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O Medievalista e a Arqueologia

Pedro Gomes Barbosa*

O Medievalista
e a Arqueologia
(Reflexões sobre o caso português)
1. As linhas que se vão seguir não são, de forma alguma,
nem um balanço da arqueologia medieval em Portugal (o que
se fez e o muito que há ainda para se fazer), nem um programa
de estudo, e muito menos uma proposta metodológica. Isso
não obsta a que julguemos ser de grande utilidade e urgência
um «ponto da situação» e a prospectiva do futuro. Mas tal teria
que ser feito num encontro que juntasse todos aqueles que se
dedicam aos trabalhos arqueológicos neste período, juntamente
com esses outros, os historiadores, que têm algo a pedir ao
arqueólogo.
O que aqui propomos é uma reflexão, escrita, sobre
problemas com que nos temos defrontado, carências que temos
sentido. Deixam-se ideias, algumas que podem valer a pena
explorar e discutir, outras que possivelmente serão consideradas
de menor importância. Teremos atingido o nosso objectivo se
conseguirmos que este texto sirva de estímulo para uma reflexão
teórica sobre o assunto, mesmo que seja para discordar do que
aqui está escrito.
Refere Christopher Taylor, na sua obra Fieldwork in Medieval
Archaeology (Londres, 1974, págs. 11 e 12), que escrever sobre
Arqueologia Medieval de Campo (Medieval Field Archaeology)
como se esta diferisse da arqueologia de campo dos períodos
pré-histórico e romano apresenta muitos riscos, já que não deve
haver divisão, na mente do arqueólogo, entre os vários períodos
da História e da Pré-história.
Esta ideia, defendida ainda hoje por vários especialistas, não
nos parece poder sustentar-se. Na realidade, a especificidade de
cada período deve conduzir a uma especialização do arqueólogo,
de modo a que este saiba o que procura e reconheça o que
encontra. A menos que por arqueólogo queiramos referir apenas
o técnico que escava a terra e regista as estruturas, a estratigrafia
e os artefactos, sem nada querer ou poder entender. Diferente
é o caso da atenção que todo o arqueólogo deve ter em relação
aos vestígios que lhe possam aparecer e que testemunham
períodos diversos do da sua especialidade. Se isso acontece,
ele não poderá deitar fora esses vestígios e fingir que nunca
foram encontrados. Mas deve saber reconhecê-los e de imediato

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O Medievalista e a Arqueologia

chamar em seu auxílio um especialista da época em questão.


Ou, na falta deste, terá que registar com todo o cuidado os
dados que for exumando para que, mais tarde, estes possam
ser interpretados por outros. E isso aplica-se a todo o arqueólogo,
embora o medievalista depare menos vezes com este problema,
já que os estratos que lhe interessam recobrem em princípio
todos os outros (exceptuando-se os da Época Moderna – á que
supomos «de pé» os da Contemporânea –, sendo inexistente
no nosso país aqueles que se dedicam, de forma exclusiva ou
mesmo prioritária, a este período).

2. Podemos dizer, sem medo de errar, que a arqueologia


medieval só recentemente se formou como disciplina autónoma,
no nosso país. São ainda poucos os que se dedicam a este
período, embora se espere que as Variantes de Arqueologia,
que funcionam em algumas das nossas Faculdades de Letras,
e onde se lecciona a cadeira de Arqueologia Medieval, possam
entusiasmar alguns novos arqueólogos. Mas temos sempre
que lutar com, pelo menos, dois óbices importantes: por um
lado, o «mistério» da Pré-história e o «fascínio» de Roma, por
outro, uma ideia muito difundida, quantas vezes pelos próprios
medievalistas, de que a base para o conhecimento deste período
são os documentos de arquivo, sendo o trabalho arqueológico
uma tarefa menor ou quase inútil. A falta de preparação e
sensibilização para entender os dados que são fornecidos pelas
escavações, a que se juntava, até há pouco, a incapacidade ou
falta de vontade dos arqueólogos em ultrapassar os intermináveis
catálogos de artefactos, terão pesado definitivamente nesta
posição. Felizmente que esta visão do problema está a ser
cada vez mais ultrapassada, havendo muitos medievalistas
despertos para os contributos que a arqueologia pode trazer
à história medieval. Recordemos apenas as referências do
Professor José Mattoso (A Escrita da História, especialmente na
pág. 35). Mas muito terá contribuído para esta modificação, não
só os trabalhos de historiadores estrangeiros, mas igualmente
as formas de tratamento dos dados arqueológicos, ligando-os
à história, iniciadas sobretudo pela «escola» da Faculdade de
Letras do Porto, de onde é justo destacar-se os trabalhos de
Mário Barroca.
Muito teve que andar a Arqueologia Medieval, e o caminho
que falta percorrer para chegar ao estádio em que se encontram
outros países europeus, nomeadamente a Espanha, é ainda
grande.

