Sie sind auf Seite 1von 108

Roland Schimmelpfennig

AS QUATRO DIREÇÕES DO
CÉU

DIE VIER HIMMELSRICHTUNGEN


Portugiesisch (Brasilien) von Camillo Schaden,
Porto Alegre, 2013

Alle Rechte vorbehalten, insbesondere das der Aufführung durch Berufs- und Laienbühnen, des
öffentlichen Vortrags, der Verfilmung und Übertragung durch Rundfunk und Fernsehen. Das Recht
der Aufführung ist rechtmäßig zu erwerben vom:
All rights whatsoever in this play are strictly reserved. No performance may be given unless a
license has been obtained. Application for performance etc., must be made before rehearsals begin,
to:

S. Fis cher Verl ag GmbH, Thea terabt eilu ng, Hedderi chs tr . 114, , 60596
Frankf ur t/Main, Pos tf ach 700355, 60553 Frankf ur t/Main, Tel: 069-6062271, Fax:
069-6062355, E-m ail : ulrike.betz@fischerverlage.de ;
theater@fischerverlage.de

In Lateinamerika repräsentiert durch:


In Latin Americ a represented by:

Au tor enagent ur Hart mu t Bec her


Carlos Calvo 1821
Tel. +54-11-3531 4549
e-mail: hartmut.becher@gmail.com

No perform ance may be given unless a li cense has bee n obt ained.

Die Rechte an der Übersetzung liegen bei:


Os direitos da tradução pertencem a:

Herta Elbern (2013)

This translation was sponsored by Goethe-Institut.


As quatro direções do céu

de

Rol and Schi mmel pf enni g

10/ 9/ 2010 / 14/ 10/ 2010

Tr adução par a o por t uguês de Her t a El ber n,


Por t o Al egr e, 2013
© S. Fi scher Ver l ag 2010

Todos os di r ei t os r eser vados, par t i cul ar ment e

aquel es at r avés da encenação por companhi as


pr of i ssi onai s ou l ei gas, f i l magem e t r ansmi ssã o
vi a r ádi o, t el evi são e out r os mei os audi ovi suai s,
bem como par a f r agment os i sol ados. Os di r ei t os de
encenação devem ser s ol i ci t ados à Edi t or a

S. Fi sc her Ver l ag GmbH


THEATER & MEDI EN
Lei t ung: Uwe B. Car st ensen, Hedder i chst r aße 114
D- 60596 Fr ankf ur t am Mai n
E- mai l : Ul r i ke. Bet z@f i scher ver l age. de

I mpr ess o como manusc r i t o par a uso de t eat r os e


ass oci ações. Est e exempl ar pode, se não f or
adqui r i do como mat er i al par a encenação, ser
empr est ado a cur t o pr azo par a l ei t ur a.

Est e t ext o / est a t r adução se consi der a como não


publ i cado at é o di a da est r ei a mundi al / da
est r ei a em al emão, segundo a l ei de di r ei t os do
aut or . Ant es dest e moment o não é per mi t i do
descr ever f r agment os i sol ados da obr a, ou
comuni car seu cont eúdo, ou di sc ut i r a mesma
publ i cament e. A Edi t or a se r eser va o di r ei t o de
t omar as pr ovi dênci as l egai s cabí vei s co nt r a
publ i cações não aut or i zadas.
CORO: UM HOMEM
UMA MULHER J OVEM
UM HOMEM FORTE
UMA MULHER

Música.
1.

A MULHER J OVEM

Tu és Medusa, di z el e
e eu sou Per seu,
ol ha aqui , as est r el as,
ol ha os cabel os cach eados, como ser pent es -

Per seu sempr e t eve al go a ver com ser pent es,


por que Per seu cor t ou a cabeça da Medusa,

e os cabel os da Medusa er am de ser pent es.


Cachos ondul ados de ser pent es.

Ei , di z Per seu,
ei , t ens cabel os ondul ados como ser pent es,
poder i as ser a Medusa -
Medusa?
E eu sou Per seu, aquel e com as est r el as,
aquel e que subi u at é as est r el as,
Per seu e Medusa, i sso t er i a de dar em al go.
E el a: t u achas?
Per seu e Medusa? Achas r eal ment e?
Mas são apenas cachos ondul ados.

E el a di z,
Se t u és Per seu
e eu sou Medusa,
ent ão t er ás de cor t ar mi nha cabeça,
ei,
quer es cor t ar mi nha cabeça,
por mi m podes f azê- l o,
el a est á sempr e doendo mesmo,

mas não sej as br ut o, não t u,

eu quer i a mui t o t e bei j ar ,


eu quer i a mui t o t e bei j ar ,
di z el e

O HOMEM;

eu quer i a mui t o t e bei j ar ,


eu quer i a mui t o t e bei j ar ,
di z el e

A MULHER J OVEM
E el a di z:
ah,
par a ser honest a eu j á t enho al guém,
mas,
di z el e, nós doi s
per t encemos um ao out r o,
Per seu e Medusa,
poder í amos
at uar j unt os,
não, di z el a, r eal ment e -

Curto Intervalo
Cami nhamos j unt os ao l ongo da mar gem,
at é o l ocal ,
onde f i ca a enor me r oda gi gant e,
e el e di sse ,

quer es andar ,
e eu di sse si m,
e daí el e per gunt ou: J á andast e al guma vez,
si m - i ss o i mpor t a?
Não.

Música
2.

A MULHER
Vei o uma mul her do l est e,
que t r ouxe consi go neve e gel o,
el a vei o com o t r em,
mas o t r em não pode segui r ,
por que havi a mui t a neve sobr e os t r i l hos,
e a mul her desceu
e f i cou na ci dade por vi nt e anos. Vamos ver
quando sai r á o pr óxi mo t r em, el a pensou,
ao descer do t r em,
El a podi a pr ever o f ut ur o,
menos o seu pr ópr i o.

Música
3.

A MULHER J OVEM
Doi s homens,

que se gol pei am.

Um é menor , ou mai s del i cado,


e o out r o é mai s f or t e e mai or , f ei o e
quase ca l vo.
Uma l ut a desi gual .

Os doi s homens se gol pei am,


at é sangr ar em,
e t odos os demai s no l ocal
f i cam ol hando,
os cl i ent es seg ur am seus co pos,
e a gar çonet e
com os cabel os encar acol ados
est á par ada ao f undo com a bandej a chei a.

O menor começou,
e o out r o,
o mai s f or t e e mai s f ei o,
no começo nem devol ve os gol pes,
el e af ast a o out r o de seu cor po,

Ela estende seu braço e o afasta de si


com a mão aberta.

El e mant ém o out r o af ast ado de seu cor po,


com o br aço est endi do,
par ece como uma dança,

as gar r af as ai nda est ão na pr at el ei r a,

os ci nzei r os est ão sobr e as mesas,


ai nda,
os cl i ent es segur am seus copos,

e a gar çonet e com os mui t os cachos


e com a bandej a chei a est á par ada ao f undo,
e o pequeno cos pe,
e pi sot ei a
e gol pei a ao seu r edor -

Curto intervalo.

- cospe e sapat ei a e gol pei a ao seu r edor .

Música.
4.

UM HOMEM FORTE
Vei o um homem do nor t e,

que t r ouxe a chuva consi go,

e a pr evi são
ai nda di sse r a:
hoj e não vai cai r nenhuma got a,

o homem chegou com um cami nhão,


e at r ás na car r ocer i a
el e t r anspor t ava 400 cai xas,
cober t as com um l ona.

Chovi a,
as r uas est avam mol hadas,
e j á esc ur eci a,
e o homem di r i gi a r ápi do demai s,
e ent ão
der r apou numa cur va,
t oda a car ga cai u do cami nhão.
400 cai xas
escor r egam do cami nhão
e f i cam
caí das numa val a ao l ado da est r ada. Chuva.

Música.
5.

UM HOMEM
Um homem com duas l í nguas.

Curto intervalo.

Um homem em um t er no mui t o gr ande, t er no br anco –


br anco - ou br anco com est r el as azui s,
e com cabel os azui s.

Curto intervalo.

Cabel os azui s.

Curto intervalo.

O homem no t er no br anco, um pouco gr ande demai s


t em cabel os azui s -

I st o é uma per uca.

Curto intervalo.

Uma per uca azul .

Curto intervalo.

E o r ost o t ambém é br anco.


Maqui ado de br anco, e aqui ,
no cant o esquer do e ver mel ho da boca
sur ge uma pequena l í ngua azul ,
pi nt ada,

não é mui t o boni t a,


r eal ment e não par ece nada boni t a.

Uma l í ngua azul .


Par ece hor r í vel ,
especi al ment e, quando o homem
abr e sua boca em bi co,
e sua l í ngua ver dadei r a apar ece,
a l í ngua ver mel ha.
Apar ent ement e o homem t em duas l í nguas,
uma azul e out r a ver mel ha.

