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O PENTATEUCO
INTRODUÇÃO À LEITURA
DOS CINCO PRIMEIROS LIVROS
DA BÍBLIA
Siglas e abreviaturas
Com este volume, o benévolo leitor tem em suas mãos mais um livro da
série editorial intitulada “Introdução ao Estudo da Bíblia”. Esta coleção nas-
ceu aproximadamente quinze anos antes da primeira publicação deste livro, no
âmbito da Associação Bíblica espanhola, como contribuição de um grupo de
especialistas espanhóis no campo específico da literatura introdutória da Bíblia.
Nasceu em continuidade histórica com outra obra muito significativa e mais an-
tiga: Comentário ao Antigo e Novo Testamento, vol. I, II e III, de La Casa de la
Biblia (publicada pela Editora Ave-Maria), composta por biblistas espanhóis da
geração anterior. E nasceu como oferta ao mundo universitário e ao leitor culto
interessado na Bíblia. Hoje, o volume dedicado ao Pentateuco, escrito por Félix
García López, catedrático do Antigo Testamento na Faculdade de Teologia da
Universidade Pontifícia de Salamanca, completa esta série composta de onze
volumes. É, sem dúvida, curioso e, talvez, significativo que o último volume
publicado seja correspondente aos primeiros livros da Bíblia. Como disse al-
guém, dentre os especialistas que trabalharam nesta coleção, trata-se de uma
“inclusão”, isto é, de um final que inevitavelmente volta a ser o início. Porque,
se é verdade que a coleção já está completa, não o é por menos que nunca estará
acabada. Com efeito, iniciou-se uma revisão dos distintos volumes, que pro-
curará colocar em dia cada título desta série. É este o compromisso da equipe
editorial, responsável por toda a obra. Equipe que, além disso, tem outro agra-
dável dever de cumprir, o do agradecimento. Primeiro à Associação Bíblica
Espanhola, que acolheu o projeto hoje concluído. Em seguida, aos autores de
cada um dos trabalhos, que escreveram com competência uma obra notável, um
contínuo na história da produção bíblica espanhola. Depois, à Editoral Verbo
12 O Pentateuco
Natividade de 2002
José Manuel Sánchez Caro
Coordenador do Conselho de Direção
Prólogo
ter vontade de ler o Pentateuco. Falta para esse trabalho um certo esforço. Como
também, estou seguro de que aqueles que o fizerem sairão muito enriquecidos
de sua leitura. Refiro-me, evidentemente, à leitura do Pentateuco. No final de
tudo, a presente obra não é mais que uma Introdução a esta leitura: “Feliz aquele
que se compraz no serviço do Senhor [Javé]” (Sl 1,2).
Características do Pentateuco
1. Nomes
São dois os nomes comumente empregados para designar os cinco primei-
ros livros da Bíblia: Torá e Pentateuco.
O substantivo hebraico torá significa basicamente “instrução”, mas tem,
além disso, outros significados. Na Bíblia Hebraica se refere com frequência a
uma lei ou coleção de leis (cf. Lv 11,46; 26,46; Ez 43,11.12) e também a um ou
mais livros (cf. Dt 31,26; Js 8,34; 2Rs 22,8.11; Ne 8,1; 2Cr 34,14). Na tradição
judaica, usa-se a expressão “os cinco quintos da Torá” para referir-se aos cinco
primeiros livros da Bíblia1.
A versão grega dos LXX traduz o termo Torá por nómos (lei)2. O Prólogo do
tradutor grego do livro do Eclesiástico (século II a.C.) distingue a “Lei” (nómos)
dos “Profetas” e os “Escritos” sem nenhuma outra precisão sobre cada um dos
livros.3 Por sua vez, Filón de Alexandria (na primeira metade do século I d.C.)
comenta que o primeiro dos cinco livros nos quais estão escritas as santas leis se
chama Gênesis, um nome dado pelo próprio Moisés.4 E Josefo (segunda metade
do século I d.C.) afirma que dos 22 livros próprios dos judeus “cinco são os livros
de Moisés”. Nestes, se encontram as leis e a história tradicional desde a criação do
homem até a morte do legislador.5
A palavra grega pentateujos (penta: cinco e teujos: estojo, que contém os
livros / rolos) aparece pela primeira vez no século II d.C. (o primeiro a usá-la foi
o gnóstico Ptolemaios, morto em 180 d.C.). A forma latina pentateuchus liber
se encontra a partir de Tertuliano.6
No hebraico, os livros da Torá denominam-se com a primeira palavra
importante de cada livro: 1) beresit (“no princípio”), 2) semot (“nomes”),
3) wayyiqra’ (“e chamou”), 4) bemidbar (“no deserto”), 5) debarim (“palavras”).
A tradução grega dos LXX lhe deu um título referido ao conteúdo do livro:
1) Genesis (“origem”), porque trata das origens do mundo, da humanidade e de
Israel; 2) Exodos (“saída”), alude à saída de Israel do Egito; 3) Leuitikon (“leví-
tico”), refere-se ao núcleo central das leis e ritos levítico-sacerdotais; 4) Aritmoi
(“números”), deve-se aos recenseamentos contidos no livro; 5) Deuteronomion
(“segunda lei”: deuteros-nómos: cf. Dt 17,18), entendido no sentido de uma
nova lei dada em Moab, que viria completar a lei do Sinai.
As versões latinas adotaram e adaptaram os nomes gregos (Genesis, Exodus,
Leviticus, Numeri, Deuteronomium), em seguida passaram para as línguas vernáculas.
2. Narrativas e leis
O gênero narrativo predomina na primeira parte (Gn 1–Ex 19); a lei,
na segunda parte (Ex 20–Dt). Na realidade, dos cinco livros que formam o
Pentateuco, o único livro “completamente” narrativo é o do Gênesis; nos outros
quatro livros, as narrativas alternam-se com as leis.
A partir de uma perspectiva canônica, a Torá é uma mescla de narrativa e
lei; ambas percorrem juntas, formando uma “unidade”. A inserção das leis numa
trama narrativa é o aspecto mais característico do Pentateuco.7
3. O Novo Testamento distingue “a lei de Moisés, os profetas e os Salmos” (Lc 24,44) ou “a lei e os pro-
fetas”: cf. Mt 5,17; 7,12; Lc 16,16; At 13,15; 24,14; Rm 3,21.
4. FILÓN. De Aeternite Mundi, 19 (Opera VI, 78).
5. JOSEFO. Contra Apionem, I, 37-39.
6. TERTULIANO. Adversus Marcionem, 1,10.
7. Cf. SANDERS, J. A. From Sacred Story to Sacred Text. Philadelphia, 1987, 43; CAZELLES, H.
La Torah ou Pentateuque. In: Id. (ed.). Introduction à la Bible, II, Introduction critique à l’Ancien
Testament. Paris, 1973, 100.
Características do Pentateuco 17
a) A narrativa bíblica
Na opinião de Sternberg, a narrativa bíblica é regida por três princípios: o
ideológico, que procura estabelecer e transmitir uma determinada concepção do
mundo; o historiográfico, que insere alguns fatos com outros, e o estético, que
organiza o texto a partir do ponto de vista formal.9
1o Historiografia
Por regra geral, as narrações do Pentateuco têm um caráter marcadamente
histórico. Não é puramente casual que os acontecimentos se encontram dispos-
tos numa sequência cronológica, mas isso não significa que seja uma crônica
dos fatos (que “realmente” aconteceram); trata-se muito mais de relatos com
aparência de crônica.
Influenciados pelos estudos modernos sobre a literatura de ficção, Schneideau
define as narrativas bíblicas como “ficção historiada”10 e Alter como “história de
ficção”11. Embora mudem os termos, a realidade não muda: as narrativas bíblicas
têm um objetivo e um substrato histórico inegável, mas não são história no senti-
do moderno da palavra. A “história bíblica” não pode ser interpretada no sentido
ciceroniano clássico da “história” como “memória do passado”12. Recorda-se o
passado tanto quanto dele se possa extrair lições para o presente e para o futuro.