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O Medievalista e a Arqueologia

Foi no século XIX, com o Romantismo, que se iniciou o


interesse pelos vestígios materiais da Idade Média. É certo que
não podemos falar, propriamente, de Arqueologia. É sobretudo
o estudo e restauro dos monumentos (igrejas e castelos) que vai
chamar a atenção do homem culto oitocentista, com experiências
que por vezes vão ultrapassar a da simples reconstrução para
dar largas à imaginação de historiadores da Arte e arquitectos,
culminando com o refazer e a descaracterização de alguns
monumentos. Colocaram-se torres onde não existiam, arcos-
butantes onde não faziam falta, merlões decorativos, imitaram-
se as siglas dos pedreiros (e até se inventaram outras)... Mas
começou a procura de imagens religiosas ou profanas, de
«pedras lavradas» e livros iluminados. Organizaram-se as
primeiras colecções, tendo algumas delas constituído o núcleo
medieval de certos museus.
Facto que talvez seja significativo é o de o rei Fernando
de Saxe-Coburgo (marido de D. Maria II) ter escolhido,
mandado limpar e restaurar a cabeceira da igreja do convento
do Carmo para aí instalar a Real Associação dos Architectos e
Archeologos Portuguezes, antepassada da actual Associação
dos Arqueólogos Portugueses. Ainda que muitos dos arqueólogos
dessa Associação se dedicassem ao estudo da nascente Pré-
história e da já «veterana» Arqueologia Clássica, a adesão
dos arquitectos denunciava uma preocupação pelo estudo
dos vestígios medievais, embora, e sobretudo, sob a forma de
edifícios cuja escavação não era requerida. Mas muitos desses
trabalhos de restauro puseram a descoberto restos de edifícios
anteriores ou, pelo menos, elementos arquitectónicos utilizados
como enchimento em obras posteriores.
Porém, os vestígios medievais continuavam por completo
circunscritos ao domínio da História da Arte, com excepção de
alguns achados do «período bárbaro», muitas vezes confundidos
com objectos tardo-romanos. A arqueologia parava no período
romano ou, quanto muito, chegava timidamente aos «visigodos».
Eram recuperados achados ocasionais, em escavações
sistemáticas de estações de outros períodos ou em prospecção,
dando-se pouca importância a esse espólio se exceptuarmos as
moedas (relegadas ao estudo especializado dos numismatas) e
as inscrições (que interessavam especialmente o epigrafista). Por
isso arqueólogos como o alcobacense Manuel Vieira Natividade
classificaram como romanas algumas cerâmicas comuns do
período medieval, já que não tinham elementos comparativos.
Leite de Vasconcelos, com a sua imensa curiosidade, tratou
alguns materiais medievos, mas a forma marginal como o fez

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O Medievalista e a Arqueologia

