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In: M. Fátima Viegas Brauer-Figueiredo / Karin Hopfe (org.

): Metamorfoses do Eu: O Diário e outros Géneros Autobiográficos na


Literatura Portuguesa do Século XX. Frankfurt/M.: TFM 2002, pp. 83-94.

Peter Hanenberg*

Universidade Católica Portuguesa, Viseu

"Caderno de um Viajante" de Aquilino Ribeiro

Aquilino Ribeiros Tagebuch einer Reise nach Deutschland 1920 ist bislang kaum in seiner literar-historischen
Bedeutung untersucht und gewürdigt worden. Insbesondere die Form des Tagebuchs, die Aquilino Riberio gewählt
hat, ist ein wichtiger Baustein zu jener Wirkungsabsicht, die er dem Buch bei seinem späten Erscheinen 1934
zugedacht hatte: Es sollte das portugiesische Publikum authentisch über ein Deutschland informieren, das weitgehend
unbekannt und unbeliebt war und nach der sogenannten Machtergreifung Hitlers erneut als Bedrohung empfunden
werden musste.
In neun kurzen Schritten versucht der Beitrag, das Tagebuch als solches zu charakterisieren. Dabei geht es vor allem
darum zu erkennen, dass der Autor die Form des Tagebuchs sehr bewusst einsetzt, nicht um über sich oder seine
deutschen Verwandten zu berichten, sondern um Zeugnis abzulegen von einem historischen Abschnitt am Ende des
Ersten Weltkriegs, der sich für die Geschichtsschreibung des 20. Jahrhunderts als besonders relevant erweist.

Já o título do caderno de viagem Alemanha Ensanguentada de Aquilino Ribeiro (1934) indica


que se trata de um diário específico. Ao contrário de outros exemplos posteriores, como os
diários de Miguel Torga ou de Vergílio Ferreira, o texto de Aquilino Ribeiro não foi concebido
para ser um diário, mas, sim, um livro temático sobre a Alemanha. O facto de ser um diário é
propositadamente secundário em relação ao facto de ser um livro sobre um estado longínquo e
em crise. A forma diarística é, neste caso, nem mais nem menos do que a forma adequada de
exprimir uma experiência que é uma verdadeira excepção do dia-a-dia. Quando traduzimos o
"caderno dum viajante" para o alemão, optámos por reforçar esta ideia e assim reduzir a imagem
dorida do título: Deutschland 1920. Eine Reise von Portugal nach Berlin und Mecklenburg
(Alemanha 1920. Uma viagem de Portugal para Berlim e Mecklenburgo).
O carácter temático deste diário confirma-se igualmente nas circunstâncias da sua publicação.
Enquanto o texto foi escrito durante uma viagem para a Alemanha, realizada entre Setembro e
Novembro do ano de 1920, a publicação realizar-se-á só em 1934. Os catorze anos de diferença
entre a escrita e a publicação demonstram que o objectivo deste diário não é a "conta-corrente"
do dia-a-dia e de um passar de tempo. Pelo contrário, o que se verifica é uma escolha
determinada e funcional da publicação do texto. No prefácio dedicado ao médico de família, Dr.
Francisco Pulido Valente, Aquilino escreve em 1934:
Decerto que a Alemanha, agora na berra, não quadra ao gosto dum espírito sensível
à moderação e harmonia. Os autos-de-fé que reduziram a cinzas livros menos
ortodoxos e o êxodo dos sábios e escritores que não comungavam no credo novo
representam os piores atentados contra a inteligência. Para eles não há absolutória
possível no tribunal da razão. É preciso descer à sua própria etiologia para explicá-
los. (Ribeiro, 1934: 7)
E mais adiante:
Não sei se algumas destas páginas destoam, querido e ilustre amigo, do seu douto
critério e da rigorosa objectividade aconselhável em tudo o que respeita ao facto de
índole social. O Pulido Valente veja nelas o propósito de esclarecer o fenómeno
estupendo da Alemanha hitleriana. (pp. 9-10)
O caderno de um viajante tem, portanto, um objectivo funcional: descer à história recente para
explicar a Alemanha actual e - repito "esclarecer o fenómeno estupendo da Alemanha
hitleriana". A opção de cumprir este intuito através de um diário é - do ponto de vista analítico -
de grande interesse e importância tanto mais que o prefácio se compromete a uma "rigorosa
objectividade aconselhável em tudo o que respeita ao facto de índole social". A importância
desta opção verifica-se também num outro texto publicado por Aquilino, em 1934: É a Guerra.

