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ENERGIA: O DEBATE DO
AQUECIMENTO GLOBAL
A quem interessa uma apresentação simplória
da questão das mudanças climáticas?
DESCONSTRUINDO
RETRATO DO BRASIL | setembro 2007 | nO 3 ENERGIA 3
GORE
Nas páginas seguintes
Expediente
ponto mais espetacular de Uma Ver- estufa ao impedir que o raiozinho de sol
Redação
Mino Carta • Sergio Lirio [ supervisão editorial ]
O
dade Inconveniente, o filme do ex-vice-presi-
dente americano Al Gore premiadocom o
Oscar de Hollywood em 2007, é aquele no
deixe a Terra. O recado do conjunto é
claríssimo: a Terra está esquentando porque
os gases de efeito estufa, o gás carbônico prin-
Raimundo Rodrigues Pereira [ coordenador ]
Armando Sartori [ editor ] qual ele é alçado do chão para extrapolar, cipalmente, estão retendo a energia que nos
Leandro Saraiva • Lia Imanishi Rodrigues • Rafael até o fim do século, o gráfico com a relação chega do Sol. E pode-se prever um futuro
Hernandes • Sônia Mesquita • Tânia Caliari • entre a quantidade de gás carbônico na at- apocalíptico se as tendências atuais não fo-
Verônica Bercht [ redação ]
Ana Castro • Pedro Ivo Sartori [ edição de arte ] mosfera e a temperatura da Terra. Gore rem revertidas.
Áli Onaissi • Genulino Santos • Hassan Ayoub • está num auditório diante de um telão São duas as simplificações maiores que
Marilda Rodella • Rita Leite [ revisão ] enorme, onde aparece o gráfico. Este tem Gore faz e com as quais transforma um de-
Vendas as oscilações da temperatura do planeta e bate científico complexo numa “verdade”
Paulo Barbosa [ representante em São Paulo ]
Joaquim Barroncas [ representante em Brasília ] das emissões de gás carbônico na atmos- improvável. A primeira: ele utiliza, basica-
Administração fera no eixo vertical. No horizontal, mos- mente, dois tipos diferentes de medição das
Neuza Gontijo • Maria Aparecida Carvalho • tra o tempo, de 650 mil anos para cá. Gore temperaturas e do CO2 da atmosfera terres-
Gabriel Carneiro fala rapidamente de uma correlação entre tre. Combina uma série obtida a partir de
Retrato do BRASIL é uma publicação mensal da as oscilações da temperatura e do nível de bolhas de ar primitivas encontradas em
Editora Manifesto S.A. e distribuída com CartaCapital
Editora Manifesto S.A.
CO2. Depois mostra que, no último sécu- amostras de gelo de épocas passadas com
Roberto Davis [ presidente ] lo, o CO2 descola e começa a subir. outra, recente, de medições diretas na atmos-
Escritório de administração Em seguida, uma espécie de grua o eleva fera, nos anos pós Revolução Industrial.
Rua do Ouro, 1.725 - conj. 2 • Belo Horizonte MG para além do ponto máximo de CO2 na épo- Evidentemente, uma coisa é medir a
CEP 30210 000 • Telfax 31 32814431
administracao.bh@oficinainforma.com.br
ca atual e o carrega para o fim deste século e temperatura e os componentes da biosfe-
Escritório comercial e redação
para o alto, onde o nível de CO2 então se ra terrestre diretamente, em inúmeros pon-
Rua Fidalga, 146 - conj. 42 • São Paulo SP situaria, para simular o que acontecerá se as tos, hora a hora, por exemplo, para cons-
CEP 05432 000 • Telfax 11 38149030 emissões deste gás não forem contidas. Essa truir médias de diversos tipos. Outra coi-
administracao.sp@oficinainforma.com.br
cena se liga com outra, já referida no número sa é usar esses parâmetros para bolhas de
Representação comercial em Brasília
SCN Quadra 01 - Bloco F • Edifício American Office
1 de nossa série sobre energia (CartaCapital ar de milênios passados, situar no espaço
Tower - sala 1.408 • Brasília DF • CEP 70711 905 no 458, 22/8/2007), na qual, num desenho e no tempo essas medições e compará-las,
Tel. 61 3328 8046 • barroncas@poranduba.com animado, o gás carbônico malvado cria o efeito com um mínimo de rigor científico, com
4 ENERGIA RETRATO DO BRASIL | setembro 2007 | nO 3
as atuais. Voltaremos a falar sobre esse infravermelha”, diz Ildo Sauer, professor à formação do Sol, da Terra e, posteriormen-
tema na sexta parte desta história com con- titular de Energia na Universidade de São te, da nossa biosfera correspondeu a um gi-
siderações mais precisas, em “O gráfico do Paulo, cuja prova de erudição Retrato do Bra- gantesco aquecimento local, que deu origem
pânico”. sil-CartaCapital (RBCC) vem utilizando na ao miolo do Sol e ao miolo da Terra, com
A segunda: para tentar simplificar o en- sua série sobre o tema. “Se armazenasse suas temperaturas muito altas – de 15 mi-
tendimento do “efeito estufa”, Gore suge- mesmo que apenas parte da brutal energia lhões e 5 mil graus respectivamente.
