o espaço. Em
outras palavras, eu digo que esse tipo de
nuvem, muito comum na região tropical,
literalmente curto-circuita o efeito estufa.
Veja, é como se você tivesse chaminés pe-
las quais o calor da superfície terrestre en-
trasse e daí fosse jogado no espaço.”
RBCC FOI VER A ÚNICA estação meteorológica do Instituto Nacional de Meteorologia
Uma nuvem igual a 1,7 mil Itaipus (Inmet) existente na cidade de São Paulo. Ela fica no alto do bairro de Santana.
Uma nuvem pequena, de 5 quilôme- Recentemente, o local recebeu equipamento digital, que realiza medições e as
tros de largura, 5 de comprimento e 5 de envia, por satélite, para a central de dados, em Brasília. Depois, essas informações
profundidade, que produza 30 milímetros vão abastecer os registros da Organização Meteorológica Mundial, um dos órgãos
de chuva em uma hora, o que é uma quan- das Nações Unidas que está na origem do IPCC. O Brasil conta com 260 estações
tidade pequena, libera energia equivalente a meteorológicas automáticas (20 só no estado de São Paulo). Algumas áreas, especi-
1,7 mil Itaipus, a maior hidrelétrica do pla- almente na Região Norte, estão mal cobertas, reconhece o órgão.
neta. “Nós não estamos falando de um Cobertura precária, entretanto, não é um problema só brasileiro. Cerca de nove em
furacão com 250 quilômetros de tamanho. cada dez estações meteorológicas exisitentes no planeta situam-se em terra firme,
Estamos falando de uma nuvenzinha de embora os oceanos representem 70% da superfície da Terra. Além disso, das esta-
10 quilômetros de diâmetro equivalente!” ções terrestres, a grande maioria fica no Hemisfério Norte, onde dois fatores con-
O efeito de “chaminé de calor” das nu- vergem para produzir essa distorção: a maior parte da área terrestre fica ao Norte
vens também tem um papel importante do Equador, onde, por coincidência, estão também concentrados os países mais
no controle da temperatura dos oceanos, desenvolvidos do planeta, aqueles que têm mais recursos para manter melhores
especialmente do Pacífico. Dados de satélite sistemas de medição. O mapa acima, da Global Historical Climatology Network,
mostram que a umidade e a nebulosidade órgão ligado ao Departamento de Comércio americano, que tem um vasto banco de
sobre o Pacífico aumentaram no período dados com temperaturas do mundo inteiro desde o século XIX, reflete esse proble-
de aquecimento mais recente, desde 1977 ma. A concentração das estações é um dos aspectos mais destacados pelos críticos
até hoje. Se não houvesse a transferência de da concepção com a qual trabalha o IPCC, de que é possível estabelecer uma
calor pelas nuvens, seria de se esperar um temperatura média global.
22 ENERGIA  RETRATO DO BRASIL | setembro 2007 | nO 3

ser levados em conta: 1. Que as correntes MANCHAS SOLARES, PASSADO E FUTURO IPCC, sobre as causas antropogênicas do
oceânicas são muito lentas, com velocidade Nos próximos 22 anos, o Sol pode produzir menos energia
aquecimento. No entanto, acredita que, por
de cerca de 3 a 4 quilômetros por hora, quan- trás da discussão do tema, há também uma

