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Psicopatologia
re-imaginada:
2
“Tens como Hamlet, o
pavor do desconhecido?
Mas o que é conhecido?
O que é que tu conheces
Para que chames de
desconhecido a qualquer
coisa em especial?”
4
“Não quero ter a
limitação de quem vive
apenas do que é
passível de fazer
sentido.
Eu não: quero é uma
verdade inventada” (...)
Visões do
futuro...
Perseguições
intermináveis...
7
“ Tomam-me pouco a pouco o delírio
das coisas marítimas,
Penetra-me fisicamente o cais e sua
atmosfera (...)
Acelera-se cada vez mais o volante
dentro de mim (...)
Chamam por mim as águas.
Chamam por mim os mares.
Chamam por mim levantado uma voz
corpórea, os longes, as épocas
marítimas todas sentidas (...)”
Ode marítima/Álvaro de Campos/Fernando Pessoa
8
“Os transtornos esquizofrênicos
são caracterizados, em geral, por
distorções fundamentais e
características do pensamento e
da percepção e por afeto
inadequado ou embotado. (...)
A perturbação envolve as funções mais básicas que
dão à pessoa normal um senso de individualidade,
unicidade e de direção de si mesmo.
Os pensamentos, sentimentos e atos mais íntimos são
sentidos como conhecidos ou partilhados por
outros”
Esquizofrenia F20.0 -CID X
9
No meio do caminho tinha uma
pedra, tinha uma pedra no meio do
caminho ...
Carlos Drummond
de Andrade
10
“Os transtornos
esquizofrênicos são
caracterizados,
em geral,
por distorções
fundamentais e
características do
pensamento e da No meio das
percepção (...) CID X características
fundamentais do
pensamento e da
percepção tinha um
transtorno, tinha um
transtorno no meio do
caminho... 11
A perturbação envolve as funções mais básicas que dão
à pessoa normal um senso de individualidade,
unicidade e de direção de si mesmo. CID X
12
“(...)Meu tema é a vida. Procuro estar a par
dele, divido-me milhares de vezes em
tantas vezes quanto os instantes que
decorrem, fragmentária que sou e
precários os momentos (...) Esta é a vida
vista pela vida. Posso não ter sentido,
mas é a mesma falta de sentido que tem
a veia que pulsa. (...) E doidamente me
apodero dos desvãos de mim (...) Eu sou
antes, eu sou quase, eu sou nunca.”
Água viva/Clarisse Lispector
13
“Os transtornos esquizofrênicos são caracterizados(...)
e por afeto inadequado ou embotado CID X
Inadequado como
imperfeição?
“Que santificados do absurdo
os artistas que queimaram
uma obra muito bela,
daqueles que, podendo fazer
uma obra bela, de propósito
a fizeram imperfeita, (...) Por
que escrevo este livro?
Porque o reconheço
imperfeito. Calado seria a
perfeição; escrito
imperfeiçoa-se...”
Apoteose da Mentira/Fernando Pessoa
14
Os
pensamentos,
sentimentos e
atos mais
íntimos são
sentidos
como
conhecidos
ou
partilhados
por outros
CID X
15
“Eu me ultrapasso abdicando de mim e
então sou o mundo: sigo a voz do
mundo, eu mesma de súbito com voz
única. (...)
o que falo nunca é o que falo e sim outra
coisa. (...)
E ninguém é eu. Ninguém é você. (...)
Sou um coração batendo no mundo. ”
• Água viva/Clarisse Lispector
16
Poderíamos olhar a
psicopatologia como mito?
As
categorias
e descrições
fornecendo,
a maneira dos mitos,
a inter-relação de poderes humanos
(poderes que o Ego julga controlar heroicamente)
e sobre-humanos (forças que o conduzem)
como nos aponta Hillman em Mito da análise?
17
“Quando a vida se inflamava, no
desejo ou no sofrimento, ou mesmo
na reflexão, os heróis homéricos
sabiam que ali havia um deus em
ação ...”.
Núpcias de Cadmo e Harmonia/Roberto Calasso
19
"Transtorno (...) é usado aqui (CID X )
para indicar a existência de um
conjunto de sintomas ou
comportamentos
clinicamente reconhecível associado,
na maioria dos casos, a sofrimento e
interferência com funções pessoais.”