re vários absurdos, o maior dos quais é o que recebe do Sol diariamente há muito Outra contradição aparente: a maior par-
de que a Terra retém a energia recebida do tempo a biosfera da Terra já estaria te da matéria conhecida do Universo é for-
Sol. “A longo prazo, a Terra não retém ener- destruída.” mada por átomos leves, como hélio e hidro-
gia do Sol. Ela recebe energia sob uma for- Sauer acha que se deve colocar o debate gênio, que são os elementos básicos do pro-
ma, basicamente de luz visível, transforma sobre a temperatura da Terra e o aparente cesso de fusão nuclear no miolo do Sol. Mas
essa energia e emite de volta a mesma quan- aquecimento global numa perspectiva am- nós, e a biosfera de onde surgimos e que
tidade para o espaço, na forma de radiação pla. A seguir, ele desenvolve essa idéia. nos sustenta, somos formados por átomos
mais pesados como os de carbono, ferro,
cálcio, oxigênio, nitrogênio. Os átomos leves
surgiram depois que a radiação se desentra-
nhou da matéria e a temperatura do univer-
O CLIMA E SUAS CONTRADIÇÕES so caiu dos trilhões iniciais para a casa dos
300 milhões de graus, apenas 20 vezes mais
quente que o atual núcleo do Sol. Já os áto-
mos mais pesados da biosfera não se for-
maram nela nem no processo de organiza-
Devemos incluir na análise também os ção do sistema solar. São restos de explo-
desequilíbrios sociais, diz o professor Sauer sões de estrelas, em cujo miolo hélio e hi-
drogênio são compactados em estruturas
omos parte de um Universo que formou muito mais recentemente, quando maiores. Essas estrelas, as chamadas super-
“S
evoluiu por fases. A temperatura é um indi-
cador do movimento, da agitação das molé-
culas e dos átomos, e também um indicador
o Universo era adolescente – tinha cerca de
4,5 bilhões de anos.
Ou seja: dentro do processo geral de
novas, explodem espalhando esses átomos
pesados pelo espaço.
geral dessas fases. Nas frações de segundo resfriamento do Universo, a etapa que levou A biosfera e o ciclo do carbono
após o Big Bang, a gigantesca explosão que E, se tratamos da temperatura da bios-
deu origem a tudo, as temperaturas eram de A BIOSFERA E SUAS VIZINHANÇAS fera, e em particular do ciclo do carbono, os
trilhões e trilhões de graus. O Universo foi aspectos contraditórios multiplicam-se. Na
se expandindo e esfriando. Hoje, tem cerca Entre as emissões de luz do Sol a biosfera formaram-se as estruturas orgâni-
6.000 graus e o quase zero absoluto
de 15 bilhões de anos. E a sua temperatura da radiação de fundo do universo cas, à base de carbono. Estas são entidades
média, digamos assim, se a medimos pela muito mais sofisticadas que os átomos mais
radiação de fundo, que é uma espécie de eco RADIAÇÃO pesados: reúnem centenas e centenas desses
do Big Bang, é de 4 graus numa escala a DE FUNDO átomos, organizados em moléculas, células,
4K
partir do zero absoluto (graus Kelvin). organismos – estes, inclusive, como no nosso
SOL
Mas a evolução não é linear. A biosfera, Núcleo
15.000.000 K
caso, capazes de ação consciente, coletiva.
o ambiente agradável e relativamente estável A biosfera é um fino envoltório terres-
onde vivemos, tem temperaturas entre 220 Fotosfera tre, de pouco mais de 100 quilômetros de
e 300 graus Kelvin, que correspondem a - 40 6.000 K altitude. É formada basicamente por dois
e a +40 graus centígrados. E não se formou gases, o nitrogênio e o oxigênio. Entre os
num processo de esfriamento contínuo, Termosfera outros gases que completam a sua composi-
150 < T < 1.000 K
como o do Universo em geral. A evolução é TERRA ção deve ser destacado, em primeiro lugar, o
um processo contraditório, envolve forças ozônio, uma molécula especial de oxigênio,
gigantescas, que não comandamos e nem Biosfera com três átomos (O3). É a camada de ozô-
220 < T < 300 K
bem conhecemos. À Terra chegam continua- nio, como se sabe, que impede a entrada na
mente os sinais desse fundo geral muito frio Terra da radiação ultravioleta, muito pene-
Núcleo PLUTÃO
do Universo. De fato, é a radiação que se se- 5.000 K trante e muito danosa para os seres vivos
parou da matéria numa das mudanças de (nos animais, afeta os mecanismos de orga-
fase do Universo, quando ele era um bebê, Superfície
nização dos tecidos e provoca câncer).
digamos assim, tinha cerca de 1 milhão de 35 < T < 45 K O outro destaque é para os gases do
anos. Mas chega, também, em muito maior chamado efeito estufa. Estes devem ser se-
quantidade e em pouco tempo, cerca de 8 parados em dois blocos principais: o da
FONTE: Anotações para prova de erudição,
minutos, a radiação luminosa do Sol, que se Ildo Sauer, 2005
1 água, uma molécula com dois átomos de
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Julia Moraes
Messias Gore: dois tipos de atitude
UMA VERDADE INCONVENIENTE, o filme de Al Gore, apesar de seu filho, nós também podemos perder o Planeta...