A história do antigo Israel constitui o objeto de uma vasta obra narrativa
que abrange desde a criação do mundo até a queda de Jerusalém e o exílio da
Babilônia (Gênesis–Reis). O Pentateuco compreende a primeira parte desta nar-
rativa: a partir da criação do mundo até a morte de Moisés nos umbrais da terra
prometida. Embora a promessa da terra é feita a Abraão no início do livro do
Gênesis, sua conquista não é narrada até o livro de Josué.
8. GOETHE, J.W. Israel in der Wuste. In: Beutler, E. (ed.). West-Östlicher Diwan, 1943, 240.
9. STERNBERG, M. The Poetics of Biblical Narrative. Ideological Literature and the Drama of Reading.
Bloomington, 1987, 41-45.
10. SCHNEIDAU, H.N. Sacred Discontent. Louisiana, 1976, 215.
11. ALTER, R. Sacred History and Prose Fiction. In: The Creation of Sacred Literature. Berkeley, 1981, 8.
12. CICERÓN. Tusculanae Disputationes, III, 33.
18 O Pentateuco
13. Cf. AVERBECK, R.E. The Sumerian Historiographic Tradition and Its Implications for Genesis 1–11.
In: MILLARD, A.R. e outros (eds.). Faith, Tradition, and History. Old Testament Historiography in
Its Near Eastern Context. Winona Lake, 1994, 79-102 (98-99). LICHT, J. (Storytelling in the Bible,
Jerusalém, 1978, 14-16) distingue três classes de narrativas: fictícias, históricas e tradicionais. Estas
últimas incluem mitos, lendas e poesia épica ou heroica. As narrações do Antigo Testamento pertencem
à segunda e terceira categoria. As partes mais antigas (criação, paraíso e queda, dilúvio e torre de Babel)
são míticas e as narrações dos patriarcas são legendárias. Por sua vez, as narrações do Êxodo e dos even-
tos do Sinai constituem um tipo especial de história, distinto da história comum. Para KNAUF, E.A.
(Der Exodus zwischen Mythos und Geschichte. Zur priesterschriftlichen Rezeption der Schilfmeer-
Geschichte in Ex 14. In: KRATZ, R.G. e outros [eds.]. Schriftauslegung in der Schrift [BZAW 300].
Berlin, 2000, 73-84 e PROPP, W.H.C. (Exodus 1–18 [AB 2]. New York 1999, 560-561), Ex 14 se situa
entre o mito e a história.
14. VAN SETERS, J. In Search of History. Historiography in the Ancient World and the Origins of Biblical
History. New Haven, 1983, 4-5.
15. VAN SETERS, J. In Search of History (n. 14), 359-362. Segundo BAUKS, M. (La signification de
l’espace et du temps dans “l historiographie sacerdotale”, em RÖMER, T. [ed.]. The Future of the
Deuteronomistic History [BETL 147]. Leuven, 2000, 29-45), as categorias de espaço e tempo em P têm
um valor cultural e, consequentemente, a “Historiografia Sacerdotal” não é uma verdadeira historiogra-
fia. Sobre o significado e o alcance dos termos “Javista” e “Sacerdotal”, ver o Cap. II, § 2, a.
16. Cf. RENDTORFF, R. The Paradigm is Changing: Hopes and Fears, BI 1, 1993, 34-53 (45).
Características do Pentateuco 19
contribuíram para um novo reajuste das dimensões históricas dos textos e para
uma nova consideração da literatura como reflexo da época em que foi escrita,
mais do que como prova dos fatos supostamente acontecidos.17
2o Ideologia
O interesse pela “mensagem” teológica do Pentateuco é um dos intentos
mais importantes nos estudos realizados nas últimas décadas.18 A “história bí-
blica” foi classificada numa pequena “história da salvação”, sublinhando, desta
forma, seu aspecto teológico. Mais que uma história de Israel, as narrações do
Pentateuco se assemelham a um relato das gestas de Javé.
O Pentateuco não somente apresenta Deus salvando na história, mas
também abençoando. No aspecto geral, podemos distinguir duas categorias: a
histórica e a da providência. Os livros do Êxodo e dos Números são orientados
para os acontecimentos históricos; o Gênesis e o Deuteronômio, para a bênção.19
Criação e história estão intimamente inter-relacionadas.
Além disso, o Pentateuco é fruto de um processo espiritual e canônico.
Alguns estudos recentes mostraram a importância de considerar a Torá / o
Pentateuco como Escritura normativa para uma comunidade.20
3o Estética
Para a composição do Pentateuco, seguiram-se regras e cânones estéticos
em parte já estabelecidos nas culturas sobre Israel. Impulsionados pela sua ca-
pacidade criativa, os autores bíblicos elaboraram os seus relatos servindo-se das
diversas formas literárias (diálogos, monólogos interiores, conselhos etc.) e de
diferentes recursos estilísticos (simetria, repetição, jogo de palavras etc.).21 O
Pentateuco é pluriforme em estilo, linguagem e voz.
Um aspecto característico dos textos bíblicos narrativos é a mudança da pro-
sa à poesia para “expressar sentimentos fortes”22, para realizar algumas ideias
importantes23 ou para outros fins estéticos. Os textos poéticos se encontram no fi-
17. Cf. CARROLL, R.P. Enfoques postestructuralistas. Neohistoricismo y modernismo. In: Barton, J. (ed.).
La interpretación bíblica, hoy. Santander, 2001, 70-88 (76).
18. Cf. RENDTORFF, R. Directions in Pentateuchal Studies. CR:BS 5, 1997, 43-65 (57).
19. Cf. WESTERMANN, C. Blessing in the Bible and in the Life of the Church. Philadelphia, 1978, 26-59.
20. Cf. SANDERS, J.A. Torah and Canon. Philadelphia, 1972; CHILDS, B.S. Introduction to the Old
Testament as Scripture. Philadelphia, 1979, 96-99. 127-135.
21. Cf. ALTER, R. Art of Biblical Narrative. New York, 1981; BERLIN, A. Poetics and Interpretation of
Biblical Narrative. Sheffield, 1983; STERNBERG, M. The Poetics of Biblical Narrative (n. 9).
22. SKA, J.L. “Our Fathers Have Told Us”. Introduction to the Analysis of Hebrew Narratives
(SubBib 13). Roma, 1990, 91.
23. FOKKELMAN, J.P. Genesis. In: KERMODE, F. ; ALTER, R. The Literary Guide to the Bible. London,
1987, 37-44; WEITZMAN, S. Song and Story in Biblical Narrative. Bloomington, 1997.
20 O Pentateuco
b) As leis
Na segunda parte do Pentateuco, são conservadas três grandes coleções de
leis: o Código da Aliança (Ex 20,22–23,19), a Lei de Santidade (Lv 17–26) e o
Código deuteronômico (Dt 12–26). A estas coleções é preciso somar mais ou-
tras três pequenas coleções: duas versões do Decálogo (Ex 20,2-17; Dt 5,6-21),
mais o “Direito de privilégio de Javé” (Ex 34,10-26). Basicamente, abarcam
todos os âmbitos da vida, com especial ênfase em três áreas: a jurídica (jus), a
ética (ethos) e a cultual (cultus).
As leis nascem da história e na história, sendo, por isso mesmo, temporais
e caducas. No antigo Oriente Próximo, o mesmo que na Grécia ou em Roma,
as leis tinham uma origem humana. Teoricamente, isso vale também para as
leis do antigo Israel, mas a Bíblia as faz remontar todas a Javé. Estabelece uma
distinção fundamental entre o Decálogo e as outras leis: somente o Decálogo foi
transmitido diretamente por Deus (Ex 20,2; Dt 5,6); as outras leis foram trans-
mitidas por Moisés (cf. Ex 20,18-21.22; Dt 5,22-31).