Boa noi t e,
di z o homem com as duas l í nguas,
boa noi t e, mui t o bem- vi ndos,
aqui eu t enho bal ões,

el e t em aquel es bal ões bexi gas co mpr i dos,


com os quai s s e pode model ar ani mai s,
que se amar r am ass i m, t odos os con hecem -

aqui eu t enho bal ões, di z el e,

com os quai s eu posso f azer qual quer coi sa,


t udo, o que vocês desej ar em, um cachor r o,
um gat o,
ou um por co,
ou um pássar o,
ou um sapo -

Breve silêncio.

Ou, mel hor ai nda, um cachor r o -


aqui eu t enho bal ões, di z el e - com os
quai s posso f azer qual quer coi sa, t udo,
t udo, que vocês quei r am -
6.

A MULHER J OVEM

Vei o uma mul her do oest e,


que t r ouxe consi go o vent o,

e hoj e não cor r e a mai s l eve br i sa,


pr of et i zar a o r ádi o
naquel a mesma manhã.

a mul her vi er a com o ôni bus i nt er muni ci pal


e t i nha cabel os bem cacheados,
a mul her desceu do ôni bus
e pr ocur ou por um t r abal ho
como gar çonet e,
e el a t i nha l eves dor es de cabeça,
j á há t r ês semanas,
el as si mpl esment e não passavam,
não havi a o que f azer ,
não havi a mesmo nada a f azer .
7.

UM HOM EM
Vei o um homem do sul ,

que t r ouxe consi go a nebl i na,

e a pr evi são
ai nda di sse r a:
a noi t e ser á cl ar a,
uma noi t e em que
poder á se ver bem as est r el as,

el e vei o a pé,
el e vei o de um bai r r o
da per i f er i a,
de manhã cedo
el e cami nhava pel a est r ada,
onde t r af egam cami nhões par a a ci dade,
a nebl i na pesava no ar
e combust í vel quei mado,

el e achou 400 cai xas,


400 cai xas,
si mpl esment e ass i m,
cedo de manhã,
em uma val a

à bei r a da est r ada, na nebl i na.


8.

Música.

UMA MULHER
De manhã cedo:
Madame Oi seau ol ha- se no espel ho
e del i nei a seus ol hos
com l ápi s pr et o Kaj al .

Ao l ado del a
seu ami go,
com o qual el a vi ve
j á há mai s de 10 anos.

Madame Oi seau pode


pr ever o f ut ur o,
el a j oga car t as por di nhei r o,
el a t ambém l ê a mão
e el a pode
- caso não per gunt e às est r el as -
ver o f ut ur o
em uma bol a de cr i st al .

Tu vai s
conhecer al guém –

ou: t u vai s encont r ar al go.


Uma gr ande mudança t e esper a,
as car t as o di zem, vi aj ar ás at é as est r el as,
não há mot i vo par a pr eocupação,
ass i m é a vi da.
E quando el a mai s t ar de
j oga as car t as assi m sem mai s nem menos,
Madame Oi seau,
numa manhã de t er ça- f ei r a,

el a di z, oh,
oh, di z el a,
l ongo si l ênci o,
hoj e al guém mor r er á -
hoj e al guém par t i r á par a sempr e.
9.

A MULHER J OVEM
O mai or , o gor do,

o gi gant e af ast a o out r o do cor po,


com o br aço est endi do,
par ece com uma dança,

as gar r af as ai nda est ão na pr at el ei r a,


os ci nzei r os est ão sobr e as mesas,
ai nda,
os cl i ent es segur am f i r mement e seus copos,
e a gar çonet e com os mui t os cach os e a
bandej a chei a est á par ada ao f undo,
os homens se gol pei am
e t odos os d emai s no l ocal f i cam
ol hando,

e o pequeno cospe e pi sot ei a


e gol pei a ao seu r edor -

Curto intervalo.

9. 2.

A MULHER

Oh, di z Madame Oi seau,


vi dent e,
hoj e al guém mor r er á -
Oh, di z Madame Oi seau pel a manhã,
e l evant a os ol hos de suas car t as,
vej o um homem
com uma gar r af a,
hoj e
al guém mor r er á,

al guém ser á bal eado.

Toma um gol e de caf é,


dei t a al guns par es de car t as
e di z:
e pouco depoi s das s et e
vender ás ant es
um bi cho ao mesmo homem.

Um sapo.
El e compr ar á um sapo de t i .
Um sapo. Podes i sso?
Um sapo?

9. 3.

A MULHER J OVEM
- cospe e sapat ei a e gol pei a ao seu r edor ,

t u ai nda est ás maqui ado,


di z o mai s f or t e, o gor do,
o gi gant e,

vem novament e depoi s do t r abal ho,


vem novament e sem a maqui agem,
o que quer es af i nal ,
não poss o l ut ar com al guém,
que t em o r ost o maqui ado,
t ua f ant asi a f i car á ensanguent ada,
ser i a uma pena pel as est r el as,
o que f oi ,

o que é que há cont i go,


par a com i sso , par a.

Música.
10.

UMA MULHER
I sso é que é o f ut ur o?
O f ut ur o é assust ador .
Mas não posso d i zer i sso a el a.

Madame Oi seau
não gost ou del a,
j á a odi ou,
quando el a ent r ou pel a por t a,
j ovem, cabel os ondul ados,
vamos j ogar as car t as:
não, dei xe- me ver sua mão,

O f ut ur o é assu st ador .
Mas i sso n ão posso d i zer a el a.

Curto intervalo.

Não sei o que devo di zer -


el a não gost ou del a,
j á a odi ou,
quando el a ent r ou pel a por t a,
j ovem, cabel os ondul ados,

e seu mar i do vai


se apai xonar por el a,
mas par a ver i ss o,
el a não pr eci sa ol har as car t as
que t em agor a di ant e de si ,

Não sei o que devo di zer -

aqui vej o soment e uma coi sa:


e com i sso el a agor a j oga
as ca r t as pel a quar t a vez,
as embar al ha, as j oga pel a qui nt a vez:
el a pega a mão da j ovem mul her
e não a l ar ga mai s,
e ent ão di z: aqui vej o soment e uma coi sa:
cabel os cacheados.
Tu t ens cachos.
E a j ovem mul her di z: Cachos.
Tenho. Sei di sso.
Só que, di z a out r a:
t odos esses cach os -
t ambém cr escem par a dent r o.

E não l ar ga a mão.

O que?
t ambém cr escem par a dent r o,
e t ua cabeça aos poucos f i ca chei a del es.

Música.
11.

CORO
Vei o um homem do oest e,
37, que t r ouxe a seca consi go,
os campos secar am,
o sol o r achou,

e i sso que f or a di t o,
que esse a no a col hei t a ser i a boa,

mas o homem não l i gava par a i ss o,


poi s el e t i nha gr andes pl anos,
el e abr i u um negóci o,
que sempr e i a bem:
el e t i nha uma l oj a de bebi das,
el e não t i nha medo de nada,
de nada -
ou de quase nada,

só de um ani mal
t i nha medo:

el e t i nha medo de sapos.

El e abr i u a l oj a,
a l oj a de bebi das,

e casou,
e t eve um f i l ho
e uma noi t e est ava na r ua com sua esposa
e seu f i l ho di ant e de sua l oj a
e ol hava um homem
que sabi a f azer bi chos co m bal ões,
que bi cho quer es,
per gunt ou ao seu f i l ho,
e per gunt a ao homem el e o que cust a,
e o meni no esc ol he um sapo,
por 4, 50
e o pai di z,
um sapo,

t ens cer t eza:


não pr ef er es uma cegonha,
vá l á, embor a el e odi ass e sapos –
e ent ão,
j á são quase oi t o, di sse o homem,
ai nda vou f echar a l oj a
e depoi s vou par a casa,

ent ão chegou um homem na sua l oj a

que não t i nha r ost o.


12.

A MULHER J OVEM
O dout or di z

par a a j ovem mul her com cachos:


em sua cabeça cr esce al go.
Em sua cabeça
al go se t or na sempr e mai or ,
e não podemos r et i r á- l o,
j á é gr ande demai s.

E agor a
el a t ent a ent ender ,
que o t empo j á pass ou,

el a se ol ha no espel ho,
mas não se vê nada,
nada al ém de cachos.

E mai s t ar de um, gr ande, f or t e, um


gi gant e di z,

quando el a est á at r ás do bal cão,


por que não vamos j unt os a al gum l ugar ,
depoi s,
quando t er mi nar o expedi ent e aqui ,

e el a di z:
por que não,
si m,
por que não.
Por que não.
13.

UM HOMEM FORTE
Dei xei t udo,

como est ava,


as ca i xas na suj ei r a,
400 cai xas,
e dei xei l á O CAMI NHÃO par ado
com o r ádi o l i gado.

Si mpl esment e dei xei


o carr o al i ,
com o r ádi o l i gado
e com o l i mpador de par abr i sa l i gado
e as 400 cai xas
dei xei al i na suj ei r a.