Número de manchas solares


250
do comparadas às correntes atmosféricas, cadeia de interesses “legítimos e ilegítimos”.
que chegam a percorrer de 200 a 300 quilô- 200 estimativas “São interesses nacionais, empresariais,
metros por hora. 2. Que a quantidade de de confronto entre países ricos e pobres, en-
150
energia necessária para aquecer um volume tre trabalhadores e capitalistas, entre visões
de água é maior do que a energia para aque- 100 de mundo diferentes”, diz Pinguelli, para
cer o mesmo volume de um gás. Para ter quem os relatórios do IPCC apontam sem-
uma idéia, diz ele, são necessários 1027 watts 50
pre que a solução para os problemas está no
– ou seja 1 bilhão de bilhões de bilhões de 0 mercado. “Não há nenhuma maneira de isso
watts – para aquecer um pequeno trecho 1940 1960 1980 2000 2020
acontecer. O mercado conduziu a essa situa-
do oceano localizado entre 10 graus Norte ção e não vai resolvê-la. Vai ser a intervenção
e 10 graus Sul de latitude, o que dá 2 mil FONTE: Luís Carlos Molion 6 do Estado e, mais que isso, a intervenção de
quilômetros de largura e 20 mil quilôme- níveis supraestatais, como a ONU, com tra-
tros de extensão, com 200 metros de pro- Isso porque o clima na Europa Oci- tados mundiais que indicarão as soluções.”
fundidade apenas – uma energia infini- dental é controlado pela corrente do Atlân- A pedido do presidente, Pinguelli coor-
tamente superior ao que o homem pode tico Norte, nome que a Corrente do Gol- denou as discussões para a elaboração de um
produzir. fo recebe ao cruzar o Atlântico em direção plano pelo Fórum Brasileiro de Mudanças
As trocas de calor entre a atmosfera e os à Europa. E ainda há os ventos que na- Climáticas. É uma instância criada em 2000,
oceanos são, portanto, complexas. No quela latitude sopram do continente ame- composta de 12 ministros de Estado, do
Atlântico, a corrente do Golfo traz calor da ricano em direção à Europa, os quais, aque- diretor-presidente da Agência Nacional de
região equatorial para a região do Golfo do cidos pela corrente oceânica, transportam Águas (ANA), de acadêmicos, representan-
México, depois cruza o Atlântico e leva ca- calor para o interior do continente euro- tes de fóruns estaduais, de ONGs e de mo-
lor para a região da Inglaterra, Europa Oci- peu, diz Molion. vimentos sociais. Em abril, a proposta esta-
dental e Escandinávia. Se olharmos no As explicações do professor são fasci- va pronta e foi apresentada ao governo.
mapa, veremos que o sul da Inglaterra está nantes. Para nós, bem melhores do que as
na mesma latitude que a Terra Nova, no do famoso ambientalista Al Gore. Além A atual política, um desastre ecológico
Canadá. No entanto, no sul da Inglaterra, a disso, nos foram fornecidas de graça. Já as Pinguelli destaca do plano a necessidade
temperatura no inverno chega a apenas 5 do ex-vice-presidente americano são caras: de redução urgente do desmatamento, por
graus negativos, enquanto os invernos na recentemente, ele falou em São Paulo sob corte ou queimada, na Amazônia. O fórum
Terra Nova são bem mais rigorosos, atin- patrocínio de um grande banco, por 250 defende a definição de metas de redução da
gindo 50 graus negativos. mil dólares. taxa de desmatamento. “Nisso há uma re-
sistência do governo: ele argumenta que tal-
vez não devamos estabelecer metas, porque
estaríamos assumindo compromissos inter-
nacionais. Não é isso. A idéia é de um plano
MAIS DO QUE PREVER, AGIR interno. Não propusemos uma meta nu-
mérica, mas dissemos que, baseados na re-
dução dos últimos três anos, podíamos pro-
jetar a redução dos próximos três anos. Acho
que perante o mundo era bom o Brasil ter
Não se trata apenas de diferentes interpretações do que vai essa iniciativa internamente.”
acontecer. Na hora do que fazer é que as posições se distinguem Em relação à produção e uso de energia,
a sugestão do fórum é que seja consolidada
m março deste ano, o presidente Lula climáticas”, diz Pinguelli a RBCC, na sala de a política de biocombustíveis, que se estruture
E
abriu o Palácio da Alvorada para mais uma
sessão de cinema. Dessa vez se tratava de
uma produção estrangeira e ele tinha a com-
diretoria do Instituto Alberto Luiz Coimbra
de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia
(Coppe), no campus da Universidade Fede-
um programa de expansão do uso de fontes
renováveis de energia e que se consolidem
também os programas nacionais de eficiên-
panhia de uma platéia mínima: a ministra ral do Rio de Janeiro. cia energética. As sugestões do Plano apon-
do Meio Ambiente, Marina Silva, e o secretá- Pinguelli não é novato nesse tema. Ex- tam para a multiplicação de fontes renováveis
rio-executivo do Fórum Nacional de Mu- presidente da Eletrobrás, ex-participante do de energia, mas a atual política do governo
danças Climáticas, Luiz Pinguelli Rosa. O fil- IPCC, ele já fazia parte de um grupo de dis- nesse particular é, segundo Pinguelli, “um
me era Uma Verdade Inconveniente, de Al Gore. cussão sobre mudanças climáticas na UFRJ desastre ecológico, ao pé da letra”.
“A conversa depois do filme foi tão boa, que há tempos, antes mesmo da Eco-92. “Os recentes leilões de energia têm apon-
Lula concordou que propuséssemos um Pinguelli gostou do filme de Gore e concor- tado para o uso de termoelétricas em grande
plano para o enfrentamento das mudanças da em grande parte com as conclusões do número, termoelétricas a óleo, que são caras
RETRATO DO BRASIL | setembro 2007 | nO 3  ENERGIA 23