As leis do Pentateuco nasceram no seio da comunidade israelita. Uma co-
munidade de pessoas livres que experimentaram o poder de Deus no momento da
libertação do Egito e sua presença próxima na ratificação da aliança, acontecimen-
tos decisivos para que o povo crescesse em Javé, o reconhecesse como seu Deus e
aceitasse suas leis como norma de vida. Por isso, a legislação bíblica não somente
aparece como um dom de Deus, mas também como uma tarefa para Israel.
Com frequência, as leis bíblicas se fundamentam recorrendo à história e se
inculcam mediante exortações e admoestações. O tom parenético e as “cláusulas
motivantes”, orientadas para convencer e persuadir os israelitas a que fossem fiéis
à vontade de Deus, figuram entre as notas características da legislação bíblica.
3. Os personagens
Dos numerosos personagens do Pentateuco, aqui se centralizará a atenção
unicamente em Javé, Abraão, Jacó / Israel e Moisés. Também seriam dignos de
consideração Henoc, Noé, Isaac, Aarão, Fineias, José e Caleb – evocados por
Características do Pentateuco 21
a) Javé
O Deus da Bíblia pode ser considerado como um ser real ou como um
personagem literário. Em geral, as teologias bíblicas clássicas apresentam
Deus como um ser real. Os novos estudos literários tratam Deus normalmente
como personagem de um livro. Ambas as aproximações são legítimas e com-
plementares.
Como Deus da Bíblia, é um personagem complexo, com uma gama muito
vasta e variada de aspectos conflitivos e inclusive contraditórios,26 o que difi-
culta sua compreensão e sistematização. Mais que “um personagem”, o Deus da
Bíblia contém em si “muitos personagens”.27
No Pentateuco, sua presença é constante (somente o nome de Javé [ou
no caso da Bíblia Ave-Maria: Senhor] aparece 1.820 vezes); suas palavras e
ações são decisivas. Nos momentos cruciais, sempre intervém. Javé é prota-
gonista por excelência do Pentateuco; todos os outros personagens dependem
dele. O nome Javé aparece diretamente ligado à época de Moisés (Ex 3,13-15
relata o momento de sua revelação); indiretamente, também em épocas anteriores
(cf. Gn 2,4; 4,26; 12,1...).
Javé define-se a si mesmo como “o Deus de Abraão, Isaac e Jacó”
(Ex 3,6.15) e como “o que fez sair Israel do Egito” (Ex 20,2). O Deus dos
24. BAR-EFRAT, S. Narrative Art in the Bible (JSOT SS 70). Sheffield, 1989, 47.
25. Cf. WATTS, J.W. Reading Law. Rhetorical Shaping of the Pentateuch. Sheffield, 1999, 89-130.
26. Cf. BERLIN, A. Poetics (n. 21), 1983, 23-24. “O conjunto de aspectos que forma a fotografia de Deus
emerge só e gradualmente e somente através da ação mesma, começando com a criação da luz mediante
um conciso fiat” (STERNBERG, M. The Poetics [n. 9], 322). Ver também CLINES, D.J.A. God in the
Pentateuch: Reading against the Grain. In: Id. Interested Parties: The Ideology of Writers and Readers
of the Hebrews Bible (JSOT SS 205). Sheffield, 1995, 187-211; Id. Images of Yahweh: God in the
Pentateuch. In: HUBBARD, R. L. e outros (eds.). Studies in Old Testament Theology. Dallas, 1992, 79-98.
27. GUNN, D.M. ; FEWELL, D. N. Narrative in the Hebrew Bible. Oxford, 1993, 89.
22 O Pentateuco
b) Abraão
Os relatos do livro do Gênesis mostram Abraão como o pai de Isaac
e o avô de Jacó, isto é, como o grande antepassado de Israel. Com Abraão
começa uma nova etapa. Na perspectiva do livro do Gênesis, a história do
começo da humanidade avança para Abraão, com quem Deus fará “uma
grande nação” (Gn 12,2). Abraão é o pai de todo o Israel, como Adão o é de
toda a humanidade.
Abrão, Nacor e Arã (Gn 11,26), tal qual os descendentes de Sem (Gn 11,10-
25) ou de Adão (Gn 5), aparecem como elo de uma longa cadeia de seres humanos.
O que faz de Abraão um personagem realmente distinto e singular é o chamado
de Deus para romper com todo o seu passado (Gn 12,1) e a empreender uma nova
aventura (Gn 12,2-3), sua fé e obediência ao mandato divino (Gn 12,4a). 28 E tudo
isso aos 75 anos! (Gn 12,4).29 O texto bíblico não narra nada dos 74 anos de vida
de Abraão. Ao autor do livro do Gênesis somente lhe interessa a figura de Abraão
a partir do chamado divino.
As narrativas sobre Abraão não procuram oferecer uma biografia do
personagem. São em grande parte legendárias e teológicas. Redigidas mui-
tos séculos depois da suposta época de Abraão,30 em sua maioria durante o
exílio da Babilônia ou inclusive na época pós-exílica, essas narrativas têm
por objetivo oferecer um paradigma para os judeus que viviam ou haviam
vivido no exílio e procuravam refazer sua vida na terra de Canaã, o que não
deixava de constituir uma nova aventura equiparável de certo modo à do
mesmo Abraão.
28. Cf. GARCÍA LÓPEZ, F. Abraão, amigo de Deus e pai dos crentes. In: Creyentes ayer e hoy (TeD 15).
Salamanca, 1998, 53-76 (59-70).
29. Quando Abraão sai de Harã, seu pai, Taré, ainda está vivo. Com efeito, Taré tinha 70 anos quando
Abraão nasceu (Gn 11,26). Se Abraão saiu de Harã aos 75 anos (Gn 12,4), Taré morreu com 205 anos
(Gn 11,32), este ainda vivia quando Abraão partiu. O narrador conclui o relato de Taré (Gn 11,32), antes
de iniciar o de Abraão (Gn 12,125,11), apesar dos dois terem vivido simultaneamente durante muitos
anos. É uma técnica narrativa utilizada também com outros personagens bíblicos (cf. SKA, J.L. Essai
sur la nature et la signification du cycle dAraham (Gn 11,2725,11). In: WÉNIN, A. [ed.]. Studies in
the Book of Genesis [BETL 155]. Leuven, 2001, 153-177 [157] ).
30. Fora do Pentateuco, Abraão aparece relativamente pouco e sempre nos textos exílicos e pós-exílicos:
cf. Js 24,2-4; 1Rs 18,36; 2Rs 13,23; Is 29,22; 41,8. 51,2; 63,16; Jr 33,26; Ez 33,24; Mq 7,20; Sl 47,10;
105,6-10.42; 1Cr 1,27-34; 16,16; 29,18; 2Cr 20,7; 30,6; Ne 9,7-8.
Características do Pentateuco 23
c) Jacó/Israel
Nos textos bíblicos, o nome de Jacó aparece pouco ligado intimamente
ao de Israel. Unem-se pela primeira vez em Gn 32,29 (“Teu nome não será
mais Jacó, mas Israel”; cf. 35,10) e há um intercâmbio na História de José
(comparar Gn 37,13 / 34; 42,5 / 1.4.29.36; 45,21.28 / 25.27; 46,1-2.5.30 / 2.5-
6.8.18-19.22.25-27; 47,27 / 7-10; somente em Gn 43 se usa Israel, sem mudar
ou mesclar-se com Jacó: cf. os v. 6.8.11). A partir de Gn 45,25–46,5 se usam na
busca de alternância: primeiro Jacó (Gn 45,25), em seguida Israel (45,28; 46,1-2)
e, finalmente, Jacó (Gn 46,5).