Fui at é a ci dade,
cami nhando,
e ent ão
compr ei com os vi et nami t as,
al i embai xo da pont e,
uma ar ma,
um r evol ver ,
e bal as,
enr ol adas

numa cami sa vel ha,


esqueça as 400 cai xas
e esqueça o cami nhão,
e pedi uma cer vej a gr ande
par a uma j ovem mul her
com os cabel os encar acol ados
per gunt ei a el a,

se não poder í amos


f azer al go j unt os mai s t ar de,

Ele tira a arma.

e com a ar ma
r oubei uma l oj a de bebi das
e o di r et or de um mat adour o.

Ele dispara três vezes para o alto.


14.

CORO
O homem sem r ost o

vai at é a pr i mei r a l oj a
da r ua:
i st o é uma l oj a de bebi das.

El e di z:
i st o é um r evól ver ,
um r evól ver com sei s t i r os
e com cano cur t o.
Uma bal a
de um r evól ver de cano cur t o,
at i r ada de per t o,
f az um bur aco enor me,
a bal a ar r ebent a t udo.
O pei t o
ou a t est a
ou a boca
ou o pescoço -
por t ant o me dá t udo que t i ver es.

Música.
15.

A MULHER
Soment e o seu pr ópr i o f ut ur o

el a não vê,
Madame Oi seau,
e el a t ambém não o per gunt a às est r el as.

Par a i ss o, el a di z,
el a só pr eci sa ol har no espel ho,
no espel ho podes enxer gar t odo o f ut ur o,
e no espel ho el a vê
seu r ost o j á não mai s t ão j ovem.

A seu l ado no espel ho


do aper t ado banhei r o,
seu namor ado,
agor a el es est ão j unt os há doze anos,

Pausa.

el e se maqui a,
el e maqui a seu r ost o de br anco,
el e f az i ss o,
desde que el e
achou 400 cai xas

na bei r a da est r ada


e
ent ão
as car r egou par a sua casa,
e aqui à di r ei t a,
embai xo à di r ei t a
el e pi nt a uma l í ngua azul .
Não mui t o t empo mai s,

el a di z a el e,
ambos se maqui am,
el e maqui a seu r ost o de br anco
e el a del i nea um escur o t r aço
com Kaj al ,
não mui t o t empo mai s,
e vai s conhecer uma moça,
ou j á a conhecest e,
uma l oi r a, ou uma mor ena,
em t odo o caso como eu – com cachos.
Mas el a ser á mai s j ovem.
Mai s j ovem que eu.

Curto intervalo. Música.

Pode ser
que i sso t e pegue de j ei t o.
Mel hor que esqueças.

E agor a
el a compr eende,
que o t empo passou,

Mel hor esquecer i sso l ogo.


I sso não vai dar em nada.
16.

CORO
Sext a- f ei r a à noi t e,

o l ocal est á super chei o,


e a gar çonet e com os cabel os encar acol ados
e a bandej a chei a
não consegue dar cont a,
o ar est á pesado,
e t odos quer em mai s al guma coi sa,
l uz t ur va,
e há mui t o bar ul ho.
A j ovem mul her com os cach os
espr eme- se por ent r e a mul t i dão,
a bandej a bem aci ma da cabeça,
quando a por t a se abr e,
e ent r a um t i po,
r ost o maqui ado, cabel os azui s,
um vendedor ,
que est á suado e não apar ent a
esta r f el i z,
exaust o:
e agor a
os ol har es da gar çonet e
e do homem se cr uzam.
17.

Música.

UM HOMEM FORTE
Um homem sem r ost o.

Curto intervalo.

O homem vest e um t er no vel ho,


cal ça, pal et ó, col et e pr et o,
uma cami sa, sapat os não mui t o novos,

mas o homem não t em r ost o.


O homem não t em r ost o,
e não t em or el has,
nenhum cabel o,
el e não t em r ost o,
não pode ser r econheci do.
Sem ol hos,
sem boca.
Apar ênci a hor r í vel ,
o homem t em uma apar ênci a hor r í vel –
como se t i vess e
apagado seu pr ópr i o r ost o.
Apagado.

Pausa.

I st o é uma mei a.
Sobr e o r ost o
o homem usa uma máscar a -
el e usa uma mei a t r anspar ent e
de nyl on.

O homem com o r ost o apagado


t em uma ar ma.
El e puxa a arma
de t r ás da ci nt ur a:

El e di z:
i st o é um r evól ver ,
um r evól ver com sei s t i r os
e com cano cur t o.
Uma bal a
de um r evól ver com cano cur t o
di spar ada de per t o
f az um bur aco enor me,
I magi na,
que a bal a t e acer t e no pescoço .
18.

O HOM EM
E ent ão o homem começa -
o homem no t er no br anco
com as duas l í nguas -
uma l í ngua ver mel ha, a out r a azul -

O homem com as duas l í nguas


enche um bal ão
depoi s do out r o,
e daí model a os bal ões,
um depoi s do out r o, j unt ando- os –
o chi ado dos bal ões -
o homem sua embai xo de seus cabel os azui s -

A J OVEM MULHER ri incrédula. Curto

intervalo. Então:

Eu não poder i a memor i zar i sso t udo. Como


se f az i sso . Com os bal ões.

O HOM
EM
E ao f azê- l o o homem com as duas l í nguas
f az uma car a -
uma car a,
como se est i vess e ol hando par a l onge.

E de um bal ão
o homem f az mui t os bal ões pequenos,
que el e ent ão mui t o mansament e -
mui t o del i cadament e -
com gr andes ol hos,
que ol ham nout r a di r eção –
dei xa f l ut uar par a l onge no vent o. . .
e sempr e as duas l í nguas!
Ass i m!

Ele imita a expressão e a postura do

homem dos balões: ele vira a cabeça para

a esquerda com o olhar longínquo,

enquanto suas duas mãos viradas para a

direita na direção contrária, dão um


pequeno cutucão num pequenino balão

invisível -

O HOM
EM
O chi ado dos bal ões,
o homem suado,

a l í ngua azul ,
a l í ngua ver mel ha,
o ol har l ongí nquo.
I ss o demor a.

E ent ão:

Pr ont o.

Fi nal ment e o bi cho est á pr ont o.

Curto intervalo.
Fi nal ment e o bi cho est á pr ont o.

Curto intervalo.

E ent ão
( com
o ni nguém o quer compr ar -
o homem com as duas l í nguas di z par a a
gar çonet e com os mui t os cachos:

Aqui - par a t i .

E el a di z: Que boni t o. Obr i gada.

A MULHER J OVEM
Que boni t o. Obr i gada.
19.

CORO
e o meni no esc ol he um sapo,

por 4, 50,
e o pai di z,
um sapo,
t ens cer t eza:
não pr ef er es uma cegonha,
poi s bem, embor a el e odi asse s apos –
e ent ão,
j á são quase oi t o, di sse o homem,
vou f echar a l oj a
e depoi s vou par a casa,
ent ão chegou um homem na sua l oj a,
que não t i nha r ost o.
O homem di sse ao dono da l oj a de bebi das:
Uma bal a
de um r evól ver
de cano cur t o,
di spar ada de per t o,
f az um bur aco enor me,
a bal a ar r ebent a t udo.
O pei t o
ou a t est a
ou a boca

ou o pescoço -
por t ant o me dá t udo que t i ver es.

Música.
20.

A MULHER
Si m, hoj e mor r er á um homem

com um bar r i l
ou com uma gar r af a,
di z Madame Oi seau
e ant es di sso e l e ai nda compr ar á um sapo de t i ,
21.

CORO
E o out r o,

37, do oest e,
o dono da l oj a de bebi das,
que t r ouxer a sei s semanas de seca
e a quem nada nesse mundo dava medo,
di z ao gor do,
ao f or t e,
ao gi gant e:

Sabes o que par eces


com ess a mei a enf i ada na cabeça,
t u par eces
como um ani mal ,
t u par eces
como um bi cho
sem or el has,
t u par eces com um sapo,
t u par eces com um sapo sem r ost o,

e agor a
el e compr eende,
que o t empo passou,

eu odei o sapos,
di z o dono da l oj a de bebi das,
você é f ei o,
e você é covar de,
e sua l í ngua
pr eenche t odo seu cor po,
seu cor po est á chei o
de sua l í ngua,

e você não t em r ost o,


você não sabe onde deve vi ver ,
você muda const ant ement e sua f or ma,
meu bi cho pr ef er i do é a cegonha
e agor a o al ar me vai di spar ar .
22.

A MULHER
Lá embai xo, na pont e

est á par ado um homem do Vi et nã,


e esper a,
sempr e,
e daí chega um homem gr ande,
o gor do, o gi gant e,
est á chovendo,
o homem t r az a chuva,
e o homem do Vi et nã,
f al a um pr eço e r ecebe
um maço de not as,
e daí dá ao gi gant e uma ar ma,
um r evól ver co m bal as,
t udo enr ol ado
em uma cami sa vel ha.
Esper a, di z o vi et nami t a,
aqui , e ent ão el e dá ao homem

mai s uma coi sa, uma mei a


de nyl on.
23.

