Desde o final do século XIV, em Portugal, e durante o século "XV, na França,
Espanha e Inglaterra, começaram a surgir as monarquias nacionais, com o
fortalecimento do rei e, portanto, a centralização do poder. Desse modo configurou-se o Estado moderno, com prerrogativas de governo central, tais como o monopólio de fazer e aplicar leis, recolher impostos, cunhar moeda, ter um exército, e ser o único a deter o monopólio legítimo da força e o aparato administrativo para prestar serviços públicos. Vamos estudar então algumas das diretrizes teórico-políticas da modernidade, através do pensamento de autores como Maquiavel, Thomas Hobbes, Locke e Rousseau. A TEORIA DO DIREITO DIVINO DOS REIS Jacques-Bénigne Bossuet O Bispo Bossuet é um dos teóricos que justificam o Direito Divino dos Reis, cujas razões ele aqui apresenta. Destaca-se, principalmente, a parte final do documento, onde, além de demonstrar o caráter divino da realeza, aborda a questão da submissão dos súditos. Três razões fazem ver que este governo é o melhor. A primeira é que é o mais natural e se perpetua por si próprio ... A segunda razão ... é que esse governo é o que interessa mais na conservação do Estado e dos poderes que o constituem: o príncipe, que trabalha para o seu Estado, trabalha para os seus filhos, e o amor que tem pelo seu reino, confundido com o que tem pela sua família, torna-se-lhe natural... A terceira razão tira-se da dignidade das casas reais ... A inveja, que se tem naturalmente daqueles que estão acima de nós, tornase aqui em amor e respeito; os próprios grandes obedecem sem repugnância a uma família que sempre viram como superior e à qual se não conhece outra que a possa igualar ... O trono real não é o trono de um homem, mas o trono do próprio Deus ... Os reis ... são deuses e participam de alguma maneira da independência divina. O rei vê de mais longe e de mais alto; deve acreditar-se que ele vê melhor, e deve obedecer- se-Ihe sem murmurar, pois o murmúrio é uma disposição para a sedição. Bossuet, Jacques-Bénigne. Política Tirada da Sagrada Escritura, citado em Freitas, op. cit., p. 201. O PODER REAL SEGUNDO JEAN BODIN As idéias de Jean Bodin, tal como as de Bossuet, apontam para o caráter divino dos reis. É interessante lembrar que Bodin escreveu estas linhas muito tempo antes de Bossuet. O rei sábio deve governar harmonicamente o seu reino, entremeando suavemente os nobres e os plebeus, os ricos e os pobres, com tal discrição, no entanto, que os nobres tenham alguma vantagem sobre os plebeus, pois é bem razoável que o gentil-homem, tão excelente nas armas e nas leis quanto o plebeu, seja preferido nos estados de judicatura ou da guerra; e que o rico, em igualdade das demais condições, seja preferido ao pobre nos estados que têm mais honra que lucro; e que ao pobre caibam os ofícios que dão mais lucro que honra; assim, todos ficarão contentes. (...) Nada havendo de maior sobre a terra, depois de Deus, que os príncipes soberanos, e sendo por Ele estabelecidos como seus representantes para governarem os outros homens, é necessário lembrar-se de sua qualidade, a fim de respeitar-Ihes e reverenciar-Ihes a majestade com toda a obediência, a fim de sentir e falar deles com toda a honra, pois quem despreza seu príncipe soberano despreza a Deus, de Quem ele é a imagem na terra. Bodin, Jean. Seis Livros sobre a República, citado por Chevallier, Jean-Jacques. As Grandes Obras políticas de Maquiavel a Nossos Dias. Rio, Agir, 1976, p. 60-1. As desventuras de um Florentino Maquiavel nasceu em Florença em 3 de maio de 1469, numa Itália "esplendorosa mas infeliz", no dizer do historiador Garin. A península era então constituída por uma série de pequenos Estados, com regimes políticos, desenvolvimento econômico e cultura variados. Tratava-se, a rigor, de um verdadeiro mosaico, sujeito a conflitos contínuos e alvo de constantes invasões por parte de estrangeiros. Até 1494, graças aos esforços de Lourenço, o Magnífico, a península experimentou uma certa tranqüilidade. Cinco grandes Estados dominavam o mapa político: ao sul, o reino de Nápoles, nas mãos dos Aragão; no centro, os Estados papais controlados