1
Este texto partilha com Alemanha Ensanguentada não só o género do diário, mas também a
ideia central de poder explicar o presente dos anos trinta nos acontecimentos e factos dos finais
dos anos dez e o fim da Grande Guerra. Recentemente esta perspectiva foi recuperada e
reconhecida pela historiografia, nomedamente, p.e. no livro de Sebastian Haffner (2001) sobre
os anos de 1914 a 1933: é assim, naqueles anos, que podemos perceber o que Aquilino chamou
um "fenómeno estupendo" e que se tornou no desastre singular da história da Humanidade.
Quando analisamos o caderno do viajante em terras germânicas devemos, portanto, ter em
consideração que este diário pretende, em primeira linha, ser literariamente uma fonte
explicativa e histórica. Este intento corresponde em parte aos objectivos da viagem que
realmente se realizou no Outono de 1920. Na altura A Pátria convidou o jovem escritor para
publicar nas páginas deste jornal uma série de "Cartas da Alemanha". Na entrevista que deu
antes da partida, publicada em 11 de Setembro de 1920, Aquilino explica as circunstâncias:
Embora negócios de família me levem à Alemanha, viajarei pousadamente,
demorando-me em Madrid, Paris, Bruxelas e sobretudo em Berlim. Necessito
sentir a nova Europa, as suas lutas, as suas esperanças, as suas ideias e as suas
próximas realizações. Tomarei notas e esceverei uma longa serie de cartas para A
Pátria, a pedido do seu director. (A Pátria, 11 de Setembro de 1920)
De facto, nos meses seguintes sairam cinco "Cartas da Alemanha" que correspondem, quase
palavra por palavra, a capítulos do livro publicado em 1934. É, pois, importante saber que
Aquilino possuía um Cartão de Imprensa que lhe facultava obter informações e visitar locais
que normalmente não estavam ao alcance de visitantes particulares no estrangeiro. Além desta
tarefa de jornalista, Aquilino viajava também como bibliotecário da Biblioteca Nacional,
realizando várias pesquisas bibliográficas em Bruxelas e, sobretudo, em Berlim. Um outro
aspecto da sua viagem são ainda os "negócios de família" que menciona na entrevista citada.
Curiosamente não faz qualquer referência a estes assuntos particulares no seu diário, nem no
prefácio da publicação em 1934. O facto de a sua primeira mulher ter falecido entre a data da
viagem e a data da publicação, em 1927, ou o facto de o Dr. Pulido Valente ter sido o médico
que a tratou ainda na hora da morte são aspectos que não merecem ser referenciados ao leitor de
Alemanha Ensanguentada. Pelo contrário, o que mais interessa ao autor e o que sobressai
claramente no livro é a preocupação com "a vida europeia que", como afirma, "eu busco
conhecer, a fim de a penetrar no mistério das suas correntes sociais, mentais, artísticas,
económicas e políticas." (ibidem). Como objectivo, quer da viagem, quer da posterior
publicação, figura, portanto, em primeiro lugar, o interesse pela Alemanha. Ainda na mesma
entrevista datada de 1920, Aquilino diz:
A Alemanha desde que se estabelize, dentro das grandes ideias de renovação que a
agitam, voltará a ser um povo ilustre. A guerra foi para ela uma catástrofe, um
terrível ensinamento. O alemão, porém, é reflectido, sabendo tirar dos
acontecimentos as lições infalíveis. [...] A indústria, ciência, a arte, a filosofia vão
tornar-se para ele um novo e alto imperialismo. A sua acção neste campo deve ser
notabilíssimo. A sua cultura deixará de ser agressiva. A Europa e com ela o mundo
pertencerá às nações mais cultas. A Alemanha conta com um lugar de destaque. E
eu que vivo da minha pena de escritor, apreciando, portanto, mais a paz que a
guerra, saudarei nela a libertação da humanidade.
É, portanto, um verdadeiro e alargado projecto intelectual e civilizacional que Aquilino pretende
testemunhar e documentar com o seu caderno de um viajante. Isso quer dizer que o diário não
obedece ao acaso dos acontecimentos, mas procura a realização de um sentido cultural cuja
prova pretende ser.
Mas porque é que o escritor escolhe delinear este projecto recorrendo ao género diarístico?
Porque é que não optou por outras formas de intervenção literária, como o panfleto ou o ensaio,
ou até a ficção com todas as suas hipóteses de modelar e condicionar o que se pretende dizer,
calculando devidamente os efeitos sobre o leitor? Com a ajuda da teoria diarística, e muito em
especial o livro de Peter Boerner, tentarei dar uma resposta a estas questões, apresentando, em
nove breve passos, as vantagens e a problemática deste género de textos.