seu pretenso apelo científico, está estruturado como uma narrati- O diretor do filme é o competentíssimo David Guggenhein, ex-
va mitológica. Inscreve-se num padrão muito disseminado na in- diretor do eletrizante megassucesso televisivo 24 horas, série
dústria cultural americana que, a partir de Guerra nas Estrelas, de onde Jack Bauer, agente americano antiterrorismo, salva o mun-
George Lucas (1977), teve grande influência do estudioso de mi- do semanalmente. Ele usa “filminhos”, com a infância, as aulas
tos, Joseph Campbel, convertido em assessor das grandes empre- com o Mentor, o acidente do filho etc., para dar “humanidade à
sas cinematográficas. O modelo narrativo é pretensamente uni- mensagem”. E formata a narrativa dentro do modelo messiânico,
versal. Está centrado nas fases que um personagem deve enfren- mitológico. O desdobramento plástico disso é um enorme telão
tar para que mereça ser chamado de protagonista, o herói no de plasma que serve de fundo à palestra. Graças à combinação
mundo comum. Há o chamado à aventura, a recusa do chamado, entre o palco-cenário, construído com este fim, para o eficiente
o encontro com o Mentor, a provação suprema etc. etc. posicionamento das câmeras e o telão, Gore aparece recorren-
O jovem Gore leva uma “vida comum”, em meio à natureza. temente contra um fundo cósmico ou planetário, reforçando
Encontra-se com o Mentor, seu professor na universidade, que essa imagem de líder universal, o Moisés que nos guiará neste
seria pioneiro nas medições de emissão de carbono. Recusa o cha- grave momento.
mado e vai por um “desvio”, a campanha presidencial de 2000. A O filme-catástrofe ambiental termina com os simpáticos, batidos e
derrota nessa campanha o ajuda a se focar em sua missão. Tem restritíssimos conselhos do tipo “revise seus pneus” e “use menos
então uma melodramática “provação suprema”, na convalescen- água quente”. No horizonte universal do messiânico herói não estão
ça de seu filho. E daí extrai a “mensagem” de que, se podia perder visíveis os mecanismos da dinâmica capitalista.
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O oxigênio que encontramos hoje na at- O VERDE DO MAR tos e periódicos. De 11 em 11 anos, por
mosfera surgiu da fotossíntese, a partir de 2 exemplo, o Sol torna-se mais brilhante e en-
bilhões de anos atrás. A fotossíntese é geral- A absorção de energia solar pela fotossíntese se dá via mais energia para o espaço. Algo que tam-
principalmente nos oceanos
mente associada ao mundo mais visível das ÁREA CARBONO TOTAL DE
bém deve ser levado em conta na questão do
REGIÃO
pastagens, plantações, árvores. Mas esses ve- [milhões FIXADO CARBONO FIXADO aquecimento global.
de km2] [ton/km2/ano] [ bilhões de ton/ano]
getais mais complexos são apenas a fração Floresta 44 250 11
E, por último, mas não as menores das
menor dos organismos fotossintetizadores. Terra cultivada 27 160 4,3
contradições: as sociais. Se o que pretende-
Estima-se que cerca de 90% da fotossíntese Grama 31 36 1,0 mos, de fato, é dizer o que será o mundo
é executada nos mares, por diversos tipos de Deserto 47 7 0,3 daqui a cem anos, não podemos nos deter
microrganismos, entre os quais bactérias e Total de terra 149 16,6 numa explicação do que pode acontecer, de
algas. À medida que as moléculas de oxigê- Total de oceano 361 340 122,6 acordo com tais e quais modelos matemáti-
nio (O2) se acumulavam nas partes mais al- co-computacionais, como fazem os ultrali-
tas da atmosfera, a radiação ultravioleta, FONTE: Bioenergetics, de Albert Lehninger, página 11 3 berais no campo da economia que buscam
muito penetrante, cortava a relação entre os adequar os interesses dos grandes empresá-
dois átomos. E os átomos isolados recom- sentido inverso, as fotossintetizadoras extra- rios aos consumidores. Ou ficar, como Gore,
binavam-se em trincas, formando o ozônio em dióxido de carbono e água de suas vizi- dando conselhos cosméticos, tais como:
(O3). A forte capacidade de absorção da radi- nhanças, produzem novas cadeias de carbo- ‘Tome menos banho de água quente e com-
ação ultravioleta pelo O2 e pelo O3, então, no e devolvem o oxigênio para a atmosfera. pre o DVD com meu filme, para salvar o
passou a impedir que ela chegue às camadas A quantidade de água na Terra é muito planeta’. Devemos ver que o mundo é um
mais baixas da atmosfera. grande, assim como é grande também a conjunto de nações com enormes desequilí-
quantidade de oxigênio na atmosfera. No brios, entre elas e internamente. E lutar para
Fotossíntese & Respiração entanto, o gás carbônico é muito pouco. A criar um mundo mais justo, seja ele mais
Na discussão atual sobre o aquecimento atmosfera contém apenas 0,03% dele. Esti- frio, seja mais quente”.
global, além de se destacar apenas as flores- ma-se que, se o ciclo do carbono cessasse, A atitude proposta pelo professor Sauer
tas e vegetais superiores como organismos em dois ou três anos as plantas existentes na é tema da parte final desta história. Vamos
do bem, ao se criminalizar os processos que Terra consumiriam todo o CO2. começá-la acompanhando os pesquisadores
liberam CO2, por exemplo, esconde-se o fato Por fim, é preciso destacar mais duas gran- envolvidos no LBA, o projeto de estudos
de que a eliminação do gás carbônico para a des contradições. A primeira, a respeito do climáticos que procura entender como nossa
atmosfera pelos seres vivos, plantas e ani- Sol. Apesar de relativamente estável, a su- grande floresta tropical funciona no sistema
mais, é o contraponto necessário da fotos- perfície solar é sujeita a fenômenos violen- climático do planeta.
síntese: é a outra etapa do ciclo do carbono,
indispensável à vida.
