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A DANÇA DA VIDA
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Afranio Campos

A DANÇA DA VIDA
Ilustrações de Ana Tereza Kauark e Tina D’Almeida

1ª edição

Salvador – 2007

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(Direitos)

Capa
Igor Outeiral

(Catalogação)

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“Nós somos feitos da mesma matéria dos sonhos.”
Shakespeare

“A vida do espírito bem pode ser intensificada pela


expressão física da sexualidade; muitas pessoas precisam
encontrar e expressar a chama do espírito através da
sensualidade e de outras expressões físicas de seus corpos,
como, por exemplo, a dança.”
John A. Sanford

Escrever liberta, dançar expressa vida interior. Venho revelar


a combinação dessas manifestações de amor através de
poemas originados de minhas vivências prolongadas
oferecidas pela biodança.
Afranio Campos

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Índice

. Prefácio 13
. Viva a Dança da Vida 15

Renascimento

. Escadas 22
. De Peito Aberto 26
. Seja Como For 27
. Árvore Criada 29
. Sede Interna 32
. A Centelha 33
. Superação 34
. Sentidos 35
. Mudança 38
. Abrindo a Roda 39
. Permanecer 42
. Minha Viagem 43
. Diga a Quem Ama 46
. No Circo 47
. Fogo Espontâneo 48
. Entrega 49
. Presentes 52
. Coração Dançarino 53
. Sábios e Doentes 54
. Pelo Avesso 56
. Amor Mantido 57
. Crianças Sãs 60

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. Mar e Brisa 61
. Vazão e Remanso 64
. Cachos de Carinho 65
. Borboletas 66
. As Chaves 67
. Segredos que Bastam 70
. Renascimento 71
. Escolha de Estrelas 74
. Transcendência 76
. Hora Marcada 80
. Vez na Dança 81
. Meus Pés 84
. A Dança da Vida 88
. Nosso Ensaio 90
. Pão e Companhia 91
. Na Ponta dos Dedos 93
. A Luz Quebrada 94
. Um Leve Transe 96
. O Flash 97
. Fibras do Coração 99
. Tanto Tempo o Agora 101
. Saber a Vida 103
. O Universo Mulher 104
. Lua Tatuada 108

Identidade

. A Grande Águia 112


. Revelar-se 113
. Serpentina 114
. Tocando o Coração 115

8
. Elementos 116
. A Partir de Hoje 117
. Menina dos Olhos 120
. Essa Flor 121
. Aconchego 122
. Maior Pausa 123
. Atreva-se 126

Instinto e Afeto

. Rastros de Laços 130


. Teia da Vida 131
. Viagens 132
. Eu e o Outro 133
. Será o Que Será 134
. Amanhecendo 136
. Mariposa 138
. Sete Maravilhas 139
. Curvas de Fá 140
. Peregrinos do Deserto 141
. Raízes e Asas 142
. Leia-me 143
. Convite 144
. Olhos d’água 146

Quatro Elementos

. Cerrados no Céu 150


. Pela Pele 151
. Água de Chuva 152
. A Casa de Fogo 153

9
. Ternário 154
. Anjos de Vidro 155
. Pedras de Rio 156

Outros momentos

. Uma Caminhada 160


. O Aprendizado 162
. Notas Musicais 165

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Dedico este livro aos meus filhos Igor, Frederico,
Vinícius, e ao Issan e a Keila, flechas disparadas no
Universo como heranças divinas.

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PREFÁCIO

No começo da caminhada havia uma dolorosa necessidade


de expor a tempestade, o vulcão, a paixão que sempre me
contagia de dentro para fora e depois continua fazendo parte
da respiração, naturalmente sem controle, como de fato
aconteceu durante a criação dos poemas em “A Dança da
Vida”.

A biodança deu um banho de desafio e vitalidade em todos


os momentos de criação de meus textos, ora antes das
vivências ora logo a seguir, re-significando, renascendo,
regulando minhas energias e processos. Passo a frente para
quem quiser ler essa arte nascida de uma fonte inesgotável
de amor e vida em sua forma literária.

O sentimento de amor é mais que fusão, dissolução,


reintegração, tem haver com continuidade da vida,
necessidade da fala e sopro compartilhados, livres, em dois,
constituindo-se três, cada um na sua individualidade,
identidade, originando um terceiro ser numa aliança divina,
seres “argilosos” em masculino e feminino para daí ter
acesso à humanidade em sua plenitude.

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Quero que esse momento de individuação, alteridade, de
amor ao ser, aceitando-se como ser e não ser, firme essa
caminhada para um superviver que colha muitos frutos na
árvore da vida pelos desejos de transformação e
transcendência no encontro da igualização, da liberdade como
escolha, da solidariedade consciente e da cooperação.

Afranio Campos

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Viva a Dança da Vida

Os efeitos da Biodança em mim tem sido surpreendentes ao


longo desses quatro meses de vivências como integrante do
grupo regular Abraçando a Vida, assistido pelo competente
facilitador de biodança, Jailson Santana. Participei da
Maratona do Renascimento na Fazenda Campo Verde,
realizada de 13/04/07 a 15/04/07, e logo nos dias seguintes
comecei a notar algumas alterações em meu ser vivente
(corpo, mente, espírito), sobretudo no meu comportamento
emocional e afetivo. E por que não dizer em minha saúde
integral.

Quero deixar esse depoimento como alguém que passou a


descobrir um novo caminho de reintegração da própria vida,
um modo de ver-se transformar de simples inseto no casulo
em um belo exemplar de linda borboleta com asas de arco-

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íris e daí desfrutar desse renascimento, num vôo com
determinação e desejo certeiro de fazer o que quer,
consciente, e amar sinceramente a própria vida em sua
plenitude. Sei também, que é importante fazer o caminho
tanto quanto conhecê-lo! Mas construí-lo é um movimento
potencialmente criativo, intuitivo, ainda que detenha o
conhecimento.

Durante muitos anos sofria de um processo alérgico do


aparelho respiratório que suprimia meu sentido do olfato, e
poucos dias após da Maratona do Renascimento acordei
sentindo naturalmente, aos poucos, e nas horas seguintes à
noite de um processo febril inusitado, os cheiros e perfumes
do mundo ao meu redor, sem precisar medicamentos à base
de cortisona ou tratamentos com spray alopáticos, que fazia
uso nas crises de rinite crônica. Tenho percebido uma
recuperação gradativa desse sentido e outras percepções
sensoriais, como se meu corpo estivesse passando por uma
transformação interior, se autocurando, tratando sozinho
dos males, se depurando de antigas enfermidades que ainda
não posso entender completamente ou até isoladamente.

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Esse ainda é o primeiro sintoma claramente explicito que
posso acompanhar falando da restauração dele sem dúvida!

É fato. Com certeza meu metabolismo foi “despertado” por


um toque diferenciado e tem apresentado mudanças
sensíveis que pressinto por sintomas e sensações diferentes
em diversos órgãos e partes do ser vivente, inclusive no
plano psicológico, espiritual; acredito que provindo de uma
sintonia cósmica. Sinto como se uma carga energética
potencial suplementar em gestação estivesse ocorrendo e
fosse entrar em erupção a qualquer instante. Para
exemplificar isso tudo, veja: tive dores do estomago,
flatulência, cólicas intestinais (intermitentes), febre de 38
graus centígrados por 24 horas (sem ser mais “uma virose”),
sonhos incríveis e reveladores, sentimentos renovados de
afetividade, um desejo de amar profundo, paixão essencial
pela vida, quer mais?

Considero que algumas reações ainda me causam estranheza


quanto as conseqüências que advirão, continuo extasiado
com meu movimento que parece, em sentido figurado e

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exagerado, mais uma explosão do nascimento de um novo corpo
celestial. Deixo de ser apenas uma partícula do pó das estrelas,
solto no universo, e me desloco ao encontro de minha real
identidade: Eu sou Afranio Jorge Campos da Silva, o
cidadão que luta pela dignidade humana, por espaço numa
sociedade injusta que põe a maioria das pessoas obrigadas a
manter seus medos sempre em dia, disputando apenas coisas
de valores materiais, em suas duras superficialidades, atrás de
mesquinharias seletivas, bugigangas maquiadas de boa
aparência, futilidades da informação, ilusões de consumo,
vícios degradantes. E nesse movimento de homem demente,
desequilibrado nos paradigmas, sem referencial, adoecem
violentos, violentado por suas escolhas, cegas para uma
melhor qualidade de vida, sem compreender mesmo o que é
importante para sua natureza, ignorando uma vida evolutiva,
de pleno potencial humano criador, condutor de seu
processo, não-destrutivo, saudável para si mesmo e para um
mundo melhor, enquanto eco-sistema integrado,
interdependente de todos os fenômenos. Somos parte de
um todo como “componentes de um sistema vivente
maior”, biocêntrico e universal. Afinal, tudo que existe

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depende da vida, seja atômico ou galáctico, a vida é que faz
existir o universo.

Passo a aceitar que minha via de acesso ao aperfeiçoamento


como ser humano é pelo amor e pela saúde abrangente da
dança da vida. Na prática das vivências criativa, renovadora
e transcendente, buscando a realização produtiva através do
meu precioso trabalho que gosto de aperfeiçoar, e que
também vai de encontro à transformação permanente do
social e da preservação do meio ambiente e em que vivo.

Quero superviver com “todo amor que houver nessa


vida” dançando com “a alegria de ser um eterno
aprendiz...”, “e não ter a vergonha de ser feliz”.

Afrânio Campos

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Renascimento

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Escadas

Comecei com os olhos secos


Saltando ares de reta transição
Estalando dobrados em aurora

Jogando-me em processo curioso


De saber turvo a espelhar-me
Fui anseio em turbilhão

Tentava de tudo e fiz


O que era menos natural
Mas tudo estava dentro de mim

Muitas noites de insônia vazia


Passos atrasados pelas pedras
Em batalhas sem armas ou guia

Vendo arder minha alma tola


Nas tentativas estranhas
De conter meu animal bravio

Saídas toscas de janelas reparadas


Cruas em óleos e papéis de vidro
Encerrava-me numa gaiola quebrada

Os lábios tinham de responder


Pelas coisas malditas no íntimo
E balançar um casulo de borboleta
Metamorfose de desafio brutal e motivos

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Vivi a solidão em bolhas alcoolizadas
Ao gosto de um vento farto de balões
Montando minha escada belíssima
Um quebra-cabeça que me surpreendia

Abri caminhos internos para superviver


Outros externos nas linhas lidas das mãos
Descolando tantas passagens cercadas
Identidade única em estado de prazer

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De Peito Aberto

Por um lado corre a vida sem amarras a romper os laços


Uma certeza aperta os passos que faltam para minha saída
Meus sentimentos trepidam entre as margens das decisões

Volto os olhos para a minha praça que expõe suas escadas


Quero ar e água desarrumando os espaços de meu peito
Limpo em espírito por não conter mágoas nem presunção

Conheço-me pelos dons que em silencio ardem e declamam


Jogos e processos rompem a sorte no retorno de pesos e
tensões
Por que dançar a vida permite que a felicidade inflame!