não permitiu que, sob o impulso do grande mestre, a arqueologia


medieval se destacasse como ramo autónomo. Alguns desses
vestígios, como numismas ou monumentos epigráficos,
encontraram acolhimento nas páginas de O Archeologo
Portuguez, diluindo-se contudo no imenso caudal de informações
pré-históricas e romanas. Se começava a haver tendência para
a separação das especialidades, isso verificava-se entre a
Pré-história e o Romano (com a área de transição na Idade do
Ferro, «reclamada» por uns e outros), continuando a Arqueologia
Medieval como um apêndice da do período clássico.
O que ficou dito acima não significa que alguns historiadores
não tivessem aproveitado dados materiais nos seus estudos,
para complementar as informações documentais, como foram
os casos do olissipógrafo Augusto Vieira da Silva e de Pedro
de Azevedo, para só citar dois exemplos. Mas estes dados não
saíam da pá do arqueólogo. Encontravam-se ainda nas paredes
das velhas casas ou nas muralhas da cidade.
É uma situação que se vai manter até meados do século
XX, quando o arqueólogo e professor da Faculdade de Letras de
Lisboa, D. Fernando de Almeida, inicia as escavações na Egitânia
(Idanha-a-Velha) e defende a sua tese sobre a Arte Visigótica.
Esta tese é ainda um trabalho de História da Arte, mas já aí
encontramos um grande peso de dados arqueológicos, estudando
pela primeira vez, ou de novo, os vestígios arquitectónicos e
decorativos alto-medievos. Este estudo permite ordenar os grupos
artísticos por áreas geográficas, dentro do território português,
compará-los com exemplos externos, fazendo-se corresponder, a
essa divisão, influências culturais diversas. Era a primeira grande
tentativa embora, como é notório, a arqueologia medieval não se
«atrevesse» a avançar para cá do período germânico, como se
a existência de documentos escritos em número cada vez maior
criassem uma inibição ao investigador. Como se a Arqueologia
tivesse que parar onde começavam os cartórios.
As escavações de D. Fernando de Almeida em Odrinhas
(Sintra), e o estudo por ele levado a cabo de vestígios isolados,
deram continuidade ao trabalho iniciado. No Alentejo, Abel Viana
e António Dias de Deus escavavam algumas necrópoles tardo-
romanas e alto-medievas.
Na mesma linha de busca da Alta Idade Média, e dos seus
vestígios, se podem colocar os trabalhos de Eduíno Borges Garcia
na região de Alcobaça. Identifica o «castelo» da Póvoa de Cós e
faz a planta (sem escavar) da Torre de D. Framundo (concelho
da Nazaré). Descobre, servindo de palheiro, a capela paleocristã
de S. Gião da Nazaré, onde efectua algumas sondagens em

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O Medievalista e a Arqueologia

colaboração D. Fernando de Almeida. Mas Eduíno Borges


Garcia vai mais longe no tempo ao escavar o interior da igreja da
Conceição, em Alcobaça, à procura do primeiro estabelecimento
dos monges de Cister.
Antes de examinarmos, resumidamente, o que se passou
e se passa em Portugal a partir de meados da década de
setenta queremos recordar e precisar o que foi dito no início
deste trabalho e que servirá de comentário a esta pequena
resenha e à que se vai seguir: não pretendemos fazer uma
história da arqueologia medieval portuguesa pelo que, temos
consciência, muitos trabalhos não foram (e não serão) referidos.
Não foi nossa intenção fazer juízos de valor sobre uns e outros,
mas tão-somente o que julgamos serem as linhas de força do
desenvolvimento desta área de pesquisa.

3. Em meados da década de setenta, a arqueologia do


período medieval conhece um novo impulso e o despertar do
interesse por parte de arqueólogos que, agora, se lhe querem
dedicar «a tempo inteiro». Já não se trata, como até aqui, de
investigadores que também escavam o medieval, embora
alguns não medievalistas não se eximam a esta tarefa quando
as circunstâncias a isso os obrigam.
Começam a desenhar-se, então, dois grandes sectores
de trabalho (não lhes podemos chamar «escolas», pelo menos
para já).
O Sul é a região privilegiada para o estudo da arqueologia
islâmica, e por esse período se começou e se tem desenvolvido
o trabalho. É certo que existem inúmeros vestígios da época que
se seguiu à Reconquista, e que são escavados, mas geralmente
quando se encontram em conexão com os islâmicos. São estes
últimos os procurados e estudados de forma sistemática. A
ocupação muçulmana, tão pouco conhecida e muitas vezes
ignorada ou desvalorizada, começa agora a ganhar alguns
contornos aos olhos do historiador. Comprovam-se as antigas
glórias transmitidas pelos historiadores e geógrafos muçulmanos,
descobrem-se os vestígios do viver quotidiano.
O primeiro arranque tinha sido dado, no início da década,
pelas escavações de José Luís de Matos em Vilamoura, onde
uma camada de ocupação islamita antecede (estratigraficamente
falando) o estabelecimento romano. São os primeiros objectos
e estruturas, os primeiros elementos de comparação que, por
sua vez, só podiam ser comparados com as descobertas feitas
do outro lado da fronteira, na vizinha Espanha. Este mesmo