A MULHER J OVEM
O gor do é o gor do –

o f or t e, o gi gant e
ent r a,
bebe al go,
e uma noi t e el e di z:
vem, vamos f azer al go j unt os,
e ent ão os doi s saem,
o gor do e a mul her com os c achos
seguem pel a mar gem do r i o
e el e compr a
duas ent r adas
par a a nova r oda gi gant e,
e quando el es est ão l á em ci ma,
el a l he di z,
que bom que est amos aqui em ci ma,
só é uma pena que ess a coi sa gi r a,
el a t e l eva par a ci ma,
mas t ambém t e l eva de vol t a par a bai xo.
E o gor do pensa,
se el e deve
bei j ar a moça agor a,
e el a di z,
vai agor a,

me bei j a,
f oi por i ss o que me t r ouxest e aqui par a ci ma,
o t empo cor r e,
e ser i a uma pena,
se não o f i zer mos agor a,
agor a,
enquant o ai nda est amos aqui em ci ma.
24.

O HOM
EM GORDO

El e gr i t a e cospe e gol pei a ao seu r edor


e gr i t a:
não t oca nel a, não t oca nel a –
e eu:
como não, el a est á gost ando,
não vês, el a est á gost ando,
i sso l he agr ada,
el a não é como t u pensas,
e el a est á par ada al i , ao l ado,
a bandej a chei a de copos.

Curto intervalo.

el a não é como t u pensas,


às vezes e l a
at é gost a de ser t ocada, ou?
at é gost a mui t o de ser t ocada, ou?,
e ni ss o o homem gor do pi sca,
o mai s f or t e, o gi gant e,
pi sca par a a gar çonet e com os mui t os cach os,
e o menor
com a l i ngual azul

e com a r oupa
chei a de est r el as
enl ouquece.

Curto intervalo. Música.


O menor
com a l í ngua azul
e com a r oupa
chei a de est r el as

enl ouquece e pi sot ei a e gol pei a ao seu r edor .


25.

O HOM EM
Di ga,
di z el e,
não me r econheces,
j á est i ve aqui ant eont em –
Ant eont em?
di z el a?
Si m, ant eont em -

Curto intervalo.

Mas não me r econheces.


Não,
chegamos a conver sar ?

Não -

mas nos ol hamos -

Pel a manhã, não há ni nguém,


o l ocal est á vazi o,
e as t el evi sões l i gadas
est ão sem som,

nos ol hamos – quer es saber ,


eu l evo as bebi das par a as pess oas,
ent ão ol ho par a mui t as pess oas,
par a ser bem honest a -
si m, si m, di z el e,
eu não bebi nada -
Ela ri.

Ent ão é cer t o que eu não ol hei par a t i .

A MULHER J OVEM
Ent ão é cer t o que eu não ol hei par a t i .

O HOM
EM
Si m, si m -
aqui na por t a, eu acabar a de ent r ar -

Ela o observa.

Não me r econheces -

Tu er as aquel e com a maqui agem –


Si m, exat ament e, est e,

eu t i nha cer t eza,


que t u,
t e l embr avas de mi m,
eu ol hei par a t i ,
e desde ent ão
t enho de pensar sempr e em t i ,
apai xonei - me de i medi at o por t i ,
como t e chamas?

Curto intervalo.

Tu pensas,
que nós t al vez pudéssemos
f azer al go j unt os, t u e eu?
Eu não sei -
Eu, eu t ent o const r ui r al go,
ent endes,
est ou t r abal hando ni sso .
Oh, el a r i ,
si m, boa i dei a.
Boa i dei a.

Mas cr ei o que não.


O que?
Penso que é mel hor não f azer mos nada j unt os.
Por que não?
Si m-
Si m, o que?
Me ol has de um j ei t o,
não me ol ha desse j ei t o,

quando me ol has dess e j ei t o,


par eces como se
l ogo f osse a cont ecer al go cont i go,
t eu sangue ai nda vai
f i car par adonas vei as,
como se f oss es
pet ri f i car l ogo,
Tu ai nda poder ás pet r i f i car ,
t oma cui dado,
r eal ment e.
Penso que não -
Si m, r eal ment e.
26.

A MULHER

Numa manhã, Madame Oi seau acor da,


qui nt a- f ei r a cedo,
sei s e mei a,
e ol ha no espel ho,
mas l á não há nada.
O espel ho est á vazi o.
O que é que houve?
Sacode a cabeça, esf r ega os ol hos -

Curto intervalo.

Lá est á el a. El a est á al i de novo.


El a se enxer ga novament e no espel ho.
Hoj e de manhã
meu r ef l exo no espel ho
desapar eceu por um moment o.
Na mi nha f r ent e no espel ho
o quar t o vazi o
at r ás de mi m,
e eu -
eu não est ava al i .

A mulher desaparece, subitamente se desvanece no


ar.
27.

UM HOMEM FORTE
A bal a

o acer t a no pescoço,
bem aqui -
e ar r ebent a
a t r aquei a,
r espi r ação acel er ada,
e a ar t ér i a aor t a,
sangue por t udo,
el e se t oca no pesc oço

Ele sangra.

e agor a
el e compr eende,
que o t empo passou.

Muito sangue.
28.

CORO
Em um di a chuvoso

um cami nhão ent r a numa cur va da est r ada


em al t a vel oci dade.
Mui t o r ápi do, mui t o r ápi do.
Mui t o r ápi do na cur va.
O veí cul o f i ca na est r ada,
mas a car ga voa da car r ocer i a,
400 cai xas voam da car r ocer i a do cami nhão

Curto intervalo.

e caem numa val a.


400 cai xas com et i quet a:
Bal ões par a model ar .
Cor es: ver mel ho, amar el o e azul .
Chuva.
Escur ece l ent ament e.

Uma cai xa com 100 bal ões.

No al cance da vi st a: a per i f er i a da ci dade.

Na manhã segui nt e,

ai nda mui t o cedo,


a nebl i na subi u:
Um homem i sol ado, um pedest r e.
Um homem vai passe ar na per i f er i a.
Em uma val a ao l ado da est r ada,
j unt o à i nesper ada cur va f echada,
na qual sempr e

acont ecem aci dent es gr aves, o homem acha


400 cai xas, i dent i f i cação: Bal ões par a model ar .
Cada cai xa t em 100 bal ões.

Curto intervalo.

O homem começa
a car r egar as c ai xas enchar cadas pel a chuva
par a sua casa.
Par a o t r aj et o de i da e vol t a
da val aat é sua casa
el e pr eci sa apr oxi madament e uma hor a e mei a.
De i ní ci o el e car r ega quat r o cai xas a c ada t r echo,
mai s t ar de, ci nco,
ent ão, j á com mai s t r ei no, são set e.
29.

UM HOMEM FORTE
O gor do per gunt a:

exi st e um bi cho que t u odei es em especi al ,

A MULHER J OVEM
Um bi cho, per gunt a a moça com os cachos,

UM HOMEM FORTE
si m, al guém me di sse,
que el e odei a sapos,
el e odei a sapos,
eu amo sapos,

A MULHER J OVEM
Tu t ambém f odes que nem um sapo,

UM HOMEM FORTE
poi s é, ent ão: qual é o bi cho que não
supor t as:

A MULHER J OVEM
e el a f al a sem pensar mui t o:
ser pent es. A ser pent e.

O HOMEM FORTE
El e r i . Logo essa . Logo
Por quê?
A MULHER J OVEM
Por que a cobr a sempr e f i ca ass i m
como el a é,
mesmo quando el a cr esce,

t ambém quando el a
cr esce par a f or a de sua pel e,
el a sai de sua pel e,
que boni t o,
i magi na i sso ,
mas ent ão t udo
é como ant es.
A pel e vel ha f i ca par a t r ás,
a pel e é nova,
mas di ant e del a est á o mesmo t r aj et o.

Música.
30.

A MULHER J OVEM
El e f al ava e f al ava,

O HOMEM
Tu és Medusa, di z el e,
e eu sou Per seu,
ol ha aqui , as est r el as,
ol ha só, os c achos, como ser pent es

Per seu sempr e t em al go a ver com ser pent es,


por que Per seu cor t ou a cabeça da Medusa,
e os cabel os de Medusa er am ser pent es.
Cachos como ser pent es.

Ei , di z Per seu,
ei , t u t ens cach os como ser pent es,
t u poder i as ser a Medusa -

A MULHER J OVEM
Medusa?

O HOM EM
E eu sou Per seu, aquel e com as est r el as,
Per seu e Medusa, i sso p oder i a se t or nar al go.

E el a: Tu i magi nas i sso ?