Minha criança percebe que opera em canto e espaço


próprios
Revivendo seus gestos e esperanças decididamente presentes
E em mim encontros e desencontros viram coisas
transitórias

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Seja Como For

Digo que minha dança floresceu sob o teto de raízes


profundas
Que repetidamente de gestos e palavras sinceras era
companhia
Mesmo a cegueira e palpites me tratando como se fosse uma
mentira

Em um labirinto intrigante surgiam julgamentos irreais sem


lastro
Que por mim queriam perder suas roupas e riqueza sem
orgulho
Da visão pura das crianças que percebem as cores reais do
quadro

Que corte injusto nos meus sonhos é preparado pelos


pesadelos
Justo agora no inicio do apoio do Universo construindo
novidades
Por uma encosta ensolarada entre grupos de anjos ouvindo
meu apelo

Sei que nunca estamos sozinho diante dos medos que nos
atentam
Uma força positiva logo se chega a quem realmente se
entrega
Aos pensamentos felizes que nos levantam no ar tão
raramente

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Viro os lençóis e meu coração novamente por outro lado
avesso
Ao ouvir as verdades que desenvolvem calos na minha
percepção
E continuo a falar com meus botões como se refizesse o
começo

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Árvore Criada

Plantei uma arvore em algum momento da minha vida


Cuidando bem dela sabendo que seu fruto não era só meu
Reguei de amor e poesia meus sonhos tidos como filhos

A paixão se achegou em brotos palpitando movimentos


Corroendo os anéis acomodados dos desejos em fluxo
carente
Expondo sentimentos que afloravam doce num crescimento

Uma malícia de mel veio na boca em roupas de origem


simples
Tentando marcar com seu compasso um circulo de fantasia
Que até então era mais feliz do que a velha paisagem triste

Toda entrega parecendo tão difícil sem o amor necessário


Partia em surtos de gestos duros de quem se enfeita do falso
E limpa tinta de livros velhos de idéias atrasadas no horário

Continuei escrevendo num sopro de surpresas e acordei


Diante de todos os céus limpos de tempestades tardias
Andando em pétalas de carinho daquela arvore que plantei

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Minha Árvore dos Desejos

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Sede Interna

Fiquei sem palavras no exato momento de sua chamada


Cintilou um imaginário segundo antes do beijo desejado
Definiram-se rasgos de possíveis tratados anti-saudade
Passaram pelo corpo os frios e calores das sedas do tato

Já posso realizar os sonhos que tanto me reviram ao sonhar


Mesmo nessa estrada que se abre como os dedos das mãos
Jogando fogo e brasas em nossas veias que se conectam
Que de lua a sol amanhecem em pouso de gozo e perdão

Nem advinha meus dias aguardando por sua companhia


Porque costumo sair de mim e viajar a lugares
desconhecidos
Milhas em asas arqueadas sem descanso ou proximidades
Que me acolham na continuidade com afeição nos sentidos

Preciso de minha paz encoberta por sua sonoridade louca


Acostumar com as tempestades que me pegam e se vão
Aprender todas as manhas que trouxerem as surpresas
E amar por muito mais vezes enquanto tiver um coração

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A Centelha

Numa vontade de sede entorno a voz calma no ar


Os gestos das mãos se repetem a chamarem as suas
Na imaginação tomo conta de cada gota da música
Faço silencio de corais que ignoram o caos das ruas

Entre as nuvens de origame volteiam olhos de águia


Mais abaixo descubro meus pés ardendo nos sapatos
Após uma caminhada por algum espinheiro salgado
Abro mão das receitas e bulas das quais estou farto

Quero a atenção do céu modificado que contemplo fiel


Num olhar perpétuo de abelhas na direção do ninho
Que assim me preenche ao arranhar a centelha da vida
E bebo do amor que preservo puro como um bom vinho

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Superação

Minhas raízes ficaram cobertas de folhas secas


Com o coração batendo com seu interior ferido
Partes que sentem seguem em direções opostas
Quase desabam outras que desejam os sentidos

Numa dessas folhas que cai explodem os desatinos


Toda seiva contrariada escorre para fora do corpo
Dói a maneira como as reações se esboçam insanas
A crua realidade de seus fios revela meus cortes

Quero tintas para colorir a árvore de meus desejos


Olho pra ela e provo doces pelos dedos ousando crescer
Numa esperança vindo carregada de cestas de frutos
Perfumes e enfeites que florescem ao entardecer

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Sentidos

Transparências me apresentam o seu íntimo olhar


Sorteiam minhas roupas que brilham dançantes
Meus anseios acreditam nos sorrisos presentes
E abrem pacotes especiais para me desacostumar

Descarto velhos paradigmas num cesto trançado


Por um lugar casualmente visitado e anormal
Na troca de carinhos formamos mais que pares
Uma festa de belos que buscam o menos usual

Chego a uma janela para te ver subindo o poente


De repente ages como se notasses te aconchegando
E coubesses em meu pensamento com sutil delicadeza
Adivinhando meus passos indo ao seu encontro

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Mudança

Continuo indo e sinto as diferenças do que vivia antes


Quedas de rio interior assumem corredeiras no peito
Meu choro já não tem a tristeza de loucos remoinhos
Novos sentimentos molham de jarros os espaços refeitos

Quero toda saúde existente das coisas que renascem


Sendo outro diante da completa natureza em fúria
Preciso de minha identidade para criar novas páginas
Passeando nas palavras que me lançam fora de angústias

Percebo como os beijos quebrados saem da dor imensa


E aceito o sentimento que descubro ser insuportável
Quero continuar amando minha vida mais que antes
Sei como se trinca o coração por um instante inevitável

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Abrindo a Roda

Somos uma corrente que se aquece em elos


Como grãos unidos formando um círculo mágico
Nessa roda lúdica que decifra os nossos desejos
Nossos narizes resvalam bem perto dizendo algo

Sentados restamos na respiração do outro


Gestos suaves acordam nossos olhos meados
Uma canção de ninar nos consola em repouso
Obras criadas por horas de amor revirado

Somos a imensidão do movimento que pulsa


Querendo conhecer todo processo e retorno
Ainda que dure um pouco no tempo suspenso
Contínua busca do que se renova no outro

Nós pertencemos ao colo afetuoso do universo


Basta aceitar numa oração o que é todo nosso
Desejando ser feliz como de fato é uma estrela
Dignos dessa passagem que se abre para o novo

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Permanecer

Até onde nosso olhar se estende


Inesperada dança viva de entregas
Ainda que pareça simples e singela
Vamos em passos que se aprende

Mãos entreabrem visões distintas


Nossos rostos se mostram profundos
Risos nascem de nossa cara criança
Por alguns minutos recriamos tudo

Somos transformação seguida em vida


Queremos limpar o musgo das unhas
Brilhar livres às intimas galáxias
Que permanecem internamente juntas

42
Minha Viagem

Estou entre limites que rasgam o coração


Já não sou o mesmo de quando te conheci
Alguma química mudou o humor dos dias
Reparo no encanto das palavras ao seguir

Como os sonhos chegam bem perto agora


Velejo desgarrado de todo peso do passado
Costurando uma roupa que cai bem em mim
Pois é leve o ar puro das mudanças que trago

Uma paixão inflamada conta outra história


Em vôo rasante minha sorte está batendo
Repetindo o tom de uma idéia desenhada
Dispo-me do que não cabe mais aqui dentro

Solto um suspiro de prazer pela minha viagem


Quero alcançar aquela torre que me espera
Avanço com todo espírito que me preenche
Num reflexo rumo ao horizonte feito flecha

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Diga a Quem Ama

Uma vez você me disse


Outra você que me ouviu
Olhei o nosso movimento
Como amei a nossa dança
Penso que tudo parece belo
Até o que não é nem tanto

Você é parte da paisagem


Graça sedenta em degelo
Traz uma grande mudança
Nada de dúvida nem sombra
Leva uma guia desse novelo
É uma fibra de esperança

Uma vez te surpreendi


E quero assim fazer de novo
Seu olhar de gotas de mel
Reflete mais um desejo
Que diz que me espera
E é perfeito como é

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No Circo

Uma energia origina-se do corpo que propõe o vôo


Outra recebe o que seu conteúdo tem de sincero
Andam por relâmpagos pontilhados de trovões
Em traços conhecidos que riscam corações de ferro

Um dia iluminado descobre a surpresa de um circo


Apresentando cambalhotas e repentinas gargalhadas
Para recriar sonhos que disputam olhares curiosos
Mostrando os saltimbancos transformados em fadas

Pelos saltos percebem a insegurança das cordas da fama


Quando as vozes gritam mais alto após um golpe falso no ar
Montam e pulam as alturas em um corcel negro domado
Tentando viver uma peça incrível que suscita as palmas

De lágrima no rosto o palhaço nos desmancha em risos


Acrobatas fantásticos sustam soluços que rasgam a lona
Nas cenas são meninos e meninas crepitando como pipocas
Eternos em cada face de criança feliz e brincalhona

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Fogo Espontâneo

Sou como um telhado sob uma nuvem de chuva ácida


Esperando sua ternura chegar em um toque único
Com medidas de lucidez súbita justa como uma luva

De certa maneira corro para uma entrega combinada


Nos pingos de uma necessidade de cruzamento de rios
Entre correntes de amores transpirando sem domínio

Agora temos uma gota de orvalho nas mãos inquietas


Pelos lábios selados surgem palavras coradas
Sinto uma sede que me arrebata diante do que ofereces

O impossível se torna fato nos meus dias criados do nada


Faço isso numa nítida condição de quem ama sem pedir
Abro as velas da pele para colher rosas na caminhada

Quero a perfeição nascida de raízes que florescem


Cuidadosamente planto nessa rica terra da emoção
Sinto uma sensível força de um sentimento que cresce