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O Medievalista e a Arqueologia

arqueólogo trabalha ainda em Silves, importante cidade do al-


Gharb al-Andaluz, berço de muçulmanos ilustres. Esperava-se
que os trabalhos pudessem dar algumas informações importantes
sobre a vida urbana dos islamitas no Ocidente-Sul peninsular.
Apesar de ainda não terem sido publicados muitos dos resultados,
as informações disponíveis confirmam a importância desse sítio
arqueológico algarvio. O trabalho arqueológico em centros
populacionais é moroso e levanta uma série de problemas
práticos, pelo que é de prever que não possamos contar, a
breve prazo, com uma primeira monografia interpretativa dos
resultados.
Mas foi com o Campo Arqueológico de Mértola – que se
iniciou, com a direcção conjunta de António Borges Coelho e
Cláudio Torres – que se deu o primeiro grande passo para um
estudo sistemático no campo da arqueologia árabe-medieval.
Mértola é, na verdade, um local privilegiado para este estudo.
Situada nas margens do Guadiana, uma das grandes vias de
penetração norte-sul, foi ponto de comércio importante desde a
Muyrtilis romana (e mesmo antes) até à Mértola medieval-cristã,
passando pela Mertuli muçulmana. Ponto de defesa militar, era
também local de chegada e distribuição de muitos produtos do
interior alentejano e da Estremadura espanhola, nomeadamente
os que vinham das zonas metalíferas. O programa de investigação
aí iniciado é uma tentativa de estudo global. Se a ocupação
muçulmana é o seu principal objecto de investigação, pretende-
se conhecer a história total do aglomerado, pelo menos desde
a presença romana. Mas, foi-se mais longe, incluindo nesses
trabalhos um programa de defesa do Património Cultural e uma
sensibilização da população para a salvaguarda do mesmo.
Por isso, é de se assinalar vários dos objectivos conseguidos
até agora:
Está em vias de estabelecimento, em conjunto com outros
achados, um corpus da cerâmica árabe-medieval, uma parte da
qual já foi publicada. É um excelente início de trabalho através
do qual se poderá ter elementos comparativos e marcos
cronológicos, pelo menos para os territórios do sul de Portugal.
Começou-se a escavar parte da Myrtilis romana, a partir do
criptopórtico e da cisterna, e também a zona palatina do período
muçulmano, aumentando os nossos conhecimentos no que
respeita à arquitectura dos dois períodos, tendo-se agora uma
sequência de ocupação a partir do século IV da nossa Era.
Foram recuperadas, por uma recolha etnográfica, algumas
das antigas técnicas de construção, em risco de desaparecimento,
nomeadamente o sistema de construção das abóbadas de
tijolo.

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O Medievalista e a Arqueologia

Por outro lado, a descoberta de uma necrópole paleocristã


veio trazer mais um contributo para a história material deste
período intermédio entre dois momentos de grandeza. Não que
este período (ou os outros) fosse completamente desconhecido,
já que existem algumas notícias, especialmente na primeira
série de O Archeologo Portuguez. Mas são achados isolados
(cerâmicas, objectos de metal, monumentos epigráficos), nunca
se tendo executado um trabalho sistemático.
É este mesmo trabalho sistemático que se está a executar
no castelo de Noudar, sob a responsabilidade de Cláudio Torres.
Esta pequena (e incompleta) resenha não ficaria completa sem
uma referência aos trabalhos levados a cabo em Castro Marim
por Ana Arruda (abrangendo sobretudo o período de ocupação
cristã) e no Vale do Boto por Helena Catarino. Mas sobretudo o
estudo do Vale do Boto, já que tem como objecto um aldeamento
muçulmano e não os tradicionais (e importantes) castelos ou
zonas de habitação urbana.
E o Norte cristão?
Foi pelas terras de Além-Douro que se iniciaram os estudos
desta fracção da nossa história. Estudos de grande importância
estavam de início mais ligados à História da Arte, através dos
trabalhos notáveis de Carlos Alberto Ferreira de Almeida e Manuel
Luís Real.
O primeiro, com os estudos sobre a arte romântica e os
castelos de Entre-Douro e Minho, antecedidos do levantamento
das vias medievais, estruturas importantes a partir das quais o
arqueólogo pôde iniciar uma prospecção sistemática dos pontos
de assentamento de comunidades vilãs e outros.
O segundo, com a sua caracterização do «Românico Condal »
(O românico condal em S. Pedro de Rates e as transformações
Beneditinas do séc. XII), mas entrando igualmente pelos trabalhos
da arqueologia de campo, como no estudo do mosteiro de
Santa Marinha da Costa (Guimarães), em colaboração com a
Universidade do Minho, que permitiu não apenas detectar uma
ocupação tardo-romana, mas construções anteriores ao período
de Mumadona (século X), talvez o primeiro exemplo escavado
daquilo a que este historiador chama «arte de construir do tempo
da presúria».
O levantamento arqueológico do concelho de Baião,
dirigido por Victor de Oliveira Jorge, da Universidade do Porto,
não descurou o período medieval. Na realidade Victor Jorge,
com um notável espírito científico, e compreendendo que
uma investigação arqueológica regional não se podia reduzir
a apenas alguns dos períodos da sua história (ao contrário do