pela Igreja e a república de Florença, presidida pelos Médicis; ao norte, o ducado de Milão e a república de Veneza. Nos últimos anos do século, entretanto, a desordem e a instabilidade eram incontroláveis. Às dissensões internas e entre regiões somaram-se as invasões das poderosas nações vizinhas, França e Espanha. Assim, os Médicis são expulsos de Florença; acirram-se as discórdias entre Milão e Nápoles; os domínios da Igreja passam a ser governados por Alexandre VI, um papa espanhol da família Borgia, guiado por ambições sem limites; o rei Carlos VIII, da França, invade a península e consegue dominá-la de Norte a Sul. Pouco tempo depois, com a morte do papa Alexandre VI, o trono é ocupado por Júlio II, que se alia primeiro aos franceses contra Veneza e em se Como bom observador, Nicolau Maquiavel (1469-1527) observava com apreensão a falta de estabilidade política da Itália, dividida em principados e repúblicas onde cada um dispunha de sua própria milícia, geralmente formada por mercenários. Nem mesmo os Estados Pontifícios deixavam de formar seus exércitos. Maquiável era maquiavélico? Escrito em 1513 e dedicado a Lourenço de Medici, O príncipe provocou inúmeras interpretações e controvérsias. À primeira vista, essa obra parece defender o absolutismo e o mais completo imoralismo: “É necessário a um príncipe, para se manter, que aprenda a poder ser mau e que se valha ou deixe de valer-se disso segundo a necessidade”. Da leitura apressada de sua obra decorre o mito do maquiavelismo, que tem atravessado os séculos. No entanto, essa interpretação é excessivamente simplista e deformadora do pensamento maquiaveliano, porque se encontra fora do contexto mais amplo da obra. A política como categoria autônoma Maquiavel subverteu a abordagem tradicional da teoria política feita pelos gregos e medievais, e por isso é considerado o fundador da ciência política, ao enveredar por novos caminhos "ainda não trilhados", como ele mesmo diz. Pode-se dizer que a política de Maquiavel é realista, ao se basear em "como o homem age de fato". A observação das ações dos governantes seus contemporâneos e dos tempos antigos, sobretudo de Roma, leva -o à constatação de que eles sempre agiram pelas vias da corrupção e da violência. Partindo do pressuposto de que a natureza humana é capaz do mal e do erro, analisa a ação política sem se preocupar em ocultar "o que se faz e não se costuma dizer". A política como categoria autônoma A esse realismo alia-se a tendência utilitarista, pela qual Maquiavel desenvolve uma teoria voltada para a ação eficaz e imediata. Para ele, a ciência política só tem sentido se propiciar o melhor exercício da arte política. Trata-se do começo da ciência política: da teoria e da técnica da política, entendida como disciplina autônoma, porque desvinculada da ética pessoal e da religião, além de ser examinada na sua especificidade própria. Para Maquiavel, a moral não deve orientar a ação política, segundo normas gerais e abstratas, mas a partir do exame de uma situação específica e em função do resultado dela, já que toda ação política visa à sobrevivência do grupo e não apenas de indivíduos isolados. Na nova perspectiva, para fazer política é preciso compreender o sistema de forças existentes de fato e calcular a alteração do equilíbrio provocada pela interferência de sua própria ação nesse sistema: como vimos, o desafio está em compreender bem a relação fortuna-virtú. Hobbes e o poder absoluto do Estado Thomas Hobbes (1588-1679), inglês de família pobre, conviveu com a nobreza, de quem recebeu apoio e condições para estudar. Teve contato com Descartes, Francis Bacon e Galileu. Ao longo de sua vida, especialmente na Inglaterra e na França, o absolutismo real atingiu o seu apogeu, mas enfrentava diversos movimentos de oposição, especialmente vindos de liberais. A chave para compreender o pensamento de Hobbes é a ideia de Estado da Natureza. Como sabemos, Hobbes era um contratualista, quer dizer, um daqueles filósofos que, entre o século XVI e o XVIII (basicamente), afirmaram que a origem do Estado e/ou da sociedade está num contrato: os homens viveriam, naturalmente, sem poder