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Entrega

Conheci uma nova dança que inova minhas sensações


Por vestir outro modelo entro no baile perfumado
Experimento o sabor quente dos cheiros dessa hora

Mar e brisa transpiram no movimento de minha vida


Juntos nos servimos das noites percorrendo a cidade
Pois o nosso amor faz essa entrega ser bem-vinda

Faço esse caminho a cada passo num caminhar ciente


Com cartas que precisam ser escritas como lembranças
Até ouço canções românticas vindo de dentro da gente

Meu espírito tremeluz elevado em bandeiras ao vento


Guardando uma imagem que recebo sorrindo sem ressalvas
Enquanto desmancho um véu molhado coberto pelo tempo

Faço o retorno pelas vias de uma conquista declarada


Afago seus seios em voltas tontas de tantas revoadas
Desfiando a grave rotina do dia a dia em finitas camadas

De um modo incerto acabo me vendo pequeno então


Mas cresço ao me doar para o seu fugaz acolhimento
E meus desejos ou anseios são consumidos em reação

Do meu coração puro bebo meu próprio licor de ferro


Que transborda uma beleza não descoberta por fora
Pois quero viver o imprevisto sopro de sua atmosfera

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Presentes

Uma provocação temporária inovou tempo e espaço


Para responder aos olhares nitidamente luminosos
Com emoções transparentes em felicidade de fato

Nossas vozes recebiam presentes de verbos consoantes


Com forças nos unindo por pontes de percepções
Do interior para o exterior sem existir mais como antes

Desejos insanos dançaram em nossas bocas úmidas


Para recortar melodias respirando vitalidade de anjos
E entender de portas que abririam volumes e dúvidas

Fomos ao encontro de sentidos adormecidos pela espera


Tateando todos os contornos de sua energia delicada
Como rosa despida nas mãos por seu aroma dissipado

Sonhamos juntos numa mandala retocada de vitórias


Nos doando espreguiçados em terno aperto de mãos
Para abrir trancas de um cofre de segredos revelados

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Coração Dançarino

Percebo ao longe a luz dada do seu olhar


Quando sou pêndulo o seu corpo me alcança
É como o farol acariciando o dorso do mar

Caminho como se dançasse sempre acompanhado


E meus joelhos tremem tendo motivos demais
Querendo mais uma volta em passos inventados

Gosto do que sou buscando meus horizontes


Com o coração em calma por contar os meus sonhos
Um tanto motivado quero me sentir gigante

Faço gestos de amor em cortina de espelhos


Abro cadernos de estrelas e me entrego em saltos
De frente tão intenso sendo alvo de mim mesmo

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Sábios e Doentes

Quando um dia sequer sem ameaças,


Se dor e fome ainda morrem no corpo?
Mais caminhos demonstram violências
E ainda impunes se entrelaçam.

As mesmas promessas arrastam-se


Anos a fio cortando no osso
Sem panacéias que satisfaçam,
É navalha o mais provido esboço.

Mesquinharias, ambições e lucros


Impedem as necessidades da gente
Propiciam as cicatrizes nos sonhos,
Assim como as repetições dementes.

Folias insanas, más políticas, bravatas


Nos queima a todos através dos anos
Suja-se o bom gosto das almas
Que ainda acreditam nos planos.

A hora de consertos nos chega e se vai


Pelos filhos que tateiam esperanças,
Mas de vendas manchadas por dias e noites
Até se acudir no balanço das mudanças.

Ainda pisamos no olho da água doce,


O mineral com vigor ainda borbulha
Espelho da natureza sem rancor se derrama
E nos alimenta com manancial ternura.

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Vale ainda os valores da sabedoria
Em cascatas reviradas por letras e danças,
Numa verdade com gosto de ruptura
Que no peito do ser humano se balança.

55
Pelo Avesso

Descobri um sentimento que ainda permanece


Seja ao lado numa música que sintonize no rádio
Talvez oculto na sorte diferente de uma escolha
No prazer de uma dança que suspira descompasso

Como tigre se movendo em ataques sublimes


Que rodeia sua presa de maneira a respeitá-la
Cravo minhas garras em ataques de surpresa
Depois afloro carinhos bem mansos ao abraçá-la

Toco os avessos fazendo coisas e descobertas


Quando eu quero segredo mostro-me expressão
Perco todo o curso ao dançar fechando os olhos
As dobras e costuras esvaem-se sem significação

Por cuidar do outro aprendo de novo a respirar


Refaço todo o corpo para provar outra roupagem
Os sentidos se orientam todos para renovar a vida
Repetindo que te amo como se fosse novidade

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Amor Mantido

De curiosidades semeadas por cristais de luz matutina


Mais um dia corria solto entre gorjeios de passarinhos
Notas se soltavam pelos ares através de trino afinado
Indo compor cenários retratados em flores e sons de sinos

Passando as mãos pela noite senti a voz líquida da lua


E medi seus compassos riscando no chão raras nuanças
Renovando espaços internos alarguei ruas e casas
Compreendi o frio na procura do cobertor que faltava

Muitas vezes não revelava quantos medos me escondia


Longe dessa verdade não encontrava vontade de mudar
Agora acordo cedo como um grão gerando ramos e folhas
E exploro a imensa força que antes não podia enxergar

Vivenciei o novo amor falando de palavras que queria


E parei nos traços de sua boca que ocupava um sorriso
Não saberia contar quantas letras teria essa arquitetura
Percorri curvas sem acidentes atrás desse outro abrigo

Hoje o que sou não se traduz em milhares de palavras


Pelos mesmos motivos ainda visto as cores da vida
Como no momento em que me molho de vez na chuva
Na esteira de muitas delicias ela é a minha preferida

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Crianças Sãs

Nós andamos com a alegria de receber um brinquedo


Voltamos ao garrafão de giz como antigamente
Dando pulos num ensaio de gritos de férias passadas
Resgatando uma criança viva em tempos de verão

Fez-se uma disputa de forças sem propor conflitos


Reunimos sensibilidades de gênero face a face
Em revelações de cristal e adrenalina desperta nas mãos
Abraçamos um ao outro sem nenhuma mascara

Pela pele nós e fios de uma tensão não regulada


Saiam em sísmica tremulação por causas duras
Eram espasmos de puras emoções acumuladas
Que nos davam presentes em tramas de ternura

Todo espaço poderia ser alinhado com o nosso céu


E nessa identidade que superviveríamos como somos
Sentimos vibrações poderosas num louco carrossel
Antecipando gratidão pela vivencia que provamos

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Mar e Brisa

A praia exibia montinhos de areia fina e branca


De repente uma onda derramou-se em espuma
Os pinceis da natureza misturaram os horizontes
O mar fez-se céu e o sólido chão moveu-se em dunas

Mergulhamos em ângulos feito gaivota abrindo as asas


As cores de nosso sol reviraram arco-íris em calda
Nossa pele cochichava em línguas soltas e variadas
Nos movimentos do sexo nossos corações cavalgavam

Gostosuras em criar formas de navegar sem regras


Entrelaçados no prazer de remar com as mesmas mãos
E fincar os pés nos próprios pés para deslizarmos tortos
Nos vários naufrágios resgatados por insaciável paixão

Como aguardamos por essa brisa de manhã despertada


Desconhecendo para onde corria nosso perpetuo balão
Acordando trôpegos por planos de querer viver o agora
De certezas nos enchemos em uma mutua admiração

Vivendo mudanças sobre trilhos como vagões alados


Brincamos na superfície de uma lamina da vida
Para comer e beber das horas de nosso trabalho
Nos achamos numa estrada de viagem indefinida

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Vazão e Remanso

Quero algo muito simples na hora da sua chegada


Uma chuva sem motivos achará o fluxo da emoção
Serei folhas e ervas no preparo de um banho
Pelos seus devaneios navegarei sem qualquer proteção

Na hora certa estarei livre de minhas bagagens


Aguardando sua passagem numa parada do relógio
Marcas e sinais de uma viagem marcada há tempos
Como gotas de seiva escorrerei leite no seu colo

Cartas perfumadas espalharão permissões em rabiscos


Que por si só firmará um cruzeiro em ondas de chama
Em imprevisível amor e desvelo até um curto remanso
De vazão incontrolável ainda assim nos aproximando

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Cachos de Carinho

Seguindo os laços de um convite afetuoso em sua voz


Um motivo inspirava algo incomum para esse dia
Entre nós haviam ramos de trevos da sorte enfileirados
Nenhuma adversidade em desacordo aparecia

Copas verdes estampavam os lados de um longo caminho


O que escolheríamos não mudaria em nada aquela tarde
Só um amor vulcânico derramado fez-se incandescente
Algumas carícias em marolas e antecipações de saudade

Uma intuição sorridente morava em seu olhar imaterial


Verde intocável como um por do sol riscando o cenário
Acasos nos levavam a um terraço suspenso até o mar
Um almoço combinava boa música com o sabor imaginário

Atiramos aos céus livros de desejos e aguardamos respostas


Detalhes costuravam brilhos de espelhos sobre a cidade
Por onde andávamos colhíamos mais cachos de carinho
Versos debruçados nos alçando ao patamar da paisagem

A vista alcançou um horizonte de onde viria a novidade


Saltitava no canto de um esperado fruto que logo chegaria
Para percorrer toda a casa sustentada em evidente emoção
Nos despedimos com abraços de jasmim pintados de poesia

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Borboletas

Na busca da vida encontrei uma pista em ampla clareira


No pisar corrente firmei minhas marcas sem espinhos
Nada pareceu normal como se dizia anteriormente
Só renovei-me num curso ainda sem padrão nem eira

Entreguei-me as marés ainda não acostumadas


À tábua de horas ou maneiras moldadas em areia
Atravessando do meu jeito ondas tracejadas de sal
Até conspirei para que as águas viessem numa cheia

Dadas as circunstancias movido pela emoção


Numa beleza de criança que nos mostra sua dança
Abri meu coração que transitava sem amarras
Em sintonia com a música revelei o que guardava

Réstias de festejos bem combinadas com maçãs


Encontrou-me vasto como uma grande estória
Que se ouve e nem que se tente tudo se lembra
Sustentada por pequenas hastes de giz da memória

Equilíbrio insano de uma revelação em labaredas


Cobri de expectativas meus passos na subida
Do íntimo em andamento escutei seu amor em poesia
Bela borboleta roxa graciosamente pela luz atraída