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O Medievalista e a Arqueologia

que muitas vezes acontece, infelizmente), juntou à equipa um


grupo de jovens arqueólogos que se iniciavam nos domínios da
arqueologia medieval. Os resultados dessa pesquisa começaram
a ser expostos pelo Grupo de Estudos de Arqueologia do Porto
(GEAP) nas páginas da revista Arqueologia. Desses arqueólogos
destacou-se, pela continuidade e clareza de objectivos e
métodos, Mário Barroca. Ele representa, na realidade, aquilo
que nós pensamos dever ser um arqueólogo que se dedica
ao estudo da Idade Média: para lá de uma preparação de
campo, iniciada no grupo dirigido por Victor Jorge, o domínio da
história medieval, geral e regional, e a facilidade em trabalhar
os documentos escritos, em conjunto com uma sólida formação
em História da Arte.
O Norte, sobretudo através da Faculdade de Letras do Porto,
virou-se definitivamente para aquilo que lhe era mais acessível:
os vestígios da Idade Média cristã, desde os primeiros momentos
do arranque da Reconquista ao estudo das torres senhoriais,
estando este último aspecto a ser estudado e desenvolvido por
Mário Barroca. Esperamos que em breve sejam fornecidos ao
medievalista não arqueólogo mais elementos deste estudo,
nomeadamente sobre esse período nebuloso que se estende, do
início da expansão das Astúrias para o sul, até ao século XI.
Pouco se está a fazer, contudo, na zona central do nosso
país. E esta é uma região de extrema importância, pois nela se
deu, durante mais tempo, o encontro entre as duas civilizações
em presença, e se desenvolveu a síntese entre elas sob a
forma do moçarabismo e do mudejarismo (sem esquecermos
o contributo da comunidade judaica). A região de Coimbra e a
Estremadura, incluindo o vale do Tejo, mas também a região das
Beiras Interiores, são territórios quase virgens nesta pesquisa, e
há que completar os dados fornecidos pela documentação com
vestígios que a arqueologia terá que exumar. Será necessário
organizar um projecto coerente para a região, aproveitando as
experiências que se estão a realizar no «sul muçulmano» e no
«norte cristão», com objectivos muito claros, conjugando os
esforços dos (poucos) arqueólogos que aqui trabalham.
Pouco mais foi feito para além da escavação (em curso) da
alcáçova de Santarém por Ana Arruda, e do castelo de Torres
Vedras por Clementino Amaro, tendo este último arqueólogo
participado também, juntamente com José Luís de Matos, na
Casa dos Bicos, em Lisboa.
O próprio Projecto de Arqueologia Medieval do Couto de
Alcobaça, por nós dirigido, não ultrapassou ainda o estado
embrionário, procedendo-se ainda ao levantamento sistemático

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O Medievalista e a Arqueologia

de campo (juntamente com o trabalho de gabinete) para que


possam ser definidos os primeiros objectivos e escolhidas as
primeiras estações a escavar.