A MULHER J OVEM
I magi nas i sso?
Per seu e Medusa? Tu pensas i sso mesmo?
Mas aqui l o são soment e cachos.

e el a di z,

se t u és Per seu
e eu sou Medusa,
ent ão t ens de cor t ar mi nha cabeça,
ei,
quer es cor t ar mi nha cabeça,
por mi m podes f azê- l o,
el a est á sempr e doendo mesmo,

mas não t e t or nes br ut o, não t u,

gost ar i a t ant o de t e bei j ar ,


gost ar i a t ant o de t e bei j ar ,
di z el e

O HOM EM
gost ar i a t ant o de t e bei j ar ,
gost ar i a t ant o de t e bei j ar ,
di z el e

A MULHER J OVEM
e el a di z:

ah,
par a ser honest a:
eu j á t enho al guém,
O HOM
EM
mas,
di z el e, nós doi s,
nós t emos de f i car j unt os,

Per seu e Medusa, nós poder í amos


at uar j unt os,

A MULHER J OVEM
não???, di z el a, r eal ment e -

Curto intervalo.

Cami nhamos j unt os pel a mar gem do r i o


at é o l ocal , onde f i cava a r oda gi gant e,
e el e di sse ,
quer es andar nel a,
e eu di sse si m,
e daí el e per gunt ou:
j á andast e al guma vez,

O HOM
EM
j á andast e al guma vez?

A MULHER J OVEM
Si m, i sso f az di f er ença?

O HOMEM
Não.

Curto intervalo.
El e f i ca cada vez mel hor ,
e t udo f i ca cada vez mai s f áci l ,
as i dei as vêm por si só,

t udo acont ece por si só,


suas mãos si mpl esment e t r abal ham,
às vez es el e começa
e el e mesmo não sabe,
o que vai sur gi r ,
um mor cego, um r at o
a t orr e Ei f f el ,
uma r at azana,
um cor vo,

poss o f azer o que vocês qui ser em,


um mor cego, um besour o, a
to rre Ei f f el ,

t udo com o ar ,

ol ha só, mamãe,
ol ha só,
o homem t em cabel os azui s,
o homem pi nt ou uma segunda l í ngua
no seu r ost o,
el e se par ece

com um cachor r o
r esf ol egando,
ol ha só,
quant o cust a i sso?
31.

A MULHER
Oh, di z Madame Oi seau,

ao ver as est r el as no céu à noi t e,


amanhã vai s vender al go,
uma cegonha e um gat o,
e i ss o amanhã à noi t e,
às set e e vi nt e
Esqui na t al e t al
e t al e t al
um homem mui t o gor do
vai compr ar um gat o e uma cegonha de t i ,

e amanhã al guém mor r er á,


ser á o mesmo homem?
Não t enho cer t eza,
eu vej o
um homem com um por co.
Ou é uma vaca? Ou um t er nei r o?
Não sei di zer ao cer t o -
32.

A MULHER J OVEM
El e sapat ei a e gol pei a e cospe,

e o gor do o af ast a do cor po,


assi m,
com o br aço est endi do:

Ele afasta o braço de si.

el a não é como t u pensas,


às vezes e l a
at é gost a mui t o de ser t ocada, ou?,

E ent ão o pequeno,
o mai s f r aco,
acer t a o out r o,
o gor do, o mai s f or t e,
quase que por acaso,
em mei o a um vol t ei o,
um r odopi o,
como numa espi r al ,
o pequeno acer t a o mai or ,
el e acer t a o nar i z -

Ele gira em círculo em redor de si mesmo.

O r uí do.
o r uí do na cabeça,
quando o nar i z quebr a. Cr ac.
A dor ,
a dor di spar a par a a cabeça,

o gor do, o mai s f or t e,

o gi gant e vê est r el as
e ent ão el e enl ouquece,
e el e gol pei a,
cego de r ai va,
el e vê soment e o r ost o
na sua f r ent e,
br anco, com duas l í nguas,
uma ver mel ha,
a out r a azul ,
agor a o pequeno acer t a
com quase t odos os gol pes,

e daí mui t a coi sa se quebr a,


a bandej a chei a de cer vej a,
mesas vi r am, copos,
gar r af as,
um espel ho se despedaça.
Gri t ari a.
33.

O HOMEM
O homem abr e uma das cai xas,

ver mel ho.


Bor r acha ver mel ha.
Um manual par a i ni ci ant es:
o cachor r o, o gat o, o ci sne.
I sso se f az quase que por si só.

El e car r ega cai xa por cai xa


par a sua casa.
400 cai xas a 100 bal ões,
i ss o demor a,
e cada cai xa t em um manual ,
e numa das cai xas
el e acha uma r oupa com est r el as,
pr esent e ext r a
par a sua f est a bem sucedi da.

O cachor r o, o gat o, a ar anha.


Tudo f ei t o de ar .
Se eu vender um cachor r o por ,
di gamos -

e desses, vi nt e

ou t r i nt a peças por di a,
em vi nt e di as

i ss o dar i a -
E t udo f ei t o de ar .
Tudo de ar .
34.

O HOMEM FORTE
E ent ão o f or t e,

o gor do,
o gi gant e
sonhou uma noi t e com sua mor t e,
el e sonhou
com t ot al esc ur i dão,
l á, onde el e est ava no sonho,
el e não podi a ver nada
nem com os ol hos ar r egal ados,
nada,

i sto é, al guém di ss e,
a pi r âmi de humana,
est á vendo,
a pi r âmi de humana,

e daí el e t eve medo,


t ant o medo
que o cor ação
quase l he par ou,
se eu não t i vess e a ar ma,
e ent ão el e se vi r a
e enf i a sua l í ngua

no ouvi do da mul her com os cachos


ador meci da ao l ado del e,

mas el a não acor dou,


poi s sonhava,
que al go
penet r ar a em sua cabeça,

e daí el a acor dou


e f oi ao banhei r o
e se ol hou l ongament e no espel ho,
e t ent ou i magi nar como ser i a,
como ser i a,
se el a não est i vesse mai s al i .
Quando est i ver mor t a.
O que ser á ent ão.
E el a não consegui a i magi ná- l o,
mesmo t ent ando mui t o.
El a t eve medo.

A pirâmide humana.
35.

A MULHER
Todos vendem al go.

Todos nós
t ent amos vender al go.
Ou vendemos mer cador i a,
ou saber ou f or ça ou t empo.
Mas nem t odos t em al go par a vender .
E daí , o que vai ser ent ão?
Se al guém não t i ver nada par a vender ,
vai f i car di f í ci l , porq ue daí
el e não t em
nenhum val or .
Como se deve vi ver ent ão –
por t ant o t em- se de,
se não se t i ver nada par a vender ,
nem mer cador i a, nem saber , nem f or ça,
nada,
t er á que se t ent ar
f azer al go do nada,
que se poss a vender .
E quando não se t em nada,
par a vender ,
sobr am soment e as coi sas
as quai s s upomos

que el as se r i am de gr aça:
Achados.
Esper anças,
ment i r as
ou vi ol ênci a.
36.

CORO
Vei o um homem do nor t e que t r ouxe uma

t empest ade consi go,


f i cou escur o de di a,
e ent ão
o vent o compr i mi u as vi dr aças,
quem poder i a t er pr evi st o i sso ,
el e vei o,
por que aqui
el e encont r ar a um empr ego,
por i sso el e vi er a at é aqui ,
el e vi aj ar a
na t r i l ha de seu curr í cul o,
com um gr ande car r o
e um cami nhão car r egado de móvei s
e uma mul her e duas c r i anças ,
um meni no e uma meni na,
ambas cr i anças mui t o gor das,
um pouqui nho gor das,
t odos os q uat r o
um pouco gor dos demai s,

e o empr ego
não é um empr ego qual quer ,

é o post o de di r et or do mat adour o, t ar ef a


consi der ável ,
di ar i ament e mi l har es de ani mai s mor t os,
vocês al guma vez j á vi r am
uma gal i nha sangr ando,
ou um car r i nho de mão chei o de f í gados de t er nei r o, eu
j á, oh si m,

e, de f at o,
set e e vi nt e,
al i est ão el es par ados di ant e del e,
pai , mãe, cr i ança e mai s uma cr i ança

e hoj e o pai
est á especi al ment e gener oso,
e ent ão gar ot ão,
quer es um bi cho desses,
qual dos bi chos vai s quer er ,
quai s bi chos você pode,
eu posso [ f azer ] t odos os bi chos,
e ent ão, qual dos bi chos quer es –
eu – eu gost ar i a de um gat o -
um gat o – eu odei o gat os, mas vá l á,
por que, papai ,
não sei , f oi sempr e assi m,
você t ambém pode [ f azer ] um gat o,
e o homem model a um gat o,

Curto intervalo.