Aprendi como aceitar o encontro de certas mudanças


Pois achei um valioso selo guardado numa caixa
Uma inacessível frase que ficava na ponta da língua
Cores de um retrato guardado de lembranças decorado

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As Chaves

O tempo anunciava gotas frias de uma chuva de vento


Aviamos todos os cuidados com o que devia estar por vir
Eram horas refeitas de fantasias e pequenas velas
perfumadas
De um clima de entregas fazendo algo em nós se abrir

Nove profecias rodavam num painel de letras pequenas


Evoluções adolescentes surgiam do âmago de nossas almas
Acometidos de uma razão planejamos um pouco de tudo
Finalmente nos fundimos como esferas quentes cravejadas

Num início de entendimento em degraus de entradas e


saídas
Misturamos inesquecíveis sabores salpicados sem sementes
Em doce caldo de lima derramado pelo canto das bocas
E irrequieto balanço de ventos de brincadeiras iminente

Estendi os segundos dobrados em minha vontade de ficar


Surpreso por conhecer o pulsar de seu satélite vermelho
Um coração aberto palpitando uma música em sintonia
Com acordes decifrando os detalhes de viver por inteiro

Admirei a textura da seda rendada delicada em alças


Sentado ao lado da sua silhueta renascentista recostada
Sem dúvidas perdurei na penumbra de seu planetário
Ao garimpar seguro suas chaves como valiosas esmeraldas

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Segredos que Bastam

Achados em sonhos inúmeros segredos são contados


Os acontecidos por dentro viram manchas solares
Insistem em nos lançar sem pára-quedas ao vento
Grãos de suspiros por cima de um horizonte inflamado

As mínimas vontades parecem alimentar suspeitas


De anseios e palpites batem loucas em nosso peito
Nas voltas por praças à beira de penhascos e rios
Crespas e arriadas sobre selvagem montaria em pelo

Inebriados pelos cheiros bordados nos cabelos e panos


Por nossas roupas translúcidas admiramos seixos molhados
Somos clara imaginação aproximando-nos da tona
Que salta de um mar em gozo após mergulho cobiçado

Agora pisamos em terreno que conhecemos desde cedo


Mas desatentos acariciamos nossos rostos ao fim do dia
Quando as meninas da retina deitam em luzes de navios
Em direção a um balé primoroso de divino rebuscado

Sinestésico poder de nosso ser em outro movimento


Acaba e repõe suas formas e sons do jeito que são
Como vida que dá sentido ao que existe ao redor
Evoluindo a cada amor em perpétuo ponto de fusão

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Renascimento

Dei uma pausa pensando mas não achei porquês


Saltei dos pensamentos e fui do sono acordando
Para escrever sobre emoções que nem sei dizer

Acendi a minha manhã ao puxar o cobertor do dia


E pintei um quadro imaginário sob os pés pousados
Com mãos de recém-nascido abri a página que queria

Quis mais da sobremesa que a vida me serviu


Uma vez provado os sabores nada mais seria igual
Saberia lamber cada gota sentindo o que evoluía

Minha percepção alimentou uma nova vibração


Por dentro e por fora partindo o que era rijo
Renovando cada célula em sua íntima relação

Fiz um instrumento mais prático para a viajem


Parecendo que conhecia os planos que perseguia
Mas sabia que tudo isso era mais que uma miragem

De frente a uma paisagem de céu azul e flores


Chorei ao olhar os quatro cantos do velho mundo
E a cada piscada via uma razão para onde ir

Senti o meu espaço interior em graus de febre


Arremessei fora o fardo das dores que me ardiam e
Amanheci em ares de desejos que não soariam breves

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Escolha de Estrelas

A chegada a Campo Verde pareceu um sonho


Entrando nela descobria-se um universo paralelo
Onde a mãe natureza estendia seus elementos
Cachos de mangas, besouros, éramos gatos pardos!

Uma criança brincava com sua pura imaginação


Soltando sapos encantados pelos quartos
Apenas uma primeira impressão do que viria
Dos nossos movimentos quarado de constelações

Na intimidade do salão colorido de pétalas


Uma pintura surrealista e magia nos convidavam
Para formar um roda sagrada por todos nós
E ali confidenciarmos em espírito nossas palavras

Cada pé lapidava um pouco uma surpresa


Acariciando a verde grama orvalhada de segredos
O campo descortinava bilhões de estrelas
Como uma benção de Deus posta na mesa

Mas uma força bruta que saía da terra


Numa catarse nos tornaria parte dela
Nos fundimos no seu leito em micro-tons
Sustentados pelos grãos e cerdas de suas células

Renascemos pela luz das estrelas escolhidas


Por pontos de nossa linda alma em repouso
Estávamos combinados e o plano era um rodopio
E num grito nos deixar brotar em um corpo novo

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Passeamos pelo céu num risco de meteoro
Do nosso jeito agradecemos em meio à amplidão
Festejando essa dádiva pela qual alguns nem sonham
E por aqui acordamos com ela em nossas mãos

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Transcendência

Uma experiência surpreendente iniciava um ciclo


Pisamos o chão sem restrições ao tecido da terra
Os medos ficaram pelo mato afora espantados
Fizemos filhos lendo o verbo pelo espírito anunciado

Pelos Ingás, Umburanas e Palmeiras sagüis rodeavam!


Gado e bezerro assistiam nossa roda humana com asas
Que em rastejos no pó se aproximava da crua natureza
Onde de nós um grito visceral sem dimensão ecoava

Suspensos por mantras e levados pelo vento


Algo era avisado no canto permanente dos pássaros
Numa ousadia conivente com o nosso propósito
Que aprendia a lidar com o diverso coração atento

Desembaraçamos os sentimentos de teias aos pulos


Renascemos de um repentino e vigoroso útero
Passando pelas pétalas do brilho de nossos olhos
Enquanto as lágrimas enchiam o peito de bom orgulho

Um eu no outro eu corria desgarrado num curso


Aliviados, tranqüilos, revigorados em estilo e emoção
Por uma vida merecedora de tudo o que queremos
Extasiados pela distância entre gesto e compreensão

Nascemos como frutos num parto com pais amorosos


Possuídos por um amor sem trégua na expressão
Viva entrega em giros equilibrados por cuidadosas mãos
Revelando movimentos em sinceros prantos copiosos

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Marcou-se um momento que durará sem noção de tempo
Tantas mudanças ainda por chegar em nossa porta
Que poderá numa onda até o último dia de vida
Nos transformar em seres humanos melhores que outrora

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Hora Marcada

Quando cheguei a paisagem era o mar ao longe


Por degraus escolhi encontrar o que queria
As portas estavam abertas como os seus abraços

Ainda podia escolher a hora de te conhecer


Tudo em volta nos impelia aquele encontro
E levamos nossas intenções pelas mãos adiante

O inesperado estava alí bem perto de nós


Porque as coisas pareciam andar sozinhas
Então passamos a nos explorar pelas palavras

Imã corporal, poder de atração sem tamanho


Mas pelo gosto de beijos iguais aos seus,
Achados ou perdidos estávamos bem encontrados

As peças que vestíamos de repente caíram


Sem forças os nossos lábios se uniram
E um poder de fogo nos fez abrir o que pedíamos

Assim criamos nosso reflexo em minutos


Enquanto um canto nos esperava sedento
Numa viagem clara de desavisados instintos

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Vez na Dança

Da primeira vez era simples passageira


Sem saber demais me tocou para ser ouvida
Tremi mudando no ar o corpo de posição
Vendo no olhar a cor da sua doce mensagem

Seu vestir negava parecer algo de padrão


Havia uma tendência de vida a lhe consumir
A aparência de seus movimentos eram lembranças
Um sincero sopro de verdadeira emoção

Tive de me atirar no chão pra pegar sorrisos


Um a um escorriam pelas mãos dormentes
Sem conter-me insisti ganhando alguns
Entregues por ela num paciente improviso

Despediu-se virando um anjo sem asas


Pensei que aguardasse o meu chamado
E voltasse passo a passo para nosso futuro
Quem sabe não estivéssemos longe de casa

Repeti meu gesto de pedido acostumado


Como desafinado cantor da esperança
Quando notei estar em breve instante
Ocupando um lugar definitivo em sua dança

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Meus Pés

Por onde andastes pés doídos?


Quantos anos sem descanso ainda têm?
Quais veredas de pedras caminharam?
Gastando as paisagens com suas passadas

Boa água já provou em riachos limpos


Saltando cercas pontudas sem tinta
Topando em urtigas apimentadas
Chutando folhas de vento nas esquinas

Com passos ligeiros sobre a linha de ferro


Ia a bodega da vila beirando o capim-cidreira
Carregando o menino triste e sozinho
Que trazia para o pai os cigarros em carteira

Se contasse as topadas e piruetas


Seria pouca a gaze no novelo
Para sarar as cicatrizes das quedas
Dos dedos dos pés ao cotovelo

Foram pés engelhados em dia de praia


Brocados por areias mexidas por bicho de pé
Saindo dormentes dos banhos de piscina
Pés que lembro nunca cheirarem a chulé

Numa boa tarde, um ardeu no ferrão da abelha


Outro sucumbiu a um prego enferrujado
Arteiros derrubavam o esteio e o varal
Lançando abaixo os lençóis úmidos alvejados

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Pisaram em ponta de bagana meio acessa
E na dor choraminguei baixo cada lágrima
Bem na calçada na frente de casa
Diante do portão forjado de entremeio

Naquele dia em que o trem descarrilou sem jeito


Nos calcanhares quis correr até a fumaça
Donde saía um bolero do rádio do maquinista
Sentado na férrea Maria com assovios de pingueiro

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A Dança da Vida

Na dança da vida não sou mais um ser qualquer


Achei-me em um a mais que nós dois somente
Pela identidade encontrada em conchas e algas
Sou miríades de cerejas minando de estojos
Cascas que desfolham bailarinas entre sóis
Uma linguagem de nossos átomos em conexão

Dançamos serpenteando embolados e certeiros


Despojados como hipopótamos em altura e peso
Até nos sentirmos a vontade num vôo com o outro
Suando em tranças de distintas percepções e
Diretos nessa difícil arte dentre as muitas a despertar
Ao largar o ouro das louças internamente quebradas

Incrível tendência a existir num sentido incomensurável


No melhor tempo alguns permitem se durar no pouco
Noutros os desenhos e letras se desfazem desbotados
Justo por aceitar o real presente do bordado da vida
Acertamos o que as horas a passos largos trazem do dia
Percebendo as qualidades e virtudes que nos invadem

Desconheço pesos ou matérias que impeçam agora


A dança da vida nos atrai por relações diversas
Como animais imersos no viço da emoção humana e
Erros por não fazer o que é próprio a natureza
Mesmo sabendo que o tempo é uma coisa viva
E não nos deixa confundi-lo com o relógio que criamos

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Nosso movimento não quer ser mecânico ou frio
Pode-se entendê-lo no mesmo espaço raro dos atos
Dando voltas de costas no dorso de suas costas
Quando a cabeça deita no seu ombro uma linda lua
Meu corpo prova que é transformado pelo que tu fazes
Da suave carícia liga completa de amor adornado

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Nosso Ensaio

Quer fazer comigo?