4. Este projecto de arqueologia medieval para Alcobaça


não nasceu de forma autónoma mas, antes, fazia parte de um
outro, mais amplo, iniciado em 1981: o Plano Arqueológico de
Alcobaça, que dirigimos desde então. Mas a nossa formação
não era (e não é) a de arqueólogo, mas sim a de historiador
que utiliza a arqueologia para esclarecer certos pontos muitos
concretos. Por isso, à medida que avançámos no estudo da
Alcobaça medieval mais se fazia sentir a necessidade de orientar
as pesquisas de campo no sentido do suprimento de algumas
carências. O Projecto parte, pois, de um conjunto de questões
bem definido, e com um objectivo claro: dar resposta a perguntas
que só a arqueologia podia satisfazer.
Começou-se, portanto, por inventar essas grandes linhas
de pesquisa, que podemos resumir nas seguintes:
Conhecemos, com alguma segurança, a ocupação da região
alcobacense até à época romana, embora existam anda muitas
questões a resolver, nomeadamente a localização da (referida
por Plínio) povoação (oppidum) de Eburobritium. Mas nada
sabemos do povoamento dessa região desde o século V até
à instalação dos monges de Cister, em 1153, se exceptuarmos
a capela paleocristã de S. Gião da Nazaré, acima referida. Há
que estudar de novo as estações romanas já referenciadas e
ver se não terão tido uma continuidade de ocupação após o
Baixo Império. Ao mesmo tempo, é urgente um novo estudo dos
materiais exumados, para detectar esses mesmos vestígios. Mas
não só. Urge fazer uma escavação em S. Gião (sabemos que
este trabalho está nos projectos de Beleza Moreira) de modo a
detectar se há uma continuidade de ocupação desde a provável
villa romana até ao estabelecimento cenobítico e, ao mesmo
tempo, recuperar o que for possível dos edifícios utilizados por
esses eremitas. Segue-se um estudo correcto e sistemático das
chamadas «torres» que bordejavam as duas grandes entradas
do mar nessa zona (as «lagoas» da Pederneira e de Alfeizerão),
definindo, finalmente, se são «visigóticas» ou posteriores.
Eram oito torres referidas pelos monges cronistas e por Vieira
Natividade, das quais algumas já não existem vestígios (pelo
menos visíveis).
A ocupação muçulmana é um outro pólo de atenção. Mas há
que saber o que se procura. Por um lado, uma possível ocupação
das torres (se é que elas não foram feitas pelos ocupantes

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O Medievalista e a Arqueologia

islâmicos). Aqui tem particular importância a escavação do


castelo de Alcobaça, edifício que tem suscitado controvérsia, já
que alguns autores atribuem a sua construção a Sancho I.
Uma outra e importante área é a do povoamento «civil».
Para isso é necessário encontrar e escavar possíveis aldeias
muçulmanas cuja existência os inúmeros topónimos árabes da
região deixam antever. Só que, a terem existido, como pensamos,
o seu estudo depara com várias dificuldades. Por um lado, esses
topónimos correspondem, na esmagadora maioria dos casos
a aldeias ainda existentes, e se as edificações de períodos
mais recentes não destruíram os vestígios muçulmanos, a
escavação de zonas habitadas torna-se problemática. Mas
temos outros problemas que não são de pequena monta. O
que se deve procurar? Certamente que não os palácios das
ricas regiões da Andaluzia ou grandes mesquitas. Certamente
que pequenos aglomerados de casas modestas, feitas em
materiais perecíveis, pouco se diferenciando das aldeias que
posteriormente os cristãos vão aí fazer. Quanto às cerâmicas,
se algumas delas poderão ser de boa qualidade, importadas
de centros de produção do sul, estas devem ter existido em
pequenas quantidades, eventualmente fazendo parte de objectos
das mesquitas (lâmpadas, azulejos...). A maioria serão objectos
de uso doméstico, louça de cozinha, que a falta de elementos
comparativos, e porque muitas das formas terão sobrevivido
após a Reconquista, a que se junta o facto de deverem ter sido
fabricadas com argila local (como acontece para as cerâmicas
romanas que encontrámos nas nossas escavações), tornam
difícil o reconhecimento.
Este último ponto, como se percebe, tem a ver com um
importante problema que é o do ermamento ou não da região
de Alcobaça, à data da chegada das forças cristãs.
As outras direcções de pesquisa referem-se já ao período
em que esta região está sob o domínio dos monges brancos.
A implantação das granjas é, na sua maior parte, conhecida.
Mas sabemos, pelos documentos, que muitas delas se dedicavam
preferencialmente a certas actividades. A de Turquel tinha a sua
atenção voltada para a criação de gado, como se depreende da
carta de povoação dessa aldeia. A da Mota, à exploração das
salinas da zona de Alfeizerão. A de Rio de Moinhos (Valado de
Frades), para lá dos trabalhos agrícolas, explorava uma mina de
ferro, donde a existência, dentro ou próximo das suas instalações,
de uma ferraria. São alguns exemplos, mas que nos podem
revelar uma possível adaptação do esquema tradicional dos
edifícios de modo a satisfazerem necessidades específicas.