Agor a eu sei ,
por que eu odei o gat os,
por que, papai ,
por que gat os f azem de cont a que são l i mpos, mas
em ver dade
el es apenas l ambem t oda a suj ei r a,
el es pensam que são l i mpos,
mas no ent ant o el es apenas c omer am sua

pr ópr i a suj ei r a,
e daí el es a vomi t am de novo,
vomi t am sua pr ópr i a suj ei r a,
e el es par ecem f al sos, t odos,
mas vá l á, est á bem -
e t u,
pequena, qual bi cho t u vai s quer er ,

eu, di z a pequena meni na,


gost ar i a de um pássa r o,

mai s que t udo de uma cegonha,


si m, papai , uma cegonha, mai s que t udo uma
cegonha,
t ens cer t eza,
si m papai ,
você pode i ss o,
vamos ver ,
sabes o que não gost o nas cegonhas,
não, papai ,
pr i mei r o, el as gost am de comer sapos
e sapos s ão noj ent os,

e segundo
as cegonhas não conseguem deci di r ,
onde quer em vi ver ,
el as voam par a l á e par a cá,
e nunca s e agr adam de nada,
e t er cei r o
el as enf i am seu compr i do bi co
no r abo,

a cr i ança chor a,
i sso f oi uma pi ada, f oi uma pi ada,
sabes qual é meu bi cho pr ef er i do,
si m, papai ,
sabes qual ,
si m, papai , é o por co,
o por co, exat ament e, o por co,
mesmo quando ni nguém gost a mui t o del e,
não, papai ,
o por co é mui t o mai s s ensí vel
do que a mai or i a pensa.
el e t em a pel a maci a,
ass i m como a gent e,
el e pode chor ar ,
e el e pode mor r er de medo
como nós,
i magi na i ss o, cegonhas não podem i ss o,
e gat os t ambém não.
37.

A MULHER J OVEM
E ent ão o pequeno,

o mai s f r aco,
acer t a o out r o,
o mai s gor do, o mai s f or t e,
quase que por acaso,
em mei o a um vol t ei o, um r odopi o,
como numa espi r al ,
o pequeno acer t a o mai or ,
el e acer t a o nar i z -

Ele gira em círculo em volta de si mesmo.

O r uí do.
o r uí do na cabeça,
quando o sept o [ do nar i z] quebr a. Cr ac.
A dor ,
a dor di spar a par a a cabeça,

Música.
38.

A MULHER
Vei o uma mul her do l est e

que t r ouxe neve consi go e gel o ,


el a vei o com o t r em,
mas o t r em não pode cont i nuar ,
por que havi a mui t a neve sobr e os t r i l hos,
e a mul her desceu
e f i cou por vi nt e anos na ci dade.
Vamos ver quando sai r á o pr óxi mo t r em,
quando el a desc eu do t r em,
el a podi a pr ever o f ut ur o,
soment e o seu pr ópr i o não.
39.

Vei o um homem do nor t e,


que t r ouxe uma t empest ade consi go,

e se t or nou di r et or do mat adour o,


e el e gost ava de por cos,
e à noi t e, quando o t r abal ho t er mi nar a,
el e às vezes gost ava de el e pr ópr i o
f echar o gr ande por t ão do mat adour o,
a ent r ada,
at r avés da qual os c ami nhões pass ar i am
na manhã segui nt e,
car r egados de vacas e t er nei r os e por cos,

um homem est ava par ado na r ua,


cuj o r ost o el e não podi a r econhecer ,
t al vez el e
não t enha um r ost o
ou i st o é uma mei a,
i st o é um r evól ver ,
e o homem t eve medo,
medo por sua vi da,
e el e começou a gr i t ar ,
al t o, na r ua,
di ant e do por t ão, sob a l âmpada,
socor r o, socor r o,

e o homem com a mei a,


o gor do, o f or t e, o gi gant e,
l he t apou a boca
e encost ou o r evól ver em sua cabeça,
e agor a, o homem pensa,
que o t empo passou,
e o que vi r á agor a

e ent ão o homem
cai u mor t o,
a chave par a o mat adour o
ai nda na mão,
mor r eu de medo.
40.

A MULHER
Ness a noi t e

Madame Oi seau sonha


com seu f ut ur o,
pel a pr i mei r a vez,
el a sonha
com sua pr ópr i a mor t e.
No sonho el a vê
uma mul her e um homem,
e a mul her é el a mesma,
numa sai a mui t o cur t a.
E o homem ao l ado del a
vest e um t er no br i l hant e.
E el a l embr a r emot ament e
uma pat i nador a no gel o -
só que el a usa sa pat os al t os -
Boa noi t e, di z no sonho
o homem ao l ado da mul her com a sai a,
eu poss o -
o homem no t er no sor r i ,
e a mul her com a sai a cur t a t ambém sor r i –
el a sor r i encant ador ament e,
embor a el a j á sej a mui t o vel ha
par a uma sai a como est a,

Eu posso, di z o homem
poss o, com um úni co movi ment o da mão -
aqui o homem f az o movi ment o com a mão -
eu posso com um úni co movi ment o da mão,
com um úni co movi ment o da mão,
o homem r epet e mai s uma vez o movi ment o da
mão, f azer desapar ecer est a mul her -

E, com i ss o, apont a par a Madame Oi seau,


que em seu sonho l embr a uma pat i nador a no gel o,
e daí . . . e ent ão

Dedos conjurados.

l á est ão par ados o homem


e a mul her com as per nas boni t as -

O homem, a mul her .


O movi ment o da mão:

E ent ão a mul her com a sai a cur t a


desapar eceu. A pat i nador a no gel o sumi u!

Mas
quando o homem com o sor r i so,
quando el e f az o movi ment o da mão
pel a segunda vez, a f i m de
f azer sur gi r novament e a mul her que
l embr a uma pat i nador a no gel o -
não acont ece nada.

Nada.

Repent i no suor de medo.


Agor a:
dedos escanchados, mãos conjuradas.

el e r epet e o movi ment o da mão


uma out r a vez, uma t er cei r a vez -

desesperado, gritando, queixoso, pedindo por ajuda:

Nada! Não acont ece nada!


E l ogo
quando o homem quer di zer ,
que el e em ver dade
não t em a mí ni ma noção
de como t udo f unci ona,
que soment e el a,
a pat i nador a no gel o sabe, como –
Al i est á a mul her ,
Madame Oi seau,
cuj o nome nat ur al ment e, em ver dade
é t ot al ment e out r o,
e que no sonho del a
l embr a uma pat i nador a de gel o,
est á subi t ament e de vol t a,
al i est á el a, par ada at r ás del e,
j ust ament e quando el e quer i a expl i car - se,
el a est á de vol t a.

Madame Oi seau acor da,


qui nt a- f ei r a cedo,
sei s e mei a,
seu cor ação acel er ado pel o sust o, o
sonho f oi hor r í vel ,
el a l evant a, vai ao banhei r o
e ol ha no espel ho,
mas l á não há nada.

O espel ho est á vazi o.


O que é que houve?
Sacode a cabeça, esf r ega os ol hos -

Curto intervalo.

Lá est á el a. Al i est á el a novament e.


El a se enxer ga novament e no espel ho.
Hoj e de manhã
por um moment o
meu r ef l exo no espel ho desapar eceu.
Di ant e de mi m no espel ho
o quar t o vazi o
at r ás de mi m,
e eu -
não est ava al i .

A mulher se dissipa no ar.


41.

A MULHER J OVEM
El a não o ama,

mas el a t r ansa c om el e,
at é segui dament e,
em t odo o l ugar , at r ás na cozi nha
e sobr e o bal cão,
quando ni nguém mai s est á no bar ,
e no pát i o
ao l ado das l at as de l i xo,
quando el a t em uma f ol ga,
e uma vez at é
na r oda gi gant e,
i sso f oi engr açado,
e t eve de ser r ápi do,
em pé.
42.

O HOM EM
Eu est ava par ado na bei r a da est r ada,

como sempr e,
quando não est ou vagando pel os bar es,
est ou par ado na bei r a da est r ada,
ai nda er a mei o- di a,
uma f est a popul ar ,
em al gum l ugar , ni nguém compr ava nada:
ent ão vi um pássar o r el at i vament e gr ande, um corvo ,

que l ut ava com uma r at azana


no mei o da r ua.
Mui t as pessoa s par avam e f i cavam ol hando.
A r at azana
quase não podi a mai s se mexer ,
mas mesmo assi m,
ai nda t i nha f or ça par a
t ent ar abocanhar o páss ar o,
quando el e at acava com seu bi co.
E, às vezes,
o páss ar o voava par a ci ma
e pousava sobr e um gal ho
ou o t et o de um car r o,
mas não per di a a r at azana de vi st a.

A r at azana quase não podi a mai s se mexer .


Tudo soment e uma quest ão de t empo.
Por que a r at azana
não f oge,
quando o pássar o est á sobr e o t et o do car r o,
al guém per gunt ou.
Veneno de r at o,
di z al guém, pr ovavel ment e a r at azana

comeu veneno,
el a não aguent ar á mui t o mai s,
t al vez ai nda al guns mi nut os.

Curto intervalo.

E se o páss ar o comer a r at azana agor a?


Ent ão el e t ambém comer á o veneno.
43.