A fotossíntese pode ser descrita como
um processo em três etapas: a absorção de
energia solar pela clorofila e outros pigmen- NA AMAZÔNIA, EM BUSCA DO CO2
tos das plantas, a conversão dessa energia
de radiação em energia química, e a utiliza-
ção dessa energia para a reação que, de um
lado, transfor ma moléculas de gás
carbônico e de água numa molécula
Não é fácil: de madrugada, o famigerado gás esconde-se,
estruturada em torno de uma cadeia de áto- correndo por baixo, na grande mata
mos de carbono, e, de outro, libera para a
atmosfera oxigênio molecular (O2). hegar ao topo da K-34, a quase 60 tos, a radiação solar, a concentração de CO2.
A respiração é o oposto da fotossíntese.
Na respiração, os animais usam o oxigênio
C
metros do chão, subindo degrau a degrau a
escada dessa estrutura metálica mais pareci-
da com um descomunal andaime de obras,
É um ecossistema gigantesco e misteri-
oso, eles explicam. Há solos arenosos e argi-
da atmosfera para liberar a energia química losos, com maior ou menor riqueza de nu-
das cadeias de carbono que ingerem – é um alívio. Do alto da torre, plantada no trientes. Há diferentes climas, com regimes
carboidratos, proteínas, gorduras – e, assim, coração da Floresta Amazônica, a mais de de chuva variados em cada região da Ama-
ter força mecânica para trabalhar, mover-se, 80 quilômetros de Manaus, vê-se um ocea- zônia Legal. Chove mais no alto rio Negro,
bem como reconstruir seu organismo no verde das copas das árvores. nas proximidades de São Gabriel da Cacho-
desgastado no dia-a-dia. O repórter do RBCC está acompanha- eira (AM) e bem menos no baixo Tapajós,
O fluxo de carbono, com certeza, é mais do dos pesquisadores Fabrício Zanchi e nas proximidades de Santarém (PA), que se
importante que o estoque de carbono na at- Carlos Alexandre Querino. Eles examinam pode comparar com a seca Brasília. E há pelo
mosfera. Pela respiração, as células animais, medidores colocados ao longo da estru- menos 19 tipos de vegetação, desde campi-
por exemplo, tomam oxigênio do ar e nutri- tura metálica para estudar o funcionamen- nas e campinaranas, cujas árvores são mais
entes orgânicos de seu entorno e descarregam to do organismo vivo que é a floresta. Me- baixas, de até 15 metros, com copas de me-
na atmosfera dióxido de carbono e água. No dem-se temperaturas, a umidade, os ven- nor densidade, até florestas de platô, com
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2
se foi para as partes baixas
sões de gases do efeito estufa a partir do Suzana contou como respondeu pelas CENÁRIOS DA TEMPERATURA
ano que vem. conclusões de seu capítulo, relacionado com
Todos os grupos de trabalho produzem o uso de hidrogênio como combustível de No cenário em que se mantém constante a concentração
de gás carbônico (em amarelo), um aumento de 0,4º C. No
três versões de relatórios: o Sumário para For- veículos, tecnologia desenvolvida pelo Ca- pior cenário (em vermelho), um aumento de 3,4º C
muladores de Políticas, o Sumário Técnico e nadá. “A gente não colocou o hidrogênio 4
o relatório propriamente dito, como o divul- como uma opção interessante para o setor Variação da temperatura
3
gado neste ano, com três volumes de cerca de de transporte a curto e médio prazo”, diz média da superfície global
(em relação ao período
900 páginas, um para cada grupo de trabalho. ela. “E houve uma pressão forte da delega- 2
1980-1999), em oC
O mais lido e discutido é o Sumário para ção do Canadá, pois o país investe muito
Formuladores de Políticas, que precisa ser nessa pesquisa. Tive de mostrar todos os 1
chancelado por todos os países que fazem par- documentos que usamos no relatório e que 0
te do IPCC. Em paralelo à publicação desses indicavam que o impacto do hidrogênio vai
resumos voltados para a formulação de políti- ser de 2050 para a frente, e não para agora.” -1
1900 2000 2100
cas, cada grupo divulga também seu sumário Mas, diz Suzana, os biocombustíveis fo-
técnico. E, por fim, sai a íntegra do grande rela- ram mencionados. Isso porque “a literatura FONTE: Quarto Relatório de Avaliação do GT1 do IPCC, 2007 4
tório. A do do Grupo 1, deste ano, já está na indicava que é uma opção interessante a mé-
internet (http://ipcc-wg1.ucar.edu/wg1/wg1- dio prazo, por causa da infra-estrutura já exis- savana, porque o aumento da temperatura
report.html). tente, da frota em circulação, da possibilida- ainda foi pequeno”, diz.
RBCC ouviu pesquisadores brasileiros de de mistura com outro combustível”. Um dos aspectos de mais destaque do
que nos últimos cinco anos participaram da trabalho do IPCC são as projeções de mu-
preparação dos relatórios do IPCC: Paulo Como se chega ao consenso danças climáticas futuras, simulações feitas
Artaxo, da USP, um dos 12 autores de um Segundo Suzana, a forma para chegar ao por modelos. No relatório deste ano essas
capítulo do Grupo 1; Carlos Nobre, do Inpe, consenso é tornar as afirmações mais flexí- simulações dividem-se em quatro “famílias
um dos dez autores de um capítulo do Gru- veis. “Nada é dito assim: isso vai acontecer. de cenários”, as quais procuram incorporar
po 2; e Suzana Khan, um dos dois autores- Fala-se: é provável, é muito provável. Prová- variáveis econômico-sociais aos processos
coordenadores de um capítulo do Grupo 3. vel quer dizer mais de 66% de probabilida- físicos envolvidos no clima do planeta.