CID X
20
Não parece haver alguém que luta,
quer controlar, eliminar o que limita,
conduz ou faz sofrer e acha que
isto é a única norma a se seguir para
ser saudável?
21
E se a vida se apresentar como
inquietação, descontrole; pulsando e
movimentando-se em relação a tudo que
está determinado?
24
“O modo de penetrar em
qualquer quadro clínico é
tornar-se parte do quadro,
Esquizofrenia no CID X
26
(...) A consciência clara e a capacidade
intelectual estão usualmente mantidas,
embora certos déficits cognitivos possam
surgir no curso do tempo.
CID X
“Estabelecer teorias, pensando-as
paciente e honestamente, só para depois
agirmos contra elas – agirmos e justificar
nossas ações com teorias que as
condenam – talhar um caminho na vida,
e em seguida agir contrariamente a
seguir esse caminho. Ter todos os gestos
e atitudes de qualquer coisa que nem
somos, nem pretendemos ser(...)
A reductio ad absurdum e uma da minhas
bebidas prediletas”
Livro do desassossego/ absurdo/ Fernando Pessoa 27
(...) e podem se desenvolver
delírios explicativos, a ponto de
que forças naturais ou
sobrenaturais trabalham de
forma a influenciar os
pensamentos e as ações do
indivíduo atingido, de formas
que são muitas vezes bizarras.
CID X
31
As alucinações, especialmente
auditivas, são comuns e podem
comentar sobre o
comportamento ou os
pensamentos do paciente.ID X
32
Todos os mares, todos os estreitos, todas as baias, todos
os golfos, / Queria apertá-los ao peito,senti-los bem e
morrer .(...)
E de repente, mais de repente do que da outra vez, de
mais longe, de mais fundo, (...) A velha voz do
marinheiro inglês (...) tornada voz das ternuras
misteriosas dentro de mim, das pequenas coisas de
regaço de mãe (...).
A voz surda e remota tornada A voz absoluta, a Voz Sem
Boca, vinda de sobre e de dentro da solidão noturna
dos mares, chama por mim... Longinquamente como
se estivesse soando noutro lugar e aqui não se
pudesse ouvir. (...)
E abro de repente os olhos que não tinha fechado (...)
Ah! As viagens, os viajantes – Tantas espécies deles!
Ode marítima/ Álvaro de Campos / Fernando Pessoa
33
A percepção é freqüentemente perturbada de
outras formas: cores ou sons podem aparecer
excessivamente vívidos ou alterados em
qualidade
CID X
34
e aspectos irrelevantes das coisas comuns,
podem parecer mais importantes que todo o
objeto ou a situação.
CID X
35
Perplexidade é também comum no
início e leva freqüentemente a uma
crença de que situações cotidianas
possuem um significado especial,
usualmente sinistro, destinado
unicamente ao indivíduo.
CID X
36
Agora está amanhecendo e a aurora é de neblina branca
nas areias da praia. Tudo é meu, então. (...) vou
crescendo como dia que ao crescer me mata certa vaga
esperança e me obriga a olhar cara a cara o duro sol. (...)
O dia parece uma pele esticada e lisa de uma fruta que
numa pequena catástrofe os dentes rompem, o seu caldo
escorre.
Água viva/Clarisse Lispector37
Na perturbação característica do pensamento
esquizofrênico, aspectos periféricos e
irrelevantes de um conceito total, que estão
inibidos na atividade mental normalmente
dirigida, são trazidos para o primeiro plano e
utilizados, no lugar daqueles que são relevantes
e adequados à situação.
CID X
38
“Absurdemos a Vida de leste a oeste.
Falo a sério e tristemente, este assunto não é para alegria,
porque as alegrias dos sonhos são contraditórias e
entristecidas e por isso aprazíveis de uma misteriosa
maneira especial.
Sigo às vezes em mim, imparcialmente, essas coisas deliciosas e
absurdas que eu não posso poder ver, porque são ilógicas à
vista.- pontes sem donde nem para onde, (...) o absurdo, o
ilógico , o contraditório, tudo quanto nos desliga e afasta do
real e do seu séquito disforme de pensamentos práticos,
sentimentos humanos e desejos de ação útil (...) salva de
chegar àquele estado de alma em que começa-se por sentir a
doce fúria de sonhar”
Livro do Desassossego, Apoteose do Absurdo/ Fernando Pessoa
39
Dessa forma, o pensamento se torna vago,
elíptico e obscuro e sua expressão em
palavras, algumas vezes incompreensível.