1. O diário é, na verdade, um género literário muito vulgarizado e em moda, nomeadamente nos
finais do século XIX e início do século XX. Já Boswell, Forster e, nomeadamente, Goethe com
a sua "Viagem à Itália" tinham criado modelos de orientação para gerações de escritores e
viajantes. Os irmãos Edmond e Jules de Goncourt e o seu Journal. Mémoires de la vie litteraire
fornecem um outro exemplo para a descoberta das possibilidades de um género literário que
procura um efeito específico na autenticidade e no público que descreve e para o qual escreve.
Já no século vinte relatos e diários de viagens sobre a América, a nova sociedade soviética, na
Rússia, ou ainda sobre as grandes métropoles, como, em primeiro lugar, Paris, são testemunho
do interesse de participar a/na experiência do mundo moderno. De alguma forma, o diário
corresponde a um mundo em que a deslocação e a abertura para a nova experiência são
privilegiadas em relação à concepção fixa e determinada de um mundo fechado. Aquilino
partilha este espírito de abertura, fornecendo ao público a experiência nova de um povo em
mudança.
2. Ao contrário de outros géneros, o diário tem a particularidade de ser concreto, de apresentar o
que apresenta de uma maneira menos abstracta do que concreta. Um exemplo ilustrativo é o
modo como Aquilino introduz as suas observações sobre a revolução republicana na Alemanha:
Entro para um táxi na Bremer Str. e dou o endereço:
- Biblioteca Imperial...
- Biblioteca Imperial não sei o que seja - responde-me o chauffeur, fazendo uma
careta.
Ora essa! ... Biblioteca pública... onde há muitos livros...
- Biblioteca Nacional, quer o senhor dizer...? Isso sei o que é. (Ribeiro, 1934: 38)
Um taxista que pouco depois de um ano, já não sabe (ou finge não saber) o que era a Biblioteca
Imperial é um dado muito concreto para ilustrar as profundas alterações políticas que houve na
Alemanha depois da Grande Guerra. Aquilino mantém ao longo do seu diário esta procura e
apresentação de dados concretos e significativos.
Um outro exemplo muito ilustrativo é a maneira como Aquilino faz sentir o sofrimento que a
Grande Guerra trouxe para a população alemã, exemplificando-o numa só rua:
O meu guia vai-me [...] avivando a memória: "Ali naquele rés-do-chão, de porta
negra e cerrada, morava um vesteiro. [...] A terra da Flandres come-lhe o rapaz e o
velho morreu de paixão. [...] Mais adiante, era Max, mecânico de bicicletas; morto
diante de Liege. À esquerda certo velho fotógrafo [...] Dois filhos varões que tinha
ambos a guerra lhe levou. Andando sempre e às duas bandas tinham morrido: um
filho à dona do estanco de tabacos, na Rússia [...], o marceneiro da esquina na
Flandres; e quase ao fundo, aquele edifício [...], Correios e Telégrafos, converter-
se-ia em necróploe se lhe depositassem dentro as ossadas daqueles que ali serviam
e foram ceifados pelo aço. Como não, se a Alemanha no último ano de luta sofria
cerca de cem mil baixas por mês? Se o total dos mortos supera dois milhões?
(Ribeiro, 1934: 99-100)
3. Um outro aspecto marcante do diário é uma determinada autonomia do momento. O diário
não obedece a um plano préviamente estabelecido. Sendo o tempo, ou melhor dizendo, o dia, o
aspecto estruturante do diário, tudo que cada dia traz está no seu pleno e absoluto direito de ser.
Aquilino aproveita esta estrutura típica do diário realçando a autonomia do momento. O seu
texto não é um retrato do passar do dia no sentido de um registo. Os encontros casuais com
outros viajantes, com taxistas e hoteleiros, empresários e soldados, colegas e familiares são
momentos que não obedecem a um plano mas que contribuem, na sua autonomia, para uma
fenomologia da Alemanha Ensanguentada. Na sua diversidade os encontros casuais e as
observações concretas permitem ainda uma mudança permanente de perspectivas. Num sentido
narratológico a autonomia do momento possibilita uma constante flexibilidade dos métodos de
narração.
4. A um nível mais temático podemos caracterizar o diário como sendo um meio de integração
da vida na obra literária ou da obra literária na vida. Na continuação da ideia da genialidade do
escritor, o diário é um meio ideal para testemunhar que as obras de arte são fruto de uma vida de
arte. Curiosamente este aspecto mais pessoal do diário é visivelmente rejeitado por Aquilino.
Nós não ficamos a saber se viajava sózinho ou em companhia da sua esposa e do seu filho
(como realmente aconteceu). Também não lemos praticamente nada sobre a família alemã do