e sem organização — que somente surgiriam depois de um pacto firmado por eles, estabelecendo as regras de convívio social e de subordinação política. Para Hobbes, no estado de natureza, o ser humano tem direito a tudo: “O direito de natureza, a que os autores geralmente chamam jus natura/e, é a liberdade que cada homem possui de usar seu próprio poder, da maneira que quiser, para a preservação de sua própria natureza, ou seja, de sua vida; e, consequentemente, de fazer tudo aquilo que seu próprio julgamento e razão lhe indiquem como meios adequados a esse fim”. Ora, enquanto perdura esse estado de coisas, não é possível segurança nem paz alguma. A situação dos indivíduos deixados a si próprios é de anarquia, que gera insegurança, angústia e medo. Os interesses egoístas predominam e cada um torna-se um lobo para o outro. As disputas provocam a guerra de todos contra todos, com graves prejuízos para a indústria, a agricultura, a navegação, o desenvolvimento da ciência e o conforto dos indivíduos. O contrato social Na sequência do raciocínio, Hobbes pondera que o indivíduo reconhece a necessidade de “(...) renunciar a seu direito a todas as coisas, contentando-se, em relação aos outros homens, com a mesma liberdade que aos outros homens permite em relação a si mesmo” A renúncia à liberdade só tem sentido com a transferência do poder a determinada pessoa ou pessoas. A transferência mútua de direitos, voluntariamente, é o que se chama contrato. A nova ordem é, portanto, celebrada mediante um contrato, um pacto, pelo qual todos abdicam de sua vontade em favor de "um homem ou de uma assembleia de homens, como representantes de suas pessoas". Desse modo, por não ser sociável por natureza, o ser humano o será por artifício: o medo e o desejo de paz levam os indivíduos a fundar um estado social e a autoridade política, abdicando de seus direitos em favor do soberano. A soberania Qual é a natureza do poder legítimo resultante do consenso? Que tipo de soberania é garantida pelo pacto? ParaHobbes, o poder do soberano deve ser ahsoluto, isto é, ilimitado. A transmissão do poder dos indivíduos ao soberano deve ser total, caso contrário, por pouco que seja conservada a liberdade natural, instaura-se de novo a guerra. Cabe ao soberano julgar sobre o bem e o mal, o justo e o injusto; e ninguém pode discordar dele, pois tudo o que o soberano faz é resultado do investimento da autoridade consentida pelo súdito. A soberania O poder do Estado é exercido pela força, pois só a iminência do castigo pode atemorizar os indivíduos. "Os pactos sem a espada [ sword] não são mais que palavras [words]", diz Hobbes. Investido de poder, o soberano pode prescrever leis, escolher conselheiros, julgar, fazer a guerra e a paz, recompensar e punir. Hobbes preconiza ainda a censura, já que o soberano é juiz das opiniões e doutrinas contrárias à paz. Quando, afinal, o próprio Hobbes pergunta se não é muito miserável a condição de súdito diante de tantas restrições, conclui que nada se compara à condição dissoluta de indivíduos sem senhor ou às misérias da guerra civil. A teoria política de Locke John Locke (1632-1704), filósofo inglês, era médico e descendia de burgueses comerciantes. Refugiado na Holanda por ter-se envolvido com acusados de conspirar contra a Coroa, retornou à Inglaterra no mesmo navio em que viajava Guilherme de Orange, símbolo da consolidação da monarquia parlamentar inglesa. Locke assumiu papel importante na discussão sobre a teoria do conhecimento, tema privilegiado do pensamento moderno a partir de Descartes. A respeito desse assunto escreveu Ensaio sobre o entendimento humano, em que defende a teoria empirista. Com a obra Dois tratados sobre o governo civil, tornou-se o teórico da revolução liberal inglesa. Suas ideias políticas fecundaram todo o século XVIII, dando o fundamento filosófico das revoluções liberais ocorridas na Europa e nas Américas. Estado de natureza e contrato Assim como Hobbes e posteriormente Rousseau, Locke partiu da concepção pela qual os indivíduos isolados no estado de natureza unem-se mediante contraio social para constituir a sociedade civil. Segundo essa teoria, apenas