São assíduas as interrupções e
interpolações no curso do pensamento e os
pensamentos podem parecer serem
retirados por um agente exterior.
40
CID X
“Fiz de mim o que não soube, E o que podia fazer de
mim não o fiz. O dominó que vesti era errado.
Conheceram-me logo por quem não era e não
desmenti, e perdi-me. Quando quis tirar a máscara,
estava pregada à cara.Quando a tirei e me vi ao
espelho já tinha envelhecido.(...)
Sempre uma cosia de fronte
da outra, sempre
uma coisa tão
inútil como a
Outra, sempre o
Impossível tão
estúpido como
o Real.”
Tabacaria /Álvaro de Campos / Fernando Pessoa.
41
O humor é caracteristicamente
superficial, caprichoso ou
incongruente. A ambivalência e a
perturbação da volição podem
aparecer como inércia,
negativismo ou estupor.
CID X
42
“o que sei é tão volátil e quase inexistente que
fica entre mim e eu. (...)
Transfiguro a realidade e então outra realidade,
sonhadora e sonâmbula, me cria.
Quero a profunda desordem orgânica que no
entanto dá a pressentir uma ordem... (...)
quero a experiência da falta de construção.
Embora este meu texto seja todo atravessado
por um frágil fio condutor.”
Água viva/Clarisse Lispector
43
A catatonia pode estar presente.
CID X
44
“Esquizofrenia” é o que se apresenta quando uma
pessoa:
50
Esquizofrenia não é o que aparece quando o
padrão (personagem heróico), unificador,
conduz e obriga a pessoa a:
• Dar importância e responder a todas as vozes
que aparecem?
• Ter que reagir, explicar e entender tudo que vê?
• Ter que separar nitidamente o que pensa do
que acontece?
• Não poder ter dúvidas, incertezas, não saber?
• Não poder dividir, compartilhar etc.?
• Não poder se ver como múltiplo e um?
51
Esquizofrenia não pode ser o nome dado à
constelação de sintomas que resiste às
características fundamentais do que se
considera indivíduo ou sujeito moderno?
A sintomatologia descrita não poderia
mostrar o que resiste a identificação
maciça e literal com o princípio unitário,
equivalente, que mantêm o personagem
heróico?
52
Não é quando o padrão unificador se
encarna que temos a apresentação dos
sintomas que são descritos na
esquizofrenia?
E então, não se pode mais reconhecer que
a direção de si mesmo não precisa nem
ser firme nem determinada pelo Eu; que
somos sempre conduzidos por várias
forças (vários deuses).
53
• Será que haveria sustentação possível para a
estabilidade de sintoma, identidade,
propriedade, quando o sujeito pudesse se
colocar num lugar mais flexível, atravessado por
múltiplos padrões de consciência, sem
identificar-se fixamente com nenhum deles?
• Seria possível tal constelação se o sujeito
pudesse se reconhecer e ser reconhecido como
posição de indeterminação?
• Isto não dissolveria as determinações
sintomatológicas no processo contínuo da vida?
54
• Não estaria a sintomatologia psicopatológica,
que se constela no conjunto de sinais e
sintomas que podemos chamar esquizofrenia,
carregando a instabilidade, inquietação e
indeterminação viva?
• A psique querendo desprender-se da
determinação fixa e unitária que se colocou
como norma única?
Talvez melhor para a vida seja viver sabendo que foi e não foi verdade!
Que foi verdade até certo ponto!
Que pode ser metaforicamente verdadeiro, como qualquer outra coisa
poderia ser!
E que a unificação da verdade pode ser a uma forma de paralisação da
vida!
58
“Renda-se, como eu me rendi. Mergulhe no
que você não conhece como eu mergulhei.
Não se preocupe em entender, viver ultrapassa
qualquer entendimento”
Clarisse Lispector
59
60
Vamos acompanhar o
relato feito por alguém
colocado para apresentar
a visão do paciente, num
simpósio de
esquizofrenia em São
Paulo, agosto de 2008
61
“Nunca me perguntei,
nunca perguntei a ninguém.
Até que ponto, se isto foi
verdade na época...”