Vamos juntos?
Recebo um beijo espontâneo.
Todos os nossos braços e
Superfícies se resvalam,
Em um toque de pressão suave.

Mais provocações...
Nunca olhou para mulher?
Concorda com o que digo?
Não está enquadrado em nada?
Será que tem coragem,
De fazer o que quer?

E assim vai... pura química


De instinto sorridente
E inevitável madrugada.
Toma a direção e leva... os desejos
Aflorados numa escolha vívida,
De volúpia questionada.

Estamos aqui, sinta o calor


As palavras já não bastam...
Põe a tua mão entre minhas coxas,
Nosso ensaio tem pressa.
Aproveitemos a vida
Esqueçamos o que virá depois.

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Pão e Companhia

A sova na densa massa integral continha uma inspiração


pouco habitual.
O corpo debruçava-se sobre o tampo da mesa improvisando
o singular
Massageando-a sobre a espessa lâmina de vidro e suas
transparências.
Os braços combinavam certa força em um contato
cadenciado,
Enquanto lembranças reviravam-se sob o pó nas mãos secas
e hábeis.

Aquela sala embebida com o luar frontal entardeceu rápido


demais.
Nossos olhares tentavam impedir o que restava do dia de se
ir,
Como as palavras que nos levavam a um salto a mais se
prolongando.
Muitas vezes indo sem serem notadas pelo tempo.

Mais e mais assuntos inacabados ficaram sem silêncio ou


atraso,
Logo um crescente luar empurrado pelo mar parecia nos
rodear.
E sua beleza lunática apontasse a exata textura do nosso
pão,
Assando o brilho da linhaça entranhada, com o calor volátil
de sua chama fria.

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Tempo e individualidade ficavam se revelando gradualmente
íntimos,
Nas formas de gostar mutuamente, combinando partes
sóbrias de emoção.
Dentro da noite pudemos dividir em risos tenras fatias ainda
quentes,
Mordidas em ricota, cenoura ralada, bananas passas e
ameixas macias,
Uma boa prova da arte em doce e sal de nossa insustentável
leveza.

92
Na Ponta dos Dedos

Descansei sobre as frestas mudas do assoalho


Sentindo a respiração criar a aura vital.
Virei minhas mãos esperando a cura das tuas
Pisquei retendo a lágrima tolhida e,
Em tempo, sorri colhendo sementes de felicidade.

Com a música iniciou-se um movimento


Nossos dedos dançaram colados pelos indicadores
Dispondo duas energias vistas sem padrão.
Lapidamos emoções sentidas aonde fluíam,
Somando a beleza da vida e o sagrado.

Brincamos como crianças em nós mesmos


Desfolhando o olhar em abraços e ninhos.
Geraram-se forças sortidas nas linhas das mãos
Mostrando-nos vivos sendo parte de um todo.
Até sair de nós alçando vôos sincopados!

Abraçamos a vida, o sol e o quase impossível,


Evolando um fogo interior em breve estalido.
Dividimos o vinho, o fardo do choro, nossos milagres.
Para contar quais medidas nos completam
Saindo fartos como bocas de lábios lambidos.

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A Luz Quebrada

Contei meus sonhos sem hora


E pousei sem chão pensando alto.
Talvez por uma passagem estreita,
Levantei em mim um outro estado:
Contigo vou mais longe?

Sentado em breve satisfação,


Caminhei na rota de minhas buscas
Atravessando cantos livres de arestas,
E segui provando novos frutos.

Cuidei de manter a luz acessa


Abrindo por dentro novas trilhas
Nada que antes pudesse ver, na ânsia,
Mas, vivenciei amplidão, amor e tentativas.

Quis atingir o horizonte sereno


Juntando todo ar que pudesse sorver
E rir bem alto sem receio
Mudando o espírito de nosso ser.

Flor despida de jardim,


Continuas me fitando silenciosa
Como uma mensagem encontrada na garrafa,
Dando-me motivos de explodir nos arranjos,
Em mil sopros e arpejos de tempestade.

Quebrei a luz emanada dos olhos

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Formando um ambiente propício.
Entreguei uns colares de lírios
Permitindo amores perfeitos, e
Acordei bem perto desse mesmo sonho.

95
Um Leve Transe

Entraste pelos pequenos olhos


No fino linho da alva face
Pelos poros afagando os brandos fios,
Vertendo tanto as mãos em mim.
Acolhi as pétalas da manha
Despejando meu sussurro, enfim!

Mitigaste seu beijo e,


Entendi o não dito.
Dançamos em um único som,
Distante dos lábios fugidios,
Próximas almas em visível transe.

Química da vida real


Começo de todo surto
Mostra o sabor da sua fonte,
Aonde o amor vão se veste
Mas cora ao provar-se amante.

Limites se esvaem loucos


Novamente mancham-se as veias
Onde oculta tão clara ceia,
Bem embaixo da tênue emoção.
Abre-se em polpa levemente tão,
Ainda que tarde.

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O Flash

Em cada infância acontecem fatos que nunca vão


desmanchar em nuvens carneirinhos ou como folhas secas, e
sumirem num redemoinho, após um vendaval. Sempre vem
no painel das
lembranças de uma
dada época em que
vivemos juntos as horas
que pareciam
infindáveis, em dias de
incontáveis
brincadeiras. Algumas
imagens estáticas batem
na mente como uma
foto em preto e branco
ou mesmo um
imaginário filme digital
sobre uma tarde no
futebol de bola de meia,
perto dos Labirintos
com seu leite venenoso.
Um domingo na praia
do Trapiche soltando papagaio, uma carreira de cágados no
quintal da casa da avó Abigail e as voltas rápidas de
velocípede, no qual montava, e rodopiava por debaixo da
mesa da sala de jantar ignorando os gritos de recomendações
de perigo dessa arte incrivelmente pueril. Selecionei uma
foto que me faz recordar de meus irmãos, todos nós na
expectativa de se ver nos anos que eram nossos (eu, 4 anos,
Armando 2 anos e Alba 3 anos), feita por um fotografo
profissional que nos deu um susto danado com seu flash

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explosivo. Como estava paralisado e de olho duro reparei
bem quando o homem clicou o curioso disparador e um
clarão luz prateado nos pegou de surpresa, marcando de
jeito nossa atenção, como quando um raio cai do céu. E olha
que a gente morria de medo de trovão nessa idade.

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Fibras do Coração

Olhei em minha volta


Descobrindo as imagens do outro
Vibrei assim, diapasão
Voltei girando, na palma pião
Corpo cheio, vazio
Marcado pela vibração

Olhar vagando musical


Toques sadios de nuvens
No tato do encontro sem visão
E o peito em raios
Rasgando plenitude

Voltas sem plano


Aromas nos cachos
Beijos quase mascavos
Firmes na pura vontade
Dando graça ao pulsar
Nas fibras do coração

Quero arredar os cacos


Mover barcos falsos
Criar idéias em horas vagas
Levar cores de boas falas
Pelas mãos dadas em cirandas
Das fibras do coração

Carrossel dos pares


Unindo múltiplos prazeres

99
Ouvindo gostos velados
Em limites claros da carne
Revelando diversas faces aos saltos
Das fibras do coração

100
Tanto Tempo o Agora

Por enquanto só vendo


Inexplicável realidade torta
Tempo que não é mais o antes.
Machucando devagar
Parecendo o sempre
Mais hoje que ontem
Menos hoje que no amanhã.

Sem o antigo
Sem o mais jovem
Novamente, o que fazer?
Por enquanto só vendo,
Inexplicável realidade torta
Tempo que não é mais o agora.

Quando a mulher cidadã?


Onde o homem acordando o dia?
Numa insônia em nuvem doentia
Sem remédio ou ideologia
Como sobreviver sem mais sofrer
À mesma comida fria.

Sem o antigo
Sem o mais jovem
Novamente, como fazer?
Um caminho sem trilha
Sem sonhos bons de ser feliz
Nem motivos que permaneçam.

101
Por enquanto só vendo,
Inexplicável realidade avessa,
Tempo que não é mais depois.
Sorrisos de solidão chorada
Vazio rio das horas
Fome de filhos pequenos
Inúmeros no acaso das ruas.

Dores da luz sem leito


Chuva fina de esperanças
Corações abertos sem sol.

Há muito tempo, frios.


Apenas sem cura.

102
Saber a Vida

Nunca tive tantos dias assim.


Às vezes pendiam pelos dedos
Ficando leves após sentir,
Quão tolos que eram,
Estavam só trazendo algo de novo.

Ainda sei o que me faz feliz.


Se tocar parece fútil, mas existindo.
Chegado no perfume da chuva,
Como passatempo, escuto isso tudo
Mais quero, mais penso, gosto de decifrá-lo.
Um início demonstrando meu afeto.

Transporta-me, me guia.
Nem preciso dessa bússola,
Mas pelo mar do olhar, sinfonia!
Aprendo e solto as velas da pele,
Ficaria a deriva sem essa alegria.