O trabalho de Artaxo será apresentado mais de. Muito provável é mais de 90%. Quando A família A1, que se divide em três ra-
adiante em nossa história. Dos outros dois, aparece algo que vai contra a maioria, aí se mos, descreve um mundo futuro de cresci-
Suzana foi quem mais participou das ses- diz, ‘existe um nível baixo de evidência’.” mento econômico “muito rápido, com a po-
sões plenárias do IPCC que reúnem os re- Carlos Nobre é um entusiasta do pro- pulação global atingindo um pico em mea-
presentantes governamentais e onde se dis- cesso do IPCC. Para ele, a metodologia do dos do século e declinando em seguida”.
cute o Sumário para Formuladores de Polí- Painel sempre leva em consideração a ques- Estima também que haverá a introdução de
ticas linha por linha. tão da incerteza científica. E a análise feita novas e mais eficientes tecnologias. “As prin-
para se chegar ao consenso é profunda. cipais questões subjacentes são a convergên-
ESQUENTA, ESFRIA, ESQUENTA ... “Sugerimos no relatório final e no Resu- cia entre as regiões, a capacitação e o aumento
mo para Formuladores de Políticas que das interações culturais e sociais, com uma
Na imprensa americana, uma amostra do
alarmismo provocado pelas mudanças climáticas
havia confiança, 66% de probabilidade, de redução substancial das diferenças regionais
ocorrer uma savanização da Amazônia na renda per capita.”
1912: A Terra está esfriando com um certo aumento da temperatura na A família B1 fala de uma mudança “rá-
Los Angeles Times 7/10/1912
“QUINTA ERA GLACIAL ESTÁ A CAMINHO.
Terra. Primeiro houve um consenso entre pida nas estruturas econômicas em direção
RAÇA HUMANA TEM DE LUTAR POR SUA os autores do relatório. Depois de passar a uma economia de serviços e informações,
EXISTÊNCIA CONTRA O FRIO” pela revisão de cientistas e de governos, com reduções da intensidade material e a
1952: A Terra está esquentando esse item entrou no relatório principal. introdução de tecnologias limpas e eficien-
The New York Times 10/08/1952 Finalmente, passou pela plenária final e tes em relação ao uso de recursos”. A ênfa-
“NÓS APRENDEMOS QUE O MUNDO SE
TORNOU MAIS QUENTE NO ÚLTIMO MEIO foi para o Sumário.” se, diz o IPCC, está em “soluções globais
SÉCULO” Como se viu, a hipótese da savanização para a sustentabilidade econômica, social e
1975: A Terra está esfriando da Amazônia não é um consenso fora do ambiental, inclusive a melhoria da eqüida-
New Scientist 1975 âmbito do IPCC. Segundo Nobre, seu capí- de, mas sem iniciativas adicionais relaciona-
“A AMEAÇA DE UMA NOVA ERA GLACIAL
PRECISA AGORA SER COLOCADA AO
tulo recebeu nas três fases de revisão por ci- das com o clima.”
LADO DA GUERRA NUCLEAR COMO UMA entistas e governos mais de 7 mil comentári- A A2 descreve um mundo muito hete-
PROVÁVEL FONTE DE MORTE E MISÉRIA os e todos foram respondidos. “Em relação rogêneo, com um aumento crescente da po-
INDISCRIMINADAS PARA O GÊNERO à savanização da Amazônia, não houve um pulação global. Destaca-se a busca da auto-
HUMANO”
só comentário contra”, diz. Segundo ele, a suficiência e a preservação das identidades
2006: A Terra está enquentando
The Washington Post 18/01/2006 divergência na literatura científica internacio- “locais”. Assim, “o desenvolvimento eco-
“ALTA DAS TEMPERATURAS PODE, nal é saber se esse processo se dará de forma nômico é orientado primeiramente para a
LITERALMENTE, ALTERAR OS FUNDAMENTOS mais rápida ou mais lenta. “Ainda não há região, sendo que o crescimento econômi-
DA VIDA DO PLANETA” 3 observação de que a Amazônia está virando co per capita e a mudança tecnológica são
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mais fragmentados e mais lentos do que milhão de moléculas no ar seco há 350 de 60 watts). Dessa energia, descontam-se 107
nos outros contextos”. A família B2 vê um dióxido de carbono. Se a concentração se man- W/m², refletidos de volta para o espaço por
mundo em que “a ênfase está nas soluções tiver nesse patamar, por exemplo, a tempe- nuvens, aerossóis e outros gases da atmos-
locais para a sustentabilidade econômica, ratura se elevará até o fim deste século em fera. E sobram 235 W/m², que a Terra ain-
social e ambiental. (...) O cenário também relação à média do período 1980-1999 em da tem de mandar de volta ao espaço, para
está orientado para a proteção ambiental e a 0,6 grau (a melhor estimativa dentro de uma se manter em equilíbrio, e que saem na for-
eqüidade social, mas seu foco são os níveis faixa provável de 0,3 a 0,9 grau). ma de radiação.