62
“A capacidade de querer (alcançar) uma posição
na minha empresa; Comecei a sentir muita
pressão;Curso técnico concluído; Só que o
curso técnico não é suficiente; Precisa
de uma universidade e então meu pai
pressiona; a própria
sociedade... Sociedade exige
um contínuo estudo.”
“Louco, sim, porque quis grandeza
Qual a sorte a não dá.
Não coube em mim minha certeza;
Por isso onde o areal está, ficou meu ser que
houve, não o que há. (...)
Sem a loucura o que é o homem mais do que a
besta sadia,
cadáver adiado que procria?”
Mensagem/Fernando Pessoa
63
Na empresa eu comecei a sentir essa pressão e
começaram a surgir ...hoje com a minha visão,
os sintomas... de ser observado...
Desta possibilidade de elevação na carreira. ...
Comecei a sentir esta pressão e ... o meu pai
querendo que eu fizesse universidade. ...
Não conseguindo conciliar estudo com trabalho.
Para mim, para ser eficiente, tinha que fazer
uma coisa só.
64
“Fornecei-me metáforas, imagens, literatura, /
porque em real verdade, a sério, literalmente,
minhas sensações são um barco de quilha
para o ar, minha imaginação uma ancora
meio submersa, minha ânsia um remo
partido, e a tessitura dos meus nervos uma
rede a secar na praia!
Ode marítima / Fernando Pessoa
65
As coisas foram tomando uma dimensão
muito grande que foi impossível
suportar.
Então o que ocorreu?
Em busca de uma solução desta pressão,
desta coisa;
Eu optei por sair da empresa, para me
dedicar mais aos estudos.
66
“A insistência é o nosso esforço, a desistência o
nosso prêmio. (...)Desistir é a escolha mais sagrada
de uma vida.
69
Eu ficava pensando para conversar
aqui ... estes fenômenos.
Às vezes, chega a ser muito forte a coincidência dos fatos...
Acredito que o esquizofrênico não sabe ponderar isto.
Eu acredito que eu tinha isto antes de ser diagnosticada a
doença.
Esta coisa da simultaneidade.
Pensar uma coisa e ter uma resposta ambiental imediata.
71
“é através do pathos que nos aproximamos dos
limites do ego heróico”
Hillman
73
O que leva a fazer do
“Pensar uma coisa e ter uma resposta ambiental
imediata.”
algo tão fundamental e que interfere tanto?
74
Alguém (ego heróico) parece não poder deixar de
achar simultaneidades para resolver problemas
77
“Doença”
Pode-se facilmente classificar as manifestações relatadas
como irradiação de pensamento, delírio de influência
etc.
São descrições perfeitamente pertinentes na perspectiva
literal.
E há algo de doente na perspectiva literal ?
Não há nada de doente em qualquer um dos deuses!
James Hillman nos aponta a doença como:
Toda forma de fundamentalismo.
Quando só se tem altar para um único
deus
78
A doença não é o literalismo!
A doença não é ser atravessado por um padrão que
pede separação, unificação, individualização,
abstração, descontextualização.
Negar este padrão é negar um deus como qualquer
outro!
Nenhuma questão com o
apresentar-se do padrão heróico.
Desde que possa ser atravessado e ter
altares para muitos outros padrões -
deuses.
79
Doença como norma única.
um único padrão do qual não se pode tomar distância.
Canguilhem
• O padrão heróico de unificação precisa ter espaço, desde que
possam acontecer também:
– Sentimentos, idéias desconhecidas, que não sei de onde
vêm.
– Que algo possa surpreender a mim mesmo e/ou em mim.
– Que idéias, sentimentos etc. possam aparecer em mim como
efeitos de contextos, relações com os outros e o ambiente.
– Duvidar, em mim, dos pensamento, das percepções, dos
sentimentos que me aparecem.
• Sujeito como espaço de atravessamentos,
altares, sacrifícios e oferendas para muitos
deuses.
80
•Foi um divisor de águas... no episódio de 97
•Acredito que conduzia comigo, estes sintomas,
mas depois de 97 perdi o controle.
•Comecei a misturar o espaço mental com o
espaço real.
•O que é “o episódio”?
As simultaneidades? As conexões? A perda do controle? A
mistura do espaço real e mental?
Ou a dominação fundamentalista do padrão unificador que
obriga a conectar, a dar sentido aos espaços mentais e reais?