A série de episódios relativos ao nascimento e juventude de Jacó (Gn 25,21-
34; 27,1-40), sua fuga e o encontro no poço com a que seria sua futura esposa (Gn
27,41-45; 29,1-14), o matrimônio e o nascimento de seus filhos (Gn 29,15–30,24)
e o retorno e o encontro com seu irmão (Gn 31,1–32,22; 33,1-20) apresentam
sua personalidade individual, que vai transformando-o num herói epônimo de
Israel. Nos aspectos individuais de Jacó, se pode perceber alguns componentes
essenciais do povo de Israel. A História de Jacó, situada na última parte do livro
do Gênesis (25–50), conduz para a história do povo de Israel, que começa no
livro do Êxodo.31
A tradição bíblica não conservou um retrato “hagiográfico” de Jacó. Pelo
contrário, aparece desde o início marcado pela ambiguidade (cf. Gn 27,18-
19.36). No entanto, Jacó / Israel é o escolhido por Deus, a quem deve a sua
posição especial diante de seu irmão e diante das outras nações. A escolha divi-
na é um sinal do caráter misterioso de Deus, de sua gratuidade.
d) Moisés
A presença e o protagonismo de Moisés no Êxodo-Deuteronômio são tão
decisivos que sem eles não se entenderia os acontecimentos apresentados nesses
livros.
A riqueza e a variedade de facetas da figura de Moisés32 explicam satisfa-
toriamente os numerosos estudos a ele consagrados. Desde o século I d.C., em
31. Conforme PARDES, I. (Biography of Ancient Israel. National Narratives in the Bible, Berkeley, 2000,
1-11), nos textos bíblicos – especialmente do livro do Êxodo e o livro dos Números, nos quais são
colocadas as questões fundamentais sobre a origem e a singulariedade de Israel, onde a nação israelita
está personificada, é um personagem com voz própria. A comparação com personagens individuais
paradigmáticos – especialmente com Jacó e Moisés – é apresentado assim; cf. PURY, A. As duas lendas
sobre a origem de Israel (Jacó e Moisés) e a elaboração do Pentateuco, EstBibl 52, 1994, 95-131.
32. A título de exemplo, cf. VOGELS, W. Moïse aux multiples visages. De l’Exode au Deutéronome.
Montréal, 1997.
24 O Pentateuco
que Filón escreve De Vita Mosis, até os nossos dias, exegetas, historiadores,
artistas, literatos e músicos sentiram-se atraídos por esse personagem singular,
do qual fizeram as mais diversas representações: “tantas são as fotografias de
Moisés quanto os autores que lhe dedicaram um estudo”33.
Para Baltzer, as narrações de Moisés constituem parte de sua “biografia”34.
Segundo Knierim, o Pentateuco consta de duas grandes seções: Gênesis
e Êxodo-Deuteronômio. Contrariamente ao que pensam muitos, Êxodo-
Deuteronômio não seria tanto uma história narrativa de Israel quanto uma
“biografia de Moisés”, introduzida pelo livro do Gênesis.35 Na opinião de Van
Seters, no Êxodo-Deuteronômio, se encerra uma biografia especial de Moisés
(desde o nascimento [Ex 2] até sua morte [Dt 34]). Não é a biografia de um lí-
der no sentido moderno, mas uma pseudo-biografia, completamente orientada
para o interesse e o destino do povo. “A vida de Moisés é a vida do primeiro
e maior líder do povo.”36
Moisés aparece como um instrumento de Deus a serviço do povo. Sua
vocação e missão lhe configuram como um chefe e como um profeta (cf.
Ex 3,10ss; cf. Dt 34,10-12). No monte Sinai intervém como mediador entre
Deus e Israel (cf. Ex 20,18-19; Dt 5,5). Cada vez que o povo se queixa e
murmura no deserto, Moisés intercede diante de Javé, pedindo o perdão ou
a ajuda para o povo (cf. Ex 14,31; Dt 34,5) com quem manteve uma relação
singular (cf. Nm 12,6-8; Dt 34,10).
Numa palavra, a personalidade de Moisés está estreitamente unida por
Javé e Israel. Continua viva e presente na Torá, da qual Javé, Jacó / Israel e o
mesmo Moisés são indiscutivelmente os protagonistas.
4. Tempo e espaço
As categorias cronológicas e geográficas possuem um papel importante no
Pentateuco. Algumas vezes percorrem juntas (cf. Ex 19,1-2 e Nm 10,11-12); ou-
tras vezes, a maioria, separadamente. Sua função estruturante em alguns textos
e seções lhes confere um valor a mais.
33. Cf. MARTÍN-ACHARD, R. Moïse, figure de médiateur selon l’Ancien Testament. In: MARTÍN-
ACHARD, R. e outros (eds.). La figure de Moïse. Écriture et relectures. Genève, 1978, 13; GARCÍA
LÓPEZ, F. O Moisés histórico e o Moisés da fé, Salm 36, 1989, 5-21. Entre as obras recentes, consultar
KIRSCH, J. Moses. A Life. New York, 1998; OTTO, E. (ed.). Mose. Ägypten und das Alte Testament
(SBS 189). Stuttgart, 2000.
34. BALTZER, R.E. Biographie der Propheten. Neukirchen-Vluyn, 1975, 38.
35. KNIERIM, R.P. The Composition of the Pentateuch. In: Id. The Task of the Old Testament Theology.
Substance, Method, and, Cases. Grand Rapids, 1995, 351-379.
36. VAN SETERS, J. The Life of Moses. The Yahwist as Historian in Exodus-Numbers. Louisville, 1994, 2-3.
Características do Pentateuco 25
a) A dimensão temporal
Um aspecto fundamental da narrativa é sua dimensão temporal. A sucessão
dos elementos narrativos possuem uma íntima relação com a sequência cronológica
desses elementos. Nas análises de tipo narrativo se pode distinguir entre o tempo
narrado e o tempo de narrar. O primeiro é o tempo em que as ações e os aconteci-
mentos relatados duram. Mede-se por minutos, dias, anos etc. O segundo se refere
ao tempo material necessário para contar uma coisa. Mede-se por palavras, versícu-
los, capítulos etc. A relação entre as duas determina o ritmo da narrativa.
O tempo narrado na primeira parte do Pentateuco é consideravelmente
mais longo que na segunda. Desde a criação do mundo (Gn 1) até a saída do
Egito (Ex 12,40-41) transcorreram 2.666 anos, isto é, dois terços exatos de um
período do mundo de 4.000 anos. Por sua vez, desde a saída do Egito até a morte
de Moisés (Dt 34,7) passaram-se somente 40 anos. O tempo narrado no livro do
Deuteronômio se reduz a um dia: o último dia da vida de Moisés (Dt 1,3; 32,48).
A enorme extensão do tempo narrado no livro do Gênesis corresponde ao
seu caráter mítico e legendário. Boa prova disso é a longevidade excepcional
atribuída aos antepassados da humanidade, que vai diminuindo à medida que se
aproximam à história. Antes do dilúvio, os seres humanos viviam entre 969 e
777 anos (excetua-se Henoc, do qual não se diz que morreu: cf. Gn 5). Depois
do dilúvio, vivem entre 600 e 205 anos (cf. Gn 11,10-26) e, a partir de Abraão,
entre 200 e 100 anos. Embora esses números distanciam muito dos oferecidos
por algumas listas de reis sumérios anteriores ao dilúvio, que viveram entre
43.200 e 18.600 anos,37 ultrapassam com o crescer da idade o normal da raça
humana: 70-80 anos, conforme diz o salmista (Sl 90,10), e entre 21 e 66 anos, a
julgar pela idade dos reis que reinaram em Israel entre 926 e 597 a.C.38
Sobre o tempo de narrar, dão uma ideia muito aproximada os versículos
de cada livro: Gênesis, 1.534; Êxodo, 1.209; Levítico, 859; Números, 1.288 e
Deuteronômio, 955.39
b) A dimensão de espaço
“Meu pai era um arameu prestes a morrer, que desceu ao Egito com um pu-
nhado de gente para ali viverem como forasteiros” (Dt 26,5). Essa frase sintetiza
37. Cf. BOADT, L. Reading the Old Testament. An Introduction. New York, 1984, 123.
38. HARRIS, J.G. Old Age. In: FREEDMAN, D.N. (ed.). The Anchor Bible Dictionary, V. New York,
1992, 11; cf. HUGHES, J. Secret of Times. Myth and History in Biblical Chronology (JSOT SS 66).
Sheffield, 1990, 5-54.