103
O Universo Mulher

Ainda que disfarce


O universo é feminino
Tem Via Láctea
Onde nosso mundo se instalou
E ainda resiste,
Parindo Anos Luz

Ainda que escureça


Outro dia pronto renasce
E como Terra permanece
Uma mãe que doa, oferece
Mesmo que os homens ignore
Quem os fornece

Mulher cosmos
Deusa que nunca nos faltou
Poder interior
Imenso sentido
Molha com suas tetas
Todo terreno que brota

Mulher terra
Mulher láctea
Mulher vital
Mulher amada

Mulher magma
Mulher fractal
Mulher vulva

104
Mulher animal
Ainda pulsa
Ainda chora
Ainda mostra
O que nós somos

105
106
107
Lua Tatuada

Não sei se loucura em vez de ilusão


Não é tão sol nem tanto o mar
Luar substantivo em beleza pura
Como a força das marés
Gostar tanto de mudar
No ar o perfume da Lua

Abraçar a imagem na retina


Beijar a face virtual noturna
Andar sobre suas curvas MINGUANTE
Clara ao anoitecer e sempre
Gostar muito de flutuar

Imersa toda CRESCENTE


Certos dias mostra-se NOVAmente
Mas quando CHEIA és amante vã
Bela pairando plena fêmea
Uma rica pétala de calor
Satélite de curiosa semente

108
109
Identidade

110
111
Grande Águia

Nosso poder tem ritmo


Um ritmo que estremece
Vibra quantas vezes
Alma, mente e pele

Uma vez águia e ser


Também garras por dentro
Voando de alturas abaixo
Tendo como aliado os ventos

Olhos com brilho e calma


Mas feroz diante do alvo
Algo que se esconde e avisa
O que é contínuo por baixo

De novo o lugar mágico


Emoção pela pele viajando
Grande lua refletindo a alma
Voando, voando, alto, alto

Todos aves vibrando as asas


Todos corpo, girando, girando
Levantando o brilho da espada
Gritando uma canção, um canto

Guerreiras, guerreiros definidos


Vestidos de cores de guerra
De ares de horas de paz
Prontos como índios da terra

112
Revelar-se

Única morada se desnuda


Tendo base, sopro e sonhos
Dança com ritmo a vida
Com poder de fazer, ter e ser

Guarda internamente a cura


A dor do ser se encontrar
Humildade em força e sentir
Vai à luz interior se banhar

Integrado no imenso universo


Supera processos em curso
Arreia os fardos que o pendem
Acredita no outro no escuro

Segue mostrando-se no caminho


Feito pássaros em revoada
Fazendo grupo ou sozinho
É importante casa arrumada

Anjo de verbo amoroso


Cria como o criador certo
Do barro suspende o vigor
Revela-se substância completa

113
Serpentina

Com sorrisos que colecionam morangos em colares


Se desenham pingos mordiscados por lábios de vinho
Emprestando arte aonde o silêncio seduz o olhar

Deve ousar abrir sua natureza madura que transpira


Anéis de flores arrumados em delicada ternura
Pelas curvas que se expandem do seu corpo em tintas

Combinados os tons e linhas do seu próprio vestir


Desabrocha mais vida a cada passo em serpentina
Revelando um ar em fogo com o seu sol ao sair

Ainda guarda uma mulher que se ilumina na janela


Longe de papéis em bruma ou necessidade de confetes
Que bem sabe a força da luz que brilha em sua estrela

114
Tocando o Coração

Amor despertado abre casa de pedra e vidro


Leva nossas mãos sobre nós desajeitadas
Perplexas tocando o coração sem saber como
Quase nos entregando amantes excitados

Com a surpresa de quem ganha o presente


Ambos experimentam uma estranha realidade
Tantos boca e beijo permitindo o que se sente
Precipitam o prazer em repentina felicidade

Limites de um por do sol sobre folhas de prata


Água do mar que o mergulho interior reclama
Tanto afeto quantas sejam as pintas em sua pele
Um universo que chuvisca essências em rama

115
Elementos

Sigo num caminhar que me renova internamente


Cada sonho é terra fértil em música de versos soltos
A espera já não faz parte da ação e tempo
Danço uma difícil expansão entre tentáculos de polvo

Alguns desafios me rodeiam como enchentes


Correntes de fogo se estendem como elemento
Indo desenhar os movimentos que me levantam
Num ritmo que me joga aos quatro ventos

Descubro uma razão mais amiga dos sentimentos


Olhos d'água amorosos girando rodas de moinhos
Completam a infinita vontade de romper barreiras
Rimando fácil nas batidas do meu encarnado ninho

116
A Partir de Hoje

Vou fazer o que penso


Vou sem pensar duas vezes
Vou dormir em paz
Vou porque eu faço minha estrada
Vou amar mais vezes
Vou amar quem puder me amar

Vou limpar minha casa para te receber


Vou sonhar sonhos que ainda puder sonhar
Vou ser mais sincero com você
Vou beijar suas mãos e olhar pra te ver

Vou respeitar mais meu corpo


Vou querer amar de novo
Vou querer sem ter que ter
Vou viver sem ter que sofrer

Vou ser o que escolher


Vou andar e de novo aprender
Vou sorrir o que puder sorrir
Vou chorar se tiver que chorar

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Menina dos Olhos

Olhando de perto a cor de seu gênero


O tom de pele que desperta sua menina
Dos olhos repintados de sonhos
Mostram-se cristais no fogo das retinas

Acena em sorrisos se tornando preciosa


Fazendo sinais para descarrilar meu trem
Irrequieta ternura que em si traz sua arte
Passagem e chave que naturalmente se abrem

Feminina inteira sem molduras traçadas


Cria com seus pincéis os encantos de luas
Pinta seus raios no céu em asas de anjo
Despe-se de perfumes sublimada musa

120
Essa Flor

Talvez eu me sinta melhor mais tarde


Essa dor já me freqüenta por um tempo
Meu coração virou um beija-flor vadio
Sem parar por um segundo em movimento

Flor, flores que bico permanecem belas!


Não por acaso escolho justamente essa
Essa flor que desconhece seu amor
E em silêncio se oculta em seu jardim interior

Nas manhãs que te visito beijo seu pólen


Macia e doce fecunda meu vôo e esperança
Sorvo em seu néctar uma leve amargura
No fim da tarde despeço-me numa dança

Amada flor sem palavras que te expressem


Como passa seus dias em gotas de orvalho
Até chegar seu colibri de cores e filete
Voando em gozo entre seus finos espaços

121
Aconchego

Sinto-me esgotado
Hoje tudo cansou
O olhar caiu no vazio
Sem alguma esperança
Cadê o meu amor?

Uma conversa deu conta


De passar o tempo
E agora percebo
Como é fácil
Sair do desalento

Com um sorriso
Trazido pelo vento
Aprendi a te amar
Mesmo que possa desamar

Nossa fala anuncia


Um desalio de momento
Mesmo quando desconfio
Que ainda não é tempo
De fechar o coração

Quase anseio sua partida


Pra quebrar essa emoção
Sou amante que vive
No teu corpo

122
Maior Pausa

No Solar caía um sol de tintas.


O que restava era uma trilha do mar,
E seus olhos de barco navegado
Ancorava em uma pausa de cais
Tirando o horizonte de lugar.

Sombras de Goya permeavam


O colo feminino torneado pela tarde.
Era vermelha a fonte dos sentidos,
Chão e céu de mãos dadas
Dizendo algo para serem ouvidos.

Achei uma concha estampada na areia,


Bordas de sal num cordão de estrelas
Oferecendo luz ao distante caminho
De padrões recortados de retratos
Levados pela maré aos pedacinhos.

123
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Atreva-se

Quem jamais se atreve, não é.


Quem quer mais que ser, quer fazer.
Quer evoluir, continuar fazendo... é.
Quer amar, se apaixonar, quer prazer.

Quem nunca se atreve, nada conhece.


Quem não se conhece, não é.
Nada percebe, não faz.
Passa o tempo, não satisfaz.
Continua não sendo, desaparece...
Nada é capaz.

Morre querendo, mas não faz!


Desiste, fica atrás, nada muda.
Quem não se atreve, só dura... na vida.
Simplesmente se desfaz. Ocupa.

Quem não se atreve, só se desculpa.


Não dura, se preocupa, pensa demais.
Ainda que respire e pulse... se culpa.
Quem não se atreve, não é, não faz.
Quem não se atreve, não se move, para!
Não balança, não dança, corre e se cansa.

Quem não se atreve, vive de esperanças...


Não sonha, é só sede, não muda.
Quem não se atreve, não sangra, não se entrega,
Não vê por do sol, não chove, seca.

126
Quem se atreve, se cura, se ama.
É fonte, é ser de fazer,
Tem alma humana,
É divino, é viver, é criança.

127
Instinto e Afeto

128
129
Rastros de Laços

O fogo espontâneo do meu afeto arrefeceu


Parece que foi longe seu reflexo na rosa
Num desejo completo de pintar sua rima
E permanecer numa íntima e rara prosa

Sem prestar atenção onde estaria o tempo


Na confiança de fazer fluir risos e impulsos
Os gestos embaraçados em ritmo de luz
Criavam rastros de laços breves sem curso

Doar-se no lugar de se descobrir um objeto


Gerar calor de abraços no ser inteiro e feliz
Das birutices geniais de convites ao carinho
E saber nos atos de como fazer a casa florir

Ah! Puta hora de consentir uma nova escolha


Sentir a vida pelo limite de linhas mal traçadas
Por velas abertas em constelação presa na pelve
Mantendo o mesmo gosto do sal de outras praias

Tinha de seguir cuidando das arestas da alma


Com sonhos de lavar a pele tatuada por espinhos
Beber da taça da sorte sem receio da mudança
Para chegar tão bem ao outro lado do caminho

130
Teia da Vida

Olhe como nossa emoção estremece o outro


E melhora se sorrimos ou choramos face ao olhar
Que passa a ser muito mais do que se espera
No fundo é assim que algo novo pode começar

Ë incrível essa teia de vidas em mudança


Veias de relações possíveis e prazerosas
Na verdade tecida pelas mãos do coração
Que quer juntar a todos em abraços numa roda

Amizade, carinho, afeto e amor são os fios dessa rede


Imensidade de fome que saciamos a cada vez
Ainda que reparada nos vem mais adiante no cio
E continuamos com ela na ida e volta a nos levar a sede

Instinto que nos põe na busca de saber viver


Despindo sem cortes as capas que nos cobre o corpo
Transpirando suores que nem imaginamos ter
Pelo tempo de entrega ao outro por outro prazer

131
Viagens

Aqui no meu mar, eu entendo as pausas...


As ondulações, as ressalvas.
Ando de um lado para o outro
criando situações e marolas
para ampliar meus espaços,
que assumem as vezes por impulsos e afagos...
Demais? Assim quase alcançando
o outro que me chama, mas,
com o seu olhar de barco,
a deriva, que busca ao meu farol,
parecendo que quer um cais.