•O episódio resultaria destes espaços não estarem
separados ou do querer, a todo custo e sacrifício, unificá-los
e controlá-los?
81
Eu tenho a empresa que trabalhei como uma coisa impressionante;
(...) uma super empresa.(...) se estende a todas as industrias, a
estrutura, considero como uma entidade(...) Então, dentro da
empresa, eu comentei com o meu supervisor que já tinha chorado
em frente a TV vendo (e querendo)a Xuxa.
No final do ano de 97 - Eu fiz os links!
Falei na empresa da Xuxa.
Ela ficou grávida.
Conseguiram meu sêmen...
– Eu sou pai do filho da Xuxa !
•A questão é:
•sentir a empresa em que trabalho algo grande especial?
•conversar sobre fantasias e emoções?
•Quantos homens já não devem ter desejado e até chorado de desejo
pela Xuxa?
•Ou o Eu (ego heróico) não poder deixar de fazer os links e
não deixar de atuar a partir de suas conexões?
82
Então já descontrolei, peguei um avião; fui para o Rio
de Janeiro sem mochila sem nada (...)
e fiquei caminhando durante 3 dias e dormindo na rua,
procurando a Xuxa (...) Dormia na rua, andava para
lá e para cá, (...) andei muitos quilômetros lá,
bastante (...)
83
“parti para essa viagem que nunca fiz”
Fernando Pessoa
84
Perguntaram se eu era do Brasil.
Eu estava com uma cara de estrangeiro.
Comecei a ver meus familiares, pessoas
muito semelhantes aos meus
familiares.(...)
Aí, isto foi me sinalizando que tinha que
encontrar minha família, (...)
•Não seria no fracasso ao colocar em ato as idéias que
conduziam o personagem heróico, ao realizar as ações da
procura, do que estava distante e perdido (“Xuxa”), que foi
possível o encontro com o que parcia familiar?
•Não estaria isto nos falando que a realização da norma
como fracasso é o que permite distanciar-se dela e superar
a norma?
85
• “Todo gesto é um ato revolucionário; um
exílio, talvez, (...) dos nossos propósitos. A
ação é uma doença do pensamento, um
cancro da imaginação. Agir é exilar-se. (...) o
poema que sonho não tem falhas, senão
quando tento realizá-lo.”
• Intervalo/ Fernando Pessoa
86
Na caminhada eu refletia um ser muito estranho ...
eu estava muito confuso, então isto potencializou;
eu todo confuso, andando, sem destino,
as pessoas me viam como um ser diferente,
até com certa periculosidade
e isto pressionava: estão olhando para mim.
Potencializando...
•Quem era estranho a quem? / Quem olhava a quem?
•Quem estava confuso, andando sem destino?
•Ao personagem heróico faltava:
confusão:
•estava certo de que era pai do filho da Xuxa;
verdade clara e sem confusão
andar sem destino:
•Sabia que seu destino era ser pai do filho da Xuxa
e que indo ao Rio de Janeiro a encontraria.
87
• E se fosse o mesmo “Quem” que sabe
exatamente, com certeza plena,
inquestionável, quais são as características
fundamentais do pensamento, da percepção
o que tem certeza de que é o pai do filho da
Xuxa?
• E se fosse este mesmo “quem” que está
dominando de forma fundamentalista e
literal as ações da vida?
• E se este “Quem” que preenche os critérios
do Ego heróico (autônomo, independente,
auto-determinado) se encaixa na definição
clássica de delírio?
88
Fui a casa da minha Avó, um pouco maltrapilho...
porque eu estava andando há três dias, lá no meio da rua ...
e minha avó me recebeu muito bem; assustada...
– Vó, está todo mundo olhando para mim.
– Será que eu fiz alguma coisa de errado?
– Eu, andando na rua assim, estou prejudicando alguém?
– Estou me prejudicando?
Ela me falou: - Filho... é estranho!
• mas ela me trouxe muito carinho.
A vida me fez de vez em quando pertencer, como se
fosse para me dar a medida do que eu perco não
pertencendo. E então eu soube: pertencer é viver.
Clarisse Lispector
89
• Num determinado momento, eu com minha avó me
ajudando;
• Eu falei: - Vó eu preciso conversar com meu pai porque
ele participou da minha saída da empresa. Ele não me
apoiou muito, mas estava um pouquinho do lado.