39. Sobre o número de palavras nos livros do Pentateuco, cf. Cap. VIII, § 1.
26 O Pentateuco
uma das facetas mais significativas não somente de Jacó, mas também dos pa-
triarcas em geral e do povo de Israel, especialmente antes da tomada da posse
da terra. Uma das notas mais características do Pentateuco é o caráter itinerante
de seus personagens.
Os patriarcas (a História das Origens é um caso à parte) transcorrem gran-
de parte de suas vidas errando de um lugar para outro. Seu itinerário cobre
um amplo raio que vai desde Ur dos Caldeus (Gn 11,28), na Mesopotâmia,
até o Egito (Gn 46,6-7), passando por Harã (Gn 11,31) e Canaã (Gn 12,5),
onde residem a maior parte do tempo. Em Canaã vivem como “estrangeiros” /
“residentes” e como “peregrinos” (Gn 15,13; 17,8; 23,4; 28,4). Ali se movem
frequentemente de um lugar para outro (Gn 12,5.6.8.9; 13,3.17.18; 20,1; 22,2;
etc.). Os itinerários patriarcais contribuem para a coesão dos textos e dos perso-
nagens do livro do Gênesis.40
Os israelitas viajaram do Egito a Canaã, passando pelo deserto do Sinai.
Salvo o ano aproximado que permaneceram ao pé da montanha santa, os ou-
tros 39 anos transcorreram-se no deserto e se caracterizam pelas mudanças
constantes de lugar. Em Nm 33,1-49 se conserva uma lista de paradas que
vão do Egito – concretamente de Ramsés (Ex 12,37) – até Moab, onde Moisés
morreu (Nm 22,1; Dt 34,1.8). Entre estes dois extremos, os textos vão assina-
lando passo a passo, mediante uma série de “fórmulas itinerário”, as diversas
etapas que – a seu modo – estruturaram o conjunto dos textos.41
O objetivo final dos itinerários dos patriarcas e de seus descendentes é
a terra de Canaã. Esta aparece desde o início ligada a uma promessa divina e
constitui um dos temas dominantes do Pentateuco.42 Na realidade, o Pentateuco
– desde Gn 12 até Dt 34 – se encontra marcado pelas referências à terra prometi-
da (cf. Gn 12,1-8; 13,14-17; Dt 34,1-4). Javé convida Abraão a dirigir seu olhar
para o norte e o sul, para o leste e o oeste (Gn 13,14), e contemplar a terra com
a promessa de que “toda a terra que vês eu a darei a ti e aos teus descendentes
para sempre” (Gn 13,15). A expressão “toda a terra” aparece aqui pela primeira
vez no Pentateuco e voltará a aparecer pela última vez em Dt 34,1, onde Javé
convida Moisés a olhar para os quatro pontos cardeais da terra prometida, como
um dia fizera Abraão (cf. Dt 34,1-4).
Em síntese, a terra de Canaã é a meta das grandes viagens dos patriarcas e
israelitas: desde a Mesopotâmia, através de Canaã, até o Egito (patriarcas), e do
40. Cf. DEURLOO, K.A. Narrative Geography in the Abraham Cycle, OTS 26, 1990, 48-62 (48-53);
COLLIN, M. Une tradition ancienne dans le cycle d’Abraham. Don de la terre et promesse en Gn 12–13.
In: HAUDEBERT, P. (ed.). Le Pentateuque. Débats et recherches (LD 151). Paris, 1992, 209-228.
41. Cf. Cap. IV, § I, 3.
42. CLINES, D.J.A. The Theme of the Pentateuch (JSOT SS 10). Sheffield, 1978.
Características do Pentateuco 27
Egito, através do deserto, até Canaã (israelitas). Dois grandes itinerários simé-
tricos que abarcam praticamente todo o Pentateuco.43
5. Problemas especiais
a) Duplicações e repetições
Tanto nos textos narrativos como nos legais, aparecem duplicações e repe-
tições que dão ao Pentateuco uma fisionomia peculiar.
Nas narrativas, às vezes aparecem duas ou mais versões de um mesmo acon-
tecimento. Estas podem estar superpostas (Gn 1,1–2,3; 2,4–3,24: dois relatos da
criação); separados por textos diferentes (Gn 12,10-20; 20,1-18; 26,1-11: três ver-
sões da mulher-irmã; no Ex 16; Nm 11,4-35: episódios do maná e das codornizes;
em Ex 17,1-7; Nm 20,1-13: episódios da água em Meriba) ou entremesclados
(Gn 6–9: duas versões do dilúvio; em Ex 14: duas versões dos acontecimentos do mar).44
Nas leis, a duplicação mais notória é a do decálogo (Ex 20,2-17; Dt 5,6-
21). Merecem ser destacadas, assim mesmo, as duplicações-repetições das leis
sobre os escravos (Ex 21,2-11; Lv 25,39-55; Dt 15,12-18), as festas (Ex 23,14-
17; Lv 23; Dt 16,1-17), os juízes (Ex 23,2-8; Lv 19,15-16; Dt 16,18-20) e os
empréstimos por interesses (Ex 22,24; Lv 25,35-37; Dt 23,20-21).45
43. As categorias de “espaço” e “tempo” têm também uma dimensão cultual (cf. nota 15).
44. Para uma análise completa deste problema, cf. NAHKOLA, A. Double Narratives in the Old Testament.
The Foundations of Method in Biblical Criticism (BZAW 290). Berlin, 2001.
45. Cf. GARCÍA LÓPEZ, F. El Deuteronomio. Una ley predicada (CB 63). Estella, 1989, 30; (Tradução em
português, Paulus) LASSERRE, G. Synopse des lois du Pentateuque (SVT 59). Leiden, 1994.
46. Sobre a fraseologia deuteronômica, cf. WEINFELD, M. Deuteronomy and the Deuteronomic School.
Oxford, 1972, 320-365; Id. Deuteronomy 1-11 (AB 5). New York, 1991, 36.
28 O Pentateuco
47. Cf. DRIVER, S.R. An Introduction to the Literature of the Old Testament. Edinburgh, 1961, 130-135;
HURVITZ, A. A Linguistic Study of the Relationship between the Priestly Source and the Book of
Ezekiel. A New Approach to an Old Problem (CRB 20). Paris, 1982.
48. Cf. MOWINCKEL, S. Tetrateuch-Pentateuch-Hexateuch. Die Berichte uber die Landnahme in den
drei altisraelitischen Geschichtswerken (BZAW 90). Berlin, 1964; AULD, A.G. Joshua, Moses and the
Land. Tetrateuch-Pentateuch-Hexateuch in a Generation since 1938. Edinburgh, 1980; RÖMER, T. La
fin de lhistoriographie deutéronomiste et le retour de lHexateuque, ThZ 57, 2001, 269-280.
Características do Pentateuco 29
BIBLIOGRAFIA
ARTUS, O. Aproximación actual al Penteteuco (CB 106). Estella, 2001.
BLENKINSOPP, J. The Pentateuch. An Introduction to the First Five Books
of the Bible. New York, 1992 (tradução em espanhol: El Pentateuco.
Introducción a los primeros cinco libros de la Biblia. Estella, 1999).
CAMPBELL, A. F.; O’BRIEN, M. A. Sources of the Pentateuch. Texts, Introductions,
Annotations. Minneapolis, 1993.
CLINES, D. J. A. The Theme of the Pentateuch (JSOT SS 10). Sheffield, 1978.
CORTESE, E. Le tradizioni storiche di Israele. Da Mosè a Esdra. Bologna, 2001.
49. Cf. SCHMID, K. Erzväter und Exodus. Untersuchungen zur doppelten Begrundung der Ursprunge
Israels innerhalb der Geschichtsbucher des Alten Testaments (WMANT 81). Neukirchen-Vluyn, 1999,
18ss.
30 O Pentateuco
A Interpretação do Pentateuco
Cada época tem a sua própria maneira de ler a Bíblia, de acordo com as
correntes intelectuais do momento. Os trabalhos de Fr. Luís de León e de Arias
Montano, por exemplo, refletem as correntes humanistas do renascimento.