132
Eu e o Outro

Bem diante do lago calmo


Havia o outro que vinha
Qual outro que me parecia
Desde quando me conheço
Também o lembro assim
E sua presença está aqui
Cada vez mais perto de mim
Viaja com minhas coisas
Pressente o que tem comigo
Vê a mesma paisagem
Carrega a minha bagagem
Caminhando feliz ao vento
Cada vez mais por dentro
Solto, mas de mãos dadas...
Trabalha em um compasso
Dormindo do lado esquerdo
Aquecido no meu peito
Vivendo seu intenso presente
Amando diferente
Com o olhar sinceramente
Aberto simplesmente

133
Será O Que Será

Será do feminino?
Será do masculino?
Seja dos dois, réstia no íntimo.
Será de uma sereia?
Será de um tritão?
Seja calda rica de estrelas
Que caiba no coração.

Quanta razão em mente,


Fará um cego desse sentimento?
Mais que um movimento, alma.
Exige encanto, olhar... Uma quilha.
E que se faça conhecer a tempo,
Que te levará mais longe,
Bem mais profundo que ilha.

Sem malícia, é sua natureza.


A beleza o escuta, o aceita.
Qual diamante, puro instinto.
É loucura, tem seu fruto... Sinta!
Nada que o infinito impeça,
Com seu brilho ébrio, livre.
Sempre que fluir, sem espera.

Quantos passos no sereno,


Mantendo a busca pelo encontro.
Um corpo que fala, nascente !
Rio ao mar, corrente, furor.
Atração... Dueto...

134
Soneto etéreo!
Que se faça sua luz, meu amor.

135
Amanhecendo

Pra que acender uma luz?


Nem palmilhei os meus pés!
O peito e as plantas até ardiam...
Andaram numa lua aquarela,
E lembrava dela deitada no dia.

Voltei a perguntar... Em silencio.


Porque se iluminar, por que?
Continuar em voltas sem parar,
Receando uma armadilha.
Então, acender uma luz pra que?

Furei a sombra da hipocrisia,


Essa possuía uma grande fila!
Levei um tapa do preconceito?
Tentou-se e a mão virou tisna.
Fiquei sem minha liberdade?
Não tem preço. Tenho cisma.

Agitei a cabeça novamente.


Só devia ir em frente. E a luz?
Nem pros lados, nem acima.
Nunca para trás, aí pedi ajuda!
Porque mesmo na nossa cara,
Há coisas que não mudam?

“A história é um carro alegre”,


“Cheio de gente contente”.
Cantam Chico e Bituca:

136
“Que atropela indiferente”,
“Todo aquele que a negue”. Hô!
Aí acendi a luz. Aguentem.

Vi a compaixão dissonante.
Aos pulos, despertei meu prazer.
Que brilhou lágrimas nos olhos
Restaurando pontes no acender...
Eram luzes, após esse til de momento.
Abri um sonho que me fez amanhecer.

137
Mariposa

É uma fome que morre no corpo


Ou uma visão que se põe presente
Abundância de vontades ou talvez
Seja uma percepção de calor ausente

Deve lhe tomar o corpo, para que...


O corpo e asas se tornem ardor
Insensatez na inspiração de uma sorte
Viagem decisiva no 'para seja o que for'

Vibração, paixão térmica, caos e reação


Lembranças de paisagens em músicas
Coisas da vida que lapidam emoções
E se vão como mariposa sedenta de luz

138
Sete Maravilhas

Faço uma nova oração agora. Procuro-a...


Em mim, ouvi-la. Suave, fluida, e respiro.
Vinda do silencio, mínima, quase muda.

Sou um oceano, santuário ainda a guardar,


O que ainda é sagrado nos meus sentimentos:
Ver, ouvir, tocar, provar, sentir, rir e amar!

Aonde ir? Não é lá fora que vou descobri-la!


Tudo acontece bem perto da gente, dentro.
Sou fogo, ar e terra, sou da água o seu fio de vida.

Tenho essa seiva correndo interna e divina.


Vista de outra forma, tão plena de vínculos,
Que me abraça no movimento da Terra.

Sou um todo com o Universo, seu canto.


Bem afinado, rouxinol, regido por um plano.
Que nem sei pra que entendê-lo. Vivo e amo.

139
Curvas de Fá

Ouço as notas musicais na sua gravidade e calibre


Uma atração parecida vem do mar e me desafoga
Como a respiração dos pássaros migrando em vôo livre

Estórias de rio e lugarejos sempre me acompanham


Gente mudando de lugar a lugar constantemente
Indo a cada virada ver-se em correntes que banham

Tanta sonoridade em seus meandros num crescente


Caudalosamente soltas me bebem no gargalo
Dança de espumas me revira os órgãos inteiramente

Conheço os perigos dessa viagem nas curvas e calor


Mas o que mais interessa é perceber-se estar sendo
Deixar-se enquanto a paisagem se modifica a favor

Íntima confissão que repassa me revelando calmo e só


Corpo em gozo raso entrando na terra como água bruta
No livro de minhas asas subo direto ébrio para o Sol

140
Peregrinos do Deserto

Se sustenta em uma gaiola erguida para os céus


Cada pingo de estrela desconhecida vem lhe visitar
Apenas olha um horizonte sem cercas num vazio
Os tijolos do sol fazem quebrar suas dores no ar

Os ventos tocam a sua alegria feito chuva na vidraça


Sente os pés andarem apressados sobre dias em brasa
Num calor que sobe alto até onde sua vida demora
Como se precipitasse a dizer que logo o sempre acaba

Ainda que ouça o som do rio que passa na avenida


As suas horas nem chegam ao brilho daquela tarde
Vai embora pressentindo o que durou da partida
E deixa na alma uma realidade como ferida que arde

Onde procura a morada entra por mais um labirinto


Quebra-cabeças de uma sinuosa compreensão
Construído sobre pedaços de toscas experiências
Sem qualquer referencia nem simples conexão

Procuras uma foz embora nem saíste da semente


Até pode encontrar a atenção da beleza de uma revoada
Se seu coração beber da real essência de sua nascente
Ainda num caminho de muitos passos para a chegada

141
Raízes e Asas
.
Justo agora sei as palavras que me fogem
Ouso ser mais forte por meio delas enfim
Mas sobram pensamentos curtos em laços
Letras em tranças calam o silencio em mim
.
Escrevo sobre algo que me trinca por dentro
Dias e noites moldam suas dores em repente
Quando menos se espera é o amanhecer que entra
Pela nova janela aberta me cobrindo sonolento
.
Passo em portas que ontem ainda nem existiam
Meu caminho é margem de uma grave descoberta
Como um peixe livre que pressente a piracema
Saio das raízes e abro passagem no que me cerca
.
Além do medo comum do animal com instintos
Algo me preserva das pedras e dos espinhos
Grito no ar rodando leve um carrossel de alegria
E ganho o dom de pousar como passarinho

142
Leia-me

Aprendemos a brilhar decorando o nosso sorriso


Os olhares nos lançam como estrelas no céu
Nos abraços lemos segredos viajados por anos
Algum convite se solta da alma de nossa boca

Numa transformação de vida uma carta diz a escolha


Uma hora chega o desejo para dançar nessa entrega
Girando o espírito que se debate enquanto caos
Dobrando a energia pura da vibração da criança

Passeamos pela música encontrando outros cantos


E o som do coração nos encanta ao nos tocar
Contornando nossa pele na dimensão dos sonhos
Dando aos movimentos do corpo o que explorar

Nossos sentidos soletram as folhas das mãos


Toda parte que somos retorna ao todo que somos
Em espaços que se presta a chão mudando seu rosto
Embaraçando os fios da vida em um único novelo

143
Convite

Quer me conhecer?
Acorde o sol comigo
Saiba de umas manias
Ouça os meus suspiros
Solte a minha língua

Quer me conhecer?
Beije a minha nuca
O que for permitido
Mas ajuste a sua mira
Antes do amanhecer

Faço uma poesia sutil


Desenho outro sorriso
Lembre daquela data
Ainda guardo a minha
Vida que te quero ter

More comigo um dia


Coma da mesma semente
Beba o vinho escolhido
Pra começar de novo
Chegue até a minha rua

Abrace todo o meu corpo


O mundo ainda é pequeno
Ande de encontro a mim
Te acompanho até o fim
Aonde e como for sendo

144
Se por acaso se perder
Siga até achar o anel
De um jeito diferente
Escrevendo contratempos
Que ainda será prazer

145
olhos d’água

raios do coração brilham no olhar feminino


anéis nas retinas giram fios de ouro e âmbar
quatro mãos gravitam pelos dedos em voltas
uma emoção nos abre em sorriso e lágrima
em segundos cabe nossa luz em um abraço
lembranças bordam sonhos com linha dupla

bem que desejamos caminhar no ritmo da terra


e o tempo não fazer parte da essência das coisas
saber mais do outro ao ver de novo a sua dança
na busca do encontro vibrar a vida que avança
outra vez ensaiar lado a lado em uma música
sem esquecer de deixar um recado no até logo
interior e casca ainda unidos por uma teia lúdica
karman e darma cobram só o que importa agora

146
147
Quatro Elementos

148
149
Cerrados no céu

Se formos dois lápis coloridos lado a lado


Com os olhos cheios de desenhos infantis
Um sonho se rabisca por cima do travesseiro

Aqueles gestos pintariam os traços fluídos


Nos tornando preciosos dados em mãos dadas
Quando coração febril penetrando no infinito

Primaveras cobertas de flores no íntimo


Quase diz algo respirando letras no ouvido
Como o garoto que tem a lua como motivo

Tendo a emoção líquida nessa hora vã


Viramos arco íris em sonetos molhados
Por uma margem do céu e cerrados em desejos

150
Pela pele

Sem acaso na escolha do que somos, portanto...


Passamos pela via de uma entrega sem senão,
Até avistarmos pirilampos no seio de nossa pele.

Entes, olhares de esmeraldas, fibras do coração...


Peneiramos com alma sementes em estremeço,
Uma noção rara de sermos um todo sendo meios.

Inteiros sendo meios repicando nossos sinos


Bailamos formas onde nada exige a matéria
Fomos convidados por nossa energia como guia.

Dançamos na alegria da nossa busca pelo outro,


O mesmo espelho presente nesse contato etéreo,
Ainda presente por um triz de amor descoberto.