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O Medievalista e a Arqueologia

Não sobreviveram, tanto quanto sabemos, nenhuma destas


granjas medievais. Nos séculos XVII e XVIII as construções foram
refeitas, mas é possível (e mesmo provável) que se tenham
utilizado partes dos edifícios mais antigos. Mas, mesmo se isso
não aconteceu, poderemos seguramente encontrar restos das
fundações das granjas medievais.
Mas o estudo desses complexos económicos não pode ser
separado do que os rodeava. Por um lado, o envolvimento natural,
que tem que ser reconstituído a partir de estudos paleobotânicos.
Por outro, as instalações dos camponeses que, aos poucos, se
foram fixando à sua volta até se formarem as actuais aldeias (se
é que alguma vez deixou de haver fixação camponesa à volta
dessas granjas). Por último, o sistema de desagregação das
granjas, quando estas passaram a exploração indirecta e foram
aforadas aos aldeãos.
Um último vector de pesquisa diz respeito a certas fontes de
matérias-primas e meios de produção. Estamo-nos a referir às
minas de ferro, pedreiras para utilização na construção ou para
fazer cal, ferrarias, fornos de cal e, sobretudo, os engenhos de
moagem e os pisões. Os documentos do cartório de Alcobaça
dão-nos várias informações, por vezes de difícil localização, e a
toponímia conserva outras indicações. Haverá ainda outros casos
que só uma batida de campo sistemática poderá localizar.
Estas são as linhas gerais por que se guia o Projecto
de Arqueologia Medieval do Couto de Alcobaça. Cada uma
destas grandes direcções de pesquisa tem os seus problemas
particulares que terão de ser equacionados e resolvidos, e as
suas subdivisões não só «temáticas» mas também geográficas,
já que existem particularidades na forma de exploração, pelos
monges, das diferentes áreas do Couto, que são provavelmente
muito maiores quando nos debruçamos sobre o trabalho e a forma
de ocupação do solo por parte dos camponeses.
Existem outros pontos importantes mas que, pelo menos
por hora, são de difícil estudo, por razões que seria moroso
estar a descrever. Mencionemos apenas dois: os portos da zona
alcobacense, dois deles provavelmente por baixo de férteis terras
de exploração intensiva, e a primitiva planta do Mosteiro, já que
é impensável de momento fazer escavações no seu interior.

5. Demos acima uma ideia do que é, para nós, um projecto


de arqueologia medieval. Com as suas falhas, sem dúvida,
que só a aplicação prática poderá detectar e fazer encontrar
soluções. Pensamos que este deve ser, no geral, o método a
seguir (exceptuando trabalhos de urgência que terão de ser

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O Medievalista e a Arqueologia

efectuados para que se não percam os vestígios que a terra


encerra): estabelecer uma proposta coerente, ainda que por
vezes demasiado ambiciosa. Mas deveremos pensar que o
conhecimento de uma zona não se pode fazer apenas numa
«geração», já porque os meios humanos e materiais que o
arqueólogo tem à sua disposição são escassos, já porque,
salvo algumas excepções, uma estação leva alguns anos a
ser escavada, e só pode sê-lo num período restrito do ano (até
porque, se assim não acontecesse, o investigador não teria tempo
de trabalhar, no gabinete, todas as informações recolhidas).
Este não é o único tipo de projecto possível, como é
evidente. Pode pensar-se numa investigação temática (as
torres senhoriais, os moinhos ou os castelos, por exemplo).
Mas pensámos que, com maior ou menor amplitude geográfica,
há que delimitar uma área de estudo. É impraticável fazer uma
investigação séria quando o âmbito vai do Minho ao Algarve.
Exceptuamos um caso, em que a mobilidade do objecto de estudo
a isso pode obrigar: a arqueologia naval, a que talvez tenhamos
que juntar os portos.
Fundamental para todo o arqueólogo medievalista é conhecer
a documentação, saber onde ela se encontra e poder consultá-
la. Por este último aspecto queremos dizer, muito claramente,
que ele deve ser capaz de os ler, para o que terá de ter uma
formação paleográfica (o que não significa ser paleógrafo). Só o
conhecimento dos registos escritos poderão habilitá-lo a formular
hipóteses coerentes e a traçar projectos exequíveis. Antes,
porém, tem que saber história da Idade Média e igualmente a
da região (ou do tema) que vai estudar. Infelizmente este ponto
não é tão óbvio como o deveria ser.
A sua formação deverá incluir outros campos igualmente
importantes: História da Arte, de que já falámos, mas também
heráldica, epigrafia, numismática, esfragística…
Um outro trabalho que espera o arqueólogo medievalista é
a reclassificação do espólio existente actualmente nos nossos
museus nacionais e locais, com vista a separar o que pertence
à época que estuda e, fundamentalmente, iniciar o contacto com
materiais da zona em que vai intervir. Aqui, podemos entrever
dois aspectos complementares: tomar contacto com as peças
guardadas nos museus, para reconhecer as que vai encontrar
na sua pesquisa de campo, e seriar as que exuma nas suas
escavações para poder reclassificar as que estão em depósito
nos museus.
A recolha etnográfica não pode ser descurada, mas para isso,
se o arqueólogo não possui formação suficiente, deve recorrer ao