Durante o iluminismo, começaram a ser aplicados os métodos histórico-críticos.
Mais tarde, a filosofia de Hegel, o positivismo e o evolucionismo e estudos
antropológicos, psicológicos e sociológicos contribuíram também para o desen-
volvimento da investigação bíblica.
A partir de meados do século XX, a tendência mais aguçada na interpreta-
ção bíblica é a da nova crítica literária. Apresenta os estudos histórico-críticos
que haviam acampado durante mais de dois séculos e, nas últimas décadas,
aberto passagem para os novos métodos literários. Do mesmo modo que foram
se diversificando os métodos histórico-críticos, também foram se multipli-
cando os novos métodos literários. A pluralidade dos estudos é um sinal dos
tempos atuais.1
Neste capítulo o que nos interessa são os métodos utilizados no estudo do
Pentateuco, pelos seus principais expoentes e pelos resultados obtidos. Depois
de uma breve apresentação dos estudos pré-críticos, será dedicado um espaço
mais amplo aos estudos histórico-críticos e aos literários, para concluir com
uma breve avaliação e assinalar as pautas a serem seguidas.
1. Clines, D.J.A.; Exum, J.C. The New Literary Criticism. In: EXUM, J.C. ; CLINES, D.J.A. (eds.).
The New Literary Criticism and the Hebrew Bible (JSOT SS 143). Sheffield, 1993, 14-15. Conforme
CARROLL, R.P. (enfoques pós-estruturalistas, neo-historicistas e pós-modernistas em BARTON, J.
[ed.]. La interpretación bíblica, hoy [PT 113]. Santander, 1998, 86), “o futuro dos estudos bíblicos
parece ser brilhante, mas bastante confuso”.
32 O Pentateuco
1. Período pré-crítico
A tradição judaica e a cristã atribuíram, desde os primórdios, a Torá a
Moisés; 2 conforme Filón e Josefo, Moisés escreveu inclusive o relato de sua mor-
te (Dt 34,5ss)3. Essa tradição, praticamente unânime durante séculos, toma ao
pé da letra algumas afirmações do Pentateuco sobre a atividade de Moisés como
escritor. Afirma-se, por exemplo, que Javé encarregou a Moisés escrever num
“Livro de memórias” a vitória de Israel sobre os amalecitas (Ex 17,14) e que
Moisés escreveu o “Código da Aliança” (Ex 24,4) e o “Direito de privilégio de
Javé” (Ex 34,27). Assim mesmo Nm 33,2 nos informa que Moisés foi registrando,
numa espécie de diário ou livro de viagens, as diferentes etapas da caminhada pelo
deserto. Finalmente, Dt 31,9.24 alude a Moisés como escritor da Torá.
No entanto, algumas das indicações anteriores nos convidam muito mais
a pensar que Moisés não pode ser o autor de todo o Pentateuco. Já Ibn Ezra
(+1167) advertiu que Dt 31,9 se refere a Moisés na terceira pessoa (“Moisés
escreveu”), quando o normal seria que o fizesse em primeira pessoa se fosse o
autor do livro do Deuteronômio. Cabe duvidar, assim mesmo, que se Josefo e
Filón se viram na necessidade de afirmar que Moisés escreveu o relato de sua
morte é porque havia boas razões para duvidar disso. Não é estranho, pois, que
o Talmud o coloque em dúvida, ao mesmo tempo nos indica que o Dt 34,5-12
foi acrescentado por Josué. 4 Ibn Ezra aponta para outras possibilidades adicio-
nais à Torá, posteriores a Moisés. Mas tanto ele como os demais comentaristas
medievais aceitaram a tradição mosaica do Pentateuco.
A exegese pré-crítica é fundamentalmente a-histórica. Interessa-se so-
bretudo pelas ideias teológicas, subjacentes nos textos. O problema do autor o
admite pacificamente, sem deter-se em sua discussão.
2. Cf. Cap. I § 1.
3. FILÓN, De Vita Mosis, II, 51; Josefo, Antiquitates Iudaicae, IV, viii, 48.
4. Cf. bBathra, 14b.
A Interpretação do Pentateuco 33
a) Crítica literária
A primeira tarefa da crítica literária consiste em determinar se um texto
é homogêneo ou não, isto é, se se deve a um ou mais autores. A literatura bí-
blica não é uma literatura moderna, cuja unidade não é colocada. 6 Na Bíblia
Hebraica, ao lado dos textos perfeitamente acabados e coerentes, com uma uni-
dade inegável, encontram-se outros compostos. Neste caso, a crítica literária se
preocupa em separar os elementos acrescentados dos originais, determinando a
unidade ou heterogeneidade do texto. As análises da crítica literária conduziram
para soluções muito diferentes.
5. Cf. Cap. I, § 5.
6. RICHTER, W. Exegese als Literaturwissenschaft. Entwurf einer alttestamentlichen Literaturtheorie und
Methodologie. Göttingen, 1971.
7. TOSTATI, A. Comentaria in Deuteronomium, III/2. Coloniae, 1613, 317-319.
34 O Pentateuco
8. AVILÉS, M. A teologia espanhola no s. XV. In: ANDRÉS, M. (dir.). Historia de la teología española.
I. Desde sus orígenes hasta fines del s. XVI. Madri, 1983, 495-577 (520).
9. ANDRÉS, M. A Teologia no século XVI. In: Id. (dir.). Historia de la teología española (n. 8), 579-
735 (641).
10. Cf. STUMMER, F. Die Bedeutung Richard Simons fur die Pentateuchkritik. Munchen, 1912;
STEINMANN, J. Richard Simon et les origines de l’exégèse biblique. Paris, 1959.
11. Cf. LODS, A. Un précurseur allemand de Jean Astruc: Henning Bernhard Witter. ZAW 43, 1925, 134-135.
12. ASTRUC, J. Conjectures sur les mémoires originaux dont il paraît que Moyse s’est servi pour compo-
ser le récit de la Genèse. Bruxelles, 1753; cf. ASTRUC, J. Conjectures sur la Genèse. Introduction et
Notes de P. Gibert. Paris, 1999.
A Interpretação do Pentateuco 35
5o Datação: de Wette15
Não basta distinguir os documentos; além disso, é preciso datá-los. O gran-
de mérito de de Wette (1780-1849)16 está em ter identificado o “Livro da lei”,
encontrado no templo na época de Josias (2Rs 22), com o livro do Deuteronômio
e em ter sabido utilizar esse livro como base para a datação do Pentateuco.
Para ele, as medidas adotadas por Josias como consequência da descoberta do
“Livro da lei”, em especial as da centralização do culto, se correspondem com
13. Cf. FULLER, R.C. Alexander Geddes, 1737-1802. Pioneer of Biblical Exegesis. Sheffield, 1984.
14. Cf. EWALD, H. Die Composition der Genesis kritisch untersucht. Braunschweig, 1823.
15. Cf. ROGERSON, J.W. ; DE WETTE, W.M.L. Founder of Modern Biblical Criticism An Intellectual
Biography (JSOT SS 126). Sheffield, 1992.
16. DE WETTE, W.M.L. Dissertation critica qua Deuteronomium a prioribus Pentateuchi libris diversum
alius cujusdam recentioris auctoris opus esse monstratur. Halle, 1805.
36 O Pentateuco
17. Outros dados sobre este autor, consultar a Historia de la investigación do Deuteronomio (Cap. VII, § I, 1, a).
18. HUPFELD, H. Die Quellen der Genesis und die Art ihrer Zusammensetzung. Berlin, 1853.
19. A hipótese documentária, em sua forma clássica, manuseia fundamentalmente cinco critérios para dis-
tinguir fontes ou documentos: 1o) duplicações e repetições; 2o) variação (mudança) nos nomes divinos;
3o) contradições no texto; 4o) variação (mudança) na linguagem e estilo; 5o) sinais de compilação e
redação de relatos paralelos (cf. CAMPBELL A.F. M.A.; O’Brien. Sources of the Pentateuch. Texts,
Introductions, Annotations. Minneapolis, 1993, 6).