151
Água de chuva

Descobri que ainda não te conheço


Mesmo assim respiro a sua companhia
Enquanto venta o tempo de acontecer
Caio em pingos quentes sobre o leito

Somos asas estendidas entre distancias


Quero essa viagem mais que o destino
Afasto nuvens até onde vejo a sua torre
Carregando a vida na bagagem em silencio

Deveria parar nos sinais que desconheço


Certo de alcançar o que solta minha língua
Dispo-me sob uma luz reta e generosa
O que me guia afora de denso labirinto

152
A casa de fogo

Hoje vou te amar como minha casa


Imagino que tens a Rosa-dos-Ventos
Ao entrar me sinto o morador antigo
Que todas as horas possíveis passem
Versos e cartas brinquem em seu tecido

Descalços no toque das texturas e folhas


O tempo em gotas servirá a nossa sede
Em jogos de sentir sorriremos outra vez
De toda posição saberemos ser um todo
Ao dia pedindo a noite outro entardecer

153
Ternário

Com passos mais ritmados salto o aroma levitado de fúcsias


Espalho sementes de sol pelas ranhuras de minha bagagem
Brincadeiras de roda desfazem as máscaras abrindo os
sonhos
E as marcas apontam a direção nessa cidade de olhar
distante

Sons de raios iluminam os amores que dobraram a esquina


Decerto para continuar caminhando mais perto da nova luz
Esqueço os pesos que me arrastavam para um passado cego
Ou me nego a enxergar além do corpo desse tempo incerto

Vaga-lumes e borboletas ensaiaram o concerto dentro de


mim
Suporto a terra sob o ar em paixão de labareda tempestuosa
Beijando a boca molhada que diz ao vento a vela que
permanece
Assim como dar a mão ao outro que se entrega quando pede

154
Anjos de vidro

Olhei aquela mulher como se mirasse uma borboleta


Visão condensada de calor nos volteios de sua pele
Só por um momento invadi uns seus pensamentos
Depois disso cada hora de hoje abre-se como flores

Senti meu movimento transformar-se em um aviso


Indo me ver partir e agradecer o presente desse gesto
Convidando respostas por anjos de vidro em festa
Filhos e amores brilhando nos anéis de nossos dedos

Avancei em passos de uma dança ainda não passada


Certas palavras permaneceriam precisando serem ditas
Mais uma vez nossas asas deixavam no ar impressões
Donde saíam grãos de olhares acendendo nossas vidas

155
Pedras de Rio

Torcendo nossa boca aos cacos do ofício,


Por vezes engolindo sapo cansávamos.
Aos trancos do transito mal planejado
Grifados na pressa sem sentido horário.

Comentávamos a preguiça despejada ontem,


Domingo mormaço em onze-horas florindo.
Após uma chuva fina saída da lua plena
Que caía pintando de luz prateada de rio.

A meia banda da varanda era na esquina,


Toda nossa vista da rede de rendas
Cheia pela gente em silencio que sorria
Nas manhãs que nascíamos feitos sementes.

Girando a cabeça buscávamos pirilampos


E muita coisa no céu até caírem as estrelas.
Um nó na garganta à colher nossa alegria
Chapada na íris azul do pé da página do dia.

156
157
Outros Momentos

158
159
Uma Caminhada

Quero falar das mudanças que passam a ocorrer, sejam


psicológicas ou de substancias qualitativas na vida da gente,
no modo de viver, nas relações humanas, quando acontece o
que chamo de transcendência do ser comum para o ser ativo
amoroso.

Ao tomar consciência do processo de transcendência


provocado por uma integração com o universo amoroso, ao
vivenciar os novos movimentos presentes nas alterações de
comportamento e atitudes pessoais, a realização das
atividades e relacionamentos, a obtenção de respostas para
as questões que pairavam no inconsciente, o modo de vida
claramente inquieto por uma melhora, e a saída do caos;
passa-se então a um novo momento de expansão, um novo
modo de existência, um padrão diferente para a continuação
do viver, com a sensação de iluminação, diverso da condição
em que se encontrava.

Nosso sentimento mais puro possui uma natureza divina.


Vivenciar e compreender as relações e os sentimentos
humanos muitas vezes nos torna sábios. Mas, quando nós
amamos e nos entregamos por inteiro (ser), estamos
inundados do verdadeiro sentimento de amor pelo outro; ou
por qualquer ação (fazer) que nos colocamos positiva e
produtivamente; então, somos a própria sabedoria. Não há
nada diferente entre o amor e a fé que nos faz descobrir a
razão de viver plenamente. Aqui vivemos um processo de
expansão do ser na concretização da criação, da criatividade,
do fazer o novo viver, do superviver.

160
A perda desses momentos de realização, a desistência dessas
oportunidades é uma prova da existência do medo do
desconhecido, dos processos contraditórios e negativos, na
resistência às mudanças naturais, refletindo-se como defesas
danosas ao ser.

Aceitar esse momento de expansão e das novas


oportunidades originadas do sentimento de amor que paira e
impregna o ser, é uma prova de existência rica, a favor do
vento essencial, do sopro vital, do movimento de pulsação
espontâneo da natureza, do ciclo natural, do ser ao encontro
da real essência humana.

Muitas pessoas não são o que dizem ser. Embora essa seja a
crua realidade de muitos, temos que começar a confiar em
alguém alguma vez na vida, começar por si próprio é tudo.
Confiar em si mesmo, ser sincero com o seu ser ativo amoroso.

Nesse percurso no qual há uma conscientização e um


mergulho para o interior, muitas descobertas são feitas,
sendo possíveis vários encontros e desafios, confrontos e
desalios, percepções positivas e o aprendizado com as
negativas, que em decorrência das escolhas feitas, nos levam
as ações favoráveis ou as desilusões, ambas em suas
gradações de sensações saudáveis ou de processos
regulatórios próprios, para que se qualifique a própria vida
do ser humano na construção da sua preciosa identidade e
da sua integração social, da visão de totalidade, como
participante de um mundo com significação.

161
O Aprendizado

"Peça ajuda quando precisar, e ela sempre virá. Mesmo


que você não a reconheça à primeira vista."

Absolutamente verdadeira essa frase que leio e releio...


Ainda sinto o perfume que exalava das flores, testemunhas
lindas e vivas, que me mostravam suas cores, de graça, cores
da manhã que trazia junto a ajuda que precisava; e a recebi
de coração limpo, pulsando leve, sem ter a menor certeza
que ela havia chegado.

Eu havia pedido a ajuda. Foi no vento, sem nenhuma voz


audível, mas o Universo a ouviu! Mesmo que tenha realizado
um movimento sem tanta clareza, tinha havido um contato
muito forte vindo do interior da minha alma de menino,
menino que "filosofava" sozinho, sem mestre, tinha tudo de
uma vontade infinita e uma razão indubitável.

Uma vez, num tarde ensolarada, olhava através de uma


grade em uma área de um circo que havia chegado em meu
bairro, e esse meu olhar carregava uma ânsia de dar a
impressão que tinha toda fome do mundo em realizar um
desejo de criança: ganhar uma bola bem arco-íris de
colorida, daquelas que qualquer criança ficaria bem alegre ao
tocar, como seu brinquedo, de presente.

Mas, aquela bola ficava lá atrás daquela grade, sem querer


me fazer feliz. Uma atitude odiosa para um objeto sem vida,
inerte sem minha gravidade. Até pensei em trocar as minhas

162
crenças de família, de formação católica, por outra qualquer
que fosse desde que pudesse alcançar logo a graça de poder
brincar com aquela beleza de brinquedo. Uma bola colorida,
com estrelas e lua.

Daí, ainda com meus pensamentos flutuando entre a força


da fé divina e as tentações diabólicas que me faziam crer que
após consentir a minha pequena alma de criança se deixar
levar ao seu dispor, que poderia alcançá-la, aquela
inalcançável bola paixão, bolha de ilusão, balão mágico.
Facilmente, e sairia dali sem nenhuma dificuldade bailando
sobre meus pés, sobre minhas pernas magras de pequeno
anjo, de posse daquela linda coisa redonda, maravilhosa aos
olhos febris. Meus pais jamais souberam desse grandioso
dilema que só muito depois pude perceber ser parte de nós
permanentemente, um maniqueísmo cultural da civilização
ocidental, não podendo se considerado um impulso apenas
infantil.

Tudo passou num relampejo de consciência que com um


sacudir de cabeça abandonei definitivamente, pelo menos
naquele dia, e por muitos, a idéia impulsiva, a gana de
possuir sob qualquer preço, agarrar a varinha, ter o condão,
aquele objeto do desejo, ainda que custasse muito de mim,
numa violenta alteração de meu ser. Depois, continuei meu
caminhar ainda alegre, mesmo sem ter entregado minha pura
alma de menino ao diabo.

Muitos anos depois a minha conversa com Deus, pelo


Universo que habito, continuou cheia de diálogos e
monólogos, às vezes sem fala nenhuma, ouvindo a ajuda do

163
silêncio, quando sim na energia da sabedoria do amor,
algumas vezes através da maestria da dor, noutras vindo por
"coincidências" quanto ao atendimento de sonhos
repetidamente sonhados, mesmo acordado.

O aprendizado é um rio, perene, mas sempre renovado,


basta se dispor a estar aberto a ajuda do Deus interior, que
sempre pode estar por perto; um pedido, uma oração, é só o
que precisamos.

164
Notas Musicais

Ao olhar para alguém, e querer conhecer, ouça seu


sentimento batendo no seu peito, escute o som que vem lá
do fundo, o que parece começar a fazer sentido tornar-se
uma melodia, uma sinfonia ainda incompleta. Nessa
imensidão incerta de sons e sentimentos, vá ao som do
coração!

Sem procurar saber onde começa ou finda a letra na


harmonia, nesse momento, sinta somente o prazer começar
a lhe transformar, o prazer de viver, a vida com prazer; da
música no vento, do movimento da água, da luz da alma do
mundo, do calor latente e selvagem da gente.

Arrepie-se como um violino, num passo; num toque, case o


marfim e o ébano interior como faz um piano, deixe-se
abalar com a percussão da atmosfera eterna da paixão, e
dance.

Compor a dança da vida é ir abraçar o outro, buscar juntar-


se e se sentir ainda livre. Se mova, siga em frente. Vá ao
encontro sem esperar.

Permita-se amar, presenteie a você mesmo; depois vá


“explodir no espaço” com seu amor no fogo da criação da
vida; despertando seu ser natural descobrindo sua terra, ser
da natureza de novo, ser em vivência permanente. Em
concerto, doravante, és uma sinfonia (per)feita.

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