escritor, que, como sabemos, motivou, ao menos em parte, a viagem. Do sogro de Aquilino
sabemos alguma coisa não por ser sogro, mas por ser um grande e típico patriota alemão. Esta
redução dos aspectos particulares em favor dos aspectos publicamente significantes é uma das
características mais específicas do diário de Aquilino. Esta espeficidade não deixa de ser
importante em dois sentidos. Temos que reconhecer que o escritor tenta diminuir a relevância de
aspectos privados, mas também não devemos esquecer que toda esta viagem, e nomedamente a
viagem para Parchim, no Mecklenburgo, nunca se tinha realizado sem os laços familiares com
esta região. Não é nenhuma razão pública e ainda muito menos uma razão política ou ainda
literária que leva Aquilino a viajar pela província e o interior do país. São razões familiares.
Contudo, o projecto literário de apresentar as terras e gentes da província de Mecklenburgo e de
Parchim parece corresponder a um idêntico projecto de outros escritos, em que o autor reserva,
por exemplo, à província da Beira Alta e de Viseu o mesmo destaque. Por outras palavras: Pode
o autor tentar excluir discretamente a dimensão privada e familiar, ela está presente. Num
episódio do diário isso é muito visível. No que se refere ao dia 1 de Novembro, Aquilino anota
o seguinte:
Este D. Alonso Gomez, de Montevideu, que esposou uma menina de Parchim, da
qual se enamorara na Suíça ao tempo que estudava engenharia eléctrica e ela polia
o seu francês, fala pelos cotovelos. Vamos pelos campos fora, sem destino, e conta-
me a história negra dos seus dissabores nesta Alemanha outrora celebrada pela
rectidão das leis e a seriedade dos homens. (Ribeiro, 1934: 146)
A "história negra dos seus dissabores" que o espanhol conta tem que haver com uma herança
que os familiares da esposa recusam injustificadamente reconhecer. Ora são os "negócios de
família" que o escritor tinha mencionado na entrevista com o jornal A Pátria. É óbvio que por
trás do espanhol Alonso Gomez de Montevideu se esconde o Aquilino Gomes Ribeiro das
montanhas de Viseu. Este episódio é muito significativo de modo a demonstrar que a discrição
leva o escritor a não hesitar em ficcionalizar a realidade, fazendo do caso particular um exemplo
a estudar. Mais uma vez podemos concluir que Aquilino não quis publicar o diário para falar de
si próprio, mas sim para testemunhar autêntica e verdadeiramente a experiência na Alemanha.
5. Com o exemplo anterior já aludimos um outro aspecto característico do género diarístico: a
relação verdade-mentira ou, melhor, autenticidade-ficção. O caderno de Aquilino vive do
carácter de um testemunho autêntico - não obstante alguns momentos mais trabalhados ou
mesmo ficcionalizados. Mas podemos cometer um erro crasso se confundirmos o significado
autêntico do livro com a opinião própria do autor. Mesmo sendo um documento autêntico, o
diário procura um objectivo além desta autenticidade. No caso de Alemanha Ensanguentada é
importante salientar: O autor não pretende exprimir a sua opinião sobre a Alemanha, mas sim
permitir, ao leitor, uma reflexão justa e ampla sobre o assunto. Se compararmos a opinião de
Aquilino sobre a Alemanha em documentos mesmo particulares com a imagem pública que o
autor constrói no seu livro, verificamos uma diferença significativa. Numa carta inédita a Raul
Proença escreve, por exemplo, de Berlim:
Estamos passando dias bem tristes. É verdade, mas deixe-me dizer-lhe que o meu
germanofilismo sofreu muita correcção. A verdade obriga em muitos pontos, a
desestimar o que estimava. A Alemanha não tem razão em muita coisa; as
acusações dos aliados, muitas são legitimas e com fundamento. Mas expoliam-nos
em excesso, e é outra verdade. (Biblioteca Nacional, Lisboa, Esp E 7/1727)
A pessoa particular, digamos, o genro Aquilino, tem uma opinião muita mais crítica da
Alemanha do que o projecto do diário permitia. Por outras palavras: A autenticidade do diário
não é uma autenticidade particular ao nível da verdadeira história íntima do autor, mas sim uma
autenticidade que obedece aos critérios de um projecto de esclarecimento do leitor.
6. É neste sentido que temos de definir uma outra particularidade do diário de Aquilino. O
diário procura o diálogo com o leitor, oferecendo e partilhando com ele a experiência e as
observações feitas. Sem se dirigir directamente ao leitor em geral, Aquilino dispõe de duas
técnicas muito próprias para garantir este diálogo. A primeira é o já mencionado prefácio