• minha vó ligou para o meu pai, conversou com ele...
• Ele disse: - Vem para cá, vem; vamos arrumar uma
solução.
• Então eu fui.
• Meu pai morava em Itu... estava fazendo um
tratamento psicológico... este mesmo doutor, a quem
eu devo muito... me iniciou o tratamento em 98
90
91
92
Qual a questão?
Perceber, vivenciar simultaneidades?
93
“Pensar uma coisa e ter uma resposta ambiental
imediata.”
tão fundamental e interfere tanto para
quem?
94
Simultaneidade /conexões
95
A doença não é o literalismo!
Desde que possa ser
atravessado e ter altares
para muitos outros padrões
- deuses.
96
Doença como norma única.
um único padrão do qual não se pode tomar distância.
Canguilhem
97
•Foi um divisor de águas... no episódio de
97
•Acredito que conduzia comigo, estes
sintomas,
mas depois de 97 perdi o controle.
•Comecei a misturar o espaço mental com o
espaço real.
98
Eu tenho a empresa que trabalhei como uma coisa
impressionante;
(...) uma super empresa.(...) se estende a todas as
industrias, a estrutura, considero como uma
entidade(...) Então, dentro da empresa, eu
comentei com o meu supervisor que já tinha
chorado em frente a TV vendo (e querendo)a
Xuxa.
No final do ano de 97 - Eu fiz os links!
Falei na empresa da Xuxa.
Ela ficou grávida.
Conseguiram meu sêmen...
– Eu sou pai do filho da Xuxa !
99
Então já descontrolei, peguei um avião; fui para o Rio
de Janeiro sem mochila sem nada (...)
e fiquei caminhando durante 3 dias e dormindo na rua,
procurando a Xuxa (...) Dormia na rua, andava para
lá e para cá, (...) andei muitos quilômetros lá,
bastante (...)
100
“parti para essa viagem que nunca fiz”
Fernando Pessoa
101
“Eu ia andando pela Avenida Copacabana e olhava
distraída edifícios, nesga de mar, pessoas, sem
pensar em nada. Ainda não percebera que na
verdade não estava distraída, estava era de uma
atenção sem esforço, estava sendo uma coisa
muito rara: livre. Via tudo, e à toa. Pouco a pouco
é que fui percebendo que estava percebendo as
coisas. (...) Tive então um sentimento de que
nunca ouvi falar. Por puro carinho, eu me senti a
mãe de Deus, que era a Terra, o mundo. (...) eu
era por carinho a mãe do que existe.”
Felicidade Clandestina/ Perdoando Deus/Clarisse Lispector
102
Perguntaram se eu era do Brasil.
Eu estava com uma cara de estrangeiro.
Comecei a ver meus familiares, pessoas
muito semelhantes aos meus
familiares.(...)
Aí, isto foi me sinalizando que tinha que
encontrar minha família, (...)
103
“Todo gesto é um ato revolucionário; um exílio,
talvez, (...) dos nossos propósitos. A ação é
uma doença do pensamento, um cancro da
imaginação. Agir é exilar-se. (...) o poema que
sonho não tem falhas, senão quando tento
realizá-lo.”
• Intervalo/ Fernando Pessoa
104
Na caminhada eu refletia um ser muito estranho
(...)
eu estava muito confuso, então isto
potencializou;
eu todo confuso, andando, sem destino,
as pessoas me viam como um ser diferente,
até com certa periculosidade
e isto pressionava: estão olhando para mim.
Potencializando (...)
105
Fui a casa da minha Avó, um pouco maltrapilho...
porque eu estava andando há três dias, lá no meio da rua ...
e minha avó me recebeu muito bem; assustada...
– Vó, está todo mundo olhando para mim.
– Será que eu fiz alguma coisa de errado?
– Eu, andando na rua assim, estou prejudicando alguém?
– Estou me prejudicando?
Ela me falou: - Filho... é estranho!
• mas ela me trouxe muito carinho.
A vida me fez de vez em quando pertencer,
como se fosse para me dar a medida do que
eu perco não pertencendo. E então eu
soube: pertencer é viver.
Clarisse Lispector
106
• Num determinado momento, eu com minha avó me
ajudando;
• Eu falei: - Vó eu preciso conversar com meu pai porque
ele participou da minha saída da empresa. Ele não me
apoiou muito, mas estava um pouquinho do lado.