o pacto torna legítimo o poder do Estado. Diferentemente de Hobbes, porém, Locke não descreve o estado de natureza como um ambiente de guerra e egoísmo. O que então levaria os indivíduos a abandonar essa situação, delegando o poder a outrem? Para Locke, no estado natural cada um é juiz em causa própria; portanto, os riscos das paixões e da parcialidade são muito grandes e podem desestabilizar as relações entre os indivíduos. Por isso, visando à segurança e à tranquilidade necessárias ao gozo da propriedade, todos consentem em instituir o corpo político. Locke segue a tendência jusnaturalista e, nesse sentido, está convencido de que os direitos naturais humanos não desaparecem em consequência desse consentimento, mas subsistem para limitar o poder do Estado. Justifica, em última instância, o direito à insurreição: o poder é um trust, um depósito confiado aos governantes - trata-se de uma relação de confiança-, e, se estes não visarem ao bem público, é permitido aos governados retirar essa confiança e oferecê- la a outrem, posição que distingue Locke de Hobbes O conceito de propriedade Como representante dos ideais burgueses, Locke enfatiza que os indivíduos abandonam o estado de natureza para preservar a propriedade. Mas o que ele entende por propriedade? Em um sentido muito amplo, é "tudo o que pertence" a cada indivíduo, ou seja, sua vida, sua liberdade e seus bens. A primeira coisa que a pessoa possui, portanto, é o seu corpo: todo indivíduo é proprietário de si mesmo e de suas capacidades. O trabalho de seu corpo é propriamente dele; portanto, o trabalho dá início ao direito de propriedade em sentido estrito (bens, patrimônio). Isso significa que, na concepçã0 de Locke, todos são proprietários: mesmo quem não possui bens é proprietário de sua vida, seu corpo, seu trabalho e, portanto, dos frutos do seu trabalho. Hierarquia medieval deu origem a cinco títulos nobiliárquicos, na seguinte ordem 1 – Duque. O primeiro escalão da nobreza tem sua origem ainda no Império Romano, cujos comandantes militares recebiam o nome de dux – “aquele que conduz”, em latim. Na Espanha, os duques eram os mais importantes generais da Coroa. Já em Portugal, o título era outorgado apenas aos filhos do rei ou a parentes bem próximos. Na Itália, os duques eram os responsáveis pela administração de cidades e províncias. Na Rússia, existia ainda o título de grão-duque, entre o duque e o rei. A mesma posição foi instituída pela família real austríaca, em 1358, com o nome de arquiduque 2 – Marquês. De hierarquia inferior apenas ao duque, seu nome vem do provençal, dialeto medieval do sul da França. Ali se chamava originalmente de marquês o governador de fronteira – ou “governador de marca”. As marcas eram distritos territoriais que tinham a função especial de zona de proteção em regiões fronteiriças ou mal pacificadas. Nesses locais, o marquês tinha amplos poderes, respondendo tanto pela administração civil quanto pela defesa militar Hierarquia medieval deu origem a cinco títulos nobiliárquicos, na seguinte ordem 3 – Conde Na Roma antiga, a palavra latina comes (“aquele que acompanha”) – que também deu origem à palavra “comitiva” – referia-se àqueles que moravam junto com o imperador: assessores, conselheiros e oficiais palacianos. Entre os francos, o mesmo nome era dado a juízes e governadores distritais. Aqueles que eram ligados à Corte levavam o título de condes palatinos e gozavam de grande influência. O valete, conhecido das cartas do baralho, é o mesmo que conde 4 – Visconde O mesmo que “vice-conde”, do latim vicecomes – ou seja: o substituto do conde, designado para desempenhar suas funções quando ele estivesse impedido ou ausente. A partir do século X, o título passou a ser hereditário, outorgado também aos filhos dos condes Hierarquia medieval deu origem a cinco títulos nobiliárquicos, na seguinte ordem 5 – Barão O termo germânico baro significava originalmente “homem livre”, embora os oficiais assim chamados fossem dependentes diretos do rei. O título era oferecido a pessoas de destaque nas mesmas funções básicas dos outros cargos da nobreza: governar territórios e comandar exércitos