e poluentes, termoelétricas que nem são a 

Jim Bourg / Reuters


Magaziner: com os grandes bancos e
gás, mas a carvão. Nesses leilões não se con- as grandes empresas
seguiu vender energia de hidrelétricas nem a
dos projetos de produção com o bagaço de Que haverá mudanças no clima, nin-
cana. Dessa forma, as energias renováveis guém pode duvidar, diz nosso conselhei-
foram ficando para trás”, diz. ro na série sobre energia que ora se encerra,
Defensor das energias renováveis, Ildo Sauer. “A lei do universo é a mudan-
Pinguelli está longe de ser um místico das ça. Persistem ainda dúvidas científicas ra-
energias alternativas. “É claro que o pe- zoáveis sobre a magnitude e mesmo a di-
tróleo tem um lugar cativo, o que é natu- reção de fatores naturais e antropogênicos
ral em certas áreas, como o transporte. que afetam o clima. Então, o debate cientí-
Eu não vejo solução com o uso só de fico, profundo, deve continuar. Mas, mais
energias alternativas, e esse é um grande quente ou mais fria, com intensificação ou
equívoco de alguns movimentos ambi- redução do ciclo hidrológico, das correntes
entalistas. Além de falar em desenvolver marítimas, da elevação do nível do mar, a
energia alternativa, é preciso falar em questão maior continua sendo política.
mudança de padrão de consumo da soci- Como organizar a produção, como repar-
edade. É uma sociedade do desperdício, ti-la socialmente, entre as classes sociais,
que usa automóveis pesadíssimos nas ci- que as grandes cidades terão um papel dentro dos países, entre os países, e qual o
dades porque é um modismo, caminho- central nesse plano. A palestra de Ira não papel do Estado”, diz.
netes de tração nas quatro rodas para ir e tem grandes novidades até que ele chega
voltar do trabalho, é uma irracionalidade ao ponto: a Fundação Clinton está de- É um conflito de posições
ambiental. Não há como manter esse pa- senvolvendo o Programa dos Prédios “O Brasil apoiou o Protocolo de
drão de consumo arbitrário e resolver o Energeticamente Eficientes. Ele reúne Kyoto”, lembra Sauer. “Esta foi a posi-
problema ambiental e do efeito estufa. É quatro das maiores companhias ção prudente de muitas nações, de se em-
preciso pensar que grande parte do pro- energéticas do mundo – Honeywell, penharem para reduzir a emissão de ga-
blema vem da desigualdade, o exagero do Johnson Controls Inc., Siemens e Trane ses do efeito estufa diante da possibili-
consumo dos ricos em comparação ao dos –, cinco bancos globais – ABN AMRO, dade de estar em curso um processo de
pobres, isso tanto entre os países como Citibank, Deutsche Bank, JPMorgan aquecimento global. Mas o Protocolo
dentro dos países.” Chase e UBS – e 16 metrópoles em todo define também responsabilidades dife-
o mundo, inclusive São Paulo. “Os finan- renciadas. As de países pobres, de peque-
“Não se trata de caridade” ciamentos dos bancos vão movimentar na renda per capita, não podem ser as
Quando a questão é o que fazer diante grandes valores em torno desses proje- mesmas dos países ricos que já destruí-
do debate ecológico, muitos pensam de tos, o que fará com que os custos caiam.” ram suas florestas, que praticamente mo-
forma mais pragmática do que Pinguelli. Isso, diz Ira, é “bom para as cidades e, o nopolizam o consumo dos recursos ener-
Ira Magaziner é um deles. Ele é diretor da mais importante, é que é bom para o pla- géticos do mundo, há muito tempo”, ele
Iniciativa de Mudanças Climáticas da Fun- neta”. “Não se trata de caridade, pois faz diz. E completa: “No quadro atual, as
dação Clinton, o ex-presidente americano, sentido para os empresários e para os pa- soluções prováveis apontam para uma
do qual Ira foi conselheiro durante seis gadores de impostos”, diz. concentração maior de capital e de poder,
anos. Em agosto, Ira esteve em São Paulo via, por exemplo, a energia nuclear. Paí-
e fez a palestra de abertura da 6ª Conferên- ses da América do Sul, África e Ásia têm
Valter Campanato / ABr

cia Municipal Produção Mais Limpa da um enorme desafio, viabilizar soluções


Cidade de São Paulo, no Memorial da descentralizadas, baseadas em fontes
América Latina. Anunciou, então, que a renováveis, como as hidráulicas, os bio-
Fundação Clinton está levantando 5 bi- combustíveis. E nos esforços de conser-
lhões de dólares para financiar projetos de vação e uso racional de energia”.
construção e reforma de prédios Sauer tem razão. As previsões do IPCC
energeticamente eficientes nas grandes me- baseadas em cenários lembram a análise do
trópoles, os centros que consomem e des- cronista de futebol que, após profunda re-
perdiçam enorme quantidade de energia. flexão, conclui que os resultados da partida
Ira acredita que o mundo se salvará se resumem em três hipóteses: o time A
do aquecimento e das mudanças climáti- ganha ou o B ganha, ou há um empate. Não
cas apenas se houver um corte de 78% se trata apenas de um debate científico sobre
das emissões de gases do efeito estufa e o que vai acontecer com a Terra. É um confli-
to de posições. Trata-se de saber, dadas as
 Pinguelli Rosa: o mercado não resolve condições concretas e feita a melhor análise
o problema do efeito estufa científica possível, de que lado se está.

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