A MULHER J OVEM
Ness a noi t e
a mul her com os cacho s
sonha com sua mor t e.
El a sonha
com um homem num t er no escur o,
com cabel os f i nos, pent eados par a t r ás,

Curto intervalo.

o homem se par ece um pouco com um gar çom,


um pouco
como um gar çom um pouco cansado,
ou como um r epr esent ant e
que vi aj a pel o i nt er i or ,

Curto intervalo.

e el e car r ega um saco,


um saco ensanguent ado.

E na mão
o homem com os cabel os f i nos s egur a
uma espada – ou uma ser r a mui t o compr i da. El e t em
uma ser r a.

Curto intervalo.
Boa noi t e, di z o homem,
mui t o bem- vi ndos,
com est a ser r a -
o homem apont a par a a compr i da ser r a -
com est a ser r a -
Com est a ser r a vou agor a
decepar a cabeça da Medusa.
O homem com a ser r a di z,
meu nome è Per seu,
nat ur al ment e Per seu é soment e um nome ar t í st i co,
e com est a ser r a,
com est a ser r a
acabei de decepar a cabeça da Medusa.
Quem ol har a cabeça da Medusa, vi r a pedr a.
Agor a eu vou
por um br eve i nst ant e,
suss ur a o homem com o saco na mão,

agor a eu vou
por um br eve i nst ant e,
t i r ar a cabeça da Medusa.

Quem não f echar os ol hos agor a,


se t or nar á pedr a par a sempr e.

O homem enf i a a mão no saco e f echa os


ol hos.

Silêncio.

Que ni nguém abr a os ol hos, di z o homem.


Se t odos não f echar em os ol hos, -

Todos fecham os olhos.

Escut a- se uma espéci e de est er t or .


Ent ão: Ouve- se uma espéci e de est er t or , est a é
a r espi r ação da Medusa.
Não abr am os ol hos de j ei t o nenhum -

Curto intervalo.

E agor a, di z o homem,
após t al vez
t er em se passa do i nf i ndávei s vi nt e segundos,
vou col ocar a cabeça da Medusa
de vol t a no sac o.

Podem abr i r os ol hos novament e.

Est á acabado.

E el a sonha,
como o homem
enf i a sua cabeça de vol t a no saco,
um saco gr osse i r o, mar r om ci nzent o,
el a ai nda pode ver a l uz,
que ent r a pel a aber t ur a do saco,
mas ent ão o homem amar r a o saco.
44.

O HOM EM
Que t al f azer mos al guma coi sa,

vem, vamos f azer al go j unt os,


mesmo que j á t enha t er mi nado, vem,
e daí os doi s,
o homem e a mul her
que pode pr ever o f ut ur o,
andam com a nova r oda gi gant e
e quando est ão l á em ci ma,
el a di z a el e,
que bom que est amos aqui em ci ma,
só é uma pena que ess a coi sa gi r a,
el a t e l eva par a ci ma,
mas t ambém t e l eva de vol t a par a bai xo.
E l á embai xo descemos.
E ent ão el e pensa,
t al vez eu pudesse
bei j á- l a mai s uma vez, uma úl t i ma vez,
por que não, t al vez,
mas nesse moment o el a despar eceu – f oi - se,
e el e pensa, el a pul ou,
el e pensa, el a se sui ci dou.
Aqui est ou eu, di z el a,
De vol t a -
45.

O HOMEM FORTE
O gor do bebe e di z:

Quer es s aber uma coi sa,


exat ament e bal ões como esses
j á ent r eguei no passado,
com o cami nhão,
exat ament e ess es -

O HOM EM
Esse s -
per gunt a o out r o, o mai s magr o, o mai s f r aco

O HOMEM FORTE
Si m, exat ament e esses,
100 peças por cai xa,

e sabes o que acont eceu ent ão?


Não, di z o homem com o r ost o br anco
e a segunda l í ngua,
que par ece,
como se el e não consegui ss e r espi r ar ,

ent ão t oda ess a coi sa


esc or r egou do cami nhão –

ah si m,
si m, l á f or a na per i f er i a,
ah,
si m, 400 cai xas,
t odo o car r egament o
esco r r egou da car r ocer i a,
e daí ?
Ent ão eu par ei , desci ,

e ol hei par a aqui l o,


ess e mont e de cai xas na bei r a da est r ada,

e daí si mpl esment e f ui embor a.


Ess e f oi o di a mai s i mpor t ant e na mi nha vi da.
Sabes,
qual f oi o di a mai s i mpor t ant e na mi nha vi da?
Não, não sei .
Como é que eu poder i a saber ,
di z o gor do,

f oi uma sext a- f ei r a,
e eu est ava f or a,
poi s não aguent ava
mai s f i car dent r o,
l á f or a na per i f er i a, nebl i na,
a pé, mui t o cedo de manhã,
quase ai nda de noi t e,
quando achei numa val a
ao l ado da est r ada
na cur va f echada,
uma car ga de cai xas,

400 cai xas,


bal ões de model ar ,

e o gor do di z:
i sso não é possí vel .
Si m, mas f oi ass i m.
E ent ão?
Ent ão eu r emovi as cai xas.

Removeu?
A pé, si m.
Todas as cai xas.
Si m.
Car r eguei 400 cai xas.
Si m. O di a mai s i mpor t ant e na mi nha vi da.

HOMEM FORTE
O gor do di z:
A chuva.
O mot or e os l i mpador es de par abr i sa e o r ádi o
cont i nuam l i gados.

CURTO INTERVALO.

Na val a 400 cai xas.


As l uzes ver mel has dos f r ei os.

Tu di r i gi as a 130
e a pl aca i ndi cava 60.

E ent ão:

Ele faz um gesto.


a car ga despenca do cami nhão.

Ele ri.

O mot or e os l i mpador es de par abr i sa e o r ádi o


cont i nuam l i gados.
CURTO INTERVALO.

Na val a 400 cai xas.


As l uzes ver mel has dos f r ei os.

I sso não é possí vel , gr i t a o gor do,


i sso não é possí vel ,
e agor a os bal ões que eu dei xei l á,
at i r ados na suj ei r a,
ent r am por essa por t a.
I sso não é possí vel .
Eu pensei ,
que me l i vr ar a del es par a sempr e.
O que vai s quer er com i sso!
Com el es não vai s ch egar nem at é. . .
Se ai nda t i vesse s soment e. . .
assi m não se pode vi ver .

O HOMEM
Como não se pode vi ver assi m,

eu vi vo assi m, assi m é que eu vi vo,


se eu não t i vess e encont r ado as cai xas -
não sei o que t er i a si do de mi m.
Eu não t er i a aguent ado por mui t o mai s t empo.
A casa. A vi st a da j anel a.

O HOMEM FORTE
- nunca a t er i as encont r ado!

Se nunca a t i vess es encont r ado!

E ent ão o gor do r i
e daí el e di z,
most r a, most r a uma vez,
most r a agor a o que t u podes,
i sso não é possí vel ,
aí cer t ament e t ambém
t er i a al go par a mi m,
ou par a t i ,
el e se r ef er e à mul her ,
que t al
um cachor r o ou um gat o
ou um besour o
ou um sapo,
e ni ss o el e agar r a a mul her
pel os cachos
e l he dá um bei j o.
46.

A MULHER
El a t em

uma s ensação,
um pr essent i ment o,
que al go vai dar er r ado.

El a dei t a as car t as
sobr e a mesa di ant e de si ,
e l evant a os ol hos:
Di ant e del a,
o gor do,
el e quer saber
o que deve f azer ,
par a que uma mul her o ame,
uma mul her com mui t os c achos.

El a di z:
est ou vendo aqui
400 cai xas e um cami nhão na bei r a da est r ada,
um vi et nami t a
embai xo da pont e
e uma l oj a de bebi das,
e um mat adour o.
E uma mul her com cachos.

Estr el as.
E um homem com uma l í ngua azul .
El e é a t ua queda.
El a di z:
Hoj e eu não sai r i a.
Por que,
di z Madame Oi seau,
t u não

car r egast e de novo as cai xas,


por que não subi st e de novo no cami nhão por que não
segui st e vi agem.
Por que dei xast e
o car r o si mpl esment e par ado na bei r a da est r ada -
47.

O HOMEM FORTE E A MULHER J OVEM


El e pi sot ei a e gol pei a e cospe,

e o gor do o mant ém af ast ado do cor po,


assi m,
com o br aço est endi do:

Ele estende o braço.

el a não é como t u pensas,


às vezes e l a
at é gost a mui t o de ser t ocada, ou?,

E ent ão o pequeno,
o mai s f r aco,
aquel e com o r ost o br anco acer t a o
out r o,
o mai s gor do, o mai s f or t e,
quase por acaso,
em mei o a um vol t ei o,
um r odopi o,
como numa espi r al ,
o pequeno acer t a
o mai or ,
el e acer t a o nar i z -

Ele gira em círculo em volta de si mesmo.