A Interpretação do Pentateuco 37
com seu marco narrativo, deviam ser datadas, consequentemente, numa época
exílica ou pós-exílica. Desta observação, e para estes estudos, colaboraram ou-
tros contemporâneos seus, chegando à conclusão de que o documento sacerdotal
(= E1/P) era o mais recente e J, o mais antigo.20
Wellhausen nasceu em Hamelin em 1844. Aos 18 anos mudou-se para
Gotinga para estudar teologia. A leitura da obra de Ewald, Geschichte des Volkes
Israel, suscitou nele vivo interesse pelo estudo da Bíblia. Em 1871 publicou o
seu primeiro trabalho sobre os livros de Samuel. Ao inteirar-se das conclusões
de Graf, imediatamente se precaveu de que este autor estava correto, pois de seu
estudo sobre o livro de Samuel se deduzia que nem Samuel e nem Reis pressu-
punham as leis sacerdotais do Pentateuco (= E1 ou P).
Escreveu duas obras muito influentes na investigação do Pentateuco: uma
sobre a composição do Hexateuco e outra sobre a História de Israel. 21 No final
da primeira, sintetiza desta forma a composição do Hexateuco:
De J e E surgiu JE (= Jeovista) e com JE se uniu D; Q (= P) é uma obra
independente. Ampliada como Código Sacerdotal, Q se uniu com JE + D,
de onde surgiu o Hexateuco.22
20. Cf. GRAF, K.H. Die geschichtlichen Bucher des Alten Testaments. Zwei historisch-kritischen
Untersuchungen, Leipzig, 1866.
21. WELLHAUSEN, J. Die Composition des Hexateuchs und der historischen Bucher des Alten Testaments.
Berlin, 1893 (1876-1877); Id., Prolegomena zur Geschichte Israels. Berlin, 1883. Esses dois títulos são
significativos dos problemas que realmente preocupavam a Wellhausen: as fontes do Pentateuco e seu
substrato histórico. As duas questões se encontravam indissoluvelmente unidas. Dividir as fontes e datá-
-las, isto é, relacioná-las com uma época histórica, em especial com a história de sua religião, eram duas
faces da mesma moeda (cf. RENDTORFF, R. The Paradigm is Changing: Hopes and Fears, BI 1, 1993, 36.
22. Cf. WELLHAUSEN, J. Die Composition des Hexateuchs (n. 21), 207.
38 O Pentateuco
23. A contribuição decisiva de Wellhausen à composição do Pentateuco não se deve tanto às análises
crítico-literárias da Composition des Hexateuch, mas ao fato de que, partindo da Dissertation exegetico-
-critica, segundo de Wette, proporcionou um só fundamento à análise histórico-literário do Pentateuco
em seus Prolegomena zur Geschichte Israels e isso graças à reconstrução do culto. Se o calendário
festivo dtr de Dt 16 tem a ver com a centralização do culto de Josias, então é preciso distinguir entre
alguns estágios cultuais pré-josiano / dtr (J / E) e outros posteriores (P). Aqui está a força de convicção
da hipótese documentária. Por isso, a obra de de Wette (e o Deuteronômio) era o “ponto arquimédico”
para o Pentateuco (cf. OTTO, E. Do Livro da Aliança à Lei de Santidade. A reformulação do direito
israelita e a formação do Pentateuco, EstBíbl 52, 1994, 195-217 [196]).
24. KRAUS, H. J. Geschichte der historisch-kritischen Erforschung des Alten Testaments. Neukirchen-
Vluyn 1982, 258s.275. Num estudo recente sobre o legado de WELLHAUSEN, E. ; NICHOLSON, W.
(The Pentateuch in the Twentieth Century: The Legacy of Julius Wellhausen. Oxford, 1998), o autor de-
fende que a hipótese documentária, embora necessite de algumas revisões, é ainda a que melhor explica
o crescimento (desenvolvimento) do Pentateuco e que está longe de seu desaparecimento.
25. RICHTER, W. Exegese als Literaturwisswnschaft (n. 6), 72-152.
A Interpretação do Pentateuco 39
26. Cf. KLATT, W. Gunkel. Zu seiner Theologie der Religionsgeschichte und zur Entstehung der formges-
chichtliche Methode (FRLANT 100), Göttingen, 1969.
27. WHYBRAY, R. N. El Pentateuco. Estudio metodológico. Bilbao, 1995, 43.
28. GUNKEL, H. Genesis. Göttingen, 1910 (1901), viii, xix-xx.
40 O Pentateuco
32. WINNET, F.V. Re-examining the Foundations, JBL 84, 1965, 1-19.
33. WAGNER, N.E. Pentateuchal Criticism: No Clear Future. Canadian Journal of Theology 13, 1967,
225-232.
34. RENDTORFF, R. Tradition-historical Method and the Documentary Hypothesis. In: Proceedings of the
Fifth World Congress of Jewish Studies, I (Jerusalém, 1969), 5-11.
42 O Pentateuco
35. “Uma grande fragmentação do texto”, a dizer de VAN SETERS, J. Recent Studies on the Pentateuch: A
Crisis in Method, JAOS 99, 1979, 667.
36. Cf. RENDTORFF, R. Das uberlieferungsgeschichtliche Problem des Pentateuch (BZAW 147). Berlin,
1997. Sobre esta obra, cf. ZAMAN, L. R. Rendtorff en zijn “Das uberlieferungsgeschichtliche Problem
des Pentateuch”. Schets van een Maccabeër binnen de hedendaagsche Penteteuchexegese. Brussel,
1984.
A Interpretação do Pentateuco 43
37. Cf. BLUM, E. Die Komposition der Vätergeschichte (WMANT 57). Neukirchen-Vluyn, 1984.
38. Cf. BLUM, E. Studien zur Omposition des Pentateuch (BZAW 189). Berlin, 1990. Aproximadamente
meio século antes que Rendtorff e Blum, o sueco I Engnell defendeu a tese de uma dupla composição
D e P, quase contemporâneas, que compreende desde o livro do Gênesis até 2Reis, e, ao mesmo tempo,
desprezava a hipótese documentária como uma interpretatio europeica moderna (cf. OTTO, E. Kritik
der Pentateuchkomposition, ThR 60, 1995, 164).
39. Numa monografia recente (The State of the Pentateuch: A Comparison of the Approaches of M. Noth
and E. Blum [BZAW 249]. Berlin, 1997), WYNN-WILLIAMS, D.J. examina minuciosamente os prin-
cipais problemas apresentados por Rendtorff à investigação do Pentateuco e se pergunta se é preferível
a alternativa que ele propõe à teoria documentária clássica. Para responder a tal questão, compara os
trabalhos de Noth e Blum, a propósito de Gn 25–33 (Jacó-Esaú), chegando à conclusão de que os dois
modelos têm seus próprios supostos e seus limites. E ainda mais, para ele, a pretensão de Rendtorff não
está justificada e o aproximamento de Noth é em certos aspectos superior. Enquanto que NICHOLSON,
E. W. considera muito valioso este trabalho (JSOT 79, 1998, 139), CARR, D.M. o qualifica de “desfo-
cado e antiquado” e “frequentemente inexato e injusto” (JBL 117, 1998, 723).
44 O Pentateuco
Influenciado por Rose, Van Seters defende que o Pentateuco não é o fun-
damento da grande história que vai desde a criação do mundo até a queda de
Jerusalém, mas a ampliação da História Deuteronomista. Quer dizer, primeiro
teria composto a história que vai desde a conquista até a perda da terra e, em
seguida, para chegar ao vazio histórico prévio, teria composto o Pentateuco. O
autor da História Deuteronomista era um grande historiador nacional, compará-
vel a Heródoto para a história da Grécia.45
45. O argumento do siléncio empregado por Graf e Wellhausen para concluir tardiamente o documento
P voltou a ser utilizado por Schmid, Rose e Van Seters contra a datação primitiva do J. Para eles, a
literatura israelita pré-exílica mostra um grande desconhecimento das tradições do Pentateuco antes da
emergência do Deuteronômio no século VII.