local e regional”. Já no cenário B1, que prevê o menor au- Como também já dissemos no início, a
Para cada cenário há estimativas diferen- mento de emissão de CO2 para 600 ppm, Terra não devolve a mesma energia que che-
tes de emissão de CO2 e de elevação da tem- espera-se uma elevação de 1,8 grau (entre 1,1 ga. Ela devolve a mesma quantidade, mas
peratura média global do ar da superfície ter- e 2,9 graus). No pior dos cenários, o A1FI na forma de uma energia de outro tipo.
restre. A taxa de concentração de CO2 em (um dos três ramos da família A1), esti- Chega energia do Sol na forma de luz visí-
2000 foi de aproximadamente 350 partes por mam-se emissões da ordem de 1.550 ppm e vel pelo olho humano, no espectro de co-
milhão (ppm), o que significa que para cada uma alta de 4 graus (entre 2,4 e 6,4 graus). res, entre os limites do ultravioleta e do
infravermelho. Ou, dizendo o mesmo na
terminologia da física, chega uma energia
muito penetrante, de comprimento de onda
muito curto e freqüência de oscilação muito
O MODELO DO CONSENSO alta. E sai energia na forma de radiação
infravermelha, fora do espectro visível, de-
pois do infravermelho. Ou ainda, sai ener-
gia menos penetrante, de comprimento de
onda mais longo e freqüência de oscilação
Um cientista brasileiro acha que o IPCC obteve a grande prova mais baixa.
de que o aquecimento global tem causa antropogênica É o fato de a saída de energia da Terra se
dar através de uma energia menos pene-
ois cartazes na sala de Paulo Artaxo, nessa área. Selecionei os mais importan- trante em relação à atmosfera terrestre que
D
no Instituto de Física da USP, ilustram o
direcionamento que o físico deu à sua car-
reira. São ilustrações feitas no Earth
tes, uns 150. Fiz um apanhado de suas
conclusões e escrevi cerca de quatro pági-
nas para o meu capítulo. Os outros auto-
explica o efeito estufa. Para conseguir sair
da Terra, a radiação infravermelha vai e vol-
ta, entre os obstáculos que encontra para
Observing System da Nasa. Um apresenta res do meu capítulo fizeram o mesmo tra- sair e a superfície da Terra. Com isso, es-
os efeitos das nuvens sobre o clima, tema balho, cada um na sua área.” quenta a biosfera.
ao qual Artaxo dedicou grande parte de Do capítulo do professor Artaxo saiu A seguir, o leitor pode, então, ir para a ex-
seus estudos. O outro mostra um esque- o gráfico que ele considera um dos mais plicação do conceito necessário para entender o
ma da ação dos gases do efeito estufa, agen- importantes do IPCC, o que apresenta o
que Artaxo considera a grande descoberta do o mais abundante e o mais importante ção solar. Todos os outros fatores são
IPCC, o das forçantes radiativas. Forçante dos gases do efeito estufa – aparece na at- resultado de atividades humanas. O ar-
radiativa, diz o texto subscrito por ele, “é a mosfera em concentrações cerca de 30 ve- gumento do IPCC é o de que mudanças
medida de como o balanço de energia do sis- zes maiores que as do CO2, por exemplo do passado se deram de forma lenta e
tema Terra-atmosfera é influenciado quando –, sofre pouca influência direta da ativida- gradual, movidas por fatores naturais.
fatores que alteram o clima são alterados. A de humana. O IPCC sugere que o vapor Entre as eras glaciais e as interglaciais, as
palavra radiativa aplica-se porque esses fatores d’água aumenta porque os outros gases temperaturas médias da Terra subiram em
mudam o balanço entre a radiação solar que do efeito estufa que ele considera direta- 4 a 7 graus centígrados e esse aquecimen-
chega e a radiação infravermelha de saída den- mente – gás carbônico, metano, óxido to ocorreu lentamente, em cerca de 5 mil
tro da atmosfera da Terra. Esse balanço nitroso – esquentam a superfície da Terra. anos. O IPCC divide, portanto, a história
radiativo controla a temperatura da superfície. E daí as águas, também aquecidas, pas- do clima da Terra em dois períodos. O
O termo forçante é usado para indicar que o sam a produzir mais vapor d’água. Em natural, com mudanças lentas e graduais,
balanço radiativo está sendo pressionado para relação a esse aspecto vale notar que o IPCC que pertence ao passado, e o antropogê-
fora de seu estado normal”. admite que o metano pode se transformar nico, de mudanças rápidas e catastróficas,
Artaxo parece ser uma pessoa muito em vapor d’água por reações químicas na da atualidade.