O r uí do.
o r uí do na cabeça,
quando o sept o [ do nar i z] quebr a. Cr ac.
A dor ,
o gor do vê est r el as,

e ent ão el e enl ouquece,


e el e gol pei a,
quase cego de r ai va,
el e vê soment e o r ost o
na sua f r ent e,
br anco, com duas l í nguas,
o pequeno acer t a agor a
com quase cada gol pe,
e daí mui t a coi sa se quebr a,
a bandej a chei a de cer vej a,
mesas vi r am, copos,
gar r af as,
um espel ho se despedaça,
gri ta ri a,
e o gor do
acer t a gol pes no vazi o,
e o r evól ver
cai do cós da cal ça, por det r ás,
o gor do nem o not a,
el e gol pei a o ar chei o de r ai va e dor e sangue,
aquel e com o r ost o br anco
se esqui va, é mai s r ápi do,

acer t a o gor do mai s uma vez,


e mai s uma vez,

não t oca nel a, não t oca nel a, eu di sse -


e ni ss o el e chega
mui t o per t o do gor do,
e o gor do acer t a o pequeno,

aqui -

Ele faz um gesto.

Pr i mei r o nos r i ns,


e ent ão aqui ,
ent r e o f í gado
e o cor ação,
48.

A MULHER
Madame Oi seau

pode pr ever o f ut ur o.
El a l ê o f ut ur o
na mão,
ou el a dei t a car t as
na sua f r ent e sobr e a mesa,

ou el a vê o f ut ur o
em uma bol a
de cri st al ,

soment e seu pr ópr i o f ut ur o


el a não vê,

el a di z:
vai chover ,
e i sso o di a t odo.

E el a di z:
Oh.
Oh, oh,
hoj e al guém mor r er á,
hoj e

al guém par t i r á par a sempr e.


49.

O HOMEM / CORO
El e pi sot ei a e gol pei a e cospe,

e o gor do o mant ém af ast ado do cor po,


assi m,
com o br aço est endi do:

Ele afasta o braço de si.

el a não é como t u pensas,


às vezes e l a
at é gost a mui t o de ser t ocada, ou?,

E ent ão o pequeno,
o mai s f r aco,
aquel e com o r ost o br anco at i nge
o out r o,
o mai s gor do, o mai s f or t e,
quase por acaso,
em mei o a uma vol t a em r edor de si
mesmo,
um r odopi o,
como numa espi r al ,
o pequeno acer t a
o mai or ,

el e acer t a o nar i z -

Ele gira em círculo em volta de si mesmo.


O r uí do.
o r uí do na cabeça,
quando o sept o [ do nar i z] quebr a.

Cr ac. ???
a dor ,
o gor do vê est r el as,
e ent ão el e enl ouquece,
e el e gol pei a,
quase cego de r ai va,
el e vê soment e o r ost o na sua f r ent e,
br anco, com duas l í nguas,
o pequeno acer t a agor a
com quase cada gol pe,
e daí mui t a coi sa se quebr a,
a bandej a chei a de cer vej a,
mesas vi r am, copos,
gar r af as,
um espel ho se despedaça,
gri ta ri a.
e o gor do
acer t a gol pes na mai or i a no vazi o,
e o r evól ver
cai do cós da cal ça, por det r ás,
o gor do nem o not a,
el e gol pei a o ar

cego de r ai va
e dor e sangue,
aquel e com o r ost o br anco
se esqui va, é mai s r ápi do,
acer t a o gor do de novo, e mai s uma vez,

não t oca nel a, não t oca nel a, eu di sse -

e ni sso
el e chega mui t o per t o do gor do,
e o gor do acer t a o pequeno,
aqui -

Ele faz um gesto.

Pr i mei r o nos r i ns,


e daí aqui ,
ent r e o f í gado
e o cor ação,

e o pequeno,
o mai s f r aco,
o homem com as duas l í nguas
ouve um r uí do em seu cor po,
al go se r ompe em seu cor po,
o ar l he f al t a,
e el e cai par a t r ás,
sobr e as co st as,
pr ocur a al go par a se agar r ar na queda,
ar r ast a uma mesa consi go,

cacos, cer vej a no chão, sangue,

e no mei o di sso
o pequeno,
el e est á dei t ado de cost as
e sent e ao mesmo t empo
cal or e f ri o,

seu ol har pr ocur a


a moça com os c achos,

o que há cont i go,


o que est ás f azendo,
e ent ão
el e par a de r espi r ar .

Rost os s e cur vam sobr e el e,


pessoa s,
que el e não conhece,
e a j ovem mul her com os cach os,
t u e eu, el e pensa,
e o gor do, o mai s f or t e,
o gi gant e,
que a bei j ar a, a quem el e
quebr ar a o nar i z,
a t i gosta r i a
de quebr ar o nar i z mai s uma vez,

el e sempr e di z,

t u quebr ast e meu nar i z,


t u quebr ast e meu nar i z,

e
o que est ás f azendo,
o que est ás f azendo,

e agor a
el e compr eende,
que o t empo passou,

que não acont ecer á mai s nada,


el e ar r egal a os ol hos,
l á est ão
a mul her com os cach os,
o gor do, o f or t e, o gi gant e,
e sua mul her ,
Madame Oi seau,
Oh,
di z el a,
oh,

o ar l he f al t a,
e el e não pode
mai s ver di r ei t o,
não é mai s possí vel ,
os r ost os desapar ecem,
r et or nam,
desapar ecem de novo,

Madame Oi seau,
o gi gant e
e a mul her
com os cachos,

não t oca nel a, não t oca nel a,

na val a 400 cai xas.

Tu di r i gi as a 130 e
e na pl aca const ava 60.

E ent ão
a car ga despenca do veí cul o.

Os ol hos
per manecem aber t os,
el e busca por ar
e não consegue,

o que vi r á agor a,
el e pensa,

nenhum ar ,
nenhum ar ,

o cor ação
di spar a
e quase f i ca par ado,

os ol hos f i cam aber t os,

E, às vezes,
o páss ar o voa par a ci ma
e pousa sobr e um gal ho
ou sobr e o t et o de um car r o,

Tudo soment e uma quest ão de t empo.

Por que a r at azana


não f oge,
quando o páss ar o est á sobr e o t et o do car r o.

Que bom que est amos aqui em ci ma,


só é uma pena que ess a coi sa gi r a,
el a t e l eva par a ci ma,
mas t ambém gi r a de vol t a par a bai xo.

E ent ão
j á não há cont i nuação -

e agor a el e compr eende,


que o t empo se acabou.

Música.
50.

O HOMEM FORTE
Vei o um homem do nor t e,

que t r ouxe a chuva consi go,

e a pr evi são
ai nda di sse r a:
hoj e não vai cai r nenhuma got a,

el e bal eou
o pr opr i et ár i o de uma l oj a de bebi das, e
assal t ou o di r et or de um mat adour o,
que mor r eu de sust o.

O homem er a gr ande, f or t e,
ou gor do, um gi gant e,
el e se apai xonou por uma mul her
com mui t os cachos,
que não o am ava,
mas soment e dor mi a com el e
ou f odi a, como el a chamava i ss o,

e um di a um homem
com uma l í ngua pi nt ada na car a
l he quebr ou o nar i z dur ant e uma l ut a,

e daí o gor do,


o mai s f or t e, o gi gant e,
acer t ou aquel e com as duas l í nguas
de f or ma i nf el i z
aqui e aqui e aqui
e o homem com as duas l í nguas
mor r eu
no chão do bar ,

e o gor do f i cou
al i par ado,
como que pet r i f i cado,
sem poder sai r dal i .
51.

A MULHER J OVEM
Vei o uma mul her do Oest e,

que t r ouxe o vent o consi go,

e hoj e não cor r e a mai s l eve br i sa,


pr of et i zar a o r ádi o
na mesma manhã,

a mul her vi er a com o ôni bus i nt er muni ci pal


e t i nha cabel os bem cacheados,
a mul her desceu do ôni bus
e pr ocur ou por um t r abal ho
como gar çonet e,

e ent ão doi s homens


se apai xonar am por el a.
Um del es mor r eu por i sso.
El a t i nha dor es de cabeça,
sempr e,
el as si mpl esment e não passavam,
não havi a o que f azer ,
não havi a mesmo nada a f azer ,
e daí el a f oi at é o hospi t al ,
e ni nguém j amai s a vi u novament e.
52.

A MULHER
Vei o uma mul her do l est e,

que t r ouxe neve consi go e gel o ,


el a vei o com o t r em,
mas o t r em não pode cont i nuar ,
por que havi a mui t a neve sobr e os t r i l hos,
e a mul her desc eu.
Vamos ver , quando sai o pr óxi mo t r em,
el a pensou.
El a podi a pr ever o f ut ur o,
soment e o seu pr ópr i o não.
E vi nt e anos depoi s
el a est ava par ada na mesma pl at af or ma,
o t r em ent r ou [ na est ação?] ,
e quando o t r em segui u,
a pl at af or ma est ava vazi a.

FI M

Das könnte Ihnen auch gefallen