dedicado ao Dr. Pulido Valente. Introduzindo um leitor muito concreto e apelando à sua
compreensão, Aquilino reserva à recepção um lugar de destaque. E, ao longo propriamente do
diário, o diálogo com as várias pessoas que o viajante vai encontrar é a segunda técnica que faz
da troca de ideias e do diálogo o princípio estruturante do livro.
7. Com este relaciona-se um outro aspecto do género diarístico que é a sua qualidade de
orientação no caos e no labirinto das experiências. Como reflexo, reflexão e fixação de
experiências, o diário orienta, pelo menos, sobre o caminho percorrido e, por ventura, abre
horizontes de caminhos a percorrer. De facto, o diário de Aquilino pretende ser uma orientação
válida sobre os caminhos dum país pouco conhecido junto do público português, testemumho
das misérias vividas e alerta para os perigos daí advenientes.
8. Esta orientação corresponde a uma fragmentarização no mundo moderno que obriga a desistir
de conclusões definitivas e opiniões fixas. O diário é uma resposta a esta fragmentarização da
vida moderna, na medida em que testemunha e, ao mesmo tempo, experimenta experiências sem
saber determinar o resultado final. Quando o escritor escreveu o seguinte passo em 1920
obviamente ainda não sabia que Hitler ia tomar o poder:
Se aparecer um aventureiro, resoluto e de maus fígados, que se confine numa vaga
e apocalíptica ideologia, que bata o pê ao vencedor, misto de Anticristo e de
Lohengrin, tem povo. Vencida, mas não derrotada, a Alemanha quando puder
voltará a desembainhar a espada, no que, de resto, não faz mais que obedecer à
estúpida condição humana." (Ribeiro, 1934: 116)
Em 1934, quanto o livro saiu, o aventureiro, "misto de Anticristo e de Lohengrin", já tinha
aparecido, sem que se pudesse saber ainda quais as verdadeiras dimensões de terror que "o
fenómeno estupendo da Alemanha hitleriana", como Aquilino escreveu no prefácio, ia atingir.
Mas mesmo em relação a uma nova guerra o livro não deixa muita dúvida:
Não sei, mas estou em crer que da paz fortificada tão torpemente em Versalhes ou
sai uma Alemanha com todos os instintos da fera que foi traquejada, pronta a dar o
salto no momento oportuno, ou uma Alemanha que há-de acabar por se entregar a
Lenine de alma e coração. (Ribeiro, 1934: 32)
O diário pretende dar resposta à fragmentarização do mundo moderno, insistindo na infinidade
da experiência a fazer. Aquilino sabe utilizar esta vivência e apreensão no seu projecto de
esclarecimento do leitor: respeitando a autonomia do momento, concentrando-se no pormenor
concreto da descrição, oferecendo posições e mudando as perspectivas.
9. Podemos, assim, concluir, que Aquilino é um autor que sabe utilizar as características de um
género de texto que se revela especificamente moderno. Mas não deixa de ser importante que o
escritor rejeita certas características do diário que, por sua vez, permitem uma exploração mais
subjectiva do texto. Considerando a subjectividade do diário uma das particularidades que mais
faz este género corresponder ao projecto do modernismo literário (por exemplo em Kafka e
Fernando Pessoa aliás Bernardo Soares), temos que reconhecer a diferença que a escrita
aquiliniana pretende marcar.
Além disso, é notória uma outra diferença. Ao contrário de outros autores do modernismo,
como por exemplo Walter Benjamin, Aquilino não se deixa fascinar pelo urbanismo da grande
metrópole. A descrição de Berlim, que Aquilino esquissa, não procura o modernismo da cidade,
mas sim as grandezas clássico-históricas bem como as inovações técnicas urbanas:
[...] Não tem agrados Berlim e todavia é cidade maravilhosa. Em suas praças o
estatuário Begas deixa a perder de vista Rude. Apenas com Miguel Ângelo se pode
emparceirar. [...] As suas artérias nunca mais acabam. Vão de lés a lés.
Vasculariza-as um sistema complexo de railhes, Elektrische Hoch- und
Untergrundbahn, Elektrische Strassenbahnen, Stadtbahn, Ringbahn etc., etc.
Todas estas linhas eléctricas e a vapor, subterrâneas e aéreas, dão a Berlim
fisionomia de lufa-lufa e bulício útil que não tem Paris. (Riberio, 1934: 26-27)
O ponto de encontro com a Alemanha profunda, não se situa em Berlim, mas sim na província.
Se calhar é a diferença em relação ao modernismo dos autores acima mencionados que levou
um crítico (Zickgraf, 1997) da tradução alemã do diário a reconhecer a extraordinária qualidade
documental do texto, admirando, ao mesmo tempo, a sua qualidade e força poética: "mit
welcher poetischer Kraft"!
Bibliografia

Aquilino Ribeiro (1934): Alemanha Ensanguentada. Caderno dum viajante. Lisboa; cita-se a
edição da Bertrand 1975.

Aquilino Ribeiro (1997): Deutschland 1920. Eine Reise von Portugal nach Berlin und
Mecklenburg. Aus dem Portugiesischen, mit einem Vorowrt und Anmerkungen versehen von
Peter Hanenberg. Bremen: Atlantik.

Aquilino Ribeiro 1885-1963 (1985): Catálogo da Exposição Comemorativa do Primeiro


Centenário do Nascimento. Lisboa: Biblioteca Nacional.

Manuel Mendes (1960): Aquilino Ribeiro. A Obra e o Homem. Lisboa: Arcádia.

Fundação Aquilino Riberiro: Boletim Trimestral 1 (1990) - 45 (2001).

Peter Boerner (1969): Tagebuch. Stuttgart: Metzler.

Sebastian Haffner (2001): Geschichte eines Deutschen. Die Erinnerungen 1914-1933. 3. Aufl.,
Stuttgart/München: DVA.

Gustav René Hocke (1986): Europäische Tagebücher aus vier Jahrhunderten. 3. Aufl.,
Wiesbaden, München: Limes.

Uwe Schultz (Hg.) (1982): Das Tagebuch und der moderne Autor. Frankfurt/M., Berlin, Wien:
Ullstein.

Hanno Zickgraf, Aspekte am Altdeutschen Haus. Ein Bericht zur Lage des Landes, 1920, von
Aquilino Ribeiro. In: Süddeutsche Zeitung, 24./25./26.12.1998.
* A minha participação no congresso foi apoiada pelo Instituto Camões e pela Fundação para a
Ciência e a Tecnologia através do Programa Lusitânia. Os meus trabalhos sobre Aquilino
Ribeiro inserem-se no Centro Interuniversitário de Estudos Germanísticos (CIEG), Unidade
I&D financiada pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia no âmbito do Programa
Operacional Ciência, Tecnologia e Inovação (POCTI).

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