ocupada. Enquanto atende à repórter do estratosfera. E que conhece pouco sobre Deve-se notar, finalmente, que, ao con-
RBCC, faz outras coisas: despacha algo para esse fenômeno. siderar 1750 como a data para medir a inter-
a Amazônia, responde a um e-mail, con-
versa em inglês com alguém que parece A MEDIÇÃO DOS FATORES DE MUDANÇA DO CLIMA DE 1750 A 2005
muito importante. O que fica da entrevista
é a consideração dele de que o mais impor- Fatores que exerceram pressão sobre as emissões de radiação infravermelha da Terra para o espaço
tante do trabalho do IPCC é a medição da
forçante radiativa entre 1750 e 2005. O re- 2,5
1700 e 2005 (W/m2)
Forçamento radiativo: valor da pressão de
emissão de radiação infravermelha entre
Reprodução
O GRÁFICO DO PÂNICO
Os gases da atmosfera são obtidos pela aná- fera superficial não excedeu a marca de 300 Molion arrisca uma explicação: “Ocorre que
lise do ar das bolhas e a temperatura, da ppm entre 650 mil anos atrás e 2005, ano em a hipótese básica da qual o IPCC parte é de
análise do gelo. Os dados finais apresen- que disparou para 379 ppm e “excedeu de que a bolha de ar não sofre nenhuma mu-
tam ano a ano as concentrações dos gases e longe os limites naturais”. Molion argumen- dança em sua composição química, e isso
a temperatura. ta em contrário citando o trabalho do ale- não é verdade”. Ele argumenta que uma
Essa metodologia foi apresentada ao mão Ernst-Georg Beck, publicado em 2007, bolha aprisionada a 3 mil metros de pro-
mundo como sendo um tesouro de onde no qual foram catalogadas cerca de 90 mil fundidade sob uma pressão 300 vezes mai-
se poderiam tirar detalhes preciosos da his- medidas da concentração atmosférica de CO2 or que a atmosférica, durante 650 mil anos,
tória do planeta com alta confiabilidade, diz feitas por meio de métodos químicos con- não pode deixar de sofrer modificações.
Molion. E assim ela é apresentada pelo IPCC. vencionais, desde 1812, por cientistas espa- “Não há como não haver difusão. O ar es-
“A concentração do CO2 é agora conhecida lhados pelo planeta – Estados Unidos, Eu- capa pela estrutura cristalina do gelo. Além
de forma precisa para os 650 mil anos passa- ropa e Ásia. disso, nessa pressão, ocorrem reações com
dos através dos cilindros de gelo.” Esse grupo de cientistas, que inclui três outras substâncias como o sódio e o cálcio
Molion diz que a idéia é bonita. Mas, até prêmios Nobel, estava interessado, naque- existentes na neve.”
por ser uma metodologia relativamente re-
cente, há muita discussão em torno da qua- GÁS CARBÔNICO E TEMPERATURA NOS ÚLTIMOS 650 MIL ANOS
lidade e do significado preciso dos seus da-
dos. A suspeita de que algo estava errado Gráficos do IPCC com a montagem de dados obtidos de formas diferentes
com a metodologia surgiu quando a crono-
Gás Carbônico, em
partes por milhão
-360
tas avaliam a chamada resolução temporal, -380
isto é, o intervalo de tempo representado -400
em deutério 0/00
Ela apoiou-se em três trabalhos publicados concentração de CO2 permanece em níveis O Ciclo de Gleissberg estava no míni-
na revista Science. elevados ainda por mais alguns milhares de mo no início do século XX. Atingiu seu
Um deles mostra que as séries para o anos. E só depois a concentração de CO2 máximo em setembro de 1957. E começou
CO2 e a temperatura obtidas por meio de começa a cair e novamente parece acompa- a se reduzir novamente. Estamos, portan-
cilindros de gelo não são diretamente com- nhar a curva da temperatura. to, vivendo uma fase de redução da energia
patíveis. De acordo com esse trabalho, a “Pesquisadores do Instituto de Oceano- solar em relação ao Ciclo de Gleissberg, de
representatividade dos dados de temperatu- grafia Scripps esperam que os oceanos e as período mais longo. Mas de aumento de
ra registrados no Pólo Sul pode variar de plantas absorvam e liberem o dióxido de atividade solar em relação ao ciclo de 11 anos
acordo com uma escala local até regional, mas carbono em resposta à mudança na tempe- que começou em julho de 2006 e deverá
não global. Já as concentrações de CO2 re- ratura do ar”, explica Sallie Baliunas. Isso atingir seu máximo em 2010. Segundo as
presentam variações globais. A comparação porque a elevação de temperatura provoca, a previsões, nos 22 anos seguintes, o Sol es-
direta das duas curvas não teria, portanto, longo prazo, uma aceleração na circulação do tará produzindo menos energia.
rigor científico. mar e as águas profundas, ricas em CO2, atin- O professor Molion mostra o gráfico das
Sallie Baliunas como que nos convida a gem a superfície. Além disso, as águas su- forçantes radiativas do IPCC e propõe um
examinar com mais cuidado o gráfico do úl- perficiais, uma vez aquecidas, retêm menos exercício. Calcula, utilizando os mesmos cri-
timo relatório do IPCC. No geral, parece que gás carbônico dissolvido. “A solubilidade do térios do painel, o impacto de uma redução
a temperatura e a concentração de CO2 ten- gás carbônico na água fria é um pouco maior”, mínima da atividade solar sobre a tempera-
dem a variar de forma praticamente simultâ- explica Molion à repórter do RBCC. “Você tura atmosférica. Se a atividade solar dimi-
nea. Mas um olhar aguçado sobre o trecho vê isso nos refrigerantes, na cerveja. Quando nuir, por exemplo, apenas 1,4 W/m² e os
de curva compreendido, por exemplo, entre ela está fria, tem muitas bolhas de CO2. À parâmetros utilizados pelo IPCC para esse
130 mil e 110 mil anos atrás, mostra uma medida que esquenta, expulsa o CO2 que cálculo estiverem corretos, haverá uma redu-
queda abrupta da temperatura, enquanto a estava em solução.” ção de 0,7° Celsius na temperatura da Terra.
o efeito do CO2 no aquecimento da atmos- aquecimento muito maior da superfície vido pelos movimentos da atmosfera e das
fera”, diz Molion. O próprio IPCC admite desse oceano, diz Molion. correntes oceânicas, o clima nessas regiões
que isso poderia acontecer, quando assume E outro ponto crucial é, exatamente, o seria bem diferente do existente.