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O Medievalista e a Arqueologia

especialista, num trabalho interdisciplinar, sempre conveniente e


útil. A Arqueologia não é mais uma disciplina de heróis solitários.
A pesquisa etnográfica deve incidir, principalmente, em dois
aspectos distintos: a recolha de lendas, que podem indicar (e
muitas vezes indicam) antigas zonas de povoamento que serão
objecto de escavação, e a das técnicas artesanais da região,
sobretudo no que respeita à olaria e à construção civil, sem
esquecer que se deve começar por conhecer o tipo de pedra e
de argila.
Mas, tão fundamental como o que ficou dito atrás é a união
de esforços entre o arqueólogo e o historiador (é evidente que
consideramos o arqueólogo um historiador, ou pelo menos
achamos que deve sê-lo, mas referimo-nos aqui ao investigador
não arqueólogo). Em primeiro lugar porque se poderá poupar
muito esforço se os objectivos a atingir forem os mesmos. Não
se compreende que um determinado medievalista esteja a
estudar a história de uma determinada região e o arqueólogo a
sua arqueologia sem que haja uma coordenação entre ambos.
Seria mais útil, aliás, que as pesquisas arqueológicas incidissem
sobre áreas que já se encontram sob estudo. Reconhecemos
que, mais do que qualquer outro especialista, o arqueólogo tem
tendência em guardar para si, enquanto não dispõe de dados
suficientes, os resultados das suas pesquisas. Isso tem que ver,
como é sabido, com a falta de protecção da propriedade científica,
e que urgia considerar e legislar, mas talvez, em alguns casos,
com um incompreensível (para a Ciência) sentimento de posse.
A falta de comunicação entre os vários especialistas não acarreta
apenas um dispêndio suplementar de esforço, mas igualmente
uma perda de tempo na direcção das pesquisas.
Em segundo lugar, é o medievalista quem melhor conhece
os dados de arquivo que, muitas vezes, o arqueólogo não pode
conhecer. O número de documentos é grande, em certos casos, e
estão espalhados por vários arquivos. Noutros casos, é a própria
incapacidade do arqueólogo em lá chegar, sobretudo se estão
escritos em latim (infelizmente, também há cada vez menos
medievalistas a «entenderem-se» com os documentos latinos).
Por seu turno, o medievalista deve ter ideias bem claras
sobre o que pretende, e indicações bem precisas acerca do
local onde devem ser feitas as sondagens. Não se pode chegar
perto de um arqueólogo e dizer apenas que se quer estudar o
povoamento de uma determinada região, e se pede o seu auxílio.
Tem que se levar já, para além de questões bem definidas, um
conjunto de dados que oriente o especialista de campo. Que
povoações se deve escavar (ou tentar encontrar para serem

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O Medievalista e a Arqueologia

escavadas), de quando data a primeira referência a esse local,


de quem dependia, se o levantamento antroponímico revelou
migrações internas ou de estrangeiros, etc. Não pode ser o
arqueólogo a adivinhar o que quer o historiador. Do mesmo modo
que nenhum historiador pega num documento (ou deve pegar
num documento) sem ter previamente elaborado um conjunto
de questões a colocar a esse mesmo documento, também não
pode esperar que o arqueólogo comece a escavar sem saber o
que procura, que o mesmo é dizer, o que vai perguntar a esse
outro registo histórico que é a terra.
Numa única palavra: arqueólogo e medievalista devem
saber falar a mesma linguagem, sob pena de nunca mais nos
entendermos. Os sinais nesse sentido, que se têm estado
a multiplicar, permitem-nos estar optimistas. Oxalá não nos
enganemos.

* Professor Auxiliar da Faculdade de Letras de Lisboa

Referência
Barbosa, P. G. — O Medievalista e a Arqueologia (Reflexões sobre o
caso português). Revista ICALP, vol. 19, Março de 1990, 109-121.

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