• minha vó ligou para o meu pai, conversou com ele...
• Ele disse: - Vem para cá, vem; vamos arrumar uma
solução.
• Então eu fui.
• Meu pai morava em Itu... estava fazendo um
tratamento psicológico... este mesmo doutor, a quem
eu devo muito... me iniciou o tratamento em 98
107
“Esquizofrenia” é o que se apresenta quando uma
pessoa:
110
Esquizofrenia, é a doença que se opõe a
unidade, individualidade, ou controle de si?
• ou
É a oportunidade de perceber os limites deste
personagem heróico que impõe, através das
pessoas, sua forma unitária, de maneira
fundamentalista, sobre a vida em movimento,
em toda a multiplicidade e tensão, entre o que
está determinado e o eterno indeterminar?
111
Esquizofrenia não é o que aparece quando o
padrão (personagem heróico), unificador,
conduz e obriga a pessoa a:
• Dar importância e responder a todas as vozes que
aparecem?
• Ter que reagir, explicar e entender tudo que vê?
• Ter que separar nitidamente o que pensa do que
acontece?
• Não poder ter dúvidas, incertezas, não saber?
• Não poder sentir os pensamentos ou sentimentos
divididos e/ou compartilhados sem se apavorar com
isto?
• Não poder se ver como múltiplo e um?
112
Esquizofrenia não pode ser o nome dado à
constelação de sintomas que resiste às
características fundamentais do que se
considera indivíduo ou sujeito moderno?
A sintomatologia descrita não poderia
mostrar o que resiste a identificação
maciça e literal com o princípio unitário,
equivalente, que mantêm o personagem
heróico?
113
Não é quando o padrão unificador se
encarna que temos a apresentação dos
sintomas que são descritos na
esquizofrenia?
E então, não se pode mais reconhecer que
a direção de si mesmo não precisa nem ser
firme nem determinada pelo Eu; que
somos sempre conduzidos por várias forças
(vários deuses).
114
• Será que haveria sustentação possível para a
estabilidade de sintoma, identidade,
propriedade, quando o sujeito pudesse se colocar
num lugar mais flexível, atravessado por
múltiplos padrões de consciência, sem
identificar-se fixamente com nenhum deles?
• Seria possível tal constelação se o sujeito pudesse
se reconhecer e ser reconhecido como posição de
indeterminação?
• Isto não dissolveria as determinações
sintomatológicas no processo contínuo da vida?
115
• Não estaria a sintomatologia psicopatológica,
que se constela no conjunto de sinais e
sintomas que podemos chamar esquizofrenia,
carregando a instabilidade, inquietação e
indeterminação viva?
• A psique querendo desprender-se da
determinação fixa e unitária que se colocou
como norma única?
116
“mas eu percebia um primeiro rumor como de
um coração batendo embaixo da terra.
Colocava quietamente o ouvido no chão e
ouvia o verão abrir caminho por dentro e o
meu coração batendo embaixo da terra. (...)
sentia a paciente brutalidade com que a terra
fechada se abria por dentro em parto, e sabia
com que peso de doçura o verão amadureceria
cem mil laranjas.(...)
Não vê que isto aqui é como um filho nascendo?
Dói. Dor é vida exacerbada. O processo dói. Vir
a ser é uma lenta e lenta dor boa.”
Água viva/Clarisse Lispector
117
Não estaria a sintomatologia psicopatológica
apresentada na esquizofrenia oferecendo a
oportunidade de perceber os limites (o que
resiste) a este padrão de consciência; não
apenas em quem os sintomas são
identificados, mas nos contextos (relações,
“posturas terapêuticas”,expressões culturais
etc.) em que eles aparecem?
Teria a preponderância histórica deste padrão, nas
culturas dos países do 1º mundo, relação com a
evolução dos “transtornos esquizofrênicos” serem
mais crônicas e mais difíceis nestes do que no 3º ?
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“Nunca me perguntei, nunca perguntei a ninguém.
Até que ponto, se isto foi verdade na época...”
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“Renda-se, como eu me rendi. Mergulhe no
que você não conhece como eu mergulhei.
Não se preocupe em entender, viver
ultrapassa qualquer entendimento”
Clarisse Lispector
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Assim poderíamos ver
os deuses como doenças
e as patologias uma via
fundamental e
metáfora radical da vida!
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