que conhece pouco sobre o assunto. transporte do calor. “É a nossa grande ig- O papel dos oceanos no transporte de
“Ocorre que as nuvens têm um papel norância hoje em termos de sistema climá- calor é evidente, diz Molion. Afinal, 70%
crucial no clima do planeta”, diz Molion. tico-terra-oceanos-atmosfera. Quanto do da superfície da Terra é constituída de ocea-
Além de controlar a quantidade de radiação calor é transportado pelos oceanos?”, per- nos. E entre os oceanos a extensão do Pací-
solar refletida de volta para o espaço – o gunta-se Molion. fico ocupa 35%. A Terra tem 510 milhões
albedo planetário –, elas são verdadeiras A energia não chega à Terra de forma de quilômetros quadrados e o Pacífico, so-
chaminés que jogam energia para fora do homogênea. A região dos trópicos recebe zinho, tem 180 milhões. Assim, o Pacífico
sistema climático da Terra, ele diz. muito mais energia que as regiões polares. deve ter um peso relevante no transporte
Sua explicação: quando as nuvens se E, não fosse um sistema de transporte de de calor.
formam pela evaporação da água, absor- calor de uma região para as outras, promo- Molion explica que dois aspectos devem
vem energia. E quando se condensam em
gotas de chuva, liberam a energia que havi-
am absorvido do processo de evaporação. NA PARTE DE CIMA DO EQUADOR A grande
No caso das nuvens do tipo cumulonim-
bus, esse processo ocorre em torno de maioria das estações que medem a temperatura
1.000 metros acima da superfície terrestre fica no Hemisfério Norte. E em terra firme
e em torno de 500-600 metros acima dos
oceanos. E o calor é liberado a 3 mil, 4 mil
, 5 mil metros, dependendo das circuns-
tâncias, altura em que a temperatura já está
próxima de zero e o efeito estufa é fraco.
“Nós já vimos, aqui pelo radar, nuvens
que atingiram 3 quilômetros de altura. À
medida que a nuvem vai crescendo, ela li-
bera esse calor no entorno. Como o efeito
GHCN
estufa é fraco naquela altura, a radiação de
infravermelho escapa para o espaço. Em
outras palavras, eu digo que esse tipo de
nuvem, muito comum na região tropical,
literalmente curto-circuita o efeito estufa.
Veja, é como se você tivesse chaminés pe-
las quais o calor da superfície terrestre en-
trasse e daí fosse jogado no espaço.”
RBCC FOI VER A ÚNICA estação meteorológica do Instituto Nacional de Meteorologia
Uma nuvem igual a 1,7 mil Itaipus (Inmet) existente na cidade de São Paulo. Ela fica no alto do bairro de Santana.
Uma nuvem pequena, de 5 quilôme- Recentemente, o local recebeu equipamento digital, que realiza medições e as
tros de largura, 5 de comprimento e 5 de envia, por satélite, para a central de dados, em Brasília. Depois, essas informações
profundidade, que produza 30 milímetros vão abastecer os registros da Organização Meteorológica Mundial, um dos órgãos
de chuva em uma hora, o que é uma quan- das Nações Unidas que está na origem do IPCC. O Brasil conta com 260 estações
tidade pequena, libera energia equivalente a meteorológicas automáticas (20 só no estado de São Paulo). Algumas áreas, especi-
1,7 mil Itaipus, a maior hidrelétrica do pla- almente na Região Norte, estão mal cobertas, reconhece o órgão.
neta. “Nós não estamos falando de um Cobertura precária, entretanto, não é um problema só brasileiro. Cerca de nove em
furacão com 250 quilômetros de tamanho. cada dez estações meteorológicas exisitentes no planeta situam-se em terra firme,
Estamos falando de uma nuvenzinha de embora os oceanos representem 70% da superfície da Terra. Além disso, das esta-
10 quilômetros de diâmetro equivalente!” ções terrestres, a grande maioria fica no Hemisfério Norte, onde dois fatores con-
O efeito de “chaminé de calor” das nu- vergem para produzir essa distorção: a maior parte da área terrestre fica ao Norte
vens também tem um papel importante do Equador, onde, por coincidência, estão também concentrados os países mais
no controle da temperatura dos oceanos, desenvolvidos do planeta, aqueles que têm mais recursos para manter melhores
especialmente do Pacífico. Dados de satélite sistemas de medição. O mapa acima, da Global Historical Climatology Network,
mostram que a umidade e a nebulosidade órgão ligado ao Departamento de Comércio americano, que tem um vasto banco de
sobre o Pacífico aumentaram no período dados com temperaturas do mundo inteiro desde o século XIX, reflete esse proble-
de aquecimento mais recente, desde 1977 ma. A concentração das estações é um dos aspectos mais destacados pelos críticos
até hoje. Se não houvesse a transferência de da concepção com a qual trabalha o IPCC, de que é possível estabelecer uma
calor pelas nuvens, seria de se esperar um temperatura média global.
22 ENERGIA RETRATO DO BRASIL | setembro 2007 | nO 3
ser levados em conta: 1. Que as correntes MANCHAS SOLARES, PASSADO E FUTURO IPCC, sobre as causas antropogênicas do
oceânicas são muito lentas, com velocidade Nos próximos 22 anos, o Sol pode produzir menos energia
aquecimento. No entanto, acredita que, por
de cerca de 3 a 4 quilômetros por hora, quan- trás da discussão do tema, há também uma