46. Cf. ZENGER, E. Die Bucher der Tora/des Pentateuch. In: ______. (ed.). Einleitung in das Alte
Testament. Stuttgart, 1995, 73-75.
46 O Pentateuco
4. Estudos literários
Os estudos bíblicos realizados com os novos métodos de análise literária se
distinguem dos anteriores pelo seu caráter a-histórico e sincrônico. À diferença
da teoria das fontes ou documentária, que usa o texto bíblico como um “docu-
mento” para reconstruir o passado, as novas teorias literárias percebem o texto
como um “monumento” que pode ser contemplado e admirado pelo seu próprio
valor estético e artístico.
Na perspectiva geral dos novos métodos de análise literária, o texto aparece
como um sistema fechado que deve ser interpretado por si mesmo, independen-
temente de seu autor e de suas origens, das circunstâncias e do mundo que o
rodeiam. Embora diferentes entre si, em não poucos aspectos, os vários métodos
literários de tipo sincrônico coincidem em atribuir toda a importância ao texto
final.48 Do interesse pelo autor e pela história (métodos histórico-críticos) se
passa ao interesse pelo texto e seus leitores.
47. Cf. OTTO, E. Do Livro da Aliança à Lei de Santidade (n. 23), 195-217. Para maiores dados, ver a
História da investigação do livro do Deuteronômio, Cap. VII, § I, 5.
48. Os critérios literários usados pela hipótese das fontes (ver o que foi dito na nota n. 19) são valorizados
de modo muito diverso pelos estudos literários. Assim, as duplicações e repetições – às quais se dedica
especial atenção – são consideradas pelos estudos literários como recursos para produzir determinados
efeitos morais ou estéticos no texto. Cf. NAHKOLA, A. Double Narratives in the Old Testament. The
Foundations of Method in Biblical Criticism (BZAW 290). Berlin, 2001.
A Interpretação do Pentateuco 47
a) De tipo retórico
A análise retórica não é nova em si mesma, embora seja em sua aplicação
metodológico-sistemática aos estudos bíblicos. Distinguem-se dois tipos de mé-
todos retóricos: o primeiro, de tipo clássico, inspira-se na retórica greco-latina,
e o segundo, de tipo bíblico, interessa-se muito mais pelos procedimentos semí-
ticos da composição.50
A análise retórico-clássica desenvolveu-se sobretudo nos Estados Unidos.
O impulso inicial foi dado pelo discurso presidencial dirigido por Muilenburg,
em 1968, à Society of Biblical Literature. Nele, convidava a utilizar a crítica re-
tórica para complementar os estudos veterotestamentários da crítica da forma.51
Tratava-se de aplicar as regras da retórica greco-latina clássica ao estudo dos tex-
tos bíblicos. Isso contribuiria para definir de uma forma mais exata as unidades,
conhecer melhor a sua estrutura e precisar a configuração de seus componentes.
49. Cf. ALONSO SCHÖKEL, L. Hermeneutical Problems of a Literary Study of the Bible. In: Congress
Volume. Edinburg 1974 (SVT 28). Leiden, 1975, 14; ______. Trends: Plurality of Methods, Priority of
Issues. In: EMERTON, J.A. (ed.). Congress Volume. Jerusalem 1986 (SVT 40). Leiden, 1988, 286.
50. Cf. MEYNET, R. Lire la Bible. Un exposé pour compreendre. Un essai pour réfléchir. Paris, 1996, 69.
51. Cf. MUILENBURG, J. Form Criticism and Beyond, JBL 88, 1969, 1-18.
48 O Pentateuco
b) De tipo narrativo
O método narrativo se aplica exclusivamente às narrações. O seu objeti-
vo primário consiste em analisar as narrações como peças literárias, não como
documentos históricos. Consequentemente se dá muita atenção, de preferência
às técnicas narrativas. Enquadrando-as no marco da “Nova crítica literária”.
Alguns críticos, em especial do campo da literatura geral, consideram o método
narrativo como uma subespécie de nova crítica retórica; mas outros, sobretudo
do campo bíblico, o valorizam como um movimento paralelo e independente.53
Nas últimas décadas, o método narrativo ganhou muitos adeptos. Pode
ser considerado como o método literário mais popular para a análise dos textos
53. Cf. POWELL, M.A. What is Narrative Criticism? A New Approach to the Bible. London, 1993, 19.
50 O Pentateuco
c) De tipo semiótico
Enraizado no formalismo russo de V. Propp, o método semiótico ou estru-
turalista tem como fundador o linguista suíço F. de Saussure. O método evoluiu
para diversas direções. As mais seguidas, no campo bíblico, são as que foram
elaboradas por A.J. Greimas e sua escola e por R. Barthes.
A semiótica estuda os sistemas de significação nos níveis narrativo, discur-
sivo e lógico-semântico. Interessa-se em especial pelas estruturas profundas e
pela “gramática” do relato, isto é, pelas categorias lógicas e essenciais que fun-
cionam idealmente em todo o relato. Não se limita à análise das palavras e das
frases, mas trata também de ver a relação que existe entre estas e de aprofundar
o significado global dos textos. Colocando em jogo a globalidade, a prioridade
das relações e as estruturas sobre os elementos.
O complicado e esotérico da linguagem empregada neste tipo de trabalho
fez com que o método tenha encontrado dificuldades para a sua expansão no
campo bíblico. Não obstante, é preciso apresentar alguns ensaios meritórios.
• LEACH, E. Genesis as Myth and Other Essays. London, 1969.
• GREIMAS, A.J. Du sens I. Paris 1970; Du Sens II. Paris, 1983.
• BARTHES, R. La Lutte avec l’ange: analyse textuelle de Genèse
32,23-33. In: F. Bovon (ed.). Analyse structurale et exégèse biblique.
Neuchâtel, 1971, 27-39.
• POLZIN, R.M. Biblical Structuralism: Method and Subjectivity in
the Study of Ancient Texts. Philadelphia, 1977; Id. Moises and the
Deuteronomist: A Literary Study of the Deuteronomistic History.
52 O Pentateuco
5. Avaliação e tarefa
Depois de vários séculos dando voltas aos mesmos problemas, os exegetas
ainda não chegaram a uma solução satisfatória sobre as questões apresentadas
pelo Pentateuco. Isso mostra, não somente a complexidade dos temas, como
também os limites dos métodos e a fragilidade das hipóteses. Nenhum méto-
do consegue extrair dos textos bíblicos toda a riqueza que contêm. Nenhuma
hipótese fora capaz até este momento de explicar de uma forma satisfatória
a imensidão dos dados díspares do Pentateuco. Os estudos bíblicos recentes
ajudaram a tomar consciência desta realidade e contribuíram para revisar os
fundamentos, os critérios utilizados e as conclusões recebidas.
Apesar do desconforto que reina na exegese atual do Pentateuco, algu-
mas posições vão sendo clarificadas e vão emergindo alguns pontos sólidos.
Torna-se cada vez mais óbvio que se deve desprezar qualquer tipo de exclu-
sivismo. É preciso evitar cair numa tendência “historicizante”, como ocorreu
com os métodos histórico-críticos, assim como no excesso inverso do esque-
cimento da história, característico dos novos métodos literários. Parece claro,
assim mesmo, que a solução dos problemas não deve passar por uma exegese
“atomizante”, nem pela concepção do Pentateuco como uma obra de arte, fru-
to de um só autor.54
55. Cf. CARR, D. Reading the Fractures of Genesis. Historical and Literary Approaches, Louisville, 1996.
56. Cf. JAMIESON-DRAKE, D.W. Scribes and Schools in Monarchich Judah. A Socio-Archeological
Approach (JSOT SS 109). Sheffield, 1991; DE PURY, A. As duas lendas sobre a origem de Israel (Jacó
e Moisés) e a elaboração do Pentateuco, EstBíbl 52, 1994, 96-97.
54 